Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 712/2022-T
Data da decisão: 2023-07-12  IRC  
Valor do pedido: € 53.684,61
Tema: IRC - RFAI
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                                                           Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. Luís Miranda da Rocha e Dr.ª Sofia Ricardo Borges, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-03-2023, acordam no seguinte:

         

         1. Relatório

 

            A..., Lda., contribuinte fiscal número..., com sede na ..., ...,  ..., ...-... ... (doravante designada como ”Requerente"), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) com o n.º 2022 ... e correspondentes juros compensatórios, relativo ao exercício de 2016, no montante de € 52.112,18 (cinquenta e dois mil cento e doze euros e dezoito cêntimos) e a imposição da restituição do montante de IRC e juros compensatórios indevidamente liquidado e pago por referência a 2016, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º da LGT e no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, ex vi artigo 24.º, n.º 5 do RJAT.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-11-2022.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 10-03-2023, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28-03-2023.

A AT apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 05-06-2023 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas em prazo simultâneo.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

 

2. Matéria de facto 

 

2.1. Factos provados 

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para apreciação desta questão:

A)   Em 23-05-2018, a Requerente apresentou a declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2016 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)   Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço 012021... e 012021..., que abrangeu os períodos de 2016 e 2017, tendo por objecto o controlo de benefícios fiscais;

C)   Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.3.6. Outros factos a destacar

Breve enquadramento da atividade da empresa

A A..., LDA, doravante também designada por A..., foi fundada em 1985, e desde então dedica-se à produção de colas, vernizes e produtos auxiliares para a indústria em geral.

A empresa possui instalações próprias ocupando atualmente uma área coberta de 5.500m2, distribuída por serviços administrativos, laboratórios, 3 pavilhões de produção, armazéns de embalagens, matérias-primas e de produtos fabricados.

O foco da sua atividade encontra-se direcionado para a produção de uma vasta gama de colas industriais (colas vinílicas de base aquosa, colas acrílicas de base aquosa, dispersões aquosas de látex, colas de PU, colas de borracha natural e base solvente, colas de policloroprene base solvente incluindo colas unilaterais, colas de PU base solvente), revestimentos de base aquosa para aplicações industriais e borrachas líquidas para cravação de tampos e fundos de embalagens metálicas, tanto para produtos industriais como produtos alimentares.

Na sua génese a A... centralizava a sua atividade na produção de colas para o setor do calçado tendo posteriormente evoluído com o desenvolvimento de produtos para outros setores. Atualmente os produtos da A..., segmentados em colas e vernizes, servem os setores da madeira/mobiliário, construção, cortiça, papel, automóvel/carroçaria e vedantes para embalagens metálicas (únicos produtores a nível nacional) segmento recentemente adicionado pela empresa.

 

As instalações fabris encontram-se divididas em 3 zonas produtivas:

Zona 1, afeta à produção de borrachas líquidas, essencialmente vedantes para embalagens metálicas (latas para uso industrial ou alimentar), cuja produção se destina essencialmente ao mercado externo.

Este setor dispõe de 3 tanques agitadores.

Zona 2, afeta à produção de colas de base aquosa, usada essencialmente na indústria da madeira e papel. Esta zona dispõe de 4 taques de misturação.

Zona 3, afeta à produção de colas de base solvente, usada essencialmente na indústria do calçado, automóvel, construção, etc. Esta zona dispõe de B misturadoras ativas e uma inativada há mais de dez anos. As matérias-primas encontram-se armazenadas no exterior, em tanques subterrâneos, sendo canalizadas para as respetivas misturadoras por condutas.

De acordo com as informações prestadas, pressionada pela premente necessidade de reestruturação das suas instalações, no ano 2017 a sociedade construiu um edifício, contíguo às suas anteriores instalações, que afetou a armazém de produtos acabados e parque de estacionamento. Deste investimento decorreu a aquisição de dois empilhadores, em funcionamento neste armazém.

Nesse mesmo ano, nas antigas instalações, realizou obras de melhoramento, ampliação do laboratório

e, por imposição legal, concretizou a mudança de local da linha produtiva das colas de base solvente (tanques e respetivas instalações). Decorrente desta mudança incorreu em gastos com a deslocalização de um contador de solventes, que após adaptação, foi afeto a uma linha dedicada ao solvente "HEXANO" (para evitar contaminações), e adquiriu um novo para as restantes linhas/tubagens.

Nos anos 2018 e 2019 realizou ainda os seguintes investimentos no setor de produção de borracha líquida:

• Aquisição de um equipamento de filtragem e embalagem, que visou substituir um antigo obsoleto:

• Reparação e melhoramento de uma amassadora de borracha líquida; e,

• Aquisição de um agitador hidráulico de borracha líquida.

Por fim, em 2019, adquiriu um reator cilindro-vertical que se insere num projeto piloto de investigação e desenvolvimento com vista à fabricação de um produto inovador.

O investimento realizado nos anos 2016 e 2017, relativo à construção do novo edifício e requalificação do antigo, bem como a aquisição dos dois empilhadores, foi apresentado para efeitos de obtenção dos benefícios fiscais RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento) e DLRR, e será objeto de análise e correção no ponto III do presente relatório.

(...)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. EM SEDE DE IRC - IMPOSTO

III.1.1. Deduções à coleta - RFAI

III.1.1.1. Enquadramento do benefício fiscal

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), criado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, que vigorou, com algumas alterações, entre 2009 e 2013, bem como o mesmo regime incluído no Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto (2007-2013), e do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014 (2014-2020), respetivamente.

Em termos gerais, o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores da indústria extrativa e transformadora, turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo, atividades e serviços informáticos, agrícolas, I&D, tecnologias da informação, defesa, energia, telecomunicações e atividades de centros de serviços partilhados, devendo, em conformidade com o direito comunitário, respeitar-se o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período de 2014-2020 publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC, conforme artigo 2º, n.º 2 do CFI.

De acordo com o artigo 22.º, n.º 4, do CFI, para que um determinado sujeito passivo possa beneficiar do RFAI, é necessário que cumpra um conjunto de condições cumulativas, nomeadamente:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31 ."-B do Código do IRC;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão -Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014;

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

Nos termos da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, com o objetivo de assegurar a aplicação integral das regras previstas no Regulamento (UE) n.º651/2014, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107º e 108.º do Tratado da União Europeia, bem como das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, o RFAI apenas é aplicável relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do § 49 do artigo 2.ºdo RGIC.

Considera-se como tal, um investimento em ativos corpóreos ou incorpóreos relacionado com a criação de um NOVO estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

O conceito de "investimento inicial" assume extrema importância para efeitos de enquadramento do investimento elegível em termos de RFAI, o investimento, para ser considerado investimento inicial, tem que ser considerado de uma forma global e, neste caso em concreto, enquadrado relativamente ao seu contributo para o aumento da capacidade do estabelecimento já existente, tipologia indicada pelo sujeito passivo. A aquisição de equipamento fora de uma estratégia global de investimento que não contribua para este efeito, configura uma "aquisição isolada" e, como tal, não enquadrável no conceito de "investimento inicial" e, logo, não elegível para efeitos de RFAI.

A palavra inicial (em investimento inicial) não é meramente figurativa. Um investimento inicial é um investimento adicional, novo. Novo não no sentido de adquirido no estado de novo (o que também se exige), mas no sentido de investimento de raiz, necessariamente distinto e incremental em relação ao já existente. Não é a manutenção das atividades que promove o crescimento, o desenvolvimento sustentável e a criação de emprego, mas sim o incremento dessas atividades ou a realização de atividades adicionais. O objetivo é incentivar um maior investimento ou atividade económica nas regiões mais desfavorecidas (investimento de expansão, aumento, ampliação), e não a mera manutenção ou substituição do que já existe, conforme resulta Paramente do § 31 do preâmbulo do Regulamento n.º 651/2014 da Comissão (RGIC):

"(...) os auxílios com finalidade regional promovem a coesão económica, social e territorial dos Estados-Membros e da União no seu conjunto. Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável. (...)"

Para além do enquadramento do investimento numa das tipologias acima referidas, é exigido às entidades o cumprimento cumulativo de várias condições, nomeadamente que se efetue investimento em aplicações relevantes que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção, conforme a alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.

O n.º 2 do artigo 22.º do CFI estabelece, quanto às aplicações relevantes, que:

"2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:

a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

i. Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa:

ii. Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas:

iii. Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv. Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeio a exploração turística;

v. Equipamentos sociais;

vi. Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;

b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

O artigo 25º do CFI estabelece as obrigações acessórias de documentação e comprovação dos requisitos legais no âmbito do presente regime:

"1 - A dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 23º é justificada por documento a integrar o processo de documentação riscai a que se refere o artigo 130º do Código do IRC, que identifique discriminadamente as aplicações relevantes, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes.

2- Do processo de documentação fiscal relativo ao exercido da dedução deve ainda constar documento que evidencie o cálculo do benefício fiscal, bem como documentos comprovativos das condições de elegibilidade previstas no artigo 22º. (...)"

O cumprimento das obrigações acessórias assume especial relevância, pois dele depende o controlo eficaz da verificação dos respetivos pressupostos e da observância das condições impostas aos titulares desse direito (conforme dispõe o artigo 7.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF).

Por sua vez, o artigo 7.º da referida Portaria determina que, para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 25.º do Código Fiscal do Investimento, os sujeitos passivos devem incluir no processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, entre outros elementos, a descrição do investimento inicial, indicando designadamente os objetivos, áreas de intervenção e os principais investimentos, bem como o respetivo enquadramento numa das tipologias previstas.

Os casos de incumprimento da manutenção do equipamento objeto de investimento no âmbito do presente regime estão previstos no artigo 26.º do CFI.

O benefício fiscal associado a este regime prevê a dedução até 50% da coleta do valor correspondente a 25% das aplicações relevantes, relativamente a investimento realizado até ao montante de 5.000.000,00 euros, conforme dispõem as alíneas b) do n.º 2 e i) do n.º 1 da alínea a) do n.º 1, ambas do artigo 23.º do CFI.

Contudo, nos termos do n.º 5 do artigo 23.º do CFI, os benefícios fiscais devem respeitar os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região na qual o investimento seja efetuado, nos termos do artigo 43.º do CFI, sendo que, caso os investimentos beneficiem de outros auxílios de Estado, o cálculo de tais limites deve ter em consideração o montante total dos auxílios, proveniente de todas as fontes (n.º 6 do artigo 23.º do CFI).

Importa ainda referir que, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do EBF, os benefícios fiscais extinguem-se pela inobservância das condições impostas. Deste modo, sendo o RFAI um benefício fiscal automático (não depende de reconhecimento), despoletado pela declaração apresentada pelo sujeito passivo onde invoca o direito ao mesmo, o ónus da prova recai, nos termos do n.º 1 do artigo 74º da LGT, sobre o mesmo, ficando este obrigado a cumprir todas as obrigações legalmente previstas e a prestar todos os esclarecimentos que a inspeção tributária venha a considerar necessários para a sua validação, sob pena da sua desconsideração.

 

III.1.1.2. Valores declarados pelo sujeito passivo

Nos anos de 2016 e 2017, o sujeito passivo registou dotações do período nos montantes de € 44.920,05 e € 98.998,25, respetivamente. A dotação relativa ao período 2016 foi deduzida na sua totalidade no próprio exercício, já a dotação apurada no período 2017, por insuficiência de coleta, transitou parcialmente para o período seguinte, conforme demonstra o quadro seguinte:

 

III.1.1.3. Enquadramento do investimento realizado pelo sujeito passivo

No dossier apresentado (anexos 2 e 31. o sujeito passivo apresentou o seguinte enquadramento para o investimento realizado:

"Em 2016 a A... iniciou um projeto de investimento que se caracterizou pela criação de um novo armazém, para o qual foi necessária a construção das instalações inerentes à criação do mesmo, numa primeira fase e que se prevê 2018.

Adicionalmente, é expectável que o investimento contribua para o aumento da capacidade instalada e tenha continuidade nos anos seguintes, pela necessidade de adquirir equipamento básico, bem como equipamento de transporte para o novo estabelecimento."(...)

"O investimento inicial da A... no âmbito do RFAI, 2016, deteve-se na topologia de aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, caracterizando-se por:

1. Objetivo

Criar condições para o aumento da capacidade do estabelecimento existente que se traduzem na concretização dos seguintes objetivos:

i. Aumento da capacidade de armazenamento de produtos fabricados e rentabilização de recursos disponíveis, assim como, de aprovisionamento de matérias-primas por forma a reforçar a competitividade',

ii. Libertação de espaço na unidade fabril, criando melhores condições de trabalho e organização, permitindo aumentar a sua capacidade de produção de bens transacionáveis e internacionalizáveis; 

iii. Dispor de instalações mais alargadas, com novos processos de produção, mas totalmente articulados com os existentes e por isso no sistema global de informação da empresa; 

iv. Aumento do volume de negócios/ano;

v. Oferecer ao mercado uma carteira de produtos/serviços sucessivamente inovadores; vi. Melhorar a segurança e eficiência operacional, o que é determinante para garantir a satisfação dos seus colaboradores e clientes; 

vii. Aumentar a quota de mercado o mercado externo, aumentar a carteira de clientes no mercado externo, reforçar e apostar na implementação de projetos de I&DT; 

viii. Aumentar a notoriedade da empresa.

 

2. Áreas de intervenção

O projeto de investimento possui como foco a intervenção essencialmente nas seguintes áreas: 

i. Criar melhores condições de trabalho/organização;

ii. Maior capacidade de armazenamento e consequentemente maior capacidade produtiva/equipamento; 

iii. Proporcionar a produção e novos produtos/produtos significativamente melhorados; 

iv. Aumento de postos de trabalho.

Assim, os investimentos a serem efetuados são vocacionados para a procura incessante em satisfazer as exigências do setor e dos seus clientes, sendo esse o argumento derradeiro que a A... apresenta e tem suportado os níveis de fidelização que regista sua trajetória."

Para além desta descrição, o sujeito passivo apresentou as relações do investimento realizado (imagens seguintes) e respetivos documentos de aquisição.

Conforme já referenciado, cabe ao sujeito passivo demonstrar que o investimento se enquadra na tipologia de investimento inicial por ele definida, impondo-se, face ao ónus da prova que sobre ele impende, estabelecer um nexo de causalidade entre o investimento realizado e o objetivo prosseguido "aumento da capacidade produtiva da unidade industrial", designadamente, demonstrando a capacidade instalada antes e após projeto

Não basta à empresa elencar objetivos genéricos, manifestar intenções e discriminar investimentos "avulsos", declarando que estes induzem o aumento da capacidade do estabelecimento, impõe-se a identificação de um projeto/investimento integrado e agregador, com objetivos e áreas de intervenção concretamente definidos, de forma a que seja justificado, entre outros, o seu enquadramento numa das tipologias abrangidas pelo conceito de investimento inicial, tal como impõe o artigo 11.º da Portaria 297/2015 de 21 de setembro. Investimento inicial é claramente um investimento de expansão, que exige a reestruturação/redimensionamento da instalação produtiva, e não um mero investimento corrente que sempre é exigido para manutenção de uma atividade desta natureza, motivado pelo desgaste, obsolescência, etc.

Portanto, antes de qualquer análise casuística sobre a elegibilidade das aplicações consideradas relevantes pelo sujeito passivo, importa realçar que, apenas serão aceites aquelas que, indubitavelmente, possam ter enquadramento no âmbito de um projeto de investimento inicial (nexo causal entre a estratégia de redimensionamento definida e as necessidades de investimento), direcionado para uma efetiva expansão da instalação fabril através de uma das quatro tipologias previstas. Ou seja, não basta aferir a exclusão (ou não), como aplicações relevantes, somente com base no disposto no n.º 2 do artigo 21º CFI, impõe-se a verificação prévia de um nexo de causalidade entre os ativos considerados elegíveis e o objetivo estratégico do projeto e sua coerência com a tipologia de investimento inicial invocada pelo sujeito passivo (aumento da capacidade do estabelecimento).

Pela leitura do descritivo apresentado no dossier fiscal verificamos que o investimento realizado nos anos 2016 e 2017, apresentado para efeitos do RFAI, esteve associado à construção de um novo armazém, com o objetivo (definido pelo sujeito passivo) de aumentar a capacidade de armazenamento, libertando assim espaço na unidade fabril de forma a dispor de instalações mais alargadas, no entanto, em momento algum é explicado, em concreto, de que forma esse investimento permitiu aumentar a capacidade de produção da empresa. Aliás, verifica-se uma certa confusão de conceitos, nomeadamente, entre aumento de capacidade instalada (aumento da capacidade para produzir mais unidades) e aumento da utilização da capacidade instalada (a capacidade para produzir mais unidades mantém-se inalterada, no entanto, a eliminação de alguns constrangimentos ou a introdução de alguns melhoramentos permite que essa capacidade passe a ser utilizada a um nível mais elevado).

Como é óbvio, o aumento das edificações da empresa (e nem sequer se trata de edificações fabris mas sim de armazenamento de produto acabado), por si só, não permite o aumento da sua capacidade de produzir, tal objetivo só é conseguido se for acompanhado da aquisição de novas máquinas e equipamentos para o setor produtivo, tal como, do necessário aumento dos postos trabalho que permitam operar os novos equipamentos.

