Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 38/2023-T
Data da decisão: 2023-09-01  IRC  
Valor do pedido: € 136.042,69
Tema: IRC – Incompetência material; Derrama Estadual versus Derrama Regional; inconstitucionalidade material do art.º 87.º A do CIRC, por, por violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas e, ainda, por violação do princípio da igualdade; violação da liberdade de estabelecimento – art. 49.º do TFUE.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Sumário:

  1. A competência material de um tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta, pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos. Sendo o pedido a declaração de ilegalidade e a anulação parcial de atos de autoliquidação de IRC por violação de princípios constitucionais e normas do Direito da União, há que concluir que tem perfeito cabimento na norma competencial prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT.
  2. Tendo a Requerente (e as restantes sociedades que integram o Grupo sujeito ao RETGS por ela dominado) sede no território continental de Portugal, o correspondente Lucro Tributável encontrava-se sujeito a Derrama Estadual, por aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, não podendo ser subtraída a parte dos lucros obtidos nos estabelecimentos da Requerente (e das restantes sociedades que integram o Grupo B...) situados nas Regiões Autónomas.
  3. O elemento de conexão residência é perfeitamente legitimo para fixar a incidência subjetiva da derrama e, nessa conformidade, consubstancia motivo justificativo idóneo para fazer tributar partes do lucro tributável recebidos em território insular e sujeitos a Derrama Estadual de forma mais agravada quando comparada com a obtenção de lucros tributáveis por sujeitos passivos sedeados nas Regiões Autónomas, sejam eles obtidos somente nas Ilhas ou também no território do continente.
  4. Tendo o legislador feito eleger como elemento de conexão relevante, para efeitos de incidência subjetiva da Derrama Estadual a residência, em detrimento da origem/proveniência do lucro tributável, entende este Tribunal Arbitral Coletivo que tal não viola o princípio da igualdade nem o da capacidade contributiva.
  5. Não se vislumbra a aventada restrição da liberdade de estabelecimento, na medida em a decisão de localização da sede e/ou do exercício das respetivas atividades de uma sociedade residente noutro Estado-Membro da U.E. na Região Autónoma da Madeira ou na Região Autónoma dos Açores só a poderia beneficiar atenta a menor carga fiscal que sobre ela incidiria.
  6. O interesse público prosseguido com a Derrama Estadual versus a Derrama Regional sempre se revelaria mais valioso do que um hipotético constrangimento ou restrição, que sempre seriam mínimos, das escolhas dos operadores económicos.

 

 

I. Relatório:

 

  1. A..., S.A., com sede na..., n.º ... –..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (NIPC) ... (doravante Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral, invocando os artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
  3. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 8.3.2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
  5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 27.3.2023 para apreciar e decidir o objeto do processo.
  6. Em 24.5.2023, a Requerida apresentou Resposta, invocando a exceção de incompetência material do tribunal arbitral e defendendo-se por impugnação.
  7. Mediante despacho de 16.06.2023, inserido no SGP do CAAD, foi a Requerente convidada a responder, querendo, à exceção alegada pela Requerida.
  8. Por despacho de 27.06.2023 e por não haver sido Requerida a produção de prova testemunhal, foi ordenada, por falta de objeto, a dispensa da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT e ainda por as questões a conhecer serem de direito e as partes terem bem expresso, nos articulados, as suas posições, dispensou-se também a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.
  9. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2022... entretanto apresentada e dirigida à apreciação da legalidade das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., todas referentes ao exercício de 2019, das quais resultou o montante total a pagar de 2.656.614,83 EUR; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos atos de autoliquidação reportados ao exercício de 2019 e que, na parte sindicada, totalizam o montante de 136.042,69 €, por estarem enfermados do vício de violação de lei; por violação do princípio constitucional da igualdade; e ainda por violação do Direito Comunitário, nomeadamente, por violação da liberdade de estabelecimento prevista no art.º 49.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE); ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles atos de autoliquidação, na restituição à Requerente do valor pago em excesso, no montante de 136.042,69 €; iii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios correspondentes, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT e art.º 61.º do CPPT e ainda, face à subalínea ii) do petitório e com a procedência dos pedidos supra explicitados, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da taxa de arbitragem.
  10. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações da Requerente:

 

  1. No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa a Requerente por traçar, no seu ponto D.1.1., o quadro jurídico que regulamenta a Derrama Regional na região Autónoma dos Açores (RAA) e também na Região Autónoma da Madeira (RAM), concluindo no sentido de que “(...) Por referência ao exercício de 2019, estão sujeitos a derrama regional os sujeitos passivos de IRC com sede ou estabelecimento estável nas Regiões Autónomas, que exerçam, a título principal, uma atividade natureza comercial, industrial ou agrícola e, naquele exercício, apurem um lucro tributável superior a €1.500.000,00.”
  2. No ponto D.1.2. do PPA, constrói a Requerente hermenêutica que sustenta a não sujeição a Derrama Estadual do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, mesmo do obtido por sujeitos passivos com sede no território do continente, aludindo ainda à impossibilidade de preenchimento da declaração Modelo 22 em conformidade com tal tese.
  3. No sentido de sustentar a referida interpretação, começa a Requerente por aduzir no sentido de que “Tendo as Regiões Autónomas optado por legislar em matéria de derrama e, concomitantemente, adaptado as taxas aplicáveis nas respetivas circunscrições territoriais – tudo ao abrigo das competências legislativas em matéria fiscal expressamente reconhecidas pelo artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP –, entende a Requerente que o lucro tributável do GRUPO B... proveniente das Regiões Autónomas deve ser sujeito às taxas de derrama regional (se aplicáveis), ao invés de às taxas de derrama estadual.”
  4. Prossegue aquela sustentando que “para o cálculo da derrama estadual, deve, em primeiro lugar, ser determinado o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, através da proporção entre o volume anual de negócios correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume de negócios total do exercício do sujeito passivo (cfr. artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas)”.
  5. E daqui retira a Requerente a asserção de que o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas deve, nessa conformidade, estar sujeito às taxas de Derrama Regional correspondentes, caso haja lugar à sua aplicação e já não, nessa parte do lucro tributável imputável a operações realizadas nos territórios insulares, sujeito a Derrama Estadual, isto, não obstante, a sede social dos sujeitos passivos que realizam tais operações se encontrar sedeada em território do continente.
  6. Seguindo-se o apuramento do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, por aplicação de rácios que determinou e aplicou aos lucros tributáveis individualmente apurados por cada uma das sociedades que integram o Grupo B..., determinando um valor de Derrama Estadual (expurgado das operações realizadas nas Ilhas) que se cifrava em 1.761.438,52 € que comparado com a Derrama Estadual paga de 1.897.481,21 €, resulta num valor de derrama entregue em excesso (seguindo-se, obviamente, a construção defendida pela Requerente) de 136.042,69 € que é exatamente o valor que aqui está ser objeto de litigância.
  7. E partindo dali insurge-se a Requerente contra a impossibilidade de preenchimento da declaração Modelo 22 nos termos vindos de explicitar, o que diz redundar na ilegalidade dos atos tributários e também na ilegalidade da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada, “(...) por força da concomitante insusceptibilidade de aplicação do artigo 87.º-A do CIRC em consonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro – i.e., expurgando da sujeição a derrama estadual, nos termos do artigo 87.º-A do CIRC, os lucros gerados nas Regiões Autónomas.”, enfermando-os, na parte referente à Derrama Estadual que reflete o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas (1.897.481,21 EUR –1.761.438,52 EUR = 136.042,69 EUR), de vício de violação de lei, devendo, por isso, ser anulados em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA.
  8. Não se detendo, a Requerente advoga ainda, no ponto D.1.3 do PPA, a ilegalidade dos atos sub judicio por violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas em conformidade com o disposto nos art.ºs 227.º, n.º 1 alíneas i) e j) e 228.º da Constituição da República Portuguesa, enunciado o quadro normativo constante da CRP (acima referido); enunciado ainda, a tal propósito da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas, o normativo constante do Estatuto Político-Administrativo da RAA e da RAM; feitas ainda algumas referências doutrinais a tal respeito, conclui a Requerente no sentido de que por imposição constitucional e legal, a receita fiscal gerada nas Regiões Autónomas deverá destinar-se única e exclusivamente ao financiamento destas, dizendo haver constatado que, in casu, “(...) o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas – ao ter sido sujeito a derrama estadual pelo simples facto de todas as sociedades integrantes do GRUPO B... estarem sedeadas em território continental – acabou, em última instância, por conduzir à arrecadação de receita para os cofres do Estado central.”
  9. Intuindo dali que a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, sem que se atenda à distinta proveniência do lucro tributável gerado, afronta à autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas, donde, os atos tributários e a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada, na parte referente à Derrama Estadual que reflete o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas (136.042,69 EUR), padecem do vício de violação de lei “(...) porquanto foram emitidos nos termos de preceito legal (o artigo 87.º-A do CIRC) materialmente inconstitucional por violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas consagrada nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), e 228.º da CRP, devendo, por isso, ser anulados em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA (...).”
  10. O ponto D.1.4. do PPA tem por epígrafe: “Da ilegalidade dos atos sub judice por violação do princípio da igualdade e da liberdade de estabelecimento (artigos 13.º da CRP e 49.º do TFUE)”.
  11. Dizendo a Requerente haver constatado “(...) que o entendimento sufragado pela Autoridade Tributária tem como consequência o tratamento diferenciado do sujeito passivo com atividade comercial nas Regiões Autónomas em função da localização da sua sede ou estabelecimento estável no território continental ou insular (...)”, donde, sustenta aquela que tem se de aferir se tal tratamento diferenciado é constitucionalmente admissível à luz do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP.
  12. Discorre, mais uma vez, abundantemente, sobre o princípio constitucional da igualdade trazendo à colação sobejas construções doutrinais e quanto à questão essencial de saber se existe motivo justificativo que legitime a aplicação de um regime tributário distinto a situações fundamentalmente idênticas (regime distinto aquele espelhado na circunstância de duas sociedades residentes em Portugal que geram e recebem rendimentos de fonte insular poderem ser sujeitas a diferente tributação por via da aplicação da Derrama Estadual ou da Derrama Regional), defende a Requerente que “(...) o lugar da sede ou do estabelecimento estável do sujeito passivo (no Continente ou numa das Regiões Autónomas) não é suscetível de consubstanciar um motivo justificativo idóneo – e, por conseguinte, legitimador – do tratamento desfavorável provocado pela tributação agravada em sede de derrama estadual (...)”,  retirando-se daqui que uma interpretação do art.º 87.º-A do CIRC que tal propugne, não pode deixar de ser considerada materialmente inconstitucional por violação do art.º 13.º da CRP, donde, os actos tributários e a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada devem ser declarados ilegais e anulados em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA.
  13. Finalmente, defende ainda a Requerente, trazendo à colação referencias doutrinais relevantes, que “(...) a diferença de tratamento em função do local do estabelecimento (em território continental ou em território insular) do sujeito passivo consubstanciará uma violação da liberdade europeia de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE – e, por via disso, do princípio do primado do Direito Europeu consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.”
  14. Conclui a Requerente como segue: “(...) ser o tratamento discriminatório, em função do local do estabelecimento (em território continental ou em território insular) do sujeito passivo, violador da liberdade europeia de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE – e, por via disso, do princípio do primado do Direito Europeu consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP –, sendo, por conseguinte, inconstitucional o regime decorrente do artigo 87.º-A do CIRC (...)”, donde, os actos tributários sub judicio e a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada, “(...) na parte referente à derrama estadual que reflete o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas (136.042,69 EUR), padecem do vício de violação de lei, porquanto foram emitidos nos termos de preceito legal (o artigo 87.º-A do CIRC) materialmente inconstitucional, por violação quer do princípio da igualdade, quer do primado do Direito Europeu, consagrados, respetivamente, nos artigos 13.º e 8.º, n.º 4, da CRP, devendo, por isso, ser anulados em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA (...).”
  15. Peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT e, finalmente, a condenação da Requerida no pagamento da taxa de arbitragem.
  16. Na sequência do despacho arbitral de 16.06.2023, a Requerente respondeu à excepção suscitada pela Requerida, juntando, para o efeito, articulado superveniente que deu entrada no Sistema de Gestão Processual do CAAD em 19.06.2023 e onde pugna pela improcedência da exceção dilatória invocada pela Autoridade Tributária.
  1. Em 24.5.2023, a Requerida apresentou a sua Resposta na qual, alega:

