Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 278/2018-T
Data da decisão: 2019-02-12  IVA  
Valor do pedido: € 1.479.812,32
Tema: IVA – Exercício do direito à dedução.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), A. Sérgio de Matos e Clotilde Celorico Palma, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 04 de Junho de 2018, A... SA, NIPC..., com sede na Rua ... ..., ...-... PORTO, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA n.ºs..., ..., ... e..., de 5 de Março de 2018, dos actos de demonstração de liquidação do mesmo imposto n.º ... e 2018..., de 5 de Março de 2018, dos actos de demonstração de acerto de contas n.º 2018... e 2018..., de 7 de Março de 2018, bem como dos actos de demonstração de liquidação de juros de IVA n.º 2018... e 2018..., de 5 de Março de 2018, e dos actos de demonstração de acerto de contas de juros de IVA n.º 2018... e 2018..., de 7 de Março de 2018, ambos de 2015, no valor de € 1.479.812,32.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os actos tributários de liquidação de IVA e juros compensatórios assentam em pressupostos ilegais no que concerne ao exercício do direito à dedução do IVA incorrido pelo Requerente para os fins da sua actividade, durante os anos 2013 e 2014, coartando o exercício de tal direito e comprometendo a neutralidade que constitui a trave-mestra da disciplina daquele imposto.

 

  1. No dia 05-06-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 24-07-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 13-08-2018.

 

  1. No dia 01-10-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de as apresentar.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo consagrado no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma instituição de crédito, enquadrada para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, no regime normal de periodicidade mensal.
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto.
  3. Simultaneamente, a Requerente realiza operações financeiras que, por não se enquadrarem nas normas de isenção previstas no n.º 27 do supra referido artigo 9.º do Código do IV A, conferem o direito à dedução deste imposto nos termos gerais.
  4. Neste âmbito, a Requerente adquire recursos que são exclusivamente afectos às operações sujeitas a IVA e deste não isentas por si realizadas (conferindo, por conseguinte, o direito à dedução do IVA incorrido), como adquire, também, recursos que são exclusivamente afectos às operações isentas por si desenvolvidas (que não conferem o direito à dedução do IV A incorrido).
  5. Adicionalmente, a Requerente adquire, também, recursos que são afectos, simultaneamente a ambas as tipologias de operações descritas supra (recursos de utilização mista).
  6. A Requerente regularizou a seu favor - incluindo, para tal, no campo 40 da declaração periódica do mês de Março de 2015, o montante de € 644.093,72 – que considerou imposto dedutível na sua esfera, em virtude da determinação de um critério específico de afectação real para a área de actividade de gestão de carteira própria de títulos, para os anos 2013 e 2014.
  7. Na mesma declaração periódica, procedeu a Requerente à regularização do montante de imposto de € 236.087,67, referente a 1% do coeficiente de imputação específico determinado para o ano 2014, em virtude da variação do coeficiente de imputação específico provisório para o definitivo do referido ano - (€ 244.442,66), bem como do IVA incorrido na aquisição de gasóleo (€ 1.612,92) subtraído do imposto relativo à regularização de notas de crédito (€ 9.967,90).
  8. Na declaração periódica de Agosto de 2015, a Requerente procedeu à regularização do montante global de € 252.061,963, referente a:
    1. determinação de um critério de afectação real para a dedução do IVA da área de gestão de processos de leasing, ALD e contratos de crédito com reserva de propriedade ("CRP"), tendo regularizado, a seu favor, o montante de € 3.944,92, referente aos anos 2013 e 2014;
    2. determinação de um critério de afectação real para a área de gestão do contencioso ("DRCE - Contencioso") tendo regularizado a seu favor o montante de € 203.403,17, referente aos anos 2013 e 2014; e,
    3. determinação de um critério de afectação real para a área de gestão de bens recuperados ("DRCE - Gestão de bens recuperados"), tendo a Requerente procedido à regularização a seu favor, do montante de imposto de € 44.713,87, também referente aos anos 2013 e 2014.
  9. Na declaração periódica de Outubro de 2015, a Requerente regularizou a seu favor, o montante de imposto de € 133.092,654, em virtude da determinação de um critério de afectação real para a dedução do IVA especificamente incorrido, nos anos 2013 e 2014, para a área de actividade dos terminais de pagamento automático.
  10. Na declaração periódica de imposto do mês de Dezembro de 2015, a Requerente procedeu à regularização a seu favor, do montante de € 117.269,47, correspondente ao ano 2014, referente à determinação de um critério de afectação real para a área de custódia de títulos, project finance e leasing, deixando o imposto incorrido para a realização destas actividades de ser deduzido de acordo com o coeficiente de imputação específico por si determinado.
  11. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., de 11-04-2017, foi a Requerente alvo de procedimento de inspecção de âmbito geral por referência ao ano de 2015 tendo do mesmo resultado correcções em sede de IVA no montante de € 1 382 605,47 (€ 644.093,72 + € 236.087,67 + € 252,061,96 + € 133,092,65 + € 117.269,47),), resultantes das regularizações, que foram tidas por indevidas.
  12. Após ter sido notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, a Requerente exerceu