Claramente, pela leitura do descritivo apresentado pelo sujeito passivo, tal desiderato não foi alcançado e nem sequer foi o objetivo do investimento realizado, facto corroborado na visita efetuada à empresa em 24 de janeiro de 2022 para verificação física do investimento considerado para efeito do RFAI, em que, para além da signatária, contou com a presença da Coordenadora da Equipa D..., acompanhadas do sócio-gerente e da contabilista certificada da sociedade. Pelo que, é de considerar, desde logo, incumprido o requisito que exige uma identificação clara e inequívoca do investimento realizado, designadamente e para além da identificação dos ativos que constituem o projeto de investimento e os seus objetivos concretos, a demonstração do enquadramento numa das tipologias de investimento inicial, que é fundamental e, obviamente, deveria anteceder a dedução à coleta do respetivo benefício fiscal, o que não aconteceu (artigo 25º do CFI e artigo 7º da Portaria 297/2015).

Porque não basta dizer que "aumentou a capacidade instalada", sem efetuar qualquer demonstração de tal capacidade no antes e no pós projeto, e sobretudo, quando os investimentos realizados não são orientados nem revelam aptidão para esse concreto efeito, conforme resulta, também, da análise casuística ao investimento apresentado e a cada uma das aplicações consideradas relevantes que o integram, complementada pelos esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo no decurso do procedimento inspetivo, conforme a seguir se expõe.

 

III. 1.1.4. Análise ao investimento

Os dois quadros seguintes refletem o investimento apresentado pelo sujeito passivo (anexos 2 e 3), para efeitos do RFAI, nos anos 2016 e 2017:

 

Para efeitos de análise agrupamos o investimento em três grupos (edifício fabril antigo / edifício fabril novo / equipamento de transporte) conforme apresentado no quadro seguinte.

Iniciando a análise pelo edifício antigo (art.º ...), podemos diferenciar dois tipos de despesas:

1. Despesas com a beneficiação/adaptação/melhoramento do edifício

2. Despesas com a ampliação do laboratório

 

No primeiro item são incluídos materiais e serviços de construção civil realizados no antigo setor de produtos acabados (substituição de painéis, colocação e chapas, portas, portões com automatismos) e trabalhos realizados no corredor (aplicação de isolamento zincado e chapas)

Estamos aqui perante um investimento que se cinge a obras de adaptação e reabilitação de uma parte de um edifício já existente, sem qualquer alteração da estrutura do mesmo, com a necessária reposição e substituição de materiais, que não cabe no conceito de investimento inicial.

A este propósito se pronunciou a AT através da ficha doutrinária processo 2020 004282. PIV 18369, sancionado por despacho de 25 de novembro de 2020, da Subdiretora-Geral do IR, onde estava em causa aferir a elegibilidade, ou não, em sede de RFAI, da parte do investimento relativa à substituição de chapas na cobertura e revestimento de um pavilhão industrial (que se encontrava em construção), motivada por um incêndio. A apreciação deste caso concluiu que:

"estando em causa um investimento relativo à substituição da parte do pavilhão que ficou danificada, o mesmo traduz-se num mero investimento de substituição e não numa adição e, como tal, não pode ser considerado elegível para efeitos de cálculo do valor do crédito fiscal RFAI."

Conforme já exposto, este benefício fiscal pretende apenas incentivar o investimento adicional que seja, simultaneamente, incremental em relação ao investimento já existente, incremental em termos de capacidade instalada e incremental ainda em termos de postos de trabalho criados. Por conseguinte, os investimentos que não satisfaçam estas condições cumulativas, encontram-se excluídos do RFAI. É o que acontece com estas obras de beneficiação do edifício antigo.

Efetivamente, investimento inicial é precisamente o oposto de investimento de manutenção ou se substituição. De facto, enquanto que o investimento de manutenção permite reparar, conservar e eventualmente atualizar os ativos existentes, com a necessária reposição de materiais (substituindo os obsoletos/gastos por novos), um investimento inicial é um investimento adicional, de raiz, necessariamente distinto e incremental em relação ao já existente, exigindo ainda um conjunto de ativos que, de forma funcionalmente integrada e interrelacionada, permita uma efetiva e significativa expansão da atividade instalada, isto é. permita um "salto produtivo" que coloque a entidade num nível superior (reestruturação ou redimensionamento da instalação fabril, visando a sua expansão).

Os investimentos realizados no antigo setor de produtos acabados e no corredor são notoriamente investimentos que visam a manutenção/adaptação das instalações da empresa, face à libertação de espaço permitida pela construção do novo armazém de produtos acabados, mas sem qualquer impacto na capacidade de produção de colas e vedantes instalada (unidades).

O mesmo acontece com as obras realizadas com vista à ampliação do laboratório. Esclareça-se que esta ampliação não alterou os limites externos do edifício, a ampliação do laboratório foi concretizada através da apropriação de uma área anteriormente ocupada pelo armazém. Apesar de estamos perante um investimento que altera um departamento da empresa, promovendo a sua ampliação, este investimento também não cabe no conceito de investimento inicial por não ter qualquer impacto na capacidade produtiva da empresa. Isto é, tal como os demais, trata-se de um investimento de mera remodelação do edifício pré-existente com vista à afetação de uma maior área a laboratório.

O segundo grupo de despesas respeita a obras realizadas no artigo ... urbano da freguesia de ..., contíguo ao edifício antigo, adquirido pela sociedade em 2015-11-18, por €330.000,00 e respetivo processo de licenciamento.

Este artigo tem 2.273 m2 de área total de terreno,1.079 m2 de área de implantação do edifício e proveio do anterior artigo urbano n.º..., no qual já se encontrava edificada uma construção industrial com 580 m2. Atualmente encontra-se exclusivamente afeto ao armazenamento de produtos acabados e a área exterior afeta a parque de estacionamento.

Estamos, pois, perante um investimento que visou a demolição e construção de um edifício, anteriormente adquirido pela empresa, com o necessário aumento de área coberta, que destinou a armazém.

Conforme prevê a al. a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, só são elegíveis para efeitos de RFAI os ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo. Assim, relativamente à aquisição do edifício, o sujeito passivo procedeu corretamente quando não considerou esta aquisição para efeitos de RFAI, pelo que, analisaremos apenas as despesas de construção civil incorridas neste.

Dita a regra constante do al. a) do n.º 2 do art.º 22 do CFI que se consideram aplicações relevantes, para efeitos deste regime, os ativos fixos tangíveis adquiridos em estado novo, que não sejam, entre outros, a construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios.

Portanto, o investimento em edifícios é afastado do regime, por força da subalínea ii), da alínea a), do n.º 2, do referido art.º 22.º, ficando salvaguardado apenas o investimento em instalações fabris ou que estejam afetos a determinadas atividades, como sejam atividades turísticas, atividades de produção de audiovisual ou atividades administrativas.

Conforme afirmado pelo sujeito passivo, este investimento permitiu à empresa aumentar a capacidade de armazenamento e consequentemente libertar espaço na unidade fabril, criando melhores condições de trabalho, organização, melhor segurança e melhor eficiência operacional, mas tal só permitiu estimular a capacidade de produção que já se encontrava instalada.

Também não pode deixar de se referir que a demolição de um edifício para a construção de um outro consubstancia investimento de substituição, pois que, para além das despesas de construção civil de edifícios se encontrarem, em regra, excluídas ou limitadas às instalações fabris relacionadas e indispensáveis à concretização de um investimento inicial de expansão da capacidade produtiva, no âmbito do RFAI, é afastado o investimento de substituição.

Mas para além de se tratar da "substituição de um edifício por outro", a construção do novo edifício, cuja importância no total do investimento realizado é predominante, destina-se ao armazenamento de produtos acabados, que antes era efetuado nas antigas instalações industriais. Na verdade, o objetivo central do investimento realizado nos anos de 2016 e 2017, é a mudança do armazém de produtos acabados, que deixa de se situar nas instalações pré-existentes, com as consequentes obras de readaptação dessa parte do edifício antigo, e passa para a nova edificação, construída após demolição da que existia anteriormente.

Certamente, a libertação de espaço no edifício onde se concentra a parte produtiva da empresa, terá proporcionado melhorias produtivas ou reduzido ineficiências. Contudo, uma coisa é o investimento que permite melhorar o aproveitamento da capacidade de produção pré-existente, que por algum motivo se encontra subaproveitada ou constrangida, outra coisa é o investimento que permite o aumento dessa capacidade instalada. Apenas este último é considerado investimento inicial, ou seja, investimento adicional, de expansão.

Assim, tendo em consideração que o investimento na construção do novo edifício é investimento de substituição e nem sequer foi acompanhado da aquisição de novos equipamentos produtivos suscetíveis de aumentar a capacidade de produção, não integrando um projeto agregador que vise, sobretudo, este objetivo, não poderá ser considerado elegível por não preencher o conceito de investimento inicial.

Por fim encontra-se ainda a aquisição de equipamento de transporte, concretamente dois empilhadores. Estes empilhadores encontram-se em funcionamento no novo armazém e a sua aquisição decorreu da construção do mesmo.

Pelos fundamentos já apresentados, nomeadamente, porque não está em causa um projeto de investimento de expansão da capacidade produtiva mas apenas de melhoria das condições em que é exercida a atividade pré-existente, que passou pela construção de armazém de produtos acabados e aquisição de 2 empilhadores afetos ao mesmo, libertando espaço (que foi remodelado) na edificação antiga onde é realizada a produção das colas e vedantes, não tem enquadramento no conceito de investimento inicial na tipologia definida pelo sujeito passivo de "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente".

 

III. 1.1.5. Condição da criação de postos de trabalho

Para além de o investimento realizado não consubstanciar um investimento inicial de expansão da capacidade produtiva, também não revelou potencial para incrementar o emprego, conforme se demonstrará a seguir, tendo em conta o critério definido por este regime de benefícios fiscais.

Nos termos das disposições conjugadas das alíneas c) e f) do n.º 4 do artigo 22 do CFI, podem beneficiar do RFAI os sujeitos passivos de IRC que efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, regra geral, 3 anos para as micro ou PME, e 5 para as grandes empresas.

O RFAI constitui-se assim como uma medida ativa de apoio ao investimento e emprego, em consonância com o enquadramento europeu em que se insere, desde logo, o § 31 do preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que determina que "Os auxílios estatais com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável.

Embora a solução adotada para efeito de quantificação dos benefícios fiscais no âmbito do RFAI (entre as soluções permitidas pelo n.º4 do artigo 14" do RGIC), tenha por base os custos do investimento elegível e não os custos salariais decorrentes da criação de emprego em virtude do investimento, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI não deixa de exigir que o investimento proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento. E essa exigência é efetuada praticamente nos mesmos termos que resultam do n.º 9 do artigo 14º do RGIC (Regulamento n.º 651/2014 da Comissão), aplicável quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, ou seja:

"a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;

.../...

c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME."

Este "aumento líquido do número de trabalhadores", também definido no §32 do artigo 2º do RGIC, corresponde ao conceito de "criação de postos de trabalho" ou "criação de emprego", de acordo com as Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013:

"12 Definições

.../...

k) «Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados."

.../...

o) «Número de trabalhadores», o número de unidades de trabalho anuais (UTA), isto é, o número de assalariados a tempo inteiro durante um ano; os trabalhadores a tempo parcial ou os trabalhadores sazonais são considerados como frações de UTA;

Portanto, tal como resulta do quadro de direito europeu acima assinalado, a aferição da criação e manutenção dos postos de trabalho deve ser feita nos moldes já referidos, i.e., globalmente, pois só assim se pode afirmar que o investimento tenha sido indutor da criação de emprego, pressuposto que deve ser incremental (aumento líquido ou criação líquida).

Sendo o RFAI um auxílio com finalidade regional que prevê dotações anuais, a aferição da criação de postos de trabalho será feita por referência a 31 de dezembro face à "média dos 12 meses anteriores "(dezembro de n-1 a novembro de n) conforme comparativo previsto na secção do RGIC alusiva aos auxílios com finalidade regional (n.º 9 do artigo 14.º do RGIC):

"um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período".

 

Acerca da condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e da sua manutenção, face ao disposto na alínea f) o n.º 4 do artigo 22º do CFI, a AT já se pronunciou no sentido de que, "apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa mas ao abrigo de um contrato com termo" (conforme § 1 da ficha doutrinária PIV n.º 818 - Processo 2010 001800).

Determina ainda, atendendo ao disposto no RGIC e nas OAR, que a condição de "criação de postos de trabalho" se considera "cumprida quando, à data de 31 de Dezembro (...) se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente a média dos 12 meses precedentes" (conforme § 2), acrescentado que "pode acontecer com admissão de um único trabalhador" (conforme § 3).

Ora, a relevância atribuída ao vínculo contratual manifesta na Informação Vinculativa convocada, não resulta em si mesma, nem poderia, de qualquer exigência emanada das normas europeias em matéria de auxílios do Estado com finalidade regional, mas tão só da seleção da modalidade contratual, à luz da legislação laboral vigente em Portugal (dado que não existe uma legislação laborai europeia), que garanta que a admissão de um funcionário se destina a ocupar uma função específica diretamente criada pelo investimento e não à satisfação de necessidades temporárias da empresa. Só assim é possível distinguir, dentro das oscilações normais da força de trabalho, as que correspondem à criação de postos de trabalho proporcionadas pelo investimento relevante (funções específicas e permanentemente necessárias para que o investimento funcione), e que não podem incluir trabalhadores admitidos ao abrigo de contrato com termo, que, de acordo com o artigo 140º do Código do Trabalho, só pode ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas mesmas necessidades.

Em síntese, a condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e à sua manutenção, face ao disposto na alínea f) o n.º 4 do artigo 22º do CFI, tem que ser cumprida "à custa" de contratos de trabalho sem termo, e os postos de trabalho criados (criar é incrementar em relação ao existente) têm que garantir um acréscimo efetivo do número global de trabalhadores admitidos na empresa em determinado período, salvaguardando assim os valores subjacentes aos auxílios com finalidade regional, nos quais se inscreve o RFAI, designadamente, no § 31 do preâmbulo do RGIC.

Esta é a posição que dá cumprimento à exigência de "criação de emprego num contexto sustentável (duradouro) imposta pelo § 31 do preâmbulo do RGIC, o que não seria alcançado caso se permitisse, para aferição da criação de postos de trabalho, a inclusão de trabalhadores admitidos ao abrigo de contrato com termo:

"Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável."

Após pedidos os elementos à A..., relativos à identificação dos trabalhadores ao seu serviço nos anos 2017 a 2019, tipologia de contratos, início e fim da relação contratual (anexo 6), construímos o seguinte quadro resumo, cuja construção obteve validação por parte do sujeito passivo:

Conforme vertido no quadro supra, no ano 2017, ano da conclusão do investimento, a A... efetuou apenas uma contratação no mês de março, no entanto, esta contratação não foi suficiente para cumprir a condição de aumento do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes, já que este aumento se cingiu a 0,25, não perfazendo, sequer, um trabalhador.

A referida contratação correspondeu à admissão de um anterior estagiário através de um contrato sem termo. O trabalhador em causa, com licenciatura em Engenharia do Ambiente, foi integrado na categoria de Técnico Analista, assumindo funções de técnico de química industrial (cfr. contrato de trabalho). Recorde-se que o investimento realizado inclui obras com a ampliação do laboratório.

Sendo o investimento realizado enquadrado pelo sujeito passivo na tipologia de aumento da capacidade de produção da empresa, o posto de trabalho criado deveria ser uma consequência direta deste. No entanto, tal como o investimento apresentado, o posto de trabalho não tem uma relação direta com o aumento da capacidade produtiva, que não existiu, sendo de utilização generalizada da empresa.

Ou seja, o investimento realizado pelo sujeito passivo e a contratação de um técnico analista, não permite a uma empresa aumentar quantitativamente a sua capacidade. Foi o que aconteceu nos anos 2016 e 2017, a A... investiu em instalações fabris, quer requalificando as antigas, quer acoplando novas (destinadas a armazém) e até contratou um técnico analista, não obstante, este conjunto, por si só, não permite à empresa produzir mais unidades de produtos.

Deste modo, a dotação apurada pelo sujeito passivo em sede de RFAI nos períodos de 2016 e 2017 será integralmente desqualificada para efeitos deste benefício fiscal, revelando-se ilegítima por incumprimento de um dos requisitos cumulativos previstos no n.º 4 do artigo 22.º do CFI (1) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)").

 

III.1.1.6. Conclusão

Conforme exposto, considera-se incumprido um requisito essencial para o sujeito passivo poder beneficiar do RFAI: ter realizado investimento inicial conforme estabelecido na al. d) do n.º 2 do art.º 2.º da Portaria 297/2015 e na al. a) do parágrafo 49 do art.º 2.º do RGIC, neste caso, investimento que aumente a capacidade de um estabelecimento já existente. Isto porque:

1. Todo o investimento é constituído por aquisições isoladas de ativos não produtivos, de utilização generalizada, sem identificação de um projeto/investimento integrado e agregador, de forma a que seja justificado o seu enquadramento numa das tipologias abrangidas pelo conceito de investimento inicial, que é fundamental e, obviamente, deveria anteceder a dedução à coleta.

2. Não foi demonstrado (ónus que recai sobre o sujeito passivo), se é que podia ser, de que forma o investimento realizado terá sido indutor do aumento da capacidade de produção instalada.

• Parte do investimento respeitou a obras de adaptação do edifício antigo, essencialmente na parte que se encontrava afeta a armazém de produtos acabados. Ou seja, estamos perante um investimento que se cingiu à adaptação ou melhoria de um edifício, com a necessária reposição e substituição de materiais.

• Outra parte respeitou a obras para ampliação do laboratório já existente, ainda no edifício antigo. Apesar de estarmos perante um investimento que alterou um departamento da empresa, promovendo a sua ampliação, não se trata nem se encontra associado a investimento em equipamento produtivo, direcionado para aumentar a capacidade produtiva da empresa.