 

I.B) Alegações da Requerida:

 

  1. A Requerida começa por se defender invocando a exceção dilatória “Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual/regional”.
  2. Para o efeito, aduz a Requerida como segue: De modo a sustentar o seu entendimento, a requerente estabelece nos artigos 43.º a 51.º do PPA o modus procedendi a adotar, para efeitos de cálculo da derrama devida." Nos pontos 7. A 12. da Resposta reproduz a Requerida o referido cálculo da derrama que segundo a Requerente seria devida.   
  3. Partindo daí, prossegue a Requerida dizendo que "13. A vinculação da AT à tutela arbitral pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la. 14. Pelo que, salvo melhor opinião, é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente. 15. Porquanto, tal interpretação implicará a dilatação das situações em que a AT obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigos 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral]. 16. O respeito pela vontade exteriorizada na vinculação à arbitragem em matéria tributária, sendo um fator de certeza e de segurança jurídica representa, também, a efetivação das consequências intencionadas pelo exercício de ação das partes em litígio, a qual não pode ser isolada dos referidos normativos de proteção constitucional, sob pena de tal pressupor um poder (inconstitucional) do intérprete-julgador na delimitação dos poderes do Estado na privatização do exercício da justiça, mormente quando não se admite a possibilidade sistemática de recurso nas arbitragens tributárias."
  4. Retirando do acima transcrito que se afigurará “(...) inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos arbitrais aqui formulados pela requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem."
  5. Visando consubstanciar tal asserção, traz a Requerida à colação o disposto no art.º 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março e ainda construção doutrinária de Jorge Lopes de Sousa sobre a competência dos tribunais arbitrais que pode ser lida in “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 105-108.
  6. E levando em conta o pedido formulado pela Requerente, diz a Requerida que o que verdadeiramente aquela pretende é que “(...) a AT seja condenada a calcular a derrama estadual considerando o lucro tributável imputável a cada uma das regiões (território continental, RAA e RAM) nas quais a requerente exerce a sua atividade, com a atribuição da relevância devida à existência de derramas regionais em vigor na RAA e na RAM."
  7. Prossegue aduzindo: "Assim, com a presente ação arbitral, o que a requerente pretende é, no fundo, obter o reconhecimento de um direito, de proceder a uma determinada forma de cálculo da derrama estadual, independentemente da anulação de uma liquidação."
  8. Intuindo daí que "(...) o pedido formulado pela requerente não se destina a obter a anulação, parcial, da liquidação de IRC, mas apenas a obter uma condenação da AT a adotar um determinado procedimento no cálculo da derrama estadual.”
  9. Permitindo-se concluir no sentido de que “(...) o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral, para reconhecer o direito que a requerente pretende obter, ou para, em alternativa, à ação administrativa especial, condenar a AT à prática de um ato devido.”
  10. Pugnando pela verificação da exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, defende a Requerida, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
  11. Na defesa por impugnação que empreende, concretamente no seu ponto A), a Requerida começa por desenhar o quadro factual que conforma a questão sub judicio. No ponto B) da Resposta enceta a enunciação do direito aplicável. Da leitura dos normativos referidos, diz a Requerida retirar que a derrama regional apenas se aplica a: a) Residentes nas Regiões Autónomas da Madeira ou dos Açores; b) Não residentes com estabelecimento estável na RAM ou na RAA.
  12. Aduzindo de seguida no sentido de que a Requerente tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e estando a sua atividade sujeita a tributação em IRC, verifica-se que o requisito de incidência previsto no nº 1 do art.º 87º-A, do CIRC, se encontra preenchido, estando aquela, assim, obrigada a liquidar a derrama estadual nos termos e às taxas previstas no referido artigo.
  13. Não deixando de trazer à colação o seguinte argumentário: “(...) a opção pela aplicação do RETGS só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente um conjunto de requisitos, entre os quais que a totalidade dos rendimentos de todas as sociedades pertencentes ao grupo com sede ou direção efetiva em território português, esteja sujeita ao regime geral do IRC à taxa normal mais elevada (cfr. al. a) do n.º3 do art.º 69.º do CIRC). 50. Deste modo, e conforme estipula a al. d) do n.º 4 do art.º 69.º do CIRC, não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, estejam sujeitas a uma taxa inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação. 51. Ou seja, quando estamos na presença de sujeitos passivos que integram um grupo de sociedades tributado pelo RETGS, nos casos em que a sociedade dominante tenha sede no Território Continental, a totalidade dos rendimentos das sociedades do grupo está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada, nos termos da al. a) do n.º 3 do art.º 69.º do CIRC. 54. Na situação em análise, muito embora a sociedade tenha atividade nas Regiões Autónomas, a sua sede é em Portugal Continental, é tributada pelo RETGS, pelo que é-lhe aplicável a regra geral, e consequentemente, a derrama estadual, prevista no art.º 87º-A do CIRC. 55. Ou seja, apenas é devida derrama estadual, nos termos do art.º 87.º- A do CIRC."
  14. Continua a Requerida defendendo que “[O] apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas, em cumprimento do constitucional e legalmente determinado, não tem qualquer relação com o imposto da derrama estadual, nomeadamente com a definição da sua incidência objetiva."
  15. E ainda que: “57. Em respeito pelo princípio da legalidade plasmado nos artigos 103.º da Constituição e 8.º da LGT, a incidência da derrama estadual encontra-se prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC. 58. Aí se estabelecendo os pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, bem como os elementos da mesma obrigação. 59. Com efeito é no artigo 87.º-A do Código do IRC que se identificam, em abstrato, os sujeitos passivos da obrigação de imposto, a matéria coletável sobre a qual recai a tributação, a taxa do imposto e o facto gerador que determina o nascimento da referida obrigação de imposto. 60. E no que em concreto concerne à incidência objetiva, dispôs o legislador que o imposto recai sobre a parte do lucro tributável superior a €1 500 000,00 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”
  16. Inferindo a Requerida dali que “(...) a incidência do imposto da derrama estadual tem por base a globalidade do lucro tributável obtido pelos sujeitos passivos, não se fazendo qualquer segregação ou exclusão de incidência em função da circunscrição a que o mesmo é imputado. 62. Sendo certo que, se fosse essa a sua intenção, teria o legislador de o ter previsto expressamente, ex vi artigo 103.º da Constituição.”
  17. E dito isto, defende a Requerida que “[O] entendimento manifestado pela Requerente confunde as operações de cálculo de apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas com a definição (a montante) da incidência objetiva da derrama estadual.”
  18. Concluindo no sentido de que “Bem ao contrário do que alega a Requerente, inexiste fundamento legal que justifique ou permita a determinação da incidência objetiva da derrama estadual de acordo com as regras do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões autónomas.” E ainda: “A interpretação do artigo 87.º-A do Código do IRC assumida pela Requerente, no sentido em que a norma implicaria a determinação da incidência objetiva da derrama estadual de acordo com as regras do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas é, pelo atrás exposto, inequivocamente inconstitucional por violação do artigo 103.º da Constituição, 66. na medida em que o legislador definiu expressa e concretamente a incidência objetiva da derrama estadual no artigo 87.º-A do Código do IRC, estando absolutamente vedado qualquer método alternativo de apuramento do imposto.”
  19. Advogando a Requerida que "(…) soçobram as alegações da Requerente quanto à violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º n.º 1 alíneas i) e j) da Constituição, bem como quanto à preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição e, bem assim, da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).”
  20. E dizendo que o ato tributário de autoliquidação de IRC, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não padecem de qualquer vício, conclui-se pela procedência da exceção invocada e, consequentemente, pela absolvição da instância da entidade Requerida ou pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se aquela dos pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, nomeadamente o indeferimento do pedido de restituição de qualquer quantia a título de imposto já pago e ainda do pagamento de juros indemnizatórios, porquanto também não se verifica o circunstancialismo de facto exigido para a aplicação do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

II. Thema decidendum:

 

  1. Impõe-se ao tribunal analisar as invocadas ilegalidades do art.º 87.º-A do CIRC, por alegadamente enfermar de inconstitucionalidade material, com fundamento: i) na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro; ii) na violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), da Constituição da República Portuguesa (CRP); iii) na preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; e, bem assim, iv) na violação da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  2. Além de que entende o Tribunal há uma questão de natureza exceptiva que, por poder obstar ao conhecimento do pedido e ao julgamento de mérito do objeto do processo, é necessário apreciar e decidir no presente processo arbitral. É ela: a “Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual/regional”.
  3. Não procedendo a exceção, empreender-se-á julgamento de mérito sobre o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

III.A) QUESTÃO PRÉVIA DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL:

 

  1. A Requerida, como visto, na Resposta que ofereceu, invocou a exceção dilatória “Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual/regional”.
  2. Notificada para exercer, querendo, exercer o contraditório no que respeita a tal exceção, veio a Requerente responder à mesma, juntando, para o efeito, articulado superveniente que deu entrada no Sistema de Gestão Processual do CAAD em 19.06.2023 e onde, no essencial, pugna pela improcedência da exceção dilatória invocada pela Requerida.
  3. Assim sendo, e tendo em consideração que a referida exceção dilatória poderá obstar ao conhecimento do mérito da causa e/ou importar a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 89.º do CPTA e ainda do disposto no art.º 576.º do Código do Processo Civil aplicáveis ex vi do disposto no art.º 29.º do RJAT, será, a mesma, de imediato apreciada. Vejamos,
  4. O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo, por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  5. Como ensinava o Prof. Manuel Domingues de Andrade em «Noções Elementares de Processo Civil» p.p. 88 e ss., a competência dos tribunais “[é] a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional”, sendo que a “Competência abstracta dum tribunal é a medida da sua jurisdição; a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída; a determinação das causas que lhe tocam” e a “Competência concreta dum tribunal, trata-se (…) da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar (exercer actividade processual) nesse pleito; a inclusão deste na fracção de jurisdição que lhe corresponde.”
  6. A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respeivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. (Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.1.2015, Pº 117/14.4TTLMG.C1 que veio a ser confirmado pelo Acórdão do STJ de 16/06/2015).
  7. A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é desde logo definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que dispõe: “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) (...)” - Revogada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
  8. A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é ainda limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
  9. Isto dito, importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “[N]ESTES TERMOS, requer-se a V. E.xª a constituição desse Douto Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do RJAT, pedindo-se pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos atos tributários e decisório acima identificados. NESTES TERMOS, e nos demais de Direito, requer-se a esse Douto Tribunal Arbitral que julgue procedente, por provado, o presente pedido de pronúncia arbitral e, por conseguinte: i) Declare a ilegalidade dos atos tributários e decisório sub judice, anulando-os em conformidade, nos termos do artigo 163.º do CPA; ii) Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida no reembolso à Requerente do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos a computar sobre aquele montante até ao seu efetivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, e, bem assim, no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais. (...).”
  10. Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial dos atos de autoliquidação de IRC de 2019, por via da declaração de ilegalidade e anulação do ato que indeferiu a reclamação graciosa oportuna e previamente apresentada.
  11. Como visto, a pretensão de anulação de um ato de liquidação de um tributo tem perfeito cabimento na norma competencial prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT.
  12. Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, através da qual a Requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária, não contém qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (Cfr. n.º 2 do art.º 2.º da referida Portaria).
  13. Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
  14. Há, assim, que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do citado art.º 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e ainda por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011 de 12 de Março.
  15. Deste modo, improcede a exceção da incompetência material suscitada pela Requerida. Neste mesmo sentido veja-se a decisão arbitral tirada no Processo n.º 206/2022-T que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=6780 .
  16. Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de atos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é atualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os atos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – ou seja, atos de segundo grau -  poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
  17. Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de atos de liquidação de tributos - acos de primeiro grau - quando, num ato de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal ato.
  18. Assim sendo, o Tribunal considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2022... despoletada pela Requerente com referência aos atos tributários (de autoliquidação) de IRC, respeitantes ao ano de 2019, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento e tal como veremos adiante no ponto O) do probatório, apreciado a legalidade daqueles atos de liquidação.