• O investimento na construção do novo armazém e a aquisição de equipamento de transporte associado (dois empilhadores) permitiu aumentar a capacidade de armazenamento e consequentemente libertar espaço na unidade fabril, criando melhores condições de trabalho e organização, melhor segurança e melhor eficiência operacional, no entanto, manifestamente, não permitiu aumentar a capacidade de produção que já se encontrava instalada. Além disso, trata-se de um investimento de substituição, uma vez que, foi demolida a edificação adquirida para efetuar a construção de uma nova, sendo o investimento de substituição excluído para efeito de auxílios regionais ao investimento. 

• Não criou postos de trabalho, não criou emprego, e, tal como o investimento realizado, a contratação realizada não tem relação direta com a atividade produtiva, sendo que, uma tal função está normalmente associada à atividade como um todo e não apenas à que decorre do investimento realizado e considerado elegível.

Nitidamente, o primordial objetivo deste investimento não foi o aumento da capacidade de produção, antes, foi despoletado pela necessidade de modificação do layout empresarial, em parte por imposição legal, em parte por insuficiência das anteriores instalações, das quais retiraram o armazém, tendo construído novo edifício para o efeito.

 

III.1.1.7. Quantificação das correções - RFAI

Nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na sua parte l relativa aos princípios gerais, "os benefícios fiscais (...) caducam (...), quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respetiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário".

Assim, a totalidade da dotação de RFAI constituída nos períodos 2016 e 2017 é ilegítima, mostrando-se indevidas as deduções declaradas nos períodos 2016, 2017 e 2018, conforme exposto no mapa seguinte.

A dedução operada no exercício 2018 será alvo de correção em procedimento inspetivo autónomo.

 

(...)

IX.2. ANÁLISE DO DIREITO DE AUDIÇÃO EXERCIDO E CONCLUSÕES

 

(...)

No essencial, o sujeito passivo não contesta a factualidade exposta no relatório, mas apenas a conclusão extraída no sentido de que o "... investimento realizado não consubstanciou um investimento inicial de expansão da capacidade produtiva, ..." (pontos 7.º a 10.º do DA), investimento esse que foi subdividido em três 

grupos:

 

- Edifício fabril antigo

- Edifício fabril novo

- Equipamento de transporte

 

I.A -DO EDIFÍCIO FABRIL ANTIGO

 

11.º- 18.º

"No que diz respeito ao edifício antigo, diferenciou dois tipos de despesa:

a. despesas com a beneficiação/adaptação/melhoramento do edifício e

b. despesas com ampliação do laboratório

 

Quanto às despesas tidas como beneficiação/adaptação/melhoramento do edifício, em suma, a Sr. Inspetora Tributária considera que não cabem no conceito de investimento inicial, por se tratar de equipamento de substituição de outro, não cumprindo os critérios de elegibilidade do RGIC (...)

Para efeitos do disposto no regime que cria o RFAI, este é aplicável a sujeitos passivos de IRC que efetuem investimento relevante, nas condições previstas no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 162/2014. (...)

Atento o quadro legal em vigor, pode sistematizar-se que, como requisito do regime do RFAI, com relevância decisiva para a situação sub judice, que as aquisições relativas a ativos tangíveis em estado de novo se enquadrem num investimento inicial relacionado com o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente.

Interessa recordar que a ouvinda declarou que os investimentos por si realizados com este edifício antigo foram efetuados em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo que foram afetos à exploração da empresa nos moldes preceituados no artigo 22.º, n.º 2, do CFI, tendo por objetivo o aumento da capacidade de armazenamento de produtos fabricados e rentabilização dos recursos disponíveis, assim, como, de aprovisionamento de matérias-primas por forma a reforçar a competitividade; a libertação de espaço na unidade fabril, criando melhores condições de trabalho e organização, permitindo aumentar a sua capacidade de produção de bens transacionáveis e internacionalizáveis, entre outros.

Sempre se dirá que não é questionado pela AT se os ativos em apreço tenham sido adquiridos em estado novo e afetos à atividade da ouvinda, sendo a questão controvertida a de aquilatar se tais aquisições se enquadram num investimento novo agregador(i.e., não consubstanciado como "investimento inicial" na aceção do RGIC e

da Portaria n.º 297/2015.)"

 

Analisando a exposição apresentada pelo sujeito passivo, verifica-se que toda a sua argumentação foi construída sobre pressupostos errados, sem atender e sem enfrentar os conceitos amplamente desenvolvidos no relatório. Desde logo, o conceito de investimento "inicial" subjacente ao regime RFAI, que tem um significado intrínseco e fundamental para a concretização dos seus objetivos, e bem assim, dos objetivos dos auxílios com finalidade regional: crescimento económico e emprego (COESÃO). De facto, um investimento inicial é um investimento de raiz, novo, distinto e incremental em relação ao já existente, pelo que, não é todo e qualquer investimento que releva.

De facto, um crescimento económico visível e efetivo, não se alcança através do investimento na manutenção do que já existe, por muito que seja justificável, meritório e sobretudo obrigatório, já que nenhuma atividade subsiste, principalmente na indústria transformadora, sem constantes investimentos de substituição, reposição, beneficiação, atualização, adaptação, etc. E este foi o tipo de investimento observado na A... .

Subjacente ao RFAI, está um estímulo ao investimento incremental, ou seja, com potencial para projetar a atividade da empresa para um nível superior (salto produtivo), conforme decorre das 4 tipologias de investimento inicial, que remetem para a expansão da capacidade de produção instalada. Significando, "instalar", neste contexto, colocar os bens em que se concretizou o investimento num local para que estejam em condições de funcionar, e "capacidade" como grandeza ou quantidade apurada por medição.

De facto, o investimento realizado pela A... não poderia proporcionar o aumento de capacidade instalada porque não visou instalar capacidade de produção adicional, ou seja, não visou equipamentos produtivos que permitissem incrementar a capacidade de produzir mais unidades de produto comparativamente à que decorre dos equipamentos pré-existentes. Na verdade, o investimento realizado pela A... destinou-se apenas a tornar o complexo fabril mais funcional, construindo um novo armazém de produtos acabados que assim foram retirados das proximidades da zona produtiva propriamente dita, libertando espaço nessa área e criando melhores condições de trabalho e organização, além de outras obras, nomeadamente, na ampliação do laboratório. Todavia, quando muito, permitiriam uma maior utilização da capacidade produtiva pré-instalada. mas sem a aquisição de equipamento produtivo adicional, nunca se poderia concluir que aumentou a capacidade de produção instalada.

Além disso, e ao contrário do que infere o sujeito passivo no ponto 16 do DA, o ponto de partida é a aferição do enquadramento da estratégia de investimento implementada no conceito de investimento inicial, e só depois se passa à análise casuística de cada uma das aplicações consideradas relevantes, no sentido de confirmar a observância dos condicionalismos impostos pelo n.º 2 do artigo 22.º do CFI. Portanto, não basta que se trate de AFT adquiridos em estado de novo e que foram afetos à exploração da empresa, precisamente porque não releva todo e qualquer investimento, mas apenas investimento inicial na expansão da capacidade de produção instalada, (investimento adicional num conjunto de máquinas e equipamentos bastantes para produzir unidades de produtos transacionáveis).

Relativamente a este grupo de despesas em concreto (obras no edifício fabril antigo), o sujeito passivo apresenta um conjunto de faturas relativas a serviços de construção civil e respetivos materiais, realizados no artigo urbano n.º..., edifício fabril onde a empresa se encontrava, e ainda se encontra, a laborar há vários anos. Verifica-se assim que este investimento foi realizado num edifício já existente, sem qualquer alteração da estrutura ou ampliação do mesmo, com a necessária reposição e substituição de materiais, obtendo-se a necessária melhoria e readaptação do edifício, no entanto, como referido no relatório, não faz parte de uma estratégia de investimento inicial de expansão da capacidade produtiva, que não existiu nestes anos.

Se é certo que os materiais aplicados no edifício foram adquiridos no estado de novo, estes foram aplicados num ativo fixo tangível usado, neste caso o prédio inscrito no art.º urbano ..., que já era utilizado pela empresa na sua atividade. Sem embargo, conforme explanado no ponto III.1.1.1 do RIT, não basta que o investimento seja realizado em ativos fixos tangíveis novos, exige-se que as aplicações relevantes sejam justificadas no âmbito de um investimento inicial, e que esses investimentos sirvam o propósito de aumentar a capacidade produtiva da empresa, portanto, estejam integrados num projeto de investimento de expansão da atividade produtiva. Tal pressuposto não foi cumprido, conforme largamente explano no RIT.

 

19.º-26.º

"Para o efeito releva que não se perca de vista qual o desiderato do investimento realizado, quer aquele que efetivamente se confirmou, quer aquele que apenas se encontra latente, face aos condicionalismos exógenos que são sobejamente conhecidos por todos.

Com efeito, a ouvinda viu-se forçada a procurar uma diversificação do seu portfólio fruto do panorama de crise sucessiva que vem fustigando o sector do calçado há cerca de uma década, o que resulta manifesto não só do seu projeto de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico ..., tendo em vista o estudo e desenvolvimento de novas formulações químicas de adesivos de poliuretano de dois componentes, para as Indústrias Automóvel e de Construção Civil, como o investimento e restruturação tendo em vista a implementação de uma estratégia de investigação e inovação para a produção sustentável de matérias-primas e materiais derivados da floresta, a aplicar no setor da construção, fabrico de mobiliário e outras aplicações em indústria madeirense, com aplicação de tecnologias avançadas a matérias-primas e materiais, tanto quanto, aliás, resulta patente das candidaturas - com sucesso - ao Programa Portugal 2020 "PROJETOS DE I&DT EMPRESAS EM COPROMOÇÃO" com o código 33/SI/201S, e candidatura ao Sistema de Incentivos Fiscais a I&D n.º 205827, ambas no sentido da diversificação de portefólio subjacente aos investimentos levados a cabo pela ouvinda. (...)

Relembra-se que o investimento apresentado para efeitos do RFAI foi enquadrado na tipologia de "aumento da capacidade do estabelecimento" e não na "diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento", que também se encontra contemplada no âmbito do regime RFAI, mas que, naturalmente, cumpre outros condicionalismos e exige a demonstração de outras métricas, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 297/2015. Todavia, recorde-se, não fui efetuado investimento em equipamento produtivo propriamente dito.

Além disso, e como é consabido, o desenvolvimento e diversificação do portfólio de bens produzidos por uma empresa é uma constante exigência do mercado, transversal aos diversos setores de atividade, sem, contudo, revelar uma relação direta com a capacidade produtiva instalada que é medida em termos de quantidades máximas que é possível produzir (de um ou vários produtos). Aliás, o desenvolvimento de produtos pode simplesmente substituir ou alterar produtos produzidos anteriormente, e neste caso concreto, com o declínio do setor tradicional do calçado, a empresa teve que o substituir por outros setores, mercados e produtos.

Importa ainda referir que os projetos que o sujeito passivo invoca (Portugal 2020 e SIFIDE), entroncam em condicionalismos distintos do RFAI. Concretamente, os benefícios fiscais à investigação e desenvolvimento, podem ser contemplados no âmbito do SIFIDE, mas não no âmbito do RFAI que se destina a investimento produtivo propriamente dito. Já o PT 2020 contempla incentivos financeiros, com exigências próprias. Com efeito, estão em causa regimes de incentivos diferentes, assentes em regulamentações próprias, com critérios de elegibilidade distintos, e cuja competência e responsabilidade pela atribuição e controlo se encontra, também, a cargo de entidades diferentes (caso do PT2020), pelo que, a eventual elegibilidade dos investimentos do sujeito passivo no âmbito desses programas, obviamente não determina automaticamente a sua elegibilidade para efeitos do RFAI.

27.º - 29.º

"Na verdade, não obstante, entre 2016 e 2020 as vendas de mercadorias e produtos acabados para o setor do calçado tenham reduzido dos 40,5% do total das vendas que representavam para apenas 33,3%, já com uma ligeira variação para 34,9% em 2021, a ouvinda conseguiu, graças à diversificação do seu portfólio e à inovação e aumento de capacidade produtiva resultante do seu investimento gerar um incremento de 8% nas suas vendas entre 2016 e 2021, gerando uma faturação adicional de € 533.192,95, que indubitavelmente impulsionou e possibilitou o incremento de 30% que se fez sentir no corrente ano"

 

Cumpre lembrar que, para efeitos de RFAI, o investimento deverá, atenta a tipologia atribuída, promover o aumento da capacidade de produção instalada da unidade fabril, isto é, a aquisição e instalação de um conjunto de máquinas e equipamentos produtivos necessários mas suficientes para produzir mais unidades físicas de produtos transacionáveis (a formação bruta de capital fixo ou aquisições líquidas de AFT destinados a serem usados para a produção de bens), e que poderá ou não ter tradução num aumento do volume de negócios em termos monetários, já que esta variável não é adequada para medir incrementos na capacidade produtiva.

Atentos aos dados fornecidos pelo sujeito passivo no anexo 2 ao direito de audição, construímos o seguinte quadro resumo:

Da análise ao quadro supra verifica-se que, no ano 2018, ano seguinte à conclusão dos investimentos, a empresa registou uma redução do volume de negócios de cerca de € 390.000,00, acompanhada de uma redução nas quantidades vendidas (produtos acabados + mercadorias) de cerca de 226.000 unidades.

Essa quebra, conforme se pode notar, apenas é reposta no ano 2021, sem que se possa estabelecer qualquer relação causal com o investimento realizado nos anos 2016 e 2017. De facto, o incremento na faturação que o sujeito passivo refere (€ 583.192,95), foi somente alcançado no ano 2021, já que, nos 3 anos pós conclusão do investimento (2018, 2019 e 2020) as quantidades e montantes faturados foram, consecutivamente, inferiores às quantidades e montantes vendidos no ano pré conclusão do investimento (2016). E os investimentos realizados em 2016 e 2017 entraram de imediato em funcionamento, tendo sido iniciada a respetiva depreciação.

Portanto, terá sido o declínio do setor do calçado a determinar a procura de outros setores, que naturalmente exigem produtos específicos e diferentes, verificando-se na realidade uma "substituição" de setores, clientes e produtos. Ou seja, com o mesmo equipamento produtivo (com a mesma capacidade instalada), que é a questão que aqui nos ocupa, a A... reduziu a produção destinada ao setor do calçado e tem vindo a compensar essa quebra com a fabricação de produtos dirigidos a outros setores. São situações normais e recorrentes na vida das empresas, não justificando quaisquer benefícios fiscais.

30.º - 34 º

"o que não teria, de modo algum, sido possível se não fosse a relevantíssima alteração do processo de produção global da sua unidade produtiva, fruto da edificação de uma nova unidade para armazenamento de produtos químicos, bem como pela ampliação da capacidade do laboratório que, ao contrário da maioria das indústrias aqui não é um mero local de testes, mas sim um importante braço direito da mecânica da produção, indissociável da mesma.

Assim, e como abaixo de densificará, o investimento levado a cabo pela ouvinda permitiu não só a diversificação da sua produção, ao capacitá-la para a produção e comercialização de novos produtos, suscetíveis de utilização em novas áreas industriais, como permitiu modernizar e acelerar o processo produtivo, pela aquisição de maquinaria nova, mais moderna, traduzindo necessária e diretamente a capacidade de produzir mais em menos tempo - o exemplo de escola de aumento de capacidade de produção - permitindo ainda, pela dissociação da unidade de armazenamento da unidade produtiva, a alteração do processo de produção, tornando a linha de produção mais lógica e afinada, permitindo trabalhar com maior eficiência de custos e de tempo, gerando uma vez mais, mais produção em menos tempo."

 

O sujeito passivo vem aqui referir que o investimento, para além de ter permitido a diversificação, permitiu modernizar e acelerar o processo produtivo, através da "... aquisição de maquinaria nova e mais moderna, traduzindo-se no aumento da capacidade de produzir mais em menos tempo."

Ora, antes de mais, desconhece-se a que maquinaria o sujeito passivo se refere, já que, para efeitos de RFAI, apenas foi apresentado investimento na reconstrução do novo edifício (armazém), no melhoramento do edifício antigo, e na aquisição de dois empilhadores e este não é investimento produtivo propriamente dito, antes, investimento periférico/auxiliar à produção, que apesar de potenciar o aumento da eficiência do processo produtivo, mantém inalterada a estrutura produtiva instalada. Para feitos de DLRR apresentou ainda o investimento na aquisição e um contador novo e na reparação de um antigo, que como referimos, se trata de um ativo isolado, sem qualquer associação com um projeto mais vasto, abrangendo um conjunto suficiente de máquinas e equipamentos que, de forma integrada, permita a expansão da capacidade de produção instalada e se apresente como capacidade de produção adicional, ou seja, para além da pré-existente.

Aliás, no mesmo sentido, em 31-03-2016 foi emitido um parecer técnico sobre as necessidades de investimento da empresa, que o sujeito passivo juntou no anexo 1 deste exercício do direito de audição, que sumariamente refere:

"Atendendo a esta realidade, com vista a assegurar o futuro da Empresa, é premente uma decisão de investimento imediato que pondere a inserção estratégica metodologias e condições para o crescimento da empresa, passando por:

- Aumento das instalações da empresa através da construção de novo pavilhão, para aumento de capacidade de armazenamento de produtos fabricados:

- Reorganização das linhas de produção .... de modo a minimizar as perdas de produtividade com vista ao aumento da sua capacidade de produção de bens transacionáveis e internacionalizáveis:

- Ampliação de laboratório de I&D, de forma a dotar as instalações de maior capacidade de trabalho em novos estudos e ensaios

- Criação de espaços distintos para acondicionamento de matéria-prima e para armazenamento de produto acabado."

Ou seja:

1. A construção do novo pavilhão visou, como seria de esperar, aumentar a capacidade de armazenamento, que é completamente diferente de aumentar a capacidade de produção;

2. A reorganização das linhas de produção existentes (note-se, sem criação de linhas de produção adicionais) visou a minimização de perdas de produtividade. Como já foi dito, este não é um investimento inicial, antes, uma beneficiação do que já existia e que, naturalmente, permite somente eliminar ineficiências do processo produtivo instalado;

3. Maior capacidade de trabalho em I&D não é maior capacidade de produção;

4. Maior eficiência no acondicionamento e armazenamento de matéria-prima e produto acabado.

Sem dúvida que são investimentos importantes para a sobrevivência da empresa, mas sem cabimento no conceito de investimento inicial de expansão da capacidade de produção instalada, que é o exigido para efeitos de RFAI. Aliás, juntando todos estes investimentos, nenhuma unidade de produto (colas) seria possível produzir.

35.º-53.º

"Quanto às despesas com a ampliação do laboratório (...) Este investimento possibilitou à ouvinda a disponibilização de novos produtos no mercado, um fator critico de crescimento, como aliás vinha sendo seu apanágio nos últimos anos, denotando a necessidade de aumentar a capacidade e velocidade de resposta dos processos laboratoriais, que permitiu já a produção de uma vasta gama de colas industriais, quer vinílicas e acrílicas de base aquosa, com dispersões aquosas de látex, borracha natural de base solvente, policloroprene e PU base solvente, entre outras, que conduziu ao investimento em equipamentos para a área logística, nomeadamente na deslocação de mercadorias e preparação de encomendas.

Na verdade, este incremento da capacidade laboratorial foi absolutamente instrumental para possibilitar a candidatura (FEDER, Portugal 2020 e Compete 2020) para o projeto ... que, conjuntamente com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, o Instituto Politécnico de Viseu e a Associação Rede de Competência e Polímeros visava desenvolver uma nova linha de produtos que tem como cliente final a ... (...)"

 

Mais uma vez o sujeito passivo foca a sua argumentação no desenvolvimento de novos produtos, que é uma exigência recorrente e transversal a todos os setores de atividade para se manterem no mercado, e não na instalação de máquinas e outros equipamentos produtivos que permitam a produção de maior quantidade de produtos, para além da capacidade pré-instalada. Como é consabido, qualquer empresa, em qualquer ramo de atividade, tem necessidade de, periodicamente, renovar o seu portfólio de produtos, tanto pela diversificação como pela modernização, procura de novos clientes, acompanhando as exigências de mercado, sob pena de, se o não fizer, colocar em risco a sua sobrevivência. Tal não significa que, com isto, aumente a sua capacidade de produção instalada. Aliás, perpassa por toda a exposição do DA uma confusão entre "instalar capacidade de produção adicional" (mais máquinas e equipamentos básicos e essenciais à produção de colas), e aumento da produção realizada, cujo incremento pode ser conseguido de variadas formas, designadamente, pela utilização mais eficiente do equipamento básico pré-existente, eliminando ineficiências, como parece ter sido o caso do sujeito passivo.

54.º-60.º

"(...) Com efeito, o relatório inspetivo denota uma posição ensimesmada e de pré-juizo ao longo de todo o seu teor, acabando por procurar justificar a posição, formada de antemão, de que inexiste legitimidade da ouvinda nos benefícios de que usufruiu, o que é patente, por exemplo, no que deixa vertido quanto à aquisição de um contador adicional de solventes, que tem o efeito direto e imediato de permitir que uma linha de produção não tenha de estar parada e aguardar que aquele processo - medição de solventes - valide a formula, o dobro dos instrumentos de medição significa que o mesmo trabalho se faz, em tese, em metade do tempo, reduzindo igualmente para metade os tempos de paragem, considerando o relatório inspetivo que tal é inócuo e sem qualquer impacto na capacidade de produção. (...)".

 

O relatório de inspeção tributária (RIT) expõe os factos e fundamentos que alicerçam as correções propostas, designadamente, a identificação e comprovação do investimento realizado e a sua verificação física, que incluiu a observação do processo e equipamentos produtivos utilizados pela A... na fabricação dos seus produtos, e o seu enquadramento no regime RFAI, atenta a legislação nacional sobre a matéria controvertida, bem como, a legislação comunitária que lhe serve de base. por força do n.º 2 do artigo 1.º do CFI,

Abordando agora o exemplo exposto pelo sujeito passivo - a aquisição de um contador novo. Ao contrário do afirmado, o RIT não considera o investimento na aquisição do novo contador inócuo e sem impacto na produção, o que considera é que a sua aquisição permite apenas, conforme descrito pelo sujeito passivo, a eficiência do processo produtivo (pré-instalado) e não a instalação de capacidade produtiva adicional Como é evidente, a produção da empresa não é executada por meros contadores, pelo que, para se presenciar um aumento de capacidade teriam que ser adquiridos, simultaneamente, os equipamentos a montante e a jusante desses contadores. Portanto, ainda que os contadores integrem o equipamento produtivo ou básico (são os únicos itens do investimento considerado elegível pelo sujeito passivo com estas caraterísticas), por si sós não passam de ativos isolados, manifestamente insuficientes para produzir o que quer que seja.

Note-se que, para além da aquisição de um contador novo, o sujeito passivo apresentou à DLRR os gastos com a reparação de um contador usado, que já vinha sendo usado pela empresa, em claro desrespeito pelo n.º 2 do artigo 22.º do CFI.

Seguindo o raciocínio do sujeito passivo, em limite, todos os investimentos (novos) realizados numa unidade industrial seriam elegíveis, pois, de uma forma direta, ou indireta, estarão sempre associados à maximização dos seus rendimentos, ou seja, crescimento do seu volume de negócios. Evidentemente, não é isto que o regime do RFAI pretende ao estabelecer-se como um regime de exceção aos auxílios estatais concedidos às empresas, conforme n.º 1 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). A derrogação de tal princípio é extremamente excecional e apenas quando os auxílios sejam "destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego".

Deste modo, a aquisição de equipamentos de forma "isolada", fora de uma estratégia global de investimento que não contribua para o aumento da capacidade do estabelecimento, não é enquadrável no conceito de "investimento inicial' e, logo, não elegível para efeitos deste benefício fiscal. Neste sentido, foram emitidas as seguintes fichas doutrinárias:

 

 Informação Vinculativa Processo n.º 2020 001469, PIV 17279, (2020-05-28)

Não se considera como aplicação relevante a "aquisição isolada" de ativos que não integrem o conceito de "investimento inicial", e o investimento na "aquisição de equipamentos de substituição";

Pressupõe a existência de uma estratégia global de investimento, realidade que não se

compagina com a aquisição isolada de qualquer bem do ativo;

O aumento da rentabilidade da empresa, o aumento da produtividade, redução do desperdício e modernização da empresa, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de investimento inicial.

 Informação Vinculativa Processo n.º 2020 004404, PIV N.º 18588, (2027-11-20)

Pelo que, antes de mais, para que o investimento efetuado em aplicações relevantes seja elegível, é necessário que integre o conceito de "investimento inicial", salientando-se que não se considera aplicação relevante a "aquisição isolada" de ativos que não integrem tal conceito, e, ainda, para o facto de não ser elegível como aplicação relevante o investimento na "aquisição de equipamentos de substituição";

 

I.B DO EDIFÍCIO FABRIL NOVO

61.º-63.º

"No que concerne ao investimento na construção do novo edifício...este investimento permitiu a ouvinda aumentar a capacidade de armazenamento, criando melhores condições de trabalho, organização, e melhor eficiência operacional, permitiu não só estimular a capacidade de produção como permitiu o aumento da capacidade de produção!"

 

Quanto a esta afirmação, é apenas de referir que não se pode confundir capacidade de armazenamento com capacidade de produzir mais produtos. Na verdade, a capacidade de produção já existia, o novo armazém apenas terá permitido o aumento da sua utilização. Mais uma vez, aumento de capacidade instalada é diferente de aumento de utilização da capacidade instalada.

64.º

"o aumento do fluxo de produção da ouvinda aumentou exponencialmente e, com isto, são produzidas cada vez mais embalagens e paletes de produto acabado"

 

Atendendo a que, quer as quantidades, quer os montantes das vendas atingidas nos anos seguintes ao investimento diminuíram, não se compreende como se operou este "aumento exponencial".

 

65.º -72º

"Em simultâneo, o aumento da atividade e da variedade da mesma implicou uma utilização de matéria-prima superior ao suportável.

Previamente à construção do edifício novo, o armazenamento das matérias-primas era efetuado junto à maquinaria, por manifesta falta de espaço, originando problemas no fabrico e na produção, impossibilitando a ouvinda de dar resposta em tempo útil às solicitações do mercado.

(...) melhorou a qualidade no acondicionamento das mercadorias e consequente redução das perdas; reduziu o tempo de deslocação e aumentou a velocidade de atendimento dos clientes (reduzindo, substancialmente, os custos de transporte pela redução drástica do tempo de carga e descarga).

Na verdade, em conformidade com o que acima se foi deixando expresso, a ouvinda efetuou todos estes significativos investimentos, em sequência, com o mesmo propósito comum, proceder a uma profunda reorganização do seu processo produtivo, por forma a permitir uma redução de downtimes e um consequente incremento da produtividade, (...)"

 

Fica aqui manifestamente evidente que o investimento permitiu reorganizar as linhas de produção (ponto 68.º do DA) e, uma reorganização do seu processo produtivo (ponto 72º do DA), e com isto, melhorar o aproveitamento da capacidade que já se encontrava instalada, uma vez que não foi adquirido equipamento produtivo. Conforme já abordado, o objetivo do investimento (reorganização) é precisamente o oposto de investimento de expansão, que é distinto e incremental em relação ao pré-existente, sendo esse o conceito de investimento inicial. Até porque, não é a manutenção, mas a expansão das atividades que promove o crescimento económico e o emprego

 

73.º-84.º

"(...) É que até à realização dos investimentos sub judice a ouvinda tinha vários fatores organizativos e de espaço que se encontravam a limitar o seu processo e capacidade produtiva. (...)

Estas limitações na capacidade de stockagem ditavam que a produção não pudesse ser elevada ao seu máximo de produtividade por não haver onde armazenar, o que denotava não só a capacidade potencial de crescimento da produção - e que se efetivou - como a necessidade de uma área de armazenamento maior que permitisse colocar toda essa produção adicional (...)

Permitindo que as suas existências em inventários incrementassem (...), denotado de forma evidente o incremento da capacidade produtiva e de armazenagem de centenas de milhar de euros em novas mercador/as produzidas, valores que seriam ainda mais expressivos se as previsões macroeconómicas que estiveram na base deste investimento não houvessem sido completamente subvertidas pela pandemia de COVID-19 e a ainda latente crise de escassez."

 

Na verdade, o s.p. limitou-se a eliminar alguns constrangimentos pré-existentes na capacidade pré-instalada, permitindo uma maior taxa de utilização da mesma. Mas não se tratou de mais investimento na capacidade produtiva.

"C. Importa ainda não perder de vista que se considera, "aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa: a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo", sendo certo que o imóvel adquirido e no qual foi edificada uma nova unidade da ouvinda não se enquadra em qualquer das exceções que circunscrevem o âmbito de aplicabilidade da norma,"

Em primeiro lugar, quaisquer obras em edifícios ou instalações fora de uma estratégia de investimento inicial de expansão da capacidade de produção, como é aqui o caso, são excluídas do regime RFAI.

Além disso, e conforme explanado no RIT o imóvel não foi adquirido no estado de novo. Note-se que a empresa adquiriu um terreno onde já se encontrava implantado um edifício. Depois de adquirido foi demolido e contratada a construção de outro edifício. Portanto, o edifício construído de novo veio substituir o anterior que já existia

Além do mais, nos termos do artigo 22.º do CFI, as obras de construção de edifícios são, por regra excluídas, exceto em se tratando de instalações fabris (nem sequer refere edifícios fabris como no regime previsto para a DLRR, mas instalações fabris), que não é o caso de um armazém.

 

89.º-96.º

"(...) Não sendo de somenos sublinhar que a ouvinda não fez sustar o seu plano de investimento e crescimento, tendo projetada e Já em fase de licenciamento - com o projeto prévio já aprovado -junto da Camará Municipal de ... o projeto de obras n. º .../22 para edificação de uma nova unidade industrial, que visa ser o culminar deste projeto de investimento e dotar a ouvinda de ainda mais capacidade produtiva, com a natural criação de postos de trabalho adjacente.

"Ora, naturalmente que este projeto de investimento foi delineado tendo em vista quer os benefícios fiscais sub judice quer aqueles decorrentes dos exercícios subsequentes, pois só nessa lógica é que se torna viável investir em infra-estrutura e contratação de pessoal em panorama de crise económica, retirando desempregados do encargo do Estado e gerando receita fiscal com os serviços e bens adquiridos, bem como pelo incremento de impostos sobre o maior número de bens vendidos. (...)"

 

Não nos podemos pronunciar sobre as futuras intenções de investimento do s.p. nem estas são, nesta fase, atendíveis para efeitos deste benefício fiscal. Os investimentos analisados encontram-se concluídos e todos já entraram em funcionamento, pelo que, novos investimentos serão isso mesmo.

Os BF aqui em causa têm um propósito de interesse público que os torna superiores aos da própria tributação que impedem, que é o crescimento económico, a coesão, e não a reorganização e manutenção das atividades. Há que ter ainda em conta que não se aplica a todas as regiões do país, pelo que, se não cumprirem os seus objetivos específicos, tais benefícios fiscais traduzirão apenas despesa fiscal e um fator de distorção inaceitável da concorrência.

 

I.C DO EQUIPAMENTO DE TRANSPORTE

97.º- 108.º

"... o investimento levado a cabo pela ouvinda permitiu que, para além de descongestionar o chão de fábrica nos termos sobreditos, permitindo a sua expansão e aquilatação, permitiu igualmente reformular a dinâmica logística em prática, conseguindo com isso gerar uma economia de tempo e de meios, fazendo com que a ouvinda reúna numa érea só o seu centro de distribuição, afetando pessoal em exclusivo ao controlo de stocks e à distribuição das encomendas recebidas, retirando essa incumbência adicional do setor administrativo mas conexo com a produção, permitindo uma segmentação entre a produção e a distribuição que faz com que ambas funcionem de forma mãos oleada e independente, removendo por completo todos os tempos de paragem que anteriormente eram causados (...)

Tendo a aquisição de dois empilhadores desempenhado um papel instrumental nesta tarefa pois, de outro modo, a operação de transporte da linha de produção para a unidade logística seria um processo lento que entorpeceria e limitaria o ganho de produção obtido (...)"

 

Reiteramos a argumentação exposta no RIT e repetida nos pontos anteriores: não estamos perante um projeto de investimento de expansão da capacidade produtiva mas apenas de melhoria das condições em que esta era utilizada, que abarcou a construção de um armazém de produtos acabados e a aquisição de 2 empilhadores afetos ao mesmo, servindo para libertar espaço (que foi remodelado) na edificação antiga onde era e continua a ser realizada a produção, com os mesmos equipamentos pré-existentes, por conseguinte, sem enquadramento no conceito de investimento inicial na tipologia definida pelo sujeito passivo de "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente".

 

II - DA CONDIÇÃO DA CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO

109º-123º

" O investimento na ampliação do laboratório criou condições à contratação de um trabalhador...conclui-se forçosamente destas premissas que o investimento na ampliação do laboratório proporcionou a criação de postos de trabalho (...)

Atente-se ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de fevereiro de 2019, nos termos do qual "de facto, só quando houver um saldo positivo, um aumento do número global de trabalhadores da empresa, em determinado exercício económico, tem lugar a aplicação do benefício fiscal". É o caso, pois há um saldo positivo igual a 1, o número global de trabalhadores da empresa aumentou de 36 para 37.

O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de janeiro de 2022 - que invoca os entendimentos preconizados pela Autoridade Tributária nas Fichas Doutrinárias proferidas na sequência de dois pedidos de Informação Vinculativa (PIV) -, "perante a omissão verificada no RFAI relativamente ao conceito de "criação de postos de trabalho" pronunciou-se a AT nas Fichas Doutrinárias supra referidas no sentido de considerar suficiente para o efeito, a criação de um único posto de trabalho", conforme § 3.º

 

Não havendo investimento inicial no aumento da capacidade instalada, qualquer contratação, é, por inerência, inelegível, porque terá ficado a dever-se a outras causas. Aliás, o posto de trabalho invocado é associado à ampliação do laboratório.

Além disso, não basta o aumento de um trabalhador em termos absolutos, há que respeitar as métricas impostas pelo regime (aumento face à média dos últimos 12 meses), que, diga-se, nem sequer são muito exigentes, pois exige-se apenas o aumento de 1 trabalhador face a essa média.