 

 

 

 

 

III.B) DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  2. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). O prazo para apresentação do PPA deve contar-se do conhecimento do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação Graciosa apresentada. O Ofício a coberto do qual foi dada a conhecer à Requerente a referida decisão está datado de 17.10.2022 (Cfr. Doc. n.º 11 junto ao PPA). A notificação foi enviada à Requerente mediante carta registada com aviso de recepção (registo postal n.º RF...PT). O objecto postal correspondente foi entregue em 19.10.2022 (Cfr. consulta ao site dos CTT, in https://appserver.ctt.pt/CustomerArea/PublicArea_Detail?ObjectCodeInput=RF645977472PT&SearchInput=RF645977472PT ). Nos termos do n.º 3 do art.º 39.º do CPPT, havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado, donde, a Requerente deve considerar-se notificada da decisão de indeferimento acima referida no dia 19.10.2022, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efetivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 20.10.2022 e o seu dies ad quem ocorreu em 17.1.2023, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 17.1.2023, considera-se tempestivamente interposto o PPA.
  3. O processo não enferma de nulidades.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

  1. Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respetiva decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, constituída ao abrigo da lei portuguesa, com sede e direção efetiva no território continental português (mais propriamente em Lisboa), que exerce, a título principal, a atividade de comércio por grosso e retalho de vestuário, acessórios de moda e artigos para o lar (Cfr. art.º 9º do PPA e Doc. n.º 11 junto ao PPA e ainda certidão permanente comercial, disponível para consulta online (https://eportugal.gov.pt/empresas/Services/Online/Pedidos.aspx?service=CCP através do código de acesso ...).
  2. A Requerente prossegue a sua atividade comercial através de lojas físicas localizadas por todo o território nacional (quer continental quer insular). (Cfr. art.º 10º do PPA – facto não contraditado pela Requerida).
  3. No exercício de 2019, a Requerente – que, à data, girava sob a denominação social de C..., S.A. – era a sociedade dominante do Grupo B..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC. (Cfr. art.º 11º do PPA e ponto 2. da Informação n.º 233-AIR1/2022, junta aos autos como Doc. n.º 11).
  4. O perímetro do Grupo B... era, em 2019, composto por nove sociedades, ou seja, para além da Requerente, enquanto sociedade dominante, o Grupo B... era constituído pelas seguintes sociedades dominadas: D..., S.A. (NIPC...); E..., S.A. (NIPC...); F..., S.A. (NIPC...); G... S.A. (NIPC...); H..., S.A. (NIPC...); I..., S.A. (NIPC...); J..., S.A. (NIPC...); K..., S.A. (NIPC...). (Cfr. certidão permanente comercial, disponível para consulta online (https://eportugal.gov.pt/empresas/Services/Online/Pedidos.aspx?service=CCP através do código de acesso ...).
  5. Em 2021, o GRUPO B... sofreu uma profunda reestruturação societária, tendo realizado uma operação de fusão por incorporação das sociedades dominadas dele integrantes na Requerente (Cfr. certidão permanente comercial, disponível para consulta online (https://eportugal.gov.pt/empresas/Services/Online/Pedidos.aspx?service=CCP através do código de acesso...).
  6. No exercício de 2019, a Requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo B..., era a sociedade designada para cumprir todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do grupo de sociedades (Cfr. art.º 15 do PPA - facto não contraditado pela Requerida).
  7. Os atos de autoliquidação de IRC aqui sindicados e respeitantes ao exercício de 2019, resultam do preenchimento e submissão das declarações Modelo 22 do GRUPO B..., da Requerente e das demais sociedades dominadas. (Cfr. Docs. n.ºs 1 a 10 juntos ao PPA).
  8. No exercício de 2019, em cumprimento das suas obrigações tributárias, a Requerente, enquanto sociedade dominante, procedeu à entrega da declaração Modelo 22 do GRUPO B...– à qual foi atribuído o n.º...–, tendo declarado, no campo 373 do quadro 10, o montante de 1.897.481,21 EUR, a título de Derrama Estadual (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA).
  9. O montante de Derrama Estadual refletido na declaração Modelo 22 do GRUPO B... corresponde ao somatório dos montantes de derrama estadual apurados nas declarações Modelo 22 individuais da Requerente e das sociedades, à data, dominadas, conforme melhor demonstrado infra:

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da totalidade do montante liquidado (Cfr. Doc. n.º 12 junto ao PPA).
  2. No dia 28 de Julho de 2022, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 137.º do CIRC e ainda do artigo 131.º do CPPT, reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC relativo ao período de tributação de 2019 (“declarações Modelo 22”) n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...), a qual correu termos na Unidade dos Grandes Contribuintes[1] sob o n.º ...2022... e onde solicitou a anulação parcial do mesmo por violação de lei no que concerne ao apuramento da derrama estadual e, por conseguinte, fosse reconhecido que o valor da coleta total no Campo 378 era de 12.587.951,61 €, gerando um reembolso do imposto pago no montante de 1.897.481,21 €. Caso assim se não entendesse e sem conceder, solicitava a anulação parcial do ato tributário de liquidação de IRC referente a 2019 no que concerne ao apuramento da Derrama Estatual relativa às atividades da ali Reclamante nas Regiões Autónomas e, por conseguinte, o reembolso de 136.042,69 €, indevidamente pago; por violação do princípio constitucional da igualdade; e ainda por violação direta do Direito da UE, concretamente por violação da liberdade de estabelecimento prevista no art.º 49.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE). (Cfr. Doc. n.º 13 junto ao PPA e Processo Administrativo junto aos autos pela Requerida nos termos do n.º 2 do art.º 17.º do RJAT);
  3. Em 21.9.2022, rececionou a Requerente  o ofício n.º ...-DJT/2022, de 16.9.2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes, que lhe dava a conhecer o projecto de decisão de que havia recaído sobre a reclamação apresentada (despacho do Chefe de Divisão de 16.9.2022)  e onde se conferia àquela a possibilidade de, querendo, poder exercer o direito à participação na decisão que se projetava proferir, na modalidade da audição prévia, em conformidade com o disposto no art.º 60.º da LGT (Cfr. Doc. n.º 14 junto ao PPA e fls. 86 a 100 do ficheiro RG_Parte 2 que integra o Processo Administrativo junto aos autos pela Requerida nos termos do n.º 2 do art.º 17.º do RJAT);
  4. O projeto de decisão referido no ponto L) do probatório era de indeferimento da reclamação graciosa e estava ancorado na informação de 16.9.2022 que, a dado passo, dizia o seguinte: “Assim, face ao exposto, não nos cabe assumir outra posição senão a de rejeitar que a reclamante, bem como as restantes sociedades do grupo, possam desconsiderar o lucro tributável alocado às Regiões Autónomas para efeitos de apuramento da derrama estadual nos termos do n.º 1 do art.º 87.º-A, do CIRC, mantendo-se o valor constante do campo 373 do quadro 10 das respetivas declarações de rendimentos “Modelo 22” individuais.” Propondo-se o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada e em caso de concordância superior, propunha-se ainda fosse promovida “(...) a notificação da Reclamante, de acordo com as normas insertas nos artigos 35.º a 41.º, todos do CPPT, através de ofício, para querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT. (...). A consideração superior.” (Cfr. Doc. n.º 14 junto ao PPA, fls. 13/13 e fls. 86 a 100 do ficheiro RG_Parte 2 que integra o processo administrativo junto aos autos pela Requerida nos termos do n.º 2 do art.º 17.º do RJAT);
  5. No dia 19 de Outubro de 2022, a Requerente foi notificada através do Ofício n.º ...-ATR-1/2022, de 17.10.2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes, da decisão final, do Exm.º senhor Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, no sentido do indeferimento da Reclamação Graciosa identificada no ponto K) do probatório (Cfr. Doc. n.º 11 junto ao PPA e consulta ao site dos CTT, in https://appserver.ctt.pt/CustomerArea/PublicArea_Detail?ObjectCodeInput=RF645977472PT&SearchInput=RF645977472PT do registo postal n.º RF...PT );
  6. Constava da decisão final que recaiu sobre a Reclamação Graciosa e melhor identificada no ponto K) do probatório, o seguinte: “13. Quanto aos fundamentos apresentados para sustentar a legalidade do ato tributário em causa, traduzem-se os mesmos em questões de inconstitucionalidades que não podem ser apreciados no presente procedimento, conforme demonstraremos de seguida. 14. Com efeito, comece-se por referir que não cabe no elenco das atribuições e competências da Administração Tributária (“AT”) aferir da conformidade de uma qualquer norma face ao disposto na nossa Lei Fundamental.(...).” Depois de discorrerem abundantemente sobre tal questão, trazem à colação o Acórdão do STA de 12.10.2021, tirado no Processo n.º 0860/10, donde retiram que “(...) no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados (...).”  e concluem no sentido de que “Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo a que a própria AT se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espetro no princípio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito, não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pelo ora reclamante. Sem prejuízo do que vem referido, mostra-se relevante dar notícia de que o CAAD, no acórdão proferido no processo 784/2019-T, não julgou inconstitucional o artigo 87.º-A do código do imposto sobre o Rendimento das pessoas coletivas, na redação introduzida pela Lei 114/2017, 29 dezembro, tendo considerado que o referido artigo não violava o princípio da tributação segundo rendimento real, o princípio da concorrência e do eficiente funcionamento do mercado, bem como o princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação ou idoneidade, necessidade ou indispensabilidade e proporcionalidade em sentido estrito.” Entrando na apreciação da violação de lei fundada na errada interpretação do disposto no art.º 87.º-A do CIRC e depois de enunciada a posição defendida pela ali Reclamante e de explicitar o quadro normativo que conforma a questão submetida a decisão, diz-se nos pontos 64. e seguintes da informação de 17.10.2022 a fls. 12/14: “(...) Como vimos, a reclamante defende que a proporção do lucro tributável gerado pelas instalações de sociedades do grupo situadas na regiões autónomas deveria estar sujeita a Derrama Regional e não a Derrama Estadual. 65. Para concluir, de seguida, que essa proporção do lucro tributável gerado pelas suas instalações na RAA e RAM, por ser inferior ao valor limite de riqueza desenhado na incidência objetiva das normas regionais, acabaria por não estar sujeita à derrama regional. 66. É notório que na base deste entendimento reside uma clara confusão entre dois planos completamente distintos, o plano da incidência do imposto e o plano do apuramento das receitas fiscais pertencentes a Regiões Autónomas. 67. A incidência da Derrama Estadual encontra-se prevista no art.º 87.º-A do CIRC. Assim, é nessa norma que se encontram previstos dos pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação do imposto, assim como os elementos da mesma obrigação. 68. Portanto, nesta norma determina-se quem são, em abstrato, os sujeitos passivos da obrigação do imposto, qual a matéria colectável, isto é, a riqueza, os valores económicos, sobre que recai a tributação, qual a taxa de imposto e qual o facto dinamizante, gerador, que, reunindo, pondo em contacto os pressupostos tributários, permitirá que nasça uma obrigação do imposto. 69. Já no que toca às Derramas regionais, estas apenas se aplicam a: a) residentes na regiões autónomas; b) não residentes com estabelecimento estável na regiões Autónomas. 70. Ora, a reclamante, bem como restantes sociedades que integram o grupo fiscal por si encabeçado, tem a sua sede e residência em Portugal Continental e exercem a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras determinação do lucro tributável expressas nos artigos17.º e ss. do Código do IRC. 71. Verificando-se, deste modo, que o requisito de incidência subjectiva previsto no n.º 1 no artigo 87.º-A do CIRC, se encontra preenchido pela reclamante e pelas sociedades que integram o grupo dominado por si, estando, assim, obrigadas a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas previstas no referido artigo. 72. De maneira que, no caso dos autos, se a reclamante as sociedades dominadas, no exercício 2019, apuraram lucro tributável  superior a €1.500.000,00, encontravam sujeitas a derrama estadual por aplicação das disposições constantes no artigo 87.º-A do Código do IRC, não podendo ser subtraída a sua incidência a parte dos lucros obtidos nas instalações situadas nas regiões Autónomas. 73. Em sentido semelhante ao aqui defendido, veja as decisões do CAAD, preferidas no âmbito dos processos n.ºs 610/2014, 611/2014 e 612/2014. 74. Assim, face ao exposto, não nos cabe assumir outra posição senão a rejeitar que a Reclamante, bem como as restantes sociedades do grupo possa desconsiderar o lucro tributável alocado às Regiões Autónomas para efeitos de apuramento da derrama estadual nos termos do n.º 1 do artigo 87.º-A do CIRC, mantendo-se o valor constante do campo 373 do quadro 10 das respetivas declarações de rendimentos “Modelo 22” individuais.” Sobre a informação de 17.10.2022 recaiu o despacho melhor identificado no ponto N) do probatório.  (Cfr. Doc. n.º 11 junto ao PPA e fls. 103 a 109 do ficheiro RG -_Parte 2 e fls. 1 a 9 do ficheiro RG_Parte 3 que integram o Processo Administrativo junto aos autos pela Requerida nos termos do n.º 2 do art.º 17.º do RJAT).
  7. A Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  8. Em 17.1.2023, 16:07 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