O CFI, como o RFAI nele contido e as Portarias n.º 282/2014 e 297/2015, devem ser considerados, acima de tudo, como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nas OAR, no RGIC e nos art.º 107.º a 109.º do TFUE. Verifica-se assim que o RFAI se constitui como uma medida ativa de apoio ao investimento e emprego, podendo ser usufruído no âmbito de um projeto de investimento inicial gerador de novos postos de trabalho, sempre assente no requisito essencial da criação de emprego. E o conceito de "criação de emprego", de acordo com as OAR é

"1.2 Definições .../...

k) «Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados." .../...

o) «Número de trabalhadores», o número de unidades de trabalho anuais (UTA), isto é, o número de assalariados a tempo inteiro durante um ano: os trabalhadores a tempo parcial ou os trabalhadores sazonais são considerados como frações de UTA"

Tomando por comparação o número de trabalhadores ao serviço da empresa em dezembro de 2017 face a média dos 12 meses anteriores, verifica-se que o objetivo de criação de postos de trabalho não foi cumprido, na medida em que esse incremento, apesar de positivo, não atingiu uma unidade, ficando-se nos 0,25, conforme demonstra o quadro exposto no ponto III.1.1.5 do RIT.

 

IX.2.1. PROVA TESTEMUNHAL

Na petição o sujeito passivo ofereceu um rol de 4 testemunhas para inquirição, sem, contudo, demonstrar a indispensabilidade dessa diligência para o apuramento da verdade material.

De facto, na exposição correspondente ao seu direito de audição, o sujeito passivo não contesta a factualidade exposta no relatório, mas apenas a conclusão extraída no sentido de que o "... investimento realizado não consubstanciou um investimento inicial de expansão da capacidade produtiva.

De qualquer modo, em 09-05-2022 foi notificado para apresentar tal demonstração, indicando, relativamente a cada testemunha, os factos concretos que pretenderia provar.

(...)

De uma forma geral vieram efetuar afirmações conclusivas, em questões genéricas quanto à estratégia e intenções da empresa, já antes repetidas por esta, quer no âmbito da ação inspetiva, quer no âmbito do exercício do direito de audição, e que já tinham sido reproduzidas no projeto de relatório. Além disso, pretenderam, sobretudo, defender a elegibilidade do investimento realizado para efeito do regime RFAI e não fazer prova de qualquer realidade de facto, conforme demonstram, desde logo, as questões colocadas pelo mandatário.

Efetivamente, o mandatário da sociedade iniciou e concluiu a audição das quatro testemunhas com questões que se prendem com o entendimento desta matéria e enquadramento do investimento no âmbito do RFAI, conforme seguidamente se dá nota.

I. Relativamente ao investimento efetuado no edifício antigo, é aqui dito que é um investimento de substituição ... em que termos este investimento contribuiu para o aumento da capacidade de produção instalada e do incremento do portfolio de produtos?

Resumidamente, a testemunha C..., nas R1 e R6 (R = Resposta) refere que o investimento surge no âmbito de uma necessidade de apostar em novos produtos. Para tal, foi criado um novo espaço destinado especificamente à armazenagem, de forma a retirar área da produção e permitir o aumento do laboratório.

Efetivamente, veio confirmar o que já consta do projeto do relatório e que foi considerado nas conclusões projetadas, designadamente, a já transmitida necessidade de apostar em novos produtos, eliminando as limitações a nível produtivo.

Do seu ponto de vista técnico considera que o investimento "é um investimento inicial porque surgiu da reestruturação da estratégia de crescimento da empresa assente na diversificação da sua atividade para outros setores, bem como para outros mercados a nível internacional, sobretudo, que passaria pelo aumento da capacidade de produção de produto acabado advindo também dos novos produtos que saem do departamento de I&D. Não sei de cor, mas tenho ideia de um conjunto de sensivelmente 18/19 produtos novos. Nessa sequência foi necessário a reorganização do layout fabril, passando nomeadamente a seção de armazenamento da matéria-prima e produto acabado para uma outra área da unidade fabril - o novo edifício".

Ora, sendo a testemunha C... a responsável pela elaboração dos dossiers RFAI, as suas afirmações demonstram o desconhecimento do conceito de capacidade instalada, já que, perante a falta de aquisição e instalação de qualquer equipamento produtivo adicional, insiste em defender que o investimento permitiu o aumento da capacidade instalada.

Do seu testemunho ficou ainda a perceção que elaborou o dossier em função de previsões e intenções, quando o que teria que fazer era apurar se o investimento realizado incluía o investimento produtivo adicional mínimo, que permitisse aumentar a capacidade de produção instalada. Claramente, o investimento realizado não possui essas caraterísticas, reduzindo-se à construção de um armazém após demolição de um edifício existente anteriormente (investimento de substituição), remodelação de um laboratório, aquisição de dois empilhadores, um contador e reparação de outro antigo.

Todavia, nas respostas dadas às questões 10 a 15 colocadas pelos SIT, a testemunha C... acaba por reconhecer o que efetivamente poderá consubstanciar capacidade de produção instalada, logo, o que é necessário para a aumentar, embora acabe por entrar em contradição para tentar defender a elegibilidade do investimento do seu cliente. Efetivamente, começa por alegar que todas as secções da empresa são necessárias para promover o aumento da capacidade instalada, o que claramente conflui para o conceito de investimento inicial, não bastando a aquisição de equipamento fora de uma estratégia global de investimento ou a "aquisição isolada" de ativos (no mínimo teria sempre que incluir todo o equipamento produtivo básico indispensável para produzir mais unidades). Mas depois entra em evidente contradição, conforme resulta das respostas dadas, que se transcrevem:

"10 - O que considera capacidade de produção instalada?

R10 - Considero capacidade de produção instalada são todas as condições que a empresa possui para produzir e expedir produto acabado.

11 - Nomeadamente?

R11 - Todas as secções desde a conceção do produto até à expedição.

12 - Precisa de todas, ou basta algumas?

Ri 2 - De todas. Todas são necessárias para aumentar a capacidade de produção instalada.

13 - Acha que a construção de um armazém é suficiente para esse efeito? R13 - Não é simplesmente um armazém. É uma nova unidade fabril.

14- O que é fabricado nessa nova "unidade fabril"?

R14 - Não sei o que é fabricado lá. Sei que faz parte do aumento da capacidade instalada.

15 - Capacidade instalada de quê?

R15 - De produção de novos produtos, armazenamento de matéria-prima e aumento de produto acabado.

Julgo que não produzem no armazém."

 

Na mesma senda, a testemunha B... considerou que o investimento contribuiu para o aumento da capacidade de produção instalada ao libertar as restrições que a sociedade detinha nas novas produções, por não haver espaço, permitindo trabalhar com maior eficiência de custos e tempo, para o qual foi essencial a construção de um novo cais de embarque. Estes investimentos foram importantes para a área das exportações e abertura de novos mercados, Com enormes vantagens em termos de segurança e redução de perdas.

Todavia, também as declarações prestadas por esta testemunha, reafirmando o contributo dos investimentos realizados para o aumento da capacidade instalada, contrariam a noção que o próprio tem do que é necessário para alcançar esse objetivo, conforme denotam as respostas dadas às questões colocadas pelos SIT:

"9 - Relativamente à primeira questão que respondeu, o que entende por capacidade de produção instalada?

R9 - A capacidade de produção instalada da empresa não envolve só os reatores. A capacidade de produção instalada está intimamente ligada à capacidade de armazenamento de matérias-primas e sobretudo de produtos acabados

10 - Para a A... produzir que seções da empresa necessita? Quais os equipamentos necessários para a empresa produzir os seus produtos?

R10 - Para produzir precisa de todos. Em termos de equipamentos depende da base dos produtos que estamos a falar Produtos de base aquosa precisa de agitadores do setor das colas "brancas" e as de base solvente são produzidas nos reatores de base solvente.

11 -Se considerarmos somente o investimento no novo armazém e nas obras de construção civil no edifício antigo, seria possível à empresa produzir mais produtos?

R11 - Não. Não é possível desagregar."

A testemunha G..., relativamente a esta matéria, declarou que as obras de construção civil e os restantes investimentos permitiram à empresa produzir mais, acelerando o processo produtivo e facilitando a realização de stocks, permitindo assim aumentar a produção.

Sendo um trabalhador da área operacional, a testemunha G... foi bem mais coerente nas suas declarações, nunca referindo que os investimentos realizados aumentaram a capacidade de produção, mas apenas que aumentaram a produção realizada, e apesar de alegar desconhecimento do conceito de "capacidade de produção instalada", acaba por ter uma clara perceção prática do mesmo e por conseguir distingui-lo claramente do conceito de "produção realizada", conforme denotam as respostas dadas aos SIT que se transcrevem:

"10- Que equipamentos básicos são necessários para produzir colas ? Os essenciais? R10- São necessários essencialmente os seguintes equipamentos:

• Tanques de armazenamento de matéria-prima líquida;

• Tubagens que levam as matérias-primas líquidas dos tanques aos reatores (nas tubagens estão aplicados os contadores);

• Balança para pesagem de matérias-primas sólidas para juntar nos reatores;

• Reatores;

• Balança para pesagem do enchimento das latas (o enchimento é feito de forma manual).

11 - Sabe qual a função dos contadores que nos foi informada no âmbito da ação inspetiva, ou seja, que adquiriu um novo contador que se juntou ao único existente antes, passando a haver uma linha dedicada ao hexano para evitar contaminações? 

R11 - Sei por alto. Não sou eu que trabalho com esse equipamento.

12-O que é que considera capacidade de produção instalada? 

R12- Não faço a mínima ideia.

13 - O investimento realizado - obras no edifício antigo, ampliação do laboratório, novo armazém, empilhadores e contadores - tem capacidade de produzir o quê?

R13 - A capacidade de produzir já existia antes dos investimentos realizado. O que estes investimentos proporcionaram foi um aumento da utilização dessa capacidade, que antes não era possível, por falta de local de armazenamento.

14 - Sabe qual era a capacidade de produção antes do investimento? 

R14 - Não sei. Não estou a par.

15-O investimento aumentou a capacidade ou aumentou a utilização da capacidade já existente.

 R15 - O investimento em apreço aumentou a utilização da capacidade já existente.

16 - Afirmou que o laboratório permitiu a criação de novos produtos. Antes do investimento o laboratório não tinha esta função?

R16 - Sim, mas de uma forma melhor e mais otimizada.

17 — Como é que sem investimento produtivo conseguiu aumentar a capacidade de produção? Sendo que para produzir são necessários no mínimo os equipamentos identificados na questão 10.

R17 - A capacidade de produção já existia antes do investimento, só não era usada na sua totalidade. A construção do armazém veio permitir não ter restrições à produção por falta de ter onde armazenar

18- Pode-se afirmar que o investimento não aumentou a capacidade de produção?

 R18 - Diretamente não."

E... começou o seu testemunho nesta matéria declarando que "As obras no edifício antigo foram de duas espécies: introdução da melhoria da cobertura na área da produção, na medida em que os painéis de iluminação estavam completamente degradados e não evitavam o calor e cortavam a luz; isso melhora a capacidade produtiva na medida em que cria melhores condições de trabalho. Essas obras no edifício antigo contribuíram para uma melhoria da capacidade produtiva da unidade industrial. A outra obra foi o aumento do laboratório. Esse aumento veio permitir criar as condições para que a empresa pudesse encetar processo de investigação e desenvolvimento (l&D) ..."

Declarou ainda que este aumento da capacidade teve reflexos na exportação, já que antes não tinha condições para produzir grande quantidades por falta de local de armazenamento. Por outro lado, "o investimento permitiu que a empresa criasse melhores condições de compra", por possuir melhores condições de armazenamento.

Numa clara confusão com o conceito de prédio novo para efeitos de IMI, no seu testemunho (R4) o Revisor Oficial de Contas declarou que, o investimento na construção do edifício novo, apenas "não seria um investimento inicial se em algum tempo a empresa pudesse ou tivesse utilizado o edifício em ruínas que foi demolido. Portanto, o investimento é novo, porque não substituiu outro edifício que alguma vez tenha sido utilizado pela empresa. Em termos de avaliação da AT, o edifício foi considerado novo e não foi sequer considerada qualquer área com antiguidade da anterior construção para efeitos da atual avaliação".

A testemunha E..., na qualidade de ROC da empresa, também não se ateve nas condições e conceitos subjacentes ao regime RFAI, tendo-se limitado a discorrer profusamente sobre a atividade e os negócios da empresa, concluindo sempre que os investimentos realizados alargaram o seu portfólio de produtos (embora admita o declínio do setor do calçado) e permitiram o aumento da sua capacidade de produção, o aumento das exportações (R1 e R2), e que o investimento no edifício fabril criou capacidade para dar resposta às encomendas de clientes (R4). De um modo geral e através de frases meramente conclusivas, a testemunha procurou adequar os "objetivos" desses investimentos aos exigidos pelo regime RFAI, mormente, afirmando que contribuíram para o aumento da capacidade instalada, para além de outras afirmações a propósito de questões mais especificas, como por exemplo, as obras de reparação do edifício antigo.

Com efeito, como se pode classificar o investimento na melhoria da cobertura de um edifício existente se não de mero investimento de substituição? Claramente não estamos perante nenhum investimento de raiz, nem sequer investimento produtivo. Não se contesta que este permitirá dotar a seção produtiva de melhores de condições de trabalho e eventualmente, como com qualquer outro investimento, potenciar os ganhos produtivos da empresa, mas isso não permite atribuir-lhe o estatuto de investimento inicial, porque é um mero investimento de substituição e, por inerência, não é um investimento de raiz e incremental em relação ao já existente, nem se encontra justificado no âmbito de numa estratégia global de aumentada capacidade de produção..

Além disso, conforme resulta evidenciado nas declarações prestadas pelas testemunhas em conjugação com as vendas declaradas pela empresa, o aumento das exportações e a diversificação de produtos destinados a outros setores de atividade (madeiras, etc.) resultou de uma deslocalização dos mercados alvo da empresa (mercado nacional para o mercado internacional e do setor do calçado para o setor da madeira, entre outros). sem que isso significasse um aumento da produção realizada (só em 2021 se verifica um aumento do volume de negócios), e muito menos, da capacidade produtiva instalada.

Quanto ao conceito de aumento de capacidade instalada, verifica-se que parece não ter sido apreendido pela testemunha E..., que confunde capacidade de produção com produção realizada e volumes de negócios (R5, R6 e R7), sabe que as capacidades de produção física vêm nas instruções das máquinas (R10) mas continua a remeter o cálculo dessa capacidade para a produção realizada (R5, R6 e R7), confirmando que nunca foi feito qualquer estudo para cálculo da capacidade produtiva instalada antes ou depois do investimento em apreço (R10), e além disso, nem sequer sabe quais são os equipamentos básicos necessários para produzir colas (R8), tendo dado uma resposta sui generis à questão 13 em que lhe foi perguntado "como é que um investimento que não inclui quaisquer máquinas ou equipamentos produtivos aumenta a capacidade de produção física instalada?", conforme se verá adiante. As contradições são evidentes, transcrevendo-se as respostas dadas às questões colocadas pelos SIT:

"5- Testemunhou que "capacidade de produção não pode ser medida em unidades produzidas", diga o que entende por capacidade de produção instalada e a forma como pode ser medida ?

R5 - A capacidade de produção instalada decorre não só das unidades produzidas, mas da capacidade da empresa dar resposta às solicitações do mercado em termos de qualidade, eficiência, produtividade. E se o investimento permite atingir esses objetivos cria nova capacidade instalada porque a anterior que já não satisfazia o mercado não dava resposta dado que ela não existia. A capacidade anterior instalada essencialmente vocacionada para a indústria do calçado vinha-se perdendo ao longo dos anos, e foi este investimento que permitiu a produção dos novos produtos do portfolio que permitiu à empresa aumentar a sua capacidade para produzi-los. Isto é, a capacidade de produção da empresa estava reduzida e não poderia crescer sem o investimento realizado. O aumento da capacidade de produção instalada à data do investimento resulta do investimento efetuado que permitiu o aumento de produtos. A medição do aumento da capacidade de produção instalada resulta da produção dos novos produtos do portfolio, uma vez que a capacidade para os produtos tradicionais estava esgotada.

6 - Ou seja, o que pretende afirmar é que para calcular o aumento da capacidade produtiva instalada bastaria atender aos novos produtos uma vez que conforme o afirmado a capacidade para os produtos tradicionais estava esgotada?

R6 - Não é bem essa a ideia. O somatório da produção antiga realizada com o aumento da produção dos artigos novos resulta, como já foi dito, num aumento do volume de produção de 73 toneladas em 2021 em relação a 2019.

7 - Como é que comprova isso?

R7 - Verificável através das listagens de faturação obtidas na empresa.

8 - Que equipamentos básicos são necessários para produzir colas? Os essenciais?

R8 - Essa pergunta sai fora da minha área e não fazia parte do questionário que me ia ser feito Não tenho conhecimentos técnicos para respondera essa pergunta.

9 - Tendo referido que acompanha a sociedade há mais de duas décadas, questionamos se, antes da ampliação do laboratório, no mesmo já eram desenvolvidos novos produtos?

R9 - Não. Não eram desenvolvidos no laboratório novos produtos. O que se fazia essencialmente era o acompanhamento da qualidade dos produtos fabricados e posteriormente a sua aplicação em produtos fabricados. Não vou dizer que não fossem criados produtos novos antes destes investimentos, não posso afirmar até porque não estou na empresa no dia-a-dia, mas foi a partir de 2015 que senti na gerência a preocupação da necessidade de desenvolver novos produtos através do aumento do laboratório, da admissão do engenheiro químico e do projeto ... já mencionado e do projeto de I&D submetidos à AN l de forma sistemática e recorrente.

10 - Da sua intervenção na sociedade e que seja do seu conhecimento, em algum momento foi feito algum estudo para cálculo da capacidade produtiva instalada antes ou depois do investimento em apreço?

R10 - Não tenho conhecimento desse estudo. No entanto, as capacidades de produção física vêm nas instruções das máquinas.

11 - Quando é que foi concluído o investimento em apreço considerado para efeitos de RFAI? 

R11 - O investimento em apreço considerado para efeitos de RFAI foi concluído em 2017.

12- Considerando que os valores de volumes de negócios declarados pelo sujeito passivo de 2017 a 2020 não comportavam alterações significativas que suportem os alegados incrementos na produção, qual o foi o destino desse dito aumento de produção?

R12 - Os efeitos de qualquer investimento não se fazem sentir imediatamente. Esses investimentos têm que ser referenciados no volume de negócios da área industrial. Em 2017 esse V.N. foi de 6,17 /M€, em 2018 foi de 5,720 M€, em 2019 foi de 5,812 M€, em 2020 foi de 5,410 M€ e em 2021 foi de 6,388 M€, no primeiro trimestre de 2021 é de 1,458 M€ e no primeiro trimestre de 2022 é de 2,007 MC. Embora seja uma linha quebrada a evolução do valor da produção a preços de venda a tendência é no sentido crescente, ultrapassando as vendas de 2021, o valor do final de investimento e havendo um aumento de 2022, em relação ao período homólogo de 2021 de 37,6% o que permite concluir que a capacidade estava instalada desde a conclusão do investimento e só foi possível começar a retirar consequências no momento após o fim dos efeitos da pandemia a partir de 2021. O exercício de 2022, comprova a essencialidade do investimento realizado em 2016/2017 com vista ao aumento da capacidade produtiva. A empresa não reagiu antes agiu na sua estratégia de desenvolvimento em relação a tempestivamente ter equacionado as condições objetivas que criaram o seu aumento da capacidade produtiva em relação ao seu estabelecimento industrial instalado.

13 - Respondeu à questão n.º 10 que "as capacidades de produção física vêm nas instruções das máquinas". Assim, como é que um investimento que não inclui quaisquer máquinas ou equipamentos produtivos aumenta a capacidade de produção física instalada? 

R13 - As máquinas por si só são natureza mortas. Para elas produzirem necessitam de ação humana e de condições objetivas para poderem funcionar na sua função produtiva.

A construção de um novo edifício acrescentou essas condições objetivas para que os mesmos pudessem desempenhar o seu papel de produção e de capacidade instalada através da libertação de espaço para os novos produtos exigiam para a respetiva produção."

Como é óbvio, o conceito de capacidade de produção não é um conceito indeterminado e vago, atribuído por cada testemunha de acordo com a sua perceção empírica. Capacidade produtiva pode ser definida como a capacidade máxima que uma empresa tem de produzir em um determinado espaço de tempo, a partir da utilização dos recursos disponíveis. Capacidade instalada, segundo Slack et al. (2011, p. 254), "é o máximo nível de atividade de valor adicionado em determinado período de tempo, que o processo pode realizar sob condições normais de operação".

Isto é, a capacidade instalada é uma medida que fornece a produção (em peças) que a fábrica pode gerar trabalhando 24h x 7 dias.

De uma forma generalizada, das declarações prestadas pelas várias testemunhas verifica-se uma clara confusão entre capacidade de produção e produção realizada, também entre capacidade de produção e capacidade de armazenamento, bem como, entre capacidade produção e alteração do portfólio de produtos. Não se contesta que são todos elementos fulcrais para o desenvolvimento industrial, no entanto, estamos perante um regime fiscal excecional - a atribuição de um benefício fiscal - como tal, temos que atender, exclusivamente, aos condicionalismos por este impostos. Não está nem nunca esteve em causa a aceitação do investimento como gastos fiscal, apenas a sua elegibilidade para efeitos da obtenção do benefício fiscal RFAI.

Ainda no âmbito do testemunho de E..., depois de uma divagação sobre o que considera capacidade de produção instalada, associando-a a noções de qualidade, eficiência e inovação pela criação e novos produtos, culmina o seu raciocínio afirmando que esta advém das máquinas. Ora, se assim é, só poderá ser incrementada com investimento que inclua, obrigatoriamente, esse tipo de equipamento - MÁQUINAS. Melhor dizendo, é uma medida quantitativa e não qualitativa, como quis transmitir, e como, de resto, a testemunha G..., trabalhador da área operacional, bem soube esclarecer. Porque, de facto, embora as normas e conceitos se apresentem de forma mais ou menos complexa para quem não se encontra dentro das áreas contabilistas e fiscais que as aplicam, na verdade, pretendem regular situações concretas da vida, neste caso, da atividade das empresas, e sob esse ponto de vista, ninguém terá dúvidas que para aumentar a capacidade de produção é necessário adquirir os equipamentos necessários para produzir mais, mas que para aumentar a produção há várias possibilidades, como por exemplo, aumentar o número de turnos, utilizar de forma mais eficiente os equipamentos existentes, eliminar constrangimentos à plena utilização dos equipamentos existentes, etc, pelo que, não há confusão possível entre os dois conceitos.

 

II. Sobre como se concretizou o aumento da produção da empresa

A testemunha C... referiu "Tenho noção que passaram a produzir mais, logo, passaram a ter mais existências. O conhecimento que tenho de números resulta da /ES apresentada pelo sujeito passivo."

À data destas declarações, a última IES apresentada pela empresa remontava ao ano 2020, já que ainda se encontrava a decorrer o prazo para apresentação da IES relativa ao ano 2021, única que revelava um incremento do volume de negócios no período 2016 • 2021.

Como é consabido, a declaração anual de informação contabilista, integrada na IES, apresenta o volume de negócios (que representa o que é vendido e não propriamente o que é produzido) bem como os inventários (o que é armazenado), declarados por um sujeito passivo em valores monetários, melhor dizendo, sem qualquer informação quantitativa. Utilizar esta fonte de informação para medir a produção física de uma empresa é completamente desadequado, como bem saberá uma consultora financeira responsável pela elaboração das candidaturas aos benefícios e incentivos fiscais.

De qualquer forma, o valor global dos inventários declarados nas IES dos últimos 5 anos foi:

E o valor do volume de negócios, distribuído entre venda de mercadorias e venda de produtos foi:

Onde, nem mesmo assim se consegue perceber onde esse aumento de produção se manifestou, já que, com base nas IES apresentadas pela empresa, no ano 2017 (ano fim do projeto) a empresa declarou vendas de € 6.170.805,86 de produtos e em 2020, € 5.410.410,75. De igual forma, considerando os balanços apresentados, em 2017 os inventários totais eram de € 1.359.563,23 e em 2020 € 1.355.477,07. Donde não se alcança o sentido do declarado pela testemunha, donde conclui que, a empresa produziu mais, pelo conhecimento dos números apresentados na IES.

B... referencia o incremento no portfólio de produtos, permitindo que a empresa deixasse de estar tão dependente dos setores mais tradicionais. Segue o seu testemunho referenciando o aumento nas exportações, nomeando clientes em que tal se verificou. No entanto, quando confrontado com a estabilidade do volume de negócios declarados pela empresa nos últimos anos declara: "o que aconteceu é que a parcela das vendas que quebrou nos setores tradicionais como o calçado, por exemplo, foi substituída por outras vendas, para estes novos setores, em que se constata numa aposta de produtos de maior valor acrescentado, ou seja, produtos mais complexos e como tal mais rentáveis para a empresa".

A propósito da rentabilidade, importa juntar mais um quadro, que reflete os lucros declarados pela sociedade nos últimos 5 anos.

 

 

Se juntarmos este testemunho aos números apresentados nos quadros anteriores resulta que, se a empresa passou a produzir produtos novos, de maior valor acrescentado, portanto, mais rentáveis, e se os montantes globais declarados da faturação, dos inventários e dos lucros não acompanharam esse aumento, resta concluir por dois cenários: ou a empresa diminuiu a quantidade de produtos vendida, ou não declarou todas as vendas que realizou. Ou ainda, a testemunha não é credível, referindo-se a factos que não conhece.

Além do mais, se ocorreu uma "deslocação" da produção dos setores tradicionais, em face do seu declínio, para outros setores, em resposta à procura que resulta dessas e eventualmente de outras dinâmicas normais de mercado, na prática, significa que deixaram de produzir uns e passaram a produzir outros, o que está longe de significar, ou sequer de exigir, o aumento da capacidade instalada.

Em face da questão "Como é que sem investimento produtivo conseguiu aumentar a capacidade de produção? Sendo que para produzir são necessários no mínimo os equipamentos identificados na questão 10", G... respondeu, "A capacidade de produção já existia antes do investimento, só não era usada na sua totalidade. A construção do armazém veio permitir não ter restrições à produção por falta de ter onde armazenar", concluindo que, diretamente, o investimento não aumentou a capacidade de produção.

E... refere que "O aumento da capacidade de produção criada desde 2016, resulta óbvio no aumento do volume de negócios no primeiro trimestre de 2022, em relação ao primeiro trimestre de 2021, de cerca de 35%. Sendo que para a exportação esse aumento foi de 37%."

Para E..., "a capacidade estava instalada desde a conclusão do investimento e só foi possível começar a retirar consequências no momento após o fim dos efeitos da pandemia a partir de 2021", "a empresa não reagiu antes agiu na sua estratégia de desenvolvimento em relação a tempestivamente ter equacionado as condições objetivas que criaram o seu aumento da capacidade produtiva em relação ao seu estabelecimento industrial instalado"

Declara ainda que desconhece, que em algum momento (antes ou depois do investimento em apreço) tenha sido realizado algum estudo para cálculo da capacidade produtiva instalada.

A este propósito relembramos que os investimentos foram iniciados em 2016 e terminaram em 2017, entrando de imediato em funcionamento, não se compreendendo que o seu efeito se tenha sentido apenas nos anos 2021/2022. O estado de pandemia foi decretado em Portugal no mês de março de 2020, prolongando-se pelos anos 2021 e 2022, não sendo o período temporal desta ocorrência consistente com os reduzidos valores de vendas declarados pelo sujeito passivo nos anos 2018 e 2019, assim como, com a alegada recuperação registada nos anos 2021 e 2022

Ademais, conforme já asseverado, o montante do volume de negócios nunca poderá ser utilizado para medir a capacidade produtiva de uma unidade industrial, mesmo conjuntamente com os inventários finais, permitindo apenas apurar a produção realizada.

l. Sobre as obras de ampliação no laboratório

G... declarou que, apesar do laboratório já ter a função de criar produtos novos, o investimento permitiu que isso acontecesse de "uma forma melhor e mais otimizada".

Por sua vez, a testemunha E..., na R19, começou por declarar que antes da ampliação não eram desenvolvidos produtos novos no laboratório, o que se fazia era, essencialmente, o acompanhamento da qualidade dos produtos. Entretanto, na mesma resposta, acrescenta "não vou dizer que não fossem criados produtos novos antes destes investimentos, não posso afirmar até porque não estou na empresa no dia-a-dia, mas foi a partir de 2015 que senti na gerência a preocupação da necessidade de desenvolver novos produtos através do aumento do laboratório".

Na R1 declara que o aumento do laboratório "veio permitir criar condições para que a empresa pudesse encetar processos de investigação e desenvolvimento (I&D)", nomeadamente o projeto ... . permitindo assim aumentar capacidade do estabelecimento industrial.

Repare-se na contradição entre as duas testemunhas, G..., operário do setor da produção, afirma que o laboratório continuou a fazer o que sempre fez, embora de uma forma mais "otimizada", enquanto que, para a testemunha E..., a mera ampliação do laboratório parece ter alterado as suas funções, e todo e qualquer investimento aumenta a capacidade de produção instalada.

De qualquer modo, a questão do laboratório estará mais relacionada com projetos de I&D que são isso mesmo, diretamente associados às atividades de investigação e desenvolvimento, que eventualmente poderiam ser enquadrados no âmbito de outros benefícios fiscais (SIFIDE) mas não no RFAI.

Ademais, conforme nos foi informado, o projeto ... ainda se encontra em fase de desenvolvimento (ensaios), não tendo registado produção para venda, até porque, o equipamento foi concebido para produções em pequena escala, já que a sua capacidade é de apenas 500L, manifestamente insuficiente para as necessidades de abastecimento do mercado.

IV. Sobre a relação deste investimento com investimentos futuros e o impacto das correções previstas aos benefícios fiscais em decisões de investimento futuro

Como ocorre com alguma frequência, as várias testemunhas evidenciaram os efeitos negativos que as correções destes benefícios fiscais poderiam ter para a estratégia de crescimento a empresa. Não obstante, é importante realçar o testemunho de C... na R8, "inevitavelmente as correções aos benefícios fiscais terão impacto negativo na estratégia de investimentos futuros que a empresa tem em perspetiva porque a empresa não tem intenção de recorrer a financiamento externo".

De qualquer modo, a atuação da Autoridade Tributária deverá pautar-se, sempre, pelo cumprimento dos princípios da legalidade e da igualdade, entre outros, conforme dispõe o artigo 55.º da LGT.

 

IX.2.2. CONCLUSÃO

Por muito que possa ter tornado o processo produtivo pré-existente mais funcional e eficiente, o investimento não incluiu equipamento produtivo propriamente dito, portanto, nunca poderia aumentar a capacidade instalada. Limitou-se, no essencial, a remodelar ou ampliar o laboratório, entre outras reparações e substituições, dentro do edifício antigo, e a construir um edifício para armazém, pelo que, a manter-se o benefício fiscal, seria claramente um incentivo à construção civil tout court. Há portanto, aqui, uma dupla exclusão do regime RFAI, uma vez que, para além de se tratar de um investimento de substituição (existia um edifício anterior que foi demolido para construção do novo), as obras de construção, remodelação, reparação de quaisquer edifícios também são afastadas, por regra, exceto em se tratando de instalações fabris, e desde que, integradas e justificadas por uma estratégia de investimento inicial (como ativo isolado, as instalações fabris nada produzem, pelo que, a sua integração num investimento inicial significa que, para alem das instalações fabris, o investimento teria de abranger equipamento produtivo propriamente dito, podendo ainda englobar outros equipamentos auxiliares e periféricos indispensáveis para acomodar e operacionalizar esse investimento produtivo).

Com efeito, o desagravamento fiscal que se opera através deste instrumento de política fiscal visa dar cumprimento a um objetivo económico determinado, no quadro do investimento produtivo, ou seja, do investimento que desenvolva a capacidade produtiva e a criação de emprego e que se identifica como o interesse público extrafiscal que aqui e em concreto é superior ao da tributação que impede (artigo 2.º, n.º 1 do EBF).

Assim, por todos os argumentos aduzidos neste relatório, conclui-se que as dotações de RFAI constituídas nos anos 2016 e 2017 não são consentâneas com os comandos legais deste benefício fiscal, sendo manifesto o incumprimento dos pressupostos de que depende a sua usufruição, face à falta de aptidão do investimento considerado elegível para integrar o conceito de investimento inicial de expansão da capacidade produtiva, bem como, para a criação de emprego.

Face ao acima exposto, são mantidas as correções notificadas no projeto de relatório.

 

 

D)   Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2016 com o n.º 2022..., datada de 01-07-2022, no valor a reembolsar de € 53.684,61, em que foi incluído o valor de € 7.1982,13, relativo a juros compensatórios e determinado o «IRC a recuperar» em montante inferior em € 44.920,04 ao determinado antes das correcções efectuadas (€ 120.959,01 - € 76.038,97);

E)   O registo de disponibilização da notificação de liquidação ocorreu a 09-07-2022 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)    Os investimentos efectuados pela Requerente relativamente ao ano de 2016 que considerou relevantes para efeitos de RFAI, no montante de € 179.680,18, reportam-se à construção de um novo edifício, incluindo despesas com o respectivo projecto de engenharia e alvarás de construção e obras, que foram efectuadas nas seguintes datas:

(página 11 do Dossier RFAI 2016, na página 43 da parte do processo administrativo denominada «A... +1++rp12299-16122022_Parte2.pdf» e facturas-recibo e facturas cujas cópias constam das páginas 1 a 4 da parte do processo administrativo denominada «A... +2rp12299-16122022_Parte1.pdf»);

G)   A Requerente celebrou o contrato de trabalho que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativo a um trabalhador para serviço de distribuição;

H)   A aquisição do novo edifício pela Requerente teve em vista dispor de mais espaço para a área de produção, pois, antes da aquisição havia necessidade de, por vezes, parar a produção para fazer paletização, a rotulagem e embalamento (depoimentos de B... e C...), e também dar cumprimento a exigências de segurança na utilização de materiais perigosos (cfr RIT e depoimento a testemunha D...);

I)     A construção do novo edifício permitiu à Requerente alterar a configuração das suas instalações, passando o armazenamento de produtos acabados para o novo edifício, com aumento da capacidade de armazenamento e libertação de espaço na unidade fabril (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J)     Com as alterações da configuração e da disposição das máquinas, a Requerente obteve melhor utilização destas, evitando as paragens na produção para fazer paletização, a rotulagem e embalamento, o que permitiu aumentar a produção (depoimentos de B... e E...);

K)   Com a nova configuração das instalações da Requerente o processo final da fase de produção, relativo à rotulagem e paletização, que antigamente era realizado junto aos reactores/agitadores de base solvente, passou a realizar-se na nova zona de produção (P2 – novo layout) (documento n.º 5);

L)   Com a construção do novo edifício, a Requerente passou a poder aceitar encomendas de grande volume de clientes internacionais (depoimento de C...);

M)  No novo edifício apenas existiam estantes com colas, quando foi efectuada a inspecção tributária, não estando nele colocados quaisquer equipamentos de rotulagem ou embalagem;   

N)   O novo espaço de armazenamento permitiu à Requerente aumentar o volume de negócios com os clientes anteriores e com novos clientes, o que veio a acontecer concretamente no ano de 2021 (depoimento de E... e cfr RIT);

O)   O investimento na construção do edifício viabilizou, em anos posteriores a 2016, a ampliação da área do laboratório de qualidade no edifício que inicialmente a Requerente detinha (depoimentos de C... e D...);

P)    O laboratório continuou a ser o mesmo, apenas dispondo de mais espaço, não tendo sido feito investimento em equipamento de laboratório (depoimento de D...);

Q)   Em 01-03-2017, a Requerente efectuou uma contratação por tempo indeterminado de F..., para trabalhar no laboratório, que manteve durante um período de três anos (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos de B... e E...); 

R)   O laboratório tem em vista o controle de qualidade após paletização e controle após venda (depoimento de E...);

S)    Antes da contratação, o referido trabalhador já antes trabalhava na Requerente como estagiário (depoimento deB...); 

T)   O referido trabalhador foi contratado por antecipação, por a Requerente pretender ampliar o laboratório (depoimento de C...);  

U)   A Requerente elaborou o Dossier RFAI 2016 que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

“(...)