IV.B) Factos não provados:

 

  1. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
  3. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pela Requerente e Requerida que juntou o processo administrativo tributário previsto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, não efetivou tal junção.

 

IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):

 

IV.D1) Da invocada ilegalidade fundada na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC e na violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas:

 

  1. A Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) consagra, no n.º 2 do seu art.º 6.º, a autonomia política e administrativa dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, constituindo-as como Regiões Autónomas dotadas de Estatuto Político-Administrativo e de órgãos de governo próprio.
  2. Para além dessa capacidade de autogovernação e da remissão para um diploma de valor reforçado na hierarquia legislativa do Estado português, a CRP consagra expressamente um conjunto de direitos e poderes às Regiões Autónomas, sem prejuízo da sua concretização em sede de Estatuto. Neste sentido veja-se o art.º 227.º da CRP. Destacando-se o poder que a CRP reconhece às Regiões Autónomas de: i) dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas (Cfr. alínea j) do n.º 1 do artigo 227º); ii) aprovar o orçamento regional (Cfr. alínea p) do n.º 1 do artigo 227º);  iii) participar na definição e execução das políticas fiscal (Cfr. alínea r) do n.º 1 do artigo 227º).
  3. Retirando-se do quadro normativo constitucional vindo de explicitar que os direitos de cada uma das Regiões Autónomas, são, fundamentalmente, no que especificamente tange à matéria que aqui nos ocupa, o poder de dispor, da forma como livremente resultar do orçamento que as Regiões aprovam, das receitas fiscais nelas cobradas.
  4. Tal poder é determinado nos termos dos Estatutos e da Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
  5. O Estatuto Político-Administrativo de uma Região Autónoma (adiante designado por Estatuto) consiste numa lei ordinária com valor reforçado que estrutura a organização e o funcionamento das instituições das Regiões Autónomas.
  6. O Estatuto é uma lei da Assembleia da República que desenvolve, explicita e concretiza as normas constitucionais que regem a autonomia regional (Título VII da Parte III da Constituição – art.º 227 e seguintes).
  7. Constituem matéria reservada ao Estatuto: i) a delimitação geográfica da região; ii) a definição da sua natureza; ii) os princípios enformadores do seu regime autonómico; iii) os “direitos” e obrigações da região; iv) as regras de competência e funcionamento dos órgãos de governo próprio da região; v) o estatuto dos seus titulares; vi) alguns procedimentos de feitura de atos jurídicos; e vii) regras de organização e funcionamento da administração regional.
  8. Os Estatutos têm valor reforçado (n.º 3 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa), por duas ordens de razões: i) são objeto de um procedimento de feitura mais exigente do que as demais leis, fator que aumenta a rigidez das suas normas (como é o facto de a iniciativa para a sua aprovação e alteração ser reservada às Assembleias Legislativas Regionais e de certas matérias deverem ser aprovadas, na especialidade, por maioria de dois terços); ii) a Constituição impõe que os Estatutos sejam respeitados por todas as restantes leis (estaduais ou regionais), que serão ilegais se os violarem.
  9. Os Estatutos assumem a função relevante de definir as matérias de “âmbito regional” sobre as quais as regiões podem legislar, ao abrigo das suas competências primárias ou comuns” (alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e n.º 1 do artigo 228.º da CRP).
  10. O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91 de 5 de junho (posteriormente alterado pela Lei nº 130/99, de 21 de agosto), fixa, no nº 3 do artigo 107º, que a Região dispõe, nos termos do Estatuto e da Lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhe sejam atribuídas e afeta-as às suas despesas.
  11. O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, foi aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, e alterado pela Lei n.º 9/87, de 26 de Março; pela Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto; e pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro, estabelece, no art.º 19.º, n.º 1, o seguinte: “A Região dispõe, para as suas despesas, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com o princípio da solidariedade nacional, bem como de outras receitas que lhes sejam atribuídas”. O n.º 2, alínea b), do mesmo artigo refere que “Constituem, em especial, receitas da Região: (...) Todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados no seu território, incluindo o imposto do selo, os direitos aduaneiros e demais imposições cobradas pela alfândega, nomeadamente impostos e diferenciais de preços sobre a gasolina e outros derivados do petróleo”.
  12. A Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, alterada pela Lei n.º 82-B/2014 de 31 de Dezembro, adiante designada por LFRA), detalhando ainda mais a questão das receitas fiscais das regiões Autónomas, consagra alguns princípios que caracterizam a autonomia financeira das Regiões, dispondo, no seu art.º 26º (que tem por epígrafe “Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas”), como segue: “1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC): a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região; b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte; c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional. 2 - Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício. 3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).”
  13. Da conjugação destes preceitos é inequívoco que o direito constitucional da Região Autónoma dispor das receitas fiscais nela cobradas se concretiza, entre outras manifestações que despiciendo se torna aqui trazer à colação, na afetação ao seu orçamento da receita proveniente do IRC: i) devido por pessoas coletivas (ou equiparadas) com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na respetiva região autónoma;  ii) devido por pessoas coletivas (ou equiparadas) que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, sendo que as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício; iii) retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas (ou equiparadas) que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.
  14. O quadro normativo vindo de explicitar, concretiza o princípio de que é receita regional toda aquela que é cobrada a título de IRC no território de cada uma das Regiões Autónomas.
  15. O art.º 24.º da LFRA, sob a epígrafe “Obrigações do Estado”, estatui como segue: “1 - De harmonia com o disposto na Constituição e nos respetivos estatutos político-administrativos, as regiões autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes, (...), bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei.”
  16. Na decorrência desses princípios constitucionais e da legislação infra constitucional referida, toda a receita fiscal proveniente de IRC cobrado em cada uma das Regiões Autónomas deve ser entregue aos órgãos de governo próprio, sendo uma obrigação do Estado fazê-lo, conferindo-se o correspetivo poder a cada uma das Regiões Autónomas de determinarem a sua aplicação às despesas que bem entenderem no quadro da sua autonomia orçamental.
  17. A Derrama Estadual constitui um imposto acessório relativamente ao IRC, com a natureza de “adicionamento” e não de adicional. No sentido de o ancorar adequado se mostra trazer aqui à colação os ensinamentos de Nuno Sá Gomes, in “Manuel de Direito Fiscal”, Volume I, 12.ª Edição, Editora Rei dos Livros, 2003, pp. 135-136, ao dizer a dado passo o seguinte: “Os impostos “principais” gozam de autonomia, existem por si, não dependem da existência de qualquer relação tributária anterior. Diversamente, os “acessórios” acrescem aos impostos principais, de cuja existência prévia dependem. Os impostos acessórios ou são calculados sobre a coleta do imposto principal (os “adicionais”) ou então calculam-se sobre a matéria coletável (“adicionamento”). Já os impostos dependentes têm lugar, ainda que não seja devida, em concreto, a prestação tributária principal, de cujo objeto dependem.” Segundo José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, 2014, Almedina, Pág. 81, a Derrama Estadual é caracterizada como um imposto acessório ao IRC, mais precisamente, como um adicionamento, pelo facto de incidir sobre o lucro tributável, e não sobre a matéria coletável, apurado na declaração de rendimentos através da aplicação de taxas progressivas, isto é, consoante o valor de lucro tributável apurado, a taxa aumenta em função do lucro. E ainda a decisão arbitral tirada no Processo n.º 784/2019-T, de 30 de Abril de 2021, que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMTA2MDQwMDI0MjgwLlA3ODRfMjAxOS1UIC0gMjAyMS0wNS0yNyAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D onde se refere: “No plano estritamente jurídico, a derrama estadual caracteriza-se como um imposto acessório relativamente ao IRC, e que, não obstante ser definido pela lei como adicional, reveste a modalidade de adicionamento, na medida em que incide sobre a matéria coletável do imposto principal e não sobre a sua coleta”.
  18. Em tese, a derrama de IRC (não distinguindo por ora se Estadual ou Regional) liquidada como adicionamento ou adicional (incidindo, respetivamente, sobre a matéria coletável ou sobre a coleta de outros impostos) constitui receita da circunscrição a que tenham sido afetados os impostos principais sobre que incidiram, sendo proporcionalmente afetados a cada circunscrição e podendo de acordo com o diploma que os criar, ser afetados exclusivamente a uma ou mais circunscrições se a situação excecional que os legitima ocorrer ou se verificar apenas nessa ou nessas circunscrições. A lei admite excecionalmente que possam ser afetados de forma diferente da que resulta da territorialidade do facto gerador de imposto, quer na sua existência (impostos apenas vigorando numa determinada circunscrição) quer na afetação da receita resultante.
  19. A Derrama Estadual foi aditada no ordenamento jurídico-tributário no ano de 2010, revestindo caráter transitório e proporcional que veio a transmutar-se ao longo dos anos. Introduzida pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, com um caráter transitório, proporcional e excecional, a Derrama Estadual surge no seguimento de medidas que tinham como objetivo “[r]eforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública, previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento.”
  20. A Derrama Estadual surge da Proposta de Lei n.º 26/XI (1.ª), de 4 de junho de 2010, que aprovou um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental. Pode ser lida in https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35339. Na “Exposição de Motivos” dizia-se:  “No quadro de uma política comum adoptada na zona euro com vista a devolver a confiança aos mercados financeiros e aos seus agentes e fazer face ao ataque especulativo à moeda única, o Governo português tomou a decisão de reduzir o défice orçamental de 9,3% para 7,3% no corrente ano de 2010. Para o efeito, e porque o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013 previa, para 2010, a redução do défice de 9,3% para 8,3%, o Governo decidiu adoptar um conjunto de medidas adicionais àquele Programa. As novas metas para o défice público passam a ser de 7,3% do PIB em 2010 (anteriormente 8,3%) e 4,6% do PIB em 2011 (anteriormente 6,6%). Assim, torna-se necessário propor à Assembleia da República a aprovação de um conjunto de medidas motivadas pelo interesse geral, numa conjuntura económico-financeira excepcional de instabilidade e de ataques especulativos nos mercados financeiros que afecta vários Estados da União Europa, à qual Portugal não é alheio. Neste contexto, e para além das medidas do lado da despesa, o Governo considera necessário adoptar com urgência um conjunto adicional de medidas fiscais, de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010-2013. Assim, prevê-se: i) o aumento, em 1 ponto percentual, de todas as taxas do IVA, a normal, a intermédia e a reduzida; ii) uma tributação adicional em sede de IRS, mediante o aumento, em 1 ponto percentual, das taxas gerais deste imposto aplicáveis até ao 3.º escalão de rendimentos e em 1,5 pontos percentuais a partir do 4.º escalão, bem como um aumento correspondente nas taxas liberatórias de IRS; iii) uma tributação adicional em sede de IRC, aplicando uma sobretaxa correspondente a uma derrama de 2,5 pontos percentuais às empresas cujo lucro tributável seja superior a 2 milhões de euros; e iv) o agravamento da tributação em sede de imposto do selo da concessão de crédito ao consumo. (...).”
  21. Tal como dito, a Proposta de Lei n.º 26/XI/1.ª, deu origem à Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho.
  22. As medidas fiscais adicionais introduzidas não foram acompanhadas de norma que estatuísse sobre a vigência temporal das mesmas, sendo a única referência a este circunstancialismo a constante da Proposta de Lei n.º 175/XII, inserida no âmbito do procedimento legislativo de aprovação de Lei n.º 2/2014 (Reforma do IRC), de 16 de Janeiro. Ao abordar-se a relevância do IRC nas decisões de investimento, a reforma deste imposto revelava-se um elemento decisivo para o relançamento da economia nacional, prevendo-se a eliminação da Derrama Estadual em 2018, por forma a aumentar a competitividade de taxas, em termos internacionais. Não obstante tal proclamação proferida em 2014, a Lei do Orçamento de Estado para 2018 não só não eliminou a Derrama Estatual, como veio introduzir no art.º 87.º-A do CIRC um agravamento de taxa ao último escalão, passando esta de 7% para 9%, introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro.
  23. No momento em que foi aditada ao Código do IRC, sob a epígrafe “Derrama Estadual”, no seu artigo 87.º-A, esta, revestia-se de um caráter proporcional, ou seja, era aplicada uma única taxa mediante um certo nível de rendimentos. Podia ler-se, no n.º 1 do art.º 87.º-A do CIRC, que, incidia uma taxa de 2,5% sobre o excedente do lucro tributável superior a 2.000.000,00 €, sujeito e não isento de IRC, apurado na respetiva declaração de rendimentos de sujeitos passivos residentes e não residentes em território português. Para os residentes aplicava-se a referida taxa ao aludido lucro tributável aos que exercessem a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola. Para os não residentes aplicava-se aos que possuíssem estabelecimento estável em território português.
  24. Na redação inicial do n.º 2 do referido art.º 87.º-A do CIRC, desde logo se estatuía no sentido de que às sociedades às quais se aplicava o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante RETGS), a Derrama Estadual incidiria sobre o lucro individual apurado na declaração de cada sociedade (incluindo a dominante) e não sobre o lucro apurado na declaração do grupo.
  25. No n.º 3 daquele normativo dizia-se ainda que a liquidação da derrama adicional deveria empreender-se na declaração periódica de rendimentos a que se refere o art.º 120º do CIRC.
  26. Um ano volvido, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012), vem conferir nova redacção ao art.º 87.º-A do CIRC: i) pelo aditamento do n.º 2; ii) a alteração da letra do n.º 3; e a renumeração do anterior n.º 3. Com esta alteração a Derrama Estadual viu introduzidos dois escalões e a redução do valor a partir do qual a mesma incidiria, reduzindo-se o limiar de 2.000.000,00 € para 1.500.000,00 €. Com a introdução desta alteração, a Derrama Estadual deixa de revestir caráter proporcional e passa a revestir-se de um caráter progressivo, dividido em dois escalões. Estes encontravam-se divididos entre o lucro tributável superior a 1.500.000,00 € e inferior  a 10.000.000,00 € (1.º escalão), ao qual seria aplicável a taxa seria de 3%; e o lucro tributável superior a 10.000.000,00 € (2.º escalão). Para o 2.º escalão, o n.º 2 do Artigo 87.º-A, do CIRC, dilucida a aplicação das taxas em função do valor do lucro tributável. Aos primeiros 8.500.000,00 € era aplicada a taxa de 3% e ao remanescente superior a 10.000.000,00 € seria aplicada a taxa de 5%.
  27. A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2013), alterou o valor a partir do qual se fixa o limiar entre os escalões das duas taxas em vigor, diminuindo os anteriores 10.000.000,00 € para 7.500.000,00 € e introduzindo uma nova redação ao n.º 2 do Artigo 87.º-A. Os escalões permaneceram divididos entre o lucro tributável superior a 1.500.000,00 € e inferior  a 7.500.000,00 € (1.º escalão), ao qual seria aplicável a taxa seria de 3%; e o lucro tributável superior a 7.500.000,00 € (2.º escalão). Para o 2.º escalão, o n.º 2 do Artigo 87.º-A, do CIRC, dilucida a aplicação das taxas em função do valor do lucro tributável. Aos primeiros 6.000.000,00 € era aplicada a taxa de 3% e ao remanescente superior a 7.500.000,00 € seria aplicada a taxa de 5%.
  28. Com a entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (reforma do IRC), o art.º 87-ºA do CIRC que disciplina a Derrama Estadual sofreu alterações, exceptuando-se os números referentes aos grupos de sociedades, com a introdução de um terceiro escalão de tributação, o qual veio agravar a progressividade de taxas, situado no limiar de 35.000.000,00 € e com uma taxa de 7%. Com isto, mantinha-se os dois limiares anteriores de 1.500.000,00 € e 7.500.000,00 €. O que significava, na altura, que os primeiros 6.000.000,00 €, eram tributados a 3%; os seguintes 27.500.000,00 €, eram tributados a 5%; e o restante superior a 35.000.000,00 € era tributado a 7%.
  29. O caráter transitório parece permanecer (apesar da já longa vigência deste imposto acessório) mas a proporcionalidade da Derrama Estadual transformou-se numa progressividade de taxas repartida em três escalões.
  30. Na sua redação actual, conferida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, a Derrama Estadual incide sobre o lucro tributável apurado na declaração de rendimentos, sujeito e não isento de IRC, superior a 1.500.000,00 €, “apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português (...)”.
  31. Incidindo sobre o lucro tributável, as taxas a aplicar apresentam caráter progressivo, com três escalões, que estão hoje no n.º 1 do art.º 87.º-A do CIRC e que aqui se deve considerar reiterado.
  32. A aplicação de taxas progressivas não está vedada à tributação das empresas, uma vez que a CRP não se pronunciou expressamente quanto a este aspeto. Tendo-se pronunciado e exigido uma tributação progressiva para as pessoas singulares, nada previu, a este respeito, para as pessoas coletivas, pelo que não está vedada constitucionalmente a aplicação de taxas progressivas na tributação das empresas.
  33. Apenas aplicada ao lucro tributável superior a 1.500.000,00 €, conforme elencado no n.º 2 do referido artigo, a parte excedente será repartida pelos três escalões, conforme o valor em causa. Caso o lucro tributável seja superior a 35.000.000,00 €, aos primeiros 6.000.000,00 € é aplicado a taxa de 3%, aos seguintes 27.500.000,00 € é aplicado a taxa de 5% e ao remanescente superior a 35.000.000,00 € é aplicado a taxa de 9%. Quando o lucro tributável não exceda 35.000.000,00 €, aos primeiros 6.000.000,00 € é aplicado a taxa de 3% e ao excedente superior a 7.500.000,00 € e inferior a 35.000.000,00 € é aplicado a taxa de 5%.
  34. Para as sociedades que adotem o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), o n.º 3 do Artigo 87.º-A, prevê que estas sejam tributadas com base no lucro tributável apurado na declaração individual e não no lucro tributável que resulte da declaração do grupo.
  35. As regras de pagamento da Derrama Estadual encontram-se previstas no Artigo 104.º-A, do CIRC.
  36. O n.º 1 daquele normativo, prevê que o pagamento da Derrama Estadual seja feito em três Pagamentos Adicionais por Conta (PAC), de acordo com as regras previstas na alínea a) do n.º 1 do Artigo 104.º, do CIRC. Caso o valor pago através de PAC seja inferior ao valor apurado na declaração de rendimentos a que se refere o art.º 120,º do CIRC, a diferença que possa existir entre o valor total de derrama estadual calculado e as importâncias entregues por conta deverá ser regularizada até ao último dia do prazo para envio da declaração de rendimentos, nos termos do Artigo 105.º-A, do CIRC, conforme explanado na alínea b) do n.º 1 do Artigo 104.º-A. Se houver lugar a declaração de substituição (art.º 122.º, do CIRC), o prazo referido estende-se até ao envio da respetiva declaração. O n.º 2 do Artigo 104.º-A, do CIRC, prevê a possibilidade de reembolso quando o valor de Derrama Estadual seja inferior ao valor dos pagamentos adicionais por conta efectuados. O valor do reembolso será a diferença entre o valor pago e o valor apurado no momento da entrega da declaração de rendimentos.
  37. Com efeito, das várias disposições sobre o poder tributário das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, consagrado, nomeadamente, na Constituição da República Portuguesa (CRP) e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) e a que acima nos reportávamos desenvolvidamente, resulta inquestionável que as Regiões Autónomas dispõem de um poder tributário próprio e de um direito a determinadas receitas a transferir pelo Estado para aquelas Regiões Autónomas.
  38. Ademais, as regiões Autónomas dispõem ainda de um poder de adaptação regional do sistema fiscal nacional
  39. A Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, alterada pela Lei n.º 82-B/2014 de 31 de Dezembro) refere no seu art.º 55º que “As competências tributárias dos órgãos regionais observam os limites constitucionais e estatuários e ainda os seguintes princípios: a) O princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais; b) O princípio da legalidade, nos termos da Constituição; c) O princípio da igualdade entre as regiões autónomas; d) O princípio da solidariedade nacional, nos termos do artigo 8.º; e) O princípio da flexibilidade, no sentido de que os sistemas fiscais regionais devem adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos vigentes apenas nas regiões autónomas quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais[2]; f) O princípio da suficiência, no sentido de que as cobranças tributárias regionais, em princípio, visam a cobertura das despesas públicas regionais; g) O princípio da eficiência funcional dos sistemas fiscais regionais, no sentido de que a estruturação dos sistemas fiscais regionais deve incentivar o investimento nas regiões autónomas e assegurar o desenvolvimento económico e social respetivo.”
  40. Por outro lado, o art.º 56º da LFRA estatui como segue: “1 - Os órgãos regionais têm competências tributárias de natureza normativa e administrativa, a exercer nos termos dos números seguintes. 2 - A competência legislativa regional, em matéria fiscal, é exercida pelas Assembleias Legislativas das regiões autónomas, mediante decreto legislativo, e compreende os seguintes poderes: a) O poder de criar e regular impostos, vigentes apenas nas regiões autónomas respetivas, definindo a respetiva incidência, a taxa, a liquidação, a cobrança, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, nos termos da presente lei; b) O poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, dentro dos limites fixados na lei e nos termos dos artigos seguintes. (...).”
  41. O art.º 59º da LFRA, sob a epígrafe “Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais” refere: “1 - Sem prejuízo do disposto em legislação fiscal nacional para vigorar apenas nas regiões autónomas, a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais observa o disposto na presente lei e respetiva legislação complementar. 2 - As Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei e tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30 % e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor. 3 - As Assembleias Legislativas podem também determinar a aplicação nas regiões autónomas das taxas reduzidas do IRC definida em legislação nacional, nos termos e condições que vierem a ser fixados em decreto legislativo regional. 4 - As Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem conceder deduções à coleta relativa aos lucros comerciais, industriais e agrícolas reinvestidos pelos sujeitos passivos. 5 - As Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem autorizar os Governos Regionais a conceder benefícios fiscais temporários e condicionados, relativos a impostos de âmbito nacional e regional, em regime contratual, aplicáveis a projetos de investimentos significativos, nos termos do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e legislação complementar em vigor, com as necessárias adaptações. 6 - O regime jurídico do Centro Internacional de Negócios da Madeira e da Zona Franca de Santa Maria regula-se pelo disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais e respetiva legislação complementar.”
  42. Ainda assim, o poder de adaptação dos impostos de âmbito nacional tem limites quer de ordem interna, atento o valor superior das normas fiscais nacionais, quer de ordem comunitária, designadamente o regime comunitário das ajudas de Estado, a que nos reportaremos adiante com o desenvolvimento necessário e para onde, a tal propósito, se remete.
  43. O artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP estabelece de forma inequívoca que a Assembleia da República dispõe de competência exclusiva, não partilhada, para a criação de normas fiscais.
  44. Estas normas destinam-se a vigorar em todo o território nacional.
  45. Não obstante e como visto, as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira podem exercer “poder tributário próprio, nos termos da lei”, tendo ainda o poder de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.
  46. Tal poder de adaptação está no art.º 20º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, previsto na Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, que diz: “A Região (...) pode adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos da lei quadro da Assembleia da República.”
  47. E ainda no n.º 2 do art.º 50.º daquele Estatuto que dispõe: As matérias do poder tributário próprio e de adaptação do sistema fiscal nacional abrangem, designadamente: a) (...);  b) O poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, nos termos da Lei das Finanças das Regiões Autónomas; c) (...); d) (...); e) (...); f) (...); g) (...).”
  48. O Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20.1.1999, contém as regras de adaptação do sistema fiscal nacional à Região Autónoma dos Açores, estatuindo o seu art.º 5.º, no que ao IRC diz respeito, como segue: “1 - Às taxas nacionais do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, em vigor em cada ano, é aplicada uma redução de 30 %. 2 - A diminuição na taxa nacional aplica-se ao IRC: a) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável nos Açores; b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição; c) Retido, a título definitivo, os rendimentos gerados na Região Autónoma dos Açores, relativamente às pessoas colectivas ou equiparadas que não tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional. 3 - O imposto devido nos termos da alínea b) do n.º 2 é determinado pela proporção entre o volume anual correspondente às instalações situadas nos Açores e o volume anual, total, de negócios do exercício. 4 - Na aplicação da alínea b), relativamente aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes, o volume de negócios efectuado no estrangeiro será imputado à Região se o estabelecimento estável, onde se centraliza a escrita, se situar nos Açores.”
  49. Mais dizendo o art.º 6º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20.1.1999: “1 - Os sujeitos passivos do IRC podem deduzir à colecta, até ao limite da mesma, os lucros comerciais, industriais e agrícolas reinvestidos na importância correspondente a: a) 20% para os investimentos realizados nas ilhas de São Miguel e Terceira, que terão ainda uma majoração de 25% nos investimentos concretizados nos concelhos de Nordeste e Povoação; b) 30% para os investimentos realizados nas ilhas de São Jorge, Faial e Pico; c) 40% para os investimentos realizados nas ilhas de Santa Maria, Graciosa, Flores e Corvo. 2 - Para efeitos da aplicação do número anterior considera-se relevante todo o investimento em activo fixo directamente afecto à exploração, com excepção de bens de luxo, supérfluos, mera decoração e benfeitorias voluntárias. 3 - O Governo Regional, em regulamento, especificará, nos termos do número anterior, os bens não elegíveis. 4 - Anualmente, no decreto legislativo regional que aprova o Orçamento serão determinados, entre os sectores estratégicos da economia da Região Autónoma dos Açores, os lucros comerciais, industriais e agrícolas beneficiários da dedução à colecta prevista no n.º 1. 5 - Os valores das deduções podem ser utilizados nos três anos subsequentes ao exercício em que foram apurados. 6 - Os incentivos previstos neste artigo são cumuláveis com os incentivos da mesma natureza que vigorem no sistema nacional.”
  50. Tal poder de adaptação está também plasmado no art.º 107º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, previsto na Lei n.º 13/91, de 5 de Junho e alterado pelas Leis n.ºs 130/99 de 21 de Agosto e 12/2000, de 21 de Junho, que diz: “A Região tem ainda o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais nos termos da lei.”
  51. Prevendo ainda o art.º 138º do Estatuto, sob a epígrafe “Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais”,  o seguinte:  “1 - A Assembleia Legislativa Regional pode conceder deduções à colecta relativa aos lucros comerciais, industriais e agrícolas reinvestidos pelos sujeitos passivos. 2 - A Assembleia Legislativa Regional pode, nos termos da lei, diminuir as taxas nacionais dos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC) e do imposto sobre o valor acrescentado até ao limite de 30%, e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor. 3 - A Assembleia Legislativa Regional pode autorizar o Governo Regional a conceder benefícios fiscais temporários e condicionados, relativos a impostos de âmbito nacional e regional, em regime contratual, aplicáveis a projectos de investimento significativos, nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais e legislação complementar em vigor, com as necessárias adaptações. 4 - A Assembleia Legislativa Regional pode ainda: a) Fixar diferentes limites para a taxa de contribuição autárquica aplicável a imóveis situados no território da Região; b) Isentar, reduzir ou bonificar derramas aplicáveis no território da Região.”
  52. Tais competências de criação de impostos regionais e de adaptação do sistema fiscal nacional às respetivas regiões Autónomas, devem ser pautadas pelo princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais, previsto na alínea a) do artigo 55º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) e pelo princípio da suficiência (Cfr. alínea f) do artigo 55º da LFRA), com estrito respeito pelos limites constitucionais e estatutários e, claro, igualmente em respeito pelo princípio da legalidade. Dispõe o art.º 55º da LFRA: As competências tributárias dos órgãos regionais observam os limites constitucionais e estatutários e ainda os seguintes princípios: a) O princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais; b) O princípio da legalidade, nos termos da Constituição; c) O princípio da igualdade entre as regiões autónomas; d) O princípio da solidariedade nacional, nos termos do artigo 8.º; e) O princípio da flexibilidade, no sentido de que os sistemas fiscais regionais devem adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos vigentes apenas nas regiões autónomas quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais; f) O princípio da suficiência, no sentido de que as cobranças tributárias regionais, em princípio, visam a cobertura das despesas públicas regionais; g) O princípio da eficiência funcional dos sistemas fiscais regionais, no sentido de que a estruturação dos sistemas fiscais regionais deve incentivar o investimento nas regiões autónomas e assegurar o desenvolvimento económico e social respetivo.”
  53. Não devendo olvidar-se, a propósito do poder de criação de impostos regionais, o que dispõe os nºs 1 e 2 do artigo 57.º da LFRA que admite poderem ser criados impostos apenas vigentes nas Regiões Autónomas desde que não incidam sobre matéria objeto da incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional, ainda que isenta ou não sujeita, ou que possam integrar essa incidência, e que da sua aplicação não resultem entraves ao comércio com os diferentes pontos do território nacional. Ademais, o reconhecimento de especificidades regionais justificou a atribuição do poder de adaptação do sistema fiscal nacional aos circunstancialismos das Regiões Autónomas, o qual foi previsto, em concreto, no artigo 59.º da LFRA e a que acima nos reportámos com desenvolvimento.
  54. E tal como acima explicitado, a competência atribuída às Regiões Autónomas para adaptar o sistema nacional às especificidades regionais consiste na diminuição das taxas de IRS, IRC, IVA e impostos especiais de consumo, na concessão de deduções à colecta e na concessão de benefícios fiscais.
  55. Estando-lhe vedado derrogar normas gerais de incidência; sejam elas de incidência objectiva ou de incidência subjectiva.
  56. A Derrama Estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC, sendo um imposto acessório não deixa de ser verdadeiramente um imposto, incidindo sobre uma parte do lucro tributável apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, foi criada por lei, em obediência ao princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º da CRP e no artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT).
  57. Devendo notar-se que o elemento de conexão que fixa a verificação dos pressupostos de incidência subjetiva da Derrama Nacional é o da residência em território português, ou seja, estão sujeitos a Derrama Nacional os sujeitos passivos residentes em território português e os não residentes com estabelecimento estável em território português.
  58. O poder tributário das Regiões Autónomas está neste particular restringido à criação de impostos relacionados com um interesse específico das Regiões Autónomas e à adaptação do sistema fiscal nacional. Claro está que estamos aqui nos antípodas e, portanto, apartados da criação de impostos relacionados com um interesse específico de qualquer uma das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
  59. Sobrando a possibilidade das Regiões Autónomas poderem adaptar a Derrama Nacional em Derrama Regional, não caindo no âmbito de tal possibilidade a de introduzirem alterações ou de fazerem adaptações aos impostos gerais como o que está agora previsto no art.º 87.º-A do CIRC, nos seus elementos essenciais, como seja, aqui, o da incidência subjectiva. Nem sequer no âmbito do poder de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, as regiões podiam transmutar o elemento de conexão consubstanciado da residência dos sujeitos passivos em território nacional ou dos estabelecimentos estáveis de não residentes igualmente em território nacional. 
  60. E tal adaptação, no que tange à Região Autónoma dos Açores, foi levada à prática pelo Decreto legislativo regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, que criou a Derrama Regional a vigorar nos Açores e aprovou o respetivo regime jurídico. A adaptação referida consubstanciou-se, no essencial, numa redução de 20 % nas taxas da Derrama Regional face às atualmente aplicadas em sede da Derrama Estadual, sendo que o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, praticamente replica, no âmbito regional, o disposto no art.º 87.º-A do CIRC
  61. No que respeita à incidência pessoal, a Derrama Regional prevista no art.º 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, incide sobre uma parte do lucro tributável apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores que exerçam a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável na região Autónoma dos Açores.
  62. Assim sendo, o elemento de conexão que fixa a verificação dos pressupostos de incidência subjectiva da Derrama Regional continua a ser o da residência (na Região Autónoma dos Açores), ou seja, estão sujeitos a Derrama Regional os sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores e os não residentes com estabelecimento estável na Região.
  63. Mantendo-se o elemento de conexão residência, só muda, na adaptação da letra do art.º 87.º-A do CIRC (constante do art.º 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro) o local da residência: i) na derrama Estadual, o território Nacional; ii) na derrama Regional, o território da Região Autónoma dos Açores. 
  64. O regime jurídico da Derrama Regional aplicável na Região Autónoma da Madeira, aprovada pelos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, na redação republicada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, alterada pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2018/M, de 9 de Janeiro, 26/2018/M, de 31 de Dezembro, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.
  65. E tal adaptação, no que tange à Região Autónoma da Madeira, foi levada à prática pelo Decreto legislativo regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, que criou a Derrama Regional a vigorar na Madeira e aprovou o respectivo regime jurídico. A adaptação referida consubstanciou-se, no essencial, na aplicação de uma taxa de 2,5% ao lucro tributável superior a 2.000.000,00 € sujeito e não isento de IRC apurado pelos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do art.º 20.º da Lei Orgânica 1/2010, de 29 de Março, sendo que tal Decreto Legislativo Regional, praticamente replica, no âmbito regional, o disposto no art.º 87.º-A do CIRC e demais artigos que regulamentam a Derrama Estadual no CIRC.
  66. O n.º 1 do art.º 20.º da Lei Orgânica 1/2010, de 29 de Março, dispõe: “1 - Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas: a) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável numa única Região; b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no n.º 2 do presente artigo; c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas colectivas ou equiparadas que não tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional.” A derrama Regional remete hoje para o n.º 1 do art.º 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro que no essencial se reporta aos sujeitos passivos abrangidos por aquela derrama nos mesmo termos em que o fazia o n.º 1 do art.º 20.º da Lei Orgânica 1/2010, de 29 de Março.
  67. O Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, alterado pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2018/M, de 9 de Janeiro, 26/2018/M, de 31 de Dezembro, e o Decreto Legislativo Regional n.º18/2020/M, de 31 de Dezembro e ainda o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2022/M, de 27 de Julho, e o Decreto Legislativo Regional n.º 26/2022/M de 29 de Dezembro, alteraram (e/ou renovaram a sua vigência), sucessivamente, o regime da Derrama Regional aplicável na Região Autónoma da Madeira. A lei actualmente em vigor dispõe como segue: “1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 6,3 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributável dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.”

  1. Isto dito e também no que diz respeito à Região Autónoma da Madeira, o elemento de conexão que fixa a verificação dos pressupostos de incidência subjectiva da Derrama Regional continua a ser o da residência (na Região Autónoma da Madeira), ou seja, estão sujeitos a Derrama Regional os sujeitos passivos residentes na Região Autónoma da Madeira e os não residentes com estabelecimento estável na Região.
  2. Mantendo-se o elemento de conexão residência, só muda, na adaptação da letra do art.º 87.º-A do CIRC (constante do Decreto legislativo regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto e alterações subsequentes) o local da residência: i) na derrama Estadual, o território Nacional; ii) na derrama Regional, o território da Região Autónoma da Madeira. 
  3. Ora, in casu, a Requerente tem efetivamente sede no território continental de Portugal, tendo, tão-só, em laboração nos territórios das Regiões Autónomas diversos estabelecimentos comerciais que ali realizam parte do seu objcto societário.
  4. Ainda assim, o que é incontornável é que não estamos perante sujeito passivo que reúna os requisitos de ordem subjetiva por forma a que lhe sejam aplicáveis os normativos (acima explicitados) que regulam as Derramas Regionais da RAA e da RAM. 
  5. É bem certo que a alínea b) do número 1 do artigo 20.º da LFRA dispõe no sentido de que constitui receita da Região Autónoma dos Açores e da Região Autónoma da Madeira, o IRC devido “por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição”. É também incontornável que o n.º 2 da referida disposição legal estatui no sentido de que “as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício”.
  6. No sentido de dar cumprimento à imputação das correspondentes receitas em conformidade com o disposto no art.º 20.º da LFRA, os sujeitos passivos de IRC que obtenham rendimentos imputáveis às Regiões Autónomas, independentemente de haver lugar, ou não, à aplicação das taxas regionais, são obrigados a preencher o Anexo C (Regiões Autónomas) à Declaração Modelo 22 de IRC do período de tributação em causa.
  7. O Anexo C é obrigatoriamente apresentado: i) Por qualquer pessoa coletiva ou equiparada, com sede, estabelecimento estável ou direção efetiva em território português, que possua sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou qualquer forma de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição. Entende-se por circunscrição, o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso; ii) Pelos sujeitos passivos não residentes com estabelecimentos estáveis em mais de uma circunscrição; iii) Pelos sujeitos passivos que tenham rendimentos imputáveis à Região Autónoma dos Açores, e/ou rendimentos imputáveis à Região Autónoma da Madeira.
  8. Com o preenchimento do referido Anexo C à declaração Modelo 22 é efetuada a operacionalização do previsto no artigo 20.º da LFRA, uma vez que os sujeitos passivos indicam no Anexo C à Declaração Modelo 22 de IRC, a matéria coletável correspondente a valores globais e a coleta correspondente às instalações situadas no Continente e nas RAM e RAA, obtendo a Autoridade Tributária, desta forma, os elementos necessários para o correcto cálculo do imposto a transferir para as respetivas Regiões Autónomas.
  9. A Requerente parece defender que a Derrama Estadual deveria ser determinada por referência ao lucro tributável imputável a cada uma das circunscrições, de forma semelhante ao apuramento efetuado no Anexo C da declaração Modelo 22 de IRC. E se assim fosse, o lucro tributável imputado às instalações situadas na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira não excederia o limite de 1.5000.000,00 € donde, ficaria, por essa razão, excluído da sujeição a Derrama Estadual.
  10. Claro está que o Tribunal Arbitral Coletivo refuta tal inusitada hermenêutica.
  11. A interpretação defendida pela Requerente não é compaginável com as regras de incidência objetiva e subjetiva da Derrama Estadual versus Derrama Regional que estão num plano diferente do modo de apuramento das receitas atribuídas às Regiões Autónomas em conformidade com o disposto no art.º 20.º da LFRA e onde se diz que constitui receita de cada Região Autónoma, o IRC devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição. Estas receitas são determinadas por proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício; entendendo-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do IVA.
  12. Claro está que estamos em dois planos completamente diferentes: i) o da incidência subjectiva da derrama Estadual versus da derrama Regional, relevando, para o efeito, o elemento de conexão residência, ficando o respetivo sujeito passivo sujeito a uma ou a outra em função da localização da sua sede, ou seja, se localizada em território continental português fica sujeito a Derrama Estadual; se localizada em território de qualquer uma das regiões Autónomas, fica sujeito a Derrama Regional; ii) o do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas em conformidade com o disposto  no art.º 20.º da LFRA”.
  13. O artigo 87º-A do Código do IRC define quem são os sujeitos passivos (a incidência subjetiva), incidência objetiva, a matéria coletável, a taxa do imposto e o facto gerador que determina o nascimento da referida obrigação de imposto.
  14. Tendo a Requerente (e as restantes sociedades que integram o Grupo B...) declarado, no exercício de 2019, um lucro tributável que claramente excede os 1.500.000,00 € e sendo elas sujeitos passivos com sede no território continental de Portugal, o correspondente Lucro Tributável encontrava-se sujeito a Derrama Estadual na parte que excedesse os aludidos 1.500.000,00 € por aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, não podendo ser subtraída a parte dos lucros obtidos nos estabelecimentos da Requerente (e das restantes sociedades que integram o Grupo B...) situados nas Regiões Autónomas, simplesmente por inverificação dos pressupostos de incidência subjetiva que estão plasmados nos normativos acima explicitados e que regulamentam as Derramas Regionais, ou seja, tão-só, porquanto a Requerente e as restantes sociedades que integram o Grupo B... não são sujeitos passivos com sede em nenhuma das aludidas Regiões Autónomas.
  15. Nessa conformidade, entende o Tribunal Arbitral Coletivo que a ilegalidade fundada na errónea aplicação do art.º 87.º-A do CIRC e na violação da autonomia legislativa e financeira das regiões Autónomas não pode ser assacada à liquidação sindicada.

 

IV.D2) Da alegada ilegalidade das liquidações sindicadas por violação do princípio constitucional da igualdade:

 

  1. Importará doravante debruçarmo-nos sobre a invocada inconstitucionalidade de que segundo a Requerente enferma o art.º 87.º-A do CIRC.
  2. Segundo José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, 2014, Almedina, Pág. 155, o princípio da igualdade tributária pode ser perspetivado como “igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical).”
  3. Trazendo-se agora à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 695/2013, de 10 de Outubro, ali se diz que o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através da «generalidade da lei de imposto», no sentido em que a todos se aplica, sem exceção. Por sua vez, poderá ser igualmente concretizado através da «uniformidade da lei de imposto», na qual se tratará por igual situações idênticas e situações distintas merecerão tratamento distinto, «na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva». Reforça aquela decisão do TC que o legislador se encontra na obrigação de definir o objeto de tributação e a matéria coletável de um imposto, com base em pressupostos económicos, que permitam refletir a capacidade contributiva de cada sujeito passivo e, assim, alcançar a igualdade tributária. Tributando por igual sujeitos passivos que expressem a mesma capacidade contributiva e atribuindo tratamento distinto a sujeitos passivos que apresentem realidades díspares, através da sua capacidade contributiva.
  4. Defende a Requerente que o entendimento sufragado pela AT tem como  consequência o tratamento diferenciado do sujeito passivo com atividade comercial nas Regiões Autónomas em função da localização da sua sede ou estabelecimento estável no território continental ou insular, suscitando-se a questão de saber se tal tratamento diferenciado é constitucionalmente admissível à luz do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP.
  5. Partindo, então, do aludido tratamento diferenciado para situações fundamentalmente idênticas, ou seja, da circunstância de podermos estar perante duas sociedades residentes em Portugal que recebam rendimentos de fonte insular e sejam sujeitas a diferente tributação (derrama estadual versus derrama regional) sobre tais rendimentos, diga-se desde já que o Tribunal Arbitral Coletivo não vislumbra aqui qualquer violação do princípio da igualdade.
  6. É verdade que a Requerente recebe rendimentos de fonte insular mas igualmente recebe rendimentos decorrentes do exercício da sua atividade societária no território continental português.
  7. E atento o elemento de conexão, consubstanciado na localização da sede do titular do lucro tributável, que define a incidência subjetiva da Derrama Estadual (como também da Derrama Regional) e que se encontra plasmado no n.º 1 do art.º 87.º-A do CIRC, passa a irrelevar, para efeitos de incidência da Derrama, a circunstância do rendimento ter origem no território das Regiões Autónomas ou no território continental português.
  8. Perspetivando-se agora uma sociedade que tenha sede no território insular e que, por isso, fica sujeita a Derrama Regional por via da adaptação do disposto no art.º 87.º-A do CIRC, admite-se que lucro tributável gerado nas regiões autónomas possam ser tributado em Derrama de modo diferenciado, mas isso ocorre com fundamento no direito comunitário (tal como infra se explicitará) e ainda em tudo quanto acima se expôs e que legitima os poderes de adaptação que a CRP e a Lei conferem às regiões Autónomas.
  9. Bem ao invés do que sustenta a Requerente, o Tribunal Arbitral Coletivo entende que o elemento de conexão residência é perfeitamente legitimo para fixar a incidência subjetiva da derrama e, nessa conformidade, consubstancia motivo justificativo idóneo para fazer tributar partes do lucro tributável recebidos em território insular e sujeitos a Derrama Estadual de forma mais agravada quando comparada com a obtenção de lucros tributáveis por sujeitos passivos sedeados nas Regiões Autónomas, sejam eles obtidos somente nas Ilhas ou também no território do continente.
  10. A pretensão da Requerente que advoga que se deve atender à origem/proveniência do lucro tributável gerado pela atividade que se pretende tributar não tem o mínimo arrimo na letra da lei.
  11.  A Derrama Estadual é um imposto autónomo ao IRC, tendo o legislador feito eleger como elemento de conexão relevante, para efeitos de incidência subjetiva daquele imposto, a residência, em detrimento da origem/proveniência do lucro tributável sujeito a derrama, donde, entende o Tribunal Arbitral Colectivo que tal não viola o princípio da igualdade nem mesmo o da capacidade contributiva.

IV.D3) Da invocada ilegalidade das liquidações sindicadas por efectiva restrição à liberdade de estabelecimento consagrada no art.º 49.º do TFUE:

  1. O articulado que consubstancia hoje os Auxílios de Estado está, no essencial, nos art.ºs 107.º a 109.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (Tratado de Lisboa).
  2. O n.º 1 do art.º 107.º do TFUE consagra um princípio geral da proibição, dispondo como segue: “(...) são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.”
  3. Não obstante certas medidas possam configurar auxílios de Estado, há excepções previstas no Tratado que são de dois tipos: i) as automáticas, que vigoram imediatamente porque se encontram expressamente previstas no Tratado; ii) e as derrogações sujeitas ao escrutínio e poder discricionário da Comissão.
  4. As situações em que é possível a Comissão conceder a autorização são manifestamente excecionais.
  5. Em matéria das autorizações oriundas das derrogações incumbidas à Comissão, esta desenvolveu um conjunto de interpretações e de critérios nos quais se baseia. A divulgação de tais critérios tem sido muito diversa e com interesse para a dilucidação da questão sub judicio, importa aqui destacar dois documentos: i) o denominado “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional” (que podem ser lidas no Jornal Oficial C 74 de 10.3.1998 (98/C 74/06) e ainda ii) o denominado “Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas” (veja-se o Jornal Oficial C 384 de 10.12.1998 (98/C/384/03)   
  6. No documento identificado em  i) e no âmbito dos poderes discricionários que são conferidos à Comissão pelas alíneas a) e c) do n.º 3 do art.º 107 do TFUE, aquela reúne os critérios que adaptará para considerar compatíveis com o mercado tal categoria de auxílios de Estado reservada a determinadas regiões. Os auxílios estatais com finalidade regional ou auxílios regionais visam o desenvolvimento das regiões desfavorecidas, através do apoio ao investimento e à criação de emprego no contexto do desenvolvimento sustentável, e que favoreçam o alargamento, a modernização e a diversificação das atividades dos estabelecimentos localizados nessas regiões, bem como a implantação de novas empresas.
  7. Em derrogação ao princípio da incompatibilidade dos auxílios, prevê-se que a Comissão autorize medidas, ainda que qualificadas como auxílios de Estado, em condições excecionais. São duas as derrogações previstas no TFUE: i) A derrogação prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º do TFUE, que visa promover o desenvolvimento económico das regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de desemprego; ii) A derrogação ínsita na alínea c) do n.º 3 do art.º 107.º do TFUE, que permite maior flexibilidade no combate às dificuldades de uma região através dos auxílios, pois não estão identificadas, de forma precisa e formal, as contingências que visam atenuar, ou seja, não se limitam, necessariamente, ao nível de vida e ao subemprego. O quadro adequado para avaliar estas dificuldades pode ser constituído não só pela UE no seu conjunto, mas também, em especial, pelo Estado-Membro em questão.
  8. O documento identificado em  ii) tem como objetivo clarificar a aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado às medidas fiscais no contexto das derrogações ao princípio da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado comum. Um auxílio de Estado que respeita à fiscalidade direta das empresas, não se resume à mera redução da taxa de tributação direta, podendo o benefício assumir várias formas de igual consequência.
  9. Considerando que todas as disposições sobre o mercado único se aplicavam indiscriminadamente a todas as regiões, o Tratado de Maastricht instituiu um princípio solidário reconhecendo as especificidades das regiões ultraperiféricas (doravante RUP ́s) da Comunidade, como sejam: o grande afastamento, a insularidade, a pequena superfície, o relevo e o clima difíceis e a dependência económica em relação a alguns produtos.
  10. O legislador comunitário pode assim adaptar as medidas específicas às RUP ́s, para lhes permitir alcançar o nível económico e social da Comunidade, reconhecendo a vertente prejudicial para o seu desenvolvimento económico e social, da situação de atraso estrutural, agravado por diversos fenómenos, designadamente, pela insularidade ou dependência económica face a alguns produtos.
  11. Este tratamento especial aplica-se igualmente à disciplina do art.º 107.º do TFUE e concede à Comissão a possibilidade de derrogação à incompatibilidade com o mercado comum: “[d]os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, bem como o desenvolvimento das regiões referidas no artigo 349.º, tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social.”
  12. Portugal tem os arquipélagos da Madeira e dos Acores entre as regiões que constituem RUP ́s, expressamente previstas no artigo 349.º do TFUE.
  13. A condição ultraperiférica do arquipélago dos Açores em relação aos territórios nacional e comunitário, de acordo com o Estatuto Político-Administrativo dos Açores (acima melhor identificado), concretamente o seu art.º 13.º n.º 2, assenta «[n]a insularidade, pela reduzida dimensão e relevo das ilhas, pelo clima e pela dependência económica em relação a um pequeno numero de produtos, deve constituir um factor determinante na definição e condução da politica interna e externa do Estado».
  14. O art.º 104.º do Estatuto Político-Administrativo da Madeira (acima melhor identificado) diz: “1- O Estado tem por objectivo promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta as desvantagens resultantes do carácter ultraperiférico do arquipélago da Madeira. 2 - O estatuto de região ultraperiférica tem em vista a adopção de um sistema integrado de desenvolvimento, no quadro do princípio da coesão económica e social. 3 - Enquanto região ultraperiférica, a Região Autónoma da Madeira beneficiará de políticas comunitárias específicas e adequadas às suas necessidades que possam contribuir para atenuar o afastamento dos centros económicos e a insularidade. 4 - A promoção do desenvolvimento económico e social da Região justifica a adopção de um conjunto estável de medidas de carácter económico e fiscal adequadas à sua realidade.”
  15. A Comissão Europeia aprovou o mapa de Portugal para a concessão dos Auxílios Estatais com finalidade regional entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2027, no âmbito das Orientações revistas relativas aos auxílios com finalidade regional («OAR»). Já antes o havia feito em termos semelhantes. Tal aprovação pode ver-se in  https://competition-policy.ec.europa.eu/state-aid/legislation/modernisation/regional-aid_pt?etrans=pt .
  16. O mapa dos auxílios com finalidade regional de Portugal define as regiões portuguesas elegíveis para auxílio regional ao investimento, estabelecendo igualmente as intensidades máximas de auxílio nas regiões elegíveis.
  17. A intensidade de auxílio é o montante máximo de auxílio estatal que pode ser concedido por beneficiário, expresso em percentagem dos custos de investimento elegíveis.
  18. As regiões ultraperiféricas podem ser designadas pelos Estados-Membros como elegíveis para auxílios nos termos do art.º 107.º, n.º 3, alínea a), do TFUE (as designadas regiões «a»). Em Portugal, duas regiões ultraperiféricas (a Região Autónoma dos Açores e a Região Autónoma da Madeira) continuarão a ser elegíveis para auxílio enquanto regiões «a». Nestas regiões, as intensidades máximas de auxílio para as grandes empresas variam entre 40 % e 50 %, consoante o PIB per capita da região ultraperiférica em causa.
  19. Vem sendo ao abrigo deste quadro normativo que as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, vêm recebendo autorização por parte da Comissão para colocar a vigorar os auxílios de Estado que consubstanciam as reduções de taxas dos vários impostos que vigoram no ordenamento jurídico tributário português, por via do acima explicitado poder de adaptação, como sejam, as que vêm aprovando para as Derramas Regionais em vigor na Região Autónoma da Madeira e na Região Autónoma dos Açores. 
  20. Partindo daqui não consegue o Tribunal Arbitral Coletivo vislumbrar a aventada restrição da liberdade de estabelecimento, na medida em que entende que a decisão de localização para o exercício das respetivas atividades societárias de uma sociedade residente noutro Estado-Membro da U.E. na Região Autónoma da Madeira ou na Região Autónoma dos Açores, só a poderia beneficiar atenta a menor carga fiscal que sobre ela incorria, mas, ainda que assim não fosse, dados outros custos de contexto que sobrelevassem a aludida vantagem da redução de taxa, sempre se poderá dizer que tal ente societário sempre poderia localizar as suas atividades num outro local do território continental, ou seja, o regime instituído, jamais poderia vir em prejuízo da referida sociedade quando em comparação com os restantes contribuintes sujeitos à Derrama Estadual (igualmente submetidos à mesma derrama em função dos lucros tributáveis obtidos, não havendo tratamento diferenciado com os residentes em Portugal continental), não se confirmando assim a efetivação da restrição, bem ao invés do que sustenta a Requerente.
  21. Ademais, o fundamento para a redução das taxas da Derrama Regional por via da adaptação acima sobejamente tratada, radica no quadro normativo comunitário acima explicitado e na ratio que permite a sua reiterada vigência, i.e., a liberdade de estabelecimento que está ancorada na vigência de um mercado comum comunitário não pode deixar de ceder às razões que justificam e legitimam o quadro normativo que está a conformar os auxílios de Estado que são conferidos às regiões ultraperiféricas como a RAM e a RAA.   
  22. Não obstante e ainda que se pudesse vislumbrar aqui uma restrição à liberdade de estabelecimento, sempre teria se de concluir que as razões que levaram o legislador a introduzir a Derrama Estadual no sistema fiscal não se revelam excessivas, desproporcionais ou desrazoáveis para alcançar os fins prosseguidos de consolidação orçamental acima explicitados.
  23. Concluindo o Tribunal Arbitral Coletivo no sentido de que o interesse público prosseguido com a Derrama Estadual versus a Derrama Regional se revela mais valioso do que um hipotético constrangimento ou restrição das escolhas dos operadores económicos, nomeadamente, da referida pela Requerente liberdade de estabelecimento, falecendo, assim, o argumentário por aquela esgrimido no PPA.

IV.D4) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

  1. Julgando-se improcedente o pedido principal, tal como já se deixou antever, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão do pagamento dos juros indemnizatórios.

V. DECISÃO:

 

Face ao exposto, decide-se:

 

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral, prevista na alínea a) do n.º 4 do art.º 89.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no art.º 29.º do RJAT e invocada pela Requerida;
  2. Não julgar inconstitucional e, por isso, não desaplicar, a norma prevista no art.º 87.º-A do CIRC na sua redação à data dos factos;
  3. Manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... apresentada nos termos e em conformidade com o disposto nos artigos 98.º e 137.º do CIRC e artigos 68.º e 131º do CPPT;
  4. Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações sindicadas e que se cifram em 136.042,69 €;
  5. Julgar improcedente o pedido de reembolso das quantias pagas;
  6. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixa-se o valor do processo em 136.042,69 € em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 315 do CPC e n.º 1, do art.º 97.º-A do CPPT e ainda n.º 2 do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem tributária.

 

VII. CUSTAS:

 

Fixa-se o valor das Custas em 3.060,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido, a cargo da Requerente, nos termos do art.º 4º, n.º 1 do mesmo Regulamento e dos art.ºs 6º, n.º 2 alínea a) e 22º, n.º 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

1 de setembro de 2023.

 

 

O Árbitro Presidente,

 

 

 

(Prof. Doutor Rui Duarte Morais)

 

O Árbitro Vogal e Relator,

 

(Dr. Fernando Marques Simões)

 

O Árbitro Vogal,

 

                                                          

 

(Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães)

 

 



[1] Por se tratar de “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, na acepção prevista no art.º 68.º-B da LGT e, por isso, constante do elenco previsto no Despacho n.º 7048/2022, de 27 de Maio, proferido nos termos da Portaria n.º 318/2021, de 24 de Dezembro, a competência originária para efeitos de prolação de decisão do procedimento administrativo de reclamação graciosa cabia ao Exmº senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, sem prejuízo de delegação e subdelegação de competências nos termos da lei, em conformidade com o disposto no art.º 75.º do CPPT e no Decreto-lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, ambos conjugados com o previsto quer na línea q) do n.º 2 do art.º 34º da Portaria n.º 320-A/2011, de 20 de Dezembro, quer do art.º 1.º da já referida Portaria n.º 318/2021, de 24 de Dezembro.

[2] Carregado e sublinhado nosso.