Em 2016, a A... iniciou um projeto de investimento que se caracterizou pela criação de um novo armazém, para o qual foi necessária a construção das instalações inerentes à criação do mesmo, numa primeira fase e que se prevê concluir em 2018.

Adicionalmente, é expectável que o investimento contribua para o aumento da capacidade instalada e tenha continuidade nos anos seguintes, pela necessidade de adquirir equipamento básico, bem como equipamento de transporte para o novo estabelecimento.

(...)

O investimento inicial da A... no âmbito do RFAI 2016, deteve-se na tipologia de

aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, caracterizando-se por:

 

1. Objetivo:

 

Criar condições para o aumento da capacidade do estabelecimento existente que se traduzam na concretização dos seguintes objetivos:

i. Aumento da capacidade de armazenamento de produtos fabricados e rentabilização de recursos disponíveis, assim como, de aprovisionamento de matérias-primas por forma a reforçar a competitividade;

ii. Libertação de espaço na unidade fabril, criando melhores condições de trabalho e organização, permitindo aumentar a sua capacidade de produção de bens transacionáveis e internacionalizáveis;

iii. Dispor de instalações mais alargadas, com novos processos de produção, mas totalmente articulados com os existentes e por isso no sistema global de informação da empresa;

iv. Aumento do volume de negócios/ano;

v. Oferecer ao mercado uma carteira de produtos/serviços sucessivamente inovadores;

vi. Melhorar a segurança e a eficiência operacional, o que é determinante para garantir a satisfação dos seus colaboradores e clientes;

vii. Aumentar a quota de mercado no mercado externo, aumentar a carteira de clientes no mercado externo, reforçar e apostar na implementação de projetos de l&DT;

viii. Aumentar a notoriedade da empresa.

 

2. Áreas de intervenção:

 

O projeto de investimento possui como foco a intervenção essencialmente nas seguintes áreas: 

i) Criar melhores condições de trabalho/organização; 

ii) Maior capacidade de armazenamento e consequentemente maior capacidade produtiva/equipamento; 

iii) Proporcionar a produção de novos produtos/produtos significativamente melhorados; 

iv) Aumento de postos de trabalho.

Assim, os investimentos a serem efetuados são vocacionados para a procura incessante

em satisfazer as exigências do setor e dos seus clientes, sendo esse o argumento

derradeiro que a A... apresenta e que tem suportado os níveis de fidelização que

regista na sua trajetória.

 

3. Principais Investimentos:

 

Efetuar todo o investimento necessário relativo à concretização do projeto de investimento inicial relativo ao aumento da capacidade do estabelecimento existente, no principal domínio referido a Ativo Fixo Tangível em Curso (ampliação de instalações fabris).

De referir que, as aplicações relevantes adquiridas e integradas no projeto de investimento inicial, possuíram uma contribuição financeira dos sujeitos passivos, a partir dos seus recursos próprios ou mediante financiamento externo que assuma uma forma isenta de qualquer apoio público, correspondente, a pelo menos, a 25% do valor das aplicações relevantes.

 

(...)

5. CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO 

 

Tal como definido na alínea f), do n.º do artigo 22.º do Decreto-Lei que cria o RFAI, este é aplicável a sujeitos passivos de IRC que efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período

mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c) deste

mesmo nº 4 do artigo 22. º.

 

Esta expressão "criação de postos de trabalho" está em consonância com a própria legislação comunitária, designadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período 2014-2020 (2013/C 209/01 ), publicadas no Jornal

Oficial da União Europeia 209/1 de 23 de Julho de 2013.

Este documento, na alínea k) do parágrafo 20.° do seu número 1.2, define "criação de emprego" como sendo "um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após

deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do

número aparente de postos de trabalho criados".

 

Posto isto, apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo.

 

Verifica-se de seguida, conforme tabela apresentada, o seguinte ponto de situação do

número de trabalhadores sem termo no ano fiscal de 2016, relativamente à média dos 12 meses precedentes.

A criação de postos de trabalho proporcionados pelo investimento efetuado, no âmbito do RFAI 2016, somente poderá ser verificada aquando da conclusão do investimento iniciado em 2016 e com a previsão de se concluir até 2018.

 

O investimento efetuado caracterizou-se pelo aumento de capacidade de produção através da construção de novo pavilhão (investimento ainda a decorrer) para ampliação da capacidade instalada da Empresa, bem como ampliação do seu laboratório de l&D e Qualidade. Este investimento possibilitará à A... a disponibilização de novos produtos no mercado, um fator crítico de crescimento da Empresa que conduziu ainda nesta fase prévia o investimento em equipamentos para a área logística, nomeadamente, deslocação de mercadorias e preparação de encomendas.

 

De referir que, a Autoridade Tributária já se pronunciou em informação vinculativa (Processo:2010 001800) transmitindo o seu entendimento relativamente a este aspeto, considerando que caso o investimento realizado constitua tão só, adições à imobilizações em curso, elegíveis nos termos do n.º 5 do art° 22.° do DL n° 162/2014, "a criação de postos de trabalho só pode ser aferida no final do período de tributação em que o investimento estiver concluído", não sendo possível proceder a essa aferição quando o investimento só ficar concluído após o exercício fiscal em que se efetua a dedução à coleta de IRC.

 

Deste modo, a elegibilidade da A... neste parâmetro está verificada, sendo que a

criação de postos de trabalho só pode ser aferida no final do período de tributação em

que o investimento estiver concluído, em 2018.”

 

V)   A Requerente nunca apresentou à Requerida, nem nunca fez, qualquer estudo sobre a sua capacidade de produção instalada antes versus após o investimento que elegeu para efeitos de RFAI (depoimento da testemunha E... e cfr. RIT);

 

W) Em 25-11-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

2.2.1. Não se provou que a Requerente tivesse contratado qualquer trabalhador para trabalhar no armazém que instalou no edifício construído.

Designadamente, o trabalhador contratado em Março de 2017 já trabalhava como estagiário no laboratório e continuou a trabalhar nele depois de contratado, não tendo a sua contratação relação com a construção do edifício, que foi destinado a armazém.

 

2.2.2. Não se provou que a área disponível para laboratório no edifício inicial da Requerente, antes da construção do novo edifício, fosse insuficiente para permitir o trabalho do trabalhador que veio a ser contratado em Março de 2017.

Na verdade, nenhuma prova foi produzida dessa hipotética insuficiência e o facto de o trabalhador que veio a ser contratado já trabalhar nas antigas instalações do laboratório aponta no sentido da suficiência dessas instalações para esse efeito.

Não se provou também que a actividade do laboratório tivesse sido modificada ou aumentada na sequência da contratação do trabalhador em Março de 2017. Como disse a testemunha D..., o laboratório continuou a ser o mesmo, após a ampliação da área.

Assim, não se provou que essa ampliação do laboratório fosse necessária para possibilitar a contratação do referido trabalhador, pois ele já antes trabalhava no laboratório, na área de que dispunha antes da ampliação, e a actividade do laboratório não aumentou por efeito da construção do novo edifício.

 

2.2.3. Não se provou que no novo edifício tivesse sido instalada qualquer outra actividade da Requerente, para além do armazém, sendo essa a única actividade existente quando foi efectuada a inspecção, em 2021, como disse a testemunha D... .

            O próprio «NOVO LAYOUT» apresentado pela Requerente no documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, confirma esse depoimento, pois a zona «P2» nele referida como sendo de «Rotulagem – Paletização» é indicada  como estando situada no edifício inicial. 

 

2.2.4. Não se provou que tivesse sido efectuado qualquer investimento em equipamentos para utilização no laboratório da Requerente.

Na verdade, não foi apresentada qualquer prova de que tenha havido esse investimento, mas apenas, no que concerne ao laboratório, de que foi ampliada a sua área.

 

2.2.5. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.

A testemunha B... é director comercial da Requerente desde 1999.

A testemunha E... é Revisor Oficial de Contas da empresa desde 1991 e acompanhou a actividade da Requerente nos anos de 2010 e 2011 e mostrou ter conhecimento do projecto de expansão da actividade da Requerente nos anos posteriores.

A testemunha C... é consultora fiscal, prestando serviços à Requerente desde 2016 e foi responsável pela elaboração dos dossiers RFAI.

A testemunha D... é a inspectora coordenadora da equipa de inspecção tributária e acompanhou a inspecção à Requerente.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos, mas o Tribunal Arbitral ficou com a convicção que as testemunhas E... e C... não tinham conhecimento perfeito da configuração real das instalações da Requerente no ano de 2016 e após a instalação do armazém no novo edifício, nem conheciam bem o funcionamento da Requerente.

 

 

3. Matéria de direito 

 

É objecto de impugnação no presente processo a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2016, quanto ao valor de € 52.112,18, sendo € 44.920,05 de IRC e € 7.192,13 de juros compensatórios.

Aquele valor de € 44.920,05 corresponde ao que a Requerente declarou nos campos 714 e 715 da declaração modelo 22, como dedução à colecta do período de 2016, efectuada com base no de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”).

Esta dedução à colecta corresponde a 25% das despesas no valor de € 179.680,18 relacionadas com a construção de um edifício que se referem na alínea F) da matéria de facto fixada (projecto , alvarás e construção).

Em inspecção que efectuou, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o investimento não é elegível para efeitos de RFAI pelas seguintes razões, que indicou em conclusão:

·      Conforme exposto considera-se incumprido um requisito essencial para o sujeito passivo poder beneficiar do RFAI: ter realizado investimento inicial conforme estabelecido na al. d) do n.º 2 do art.º 2.º da Portaria 297/2015 e na al. a) do parágrafo 49 do art.º 2.º do RGIC, neste caso, investimento que aumente a capacidade de um estabelecimento já existente. Isto porque:

1. Todo o investimento é constituído por aquisições isoladas de ativos não produtivos, de utilização generalizada, sem identificação de um projeto/investimento integrado e agregador, de forma a que seja justificado o seu enquadramento numa das tipologias abrangidas pelo conceito de investimento inicial, que é fundamental e, obviamente, deveria anteceder a dedução à coleta.

2. Não foi demonstrado (ónus que recai sobre o sujeito passivo), se é que podia ser, de que forma o investimento realizado terá sido indutor do aumento da capacidade de produção instalada.

·      Parte do investimento respeitou a obras de adaptação do edifício antigo, essencialmente na parte que se encontrava afeta a armazém de produtos acabados. Ou seja, estamos perante um investimento que se cingiu à adaptação ou melhoria de um edifício, com a necessária reposição e substituição de materiais.

·      Outra parte respeitou a obras para ampliação do laboratório já existente, ainda no edifício antigo. Apesar de estarmos perante um investimento que alterou um departamento da empresa, promovendo a sua ampliação, não se trata nem se encontra associado a investimento em equipamento produtivo, direcionado para aumentar a capacidade produtiva da empresa.

·      O investimento na construção do novo armazém e a aquisição de equipamento de transporte associado (dois empilhadores) permitiu aumentar a capacidade de armazenamento e consequentemente libertar espaço na unidade fabril, criando melhores condições de trabalho e organização, melhor segurança e melhor eficiência operacional, no entanto, manifestamente, não permitiu aumentar a capacidade de produção que já se encontrava instalada. Além disso, trata-se de um investimento de substituição, uma vez que, foi demolida a edificação adquirida para efetuar a construção de uma nova, sendo o investimento de substituição excluído para efeito de auxílios regionais ao investimento. 

·      Não criou postos de trabalho, não criou emprego, e, tal como o investimento realizado, a contratação realizada não tem relação direta com a atividade produtiva, sendo que, uma tal função está normalmente associada à atividade como um todo e não apenas à que decorre do investimento realizado e considerado elegível.

 

A Requerente imputa à liquidação os seguintes vícios, em suma:

·      caducidade do direito de liquidação;

·      erros de direito quanto à verificação dos requisitos de aplicação do RFAI, quanto  

o   à interpretação do conceito de «investimento inicial»,  na interpretação do artigo 2.º, § 49, alínea a), do Regulamento geral de isenção por categoria [Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de Junho de 2014, “RGIC”] e do artigo 22.º, n.º 2, alínea a), do Código Fiscal do Investimento (“CFI”);

o   à interpretação e aplicação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, relativa à criação de postos de trabalho. 

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida no RIT.

 

3.1. Questão da caducidade do direito de liquidação 

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vício de caducidade do direito de liquidação, por entender, em suma, o seguinte:

– o início do prazo de caducidade do direito de liquidação relativo a IRC do período de 2016 ocorreu em 01 de janeiro de 2017;

– sem considerar períodos de suspensão, o prazo de caducidade do direito de liquidação terminaria em 31 de dezembro de 2020;

– nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do mesmo diploma, em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada o prazo de caducidade suspende-se “desde  a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição”;

– uma das condições de beneficiação do RFAI é a manutenção na empresa dos investimentos realizados durante o período mínimo de três anos, é este o termo final da suspensão do prazo de caducidade;

 – o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC de 2016 suspendeu-se desde a apresentação da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício de  2016, submetida pela Requerente em 23 de maio de 2018 (cfr. Doc. 2, que ora se junta em  anexo), até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição em 31 de dezembro de  2019 – o que perfaz um total de 508 dias;

– se não houvesse lugar a suspensão do prazo de caducidade, o direito de liquidação caducaria em 31 de dezembro de 2020 (decorridos 4 anos desde o termo do ano em que se verificou o facto tributário);

– acrescendo os 508 dias da suspensão da caducidade, encontrava-se a AT legitimada a proceder à notificação da liquidação do IRC relativo ao período de 2016 até 23 de maio de 2022;

– uma vez que o registo de disponibilização da notificação de liquidação ocorreu a 09 de julho de 2022, à luz do disposto no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT, a mesma só se considera efetuada a 26 de julho de 2022;

– em qualquer das datas a notificação da liquidação foi efetuada após o termo do prazo de caducidade – 23 de maio de 2022.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não ocorreu a caducidade do direito de liquidação, porque, em suma, não foi correctamente calculado pela Requerente o período de suspensão da caducidade.

O artigo 45.º, n.º 1, da LGT estabelece a regra do praz de caducidade de 4 anos e o artigo 46.º, n.º 2, alínea c) estabelece que o prazo de caducidade suspende-se «em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição».

No caso em apreço, há manifesto lapso aritmético da Requerente no cálculo do período de suspensão da caducidade do direito de liquidação pois, considerou que o período que decorreu entre 23 de maio de 2018 (data da apresentação da última declaração de substituição) e 31 de Dezembro de 2019 (termo do prazo de três anos de cumprimento da condição) era de 508 dias, quando a contagem correcta é de 587 dias.

Acrescentando este período de suspensão ao do termo normal de caducidade do direito de liquidação, que era 01-01-2021, conclui-se que  a caducidade do direito de liquidação ocorreria em 11-08-2022.

Por isso, considerando-se a liquidação notificada em 26-07-2022, tem de se concluir que não ocorreu a caducidade do direito de liquidação.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto a este vício.

 

3.2. Questões relativas à verificação dos requisitos e condições de aplicação do RFAI

 

O Decreto-Lei n.º 162/2014 incluiu no CFI aprovou um novo RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho, que tinha o seguinte sentido e extensão, definidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º nestes termos:

 

3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:

a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:

i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;

ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;

c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

d) Definir os limites dos benefícios fiscais a conceder, nomeadamente em função das regiões elegíveis ao abrigo da legislação europeia aplicável, e, no caso de empresas recém-constituídas, permitir uma dedução à coleta até à concorrência da mesma relativamente às aplicações relevantes efetuadas no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes;

e) Prever que a parte da dedução à coleta que não possa ser deduzida por insuficiência de coleta possa ser deduzida até 10 períodos de tributação posteriores;

f) Reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo deste regime de benefícios.

 

            As actividades económicas relativamente às quais podem ser concedidos benefícios fiscais no âmbito do RFAI são indicadas no artigo 2.º do CFI, por remissão do seu artigo 22.º que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

Âmbito objetivo

1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

(...)

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

 

 

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

(...)

4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: 

(...)

 

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

 

 

 

            A portaria para que remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI veio a ser a Portaria n.º 282/2014, de 30 Setembro, que refere no seu Preâmbulo o seguinte:

Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.

 

            Concretizando este desígnio, os artigos 1.º e 2.º desta Portaria estabelecem o seguinte:

 

Artigo 1.º

 

Enquadramento comunitário

 

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

 

Artigo 2.º

 

Âmbito setorial

 

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

 

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

 

         As condições para aplicação do RFAI indicadas no n.º 4 do artigo 22.º do CFI são cumulativas, como resulta expressamente do seu texto.

Por isso, justifica-se que, antes de mais, se aprecie se se verifica a condição imposta pela sua alínea f), que é a única das condições sobre a qual há controvérsia.

No caso de se verificar tal condição, será necessário apreciar se se verifica o requisito do enquadramento do investimento na construção do edifício no conceito de «investimento inicial».

 

 

3.2.1. Questão da não «verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho», exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI

 

  Na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI estabelece-se como condição da aplicação do RFAI efectuar «investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu o seguinte, em suma:

  

Embora a solução adotada para efeito de quantificação dos benefícios fiscais no âmbito do RFAI (entre as soluções permitidas pelo n.º4 do artigo 14º do RGIC), tenha por base os custos do investimento elegível e não os custos salariais decorrentes da criação de emprego em virtude do investimento, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI não deixa de exigir que o investimento proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento. E essa exigência é efetuada praticamente nos mesmos termos que resultam do n.º 9 do artigo 14º do RGIC (Regulamento n.º 651/2014 da Comissão), aplicável quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, ou seja:

"a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;

.../...

c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME."

(...)

Sendo o investimento realizado enquadrado pelo sujeito passivo na tipologia de aumento da capacidade de produção da empresa, o posto de trabalho criado deveria ser uma consequência direta deste. No entanto, tal como o investimento apresentado, o posto de trabalho não tem uma relação direta com o aumento da capacidade produtiva, que não existiu, sendo de utilização generalizada da empresa.

(...)

Não criou postos de trabalho, não criou emprego, e, tal como o investimento realizado, a contratação realizada não tem relação direta com a atividade produtiva, sendo que, uma tal função está normalmente associada à atividade como um todo e não apenas à que decorre do investimento realizado e considerado elegível.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– não é o investimento com a ampliação do laboratório o objeto do presente pedido de pronúncia, por não ter sido realizado no ano de 2016;

– mas todos os investimentos realizados no âmbito do RFAI terão de ser enquadrados e englobados numa “estratégia global de investimento” que contribua quer para o aumento da capacidade do estabelecimento, quer para a criação de postos de trabalho;

– a construção do edifício afeto aos serviços finais associados aos produtos – embalagem e armazenamento – veio permitir, integrado numa estratégia global de investimento, a ampliação da capacidade do laboratório, não é um mero local de testes, mas sim um importante braço direito da mecânica da produção e indissociável da mesma;

– houve um saldo positivo relativamente aos trabalhadores da empresa;

– basta a criação de um único posto de trabalho;

–   a criação  de  postos  de  trabalho  não  fica  prejudicada  se  o(s)  trabalhador(es) elegível(is)  desempenhar(em)  funções  auxiliares  ou  administrativas,  desde  que  esses postos de trabalho tenham sido proporcionados pelo próprio investimento”;

– o posto de trabalho criado é uma consequência direta da ampliação do laboratório, tal como assumido no RIT;

– a ampliação do laboratório é uma consequência direta da construção do edifício;

– o posto de trabalho criado é consequência direta do investimento na construção do edifício, considerado dentro de uma estratégia global de investimento, tal como requisitado pelo RFAI;

–  o artigo 2.º, § 62 do RGIC define «emprego diretamente criado por um projeto de investimento» como o “emprego  ligado  à  atividade  relacionada  com  o  investimento, incluindo o emprego criado na sequência do aumento da taxa de utilização da capacidade criada pelo investimento”;

–  efetivamente a criação de um posto de trabalho na sequência dos investimentos na construção do edifício é indissociável da ampliação do laboratório.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no RIT dizendo ainda o seguinte, em suma:

– se uma mera ampliação de espaço justificasse a criação de um posto de trabalho, sempre poderia concluir-se que, em se tratando de um trabalhador que já aí desempenhava tarefas como estagiário, já cabia no laboratório antes da sua ampliação;

– trata-se não de investimento produtivo, mas sim de actividades complementares de  I&D, que entroncam em condicionalismos distintos do RFAI, concretamente, os benefícios fiscais à investigação e desenvolvimento, que podem ser contemplados no âmbito do PT 2020 (PROJETOS DE I&DT) e no SIFIDE, aos quais a Requerente também recorreu, mas não no âmbito do RFAI que se destina a investimento produtivo propriamente dito;

– tomando por comparação o número de trabalhadores ao serviço da empresa em dezembro de 2017 face à média dos 12 meses anteriores, verifica-se que o objectivo de criação de postos de trabalho não foi cumprido, na medida em que esse incremento, apesar de positivo, não atingiu uma unidade de trabalho anual (UTA), ficando-se nos 0,25;

– se o investimento não criar, directamente, postos de trabalho, e se esses novos postos de trabalho não conduzirem ao aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento, tal norma não pode considerar-se cumprida sob pena de se lhe retirar qualquer efeito útil (se cria 1 posto de trabalho no estabelecimento, mas outros são dispensados, o efeito a nível do emprego é nulo ou mesmo negativo, ficando por cumprir o objetivo do benefício fiscal - colocar mais pessoas a trabalhar no estabelecimento e na região).

 

Como resulta do texto da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, a condição aí exigida é  a de que seja efectuado «investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção».

Independentemente de saber se pode ou não ser utilizado neste contexto do RFAI o conceito de «criação líquida» de postos de trabalho ( [1] ), resulta do texto desta norma que a criação de postos de trabalho tem de ser proporcionada pelo investimento, que se pretende enquadrar no RFAI.

Isso significa que é condição da aplicação do RFAI que se possa concluir que, sem o investimento em causa, não existiriam condições para criar o posto ou postos de trabalho.

No caso em apreço, é manifesto que o investimento na construção do novo edifício, destinado apenas a armazém, não proporcionou, por si mesmo, a criação de um posto de trabalho no laboratório, nem qualquer outro, pois nenhum posto de trabalho foi criado relacionado com a actividade do armazém.

Mas, mesmo considerado que a construção do novo edifício, libertando a área que no edifício inicial era utilizada como armazém, possibilitou o aumento da área do edifício inicial utilizada como laboratório, não se pode concluir que o posto de trabalho criado para trabalhar no laboratório tenha sido proporcionado pelos investimentos.

Na verdade, em última análise o investimento da Requerente reconduziu-se à obtenção de mais espaço: mesmo no ano de 2017, o que consta dos autos é que foi ampliada a área do laboratório, mas este «continuou a ser o mesmo, apenas dispondo de mais espaço, não tendo sido feito investimento em equipamento de laboratório», como se refere na alínea P) da matéria de facto fixada. 

Ora, o trabalhador que foi contratado por tempo indeterminado para trabalhar laboratório já antes da ampliação da sua área trabalhava neste, como estagiário, exercendo funções idênticas às que exerceu depois de contratado, para cujo exercício já eram suficientes as anteriores instalações.

Por isso, o espaço acrescido obtido com o investimento não era necessário para que a contratação se concretizasse e, consequentemente, a criação de emprego não foi proporcionada pelo investimento.

Para além disso, mesmo que se entenda que o investimento, permitindo obter mais espaço, permitiu aumentar a capacidade da Requerente, eliminado constrangimentos à produção,  não se pode concluir que a criação de emprego tenha sido proporcionada pelo investimento: é um laboratório de controle de qualidade [alínea R) da matéria de facto fixada] e não se provou que tenha ocorrido um aumento da sua actividade, nem é de presumir que tenha ocorrido como consequência do aumento da área disponível, pois continuou a trabalhar com o mesmo número de pessoas e os mesmos equipamentos e não foi sequer alegado que o espaço anteriormente existente no laboratório provocasse qualquer constrangimento à sua actividade.  

Pelo exposto, tem de se concluir que não se verifica a condição exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, para a Requerente poder usufruir do RFAI relativamente a investimentos efectuados em 2016.

         Constatando-se que um dos fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para afastamento da aplicação do RFAI tem fundamento legal, fica prejudicada, por ser desnecessária, a apreciação dos outros fundamentos invocados, como decorre dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

         Com efeito, independentemente da apreciação dos demais fundamentos, basta que um deles seja legal para ficar assegurada a legalidade do acto tributário. Como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo), "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( [2] ) 

 Improcede assim o pedido de pronúncia arbitral, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.

            

              

          

         4. Decisão         

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)             Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)             Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos. 

 

 

 

5. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de  53.684,61, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 12-07-2023

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa) 

(relator)

 

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

(Luís Miranda da Rocha)

(vencido conforme declaração junta)

 

Declaração de voto

 

Discordo da decisão maioritariamente tomada, pelos motivos infra descritos:

1.     A alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento estabelece, como condição da aplicação do RFAI, que se efetue “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho”.

2.     A expressão "proporcione a criação" significa fornecer as condições, recursos ou oportunidades necessárias para que algo (no caso em apreço, postos de trabalho) seja criado ou desenvolvido. Tal passará por criar um ambiente favorável ou facilitar o processo de criação. A expressão sugere um papel passivo, em que se proporciona um contexto adequado para a criação (de postos de trabalho) acontecer, mas não envolve, necessariamente, a ação direta de criar postos de trabalho.

3.     Como consequência do ponto anterior, entendo que o legislador pretendeu exigir um nexo de causalidade indireta entre “investimento” e “criação de postos de trabalho”, abdicando de exigir um nexo de causalidade direta (caso fosse este o seu desígnio, teria escrito “investimento relevante que crie postos de trabalho”). Este nexo de causalidade direta, a ser exigido, até inviabilizaria, potencialmente, o investimento em algumas aplicações consideradas relevantes, no âmbito do RFAI. Tal seria particularmente notório no caso do investimento em ativos intangíveis (afasto-me, assim, do exemplo relativo a uma viatura pesada de mercadorias e seu motorista, apresentado no texto do Acórdão do Processo n.º 307/2019-T);

4.     No âmbito da avaliação dos efeitos de um projeto de investimento sobre o emprego, devemos refletir sobre se os ativos adquiridos, no seu conjunto, dão ensejo ou facilitam o processo de criação de postos de trabalho. Não têm de ser esses ativos a criar os postos de trabalho (e, muito menos, têm esses ativos de ser ocupados por trabalhadores). Assim, se a aquisição de um conjunto de ativos permitir a uma empresa produzir mais (em quantidade ou em valor) e esse incremento de quantidade produzida ou de complexidade (valor acrescentado) da produção gerar oportunidades de emprego noutra área dessa empresa, entendo que foi efetuado investimento relevante que proporcionou a criação de postos de trabalho, na linha do exposto no Acórdão do Processo n.º: 229/2022-T.

5.     No caso em apreço, a Requerente efetuou um investimento num novo armazém. Esse novo armazém propiciou a libertação de espaço para o desenvolvimento da atividade produtiva, eliminando constrangimentos de espaço (“gargalos”) na área das máquinas e permitindo que novos produtos (potencialmente, de maior valor acrescentado) fossem lançados e produzidos, aumentando, assim, a sua capacidade produtiva normal (e, diga-se, cumprindo este requisito, também fundamental para poder beneficiar do RFAI). Segundo a Requerente, estas novas necessidades geraram a oportunidade de criação de um posto de trabalho numa área da empresa denominada “laboratório”. O posto de trabalho criado foi ocupado por alguém que, antes do investimento, era estagiário da empresa, nesse mesmo “laboratório”.

6.     No contexto descrito, importa julgar em que medida se pode estabelecer um nexo de causalidade indireta entre o investimento na construção de um “armazém” e a criação de um posto de trabalho numa área denominada “laboratório”. Para tal, entendo como lógica e plausível a relação sequencial apresentada pela Requerente:

 

1 - Investimento em espaço (“armazém”);

2- Reorganização do “layout” produtivo, possibilitando o fabrico de mais produtos ou de novos produtos com maior valor acrescentado;

3 - Necessidade de contratação (por antecipação) para o “laboratório” (trata-se de uma empresa do setor químico, que produz colas, cuja formulação tem de ser investigada e desenvolvida), transformando o que era um “posto de estágio”, num “posto de trabalho”;

4 - Criação de emprego.

 

7.     A decisão maioritariamente tomada no âmbito deste processo afasta a existência de um nexo de causalidade direta entre o investimento e a criação do posto de trabalho, uma vez que o investimento consistiu num aumento de espaço e, no “laboratório”, já existia espaço para a pessoa contratada trabalhar, uma vez que estagiava lá. Não subscrevendo integralmente o argumento (porque, em abstrato, o espaço necessário para um posto de trabalho não é forçosamente o ocupado por uma pessoa; funções diferentes, “preenchidas” pela mesma pessoa, podem exigir espaço diferente), concordo que a hipótese mais realista não passa, de facto, por ter sido uma disponibilização de espaço a suscitar a criação do posto de trabalho.

8.     Tenho, então, de analisar a decisão maioritariamente tomada, quanto à fundamentação da não existência de um nexo de causalidade indireta entre o investimento no armazém e a criação de um posto de trabalho na área denominada “laboratório”. Ora, discordo em absoluto de tal fundamentação, desde logo porque tenho de manifestar profundas reservas sobre a fixação, como matéria de facto (alínea R), da ideia segundo a qual o “laboratório” da Requerente “tem em vista o controle de qualidade após paletização e controle após venda (depoimento de E...)”. Com efeito, existem vários indícios e testemunhos no processo que apontam no sentido de as atividades do “laboratório” serem bem mais vastas, pelo que formei a opinião de que o “laboratório” da Requerente não “é um laboratório de controle de qualidade”, mas antes, e de modo muito diferenciado, “um laboratório em que também é feito o controlo de qualidade”.

Não posso deixar de me demarcar do facto de um elemento que, no meu entendimento, se revela determinante na justificação da decisão deste processo (o papel do “laboratório” no contexto da fábrica) ser fixado, como matéria de facto, com base no depoimento de uma testemunha em relação à qual também se afirma (destaque meu): “o Tribunal Arbitral ficou com a convicção que as testemunhas E... e C... não tinham conhecimento perfeito da configuração real das instalações da Requerente no ano de 2016 e após a instalação do armazém no novo edifício, nem conheciam bem o funcionamento da Requerente”. Verifica-se que foi fixada matéria de facto sobre o funcionamento da Requerente, com base no testemunho de alguém que não conhecia bem o funcionamento da Requerente. É paradoxal.

9.     Na minha leitura da decisão maioritariamente tomada, é esta conceção redutora e insuficientemente fundamentada do “laboratório” como local em que apenas se faz controlo de qualidade que determina o seu “afastamento teórico” do centro da atividade produtiva, inviabilizando o reconhecimento do nexo de causalidade indireta entre o investimento e a criação do posto de trabalho.

10.  Com base em vários elementos que constam do processo e em informação publicamente disponível (na internet), concluo que, no “laboratório” da Requerente, são levadas a cabo atividades de investigação e desenvolvimento - tal consta do próprio “site” da Requerente, do “site” de um centro de investigação ligado à Universidade de Aveiro (“CICECO”), da ficha do projeto “... ” e até mesmo de anúncios de emprego que a Requerente foi publicando ao longo do tempo (bastará pesquisar, num motor de busca, “A... & Investigação”).

11.  Outros elementos do processo (desde logo, e ainda no processo administrativo, o depoimento de G..., que, de forma considerada “coerente” pela Requerida, declarou que, apesar do laboratório já ter a função de criar produtos novos, o investimento permitiu que isso acontecesse de "uma forma melhor e mais otimizada"), acompanhados da minha experiência profissional, levam-me a formar a convicção de que, no “laboratório” da Requerente, como em muitos “laboratórios” que operam em contexto industrial, são concebidas as formulações dos produtos solicitados pelos clientes, são determinadas as quantidades de matérias-primas a “lançar” no processo produtivo, poderá ser feito o controlo de algumas fases do processo produtivo, poderão ser determinadas ações corretivas (sendo o caso) e, naturalmente, é feito o controlo de qualidade dos produtos.

12.  Neste contexto de forte ligação e interdependência entre as atividades das máquinas e o conjunto das atividades do “laboratório” (com destaque para a Investigação & Desenvolvimento), entendo estar preenchido o nexo de causalidade indireta entre o investimento efetuado e a criação de um posto de trabalho. Foi o investimento que proporcionou o contexto adequado à contratação de um profissional. Tal contratação para o “laboratório”, muito provavelmente, não teria ocorrido, sem o aumento da capacidade produtiva (novos produtos, para novos clientes), porque o “laboratório” é parte integrante do processo produtivo, podendo atuar no início, no meio e no fim do dito processo produtivo.

 

Por tudo o que foi exposto, entendo que se verificou a condição de “criação de postos de trabalho”, exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento. Se, subsequentemente tal questão tivesse sido apreciada pelo Tribunal, também entenderia que foi efetuado investimento em aplicações relevantes, pelo que a Requerente reuniria as condições para beneficiar do RFAI. Assim, voto vencido esta pronúncia arbitral.

 

 

Luís Miranda da Rocha

 

 

 



[1]  A questão da utilização do conceito de criação líquida de postos de trabalho em sede de RFAI tem sido  tratada em várias decisões arbitrais, como as proferidas nos processos n.º 307/2019-T, 488/2019-T, 546/2020-T, 500/2021-T, 508/2021-T e 544/2022-T e, em sentido inverso, no recente Ofício Circulado n.º 202059 da Autoridade Tributária e Aduaneira (de 28 de Junho último). 

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229. 

Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que "tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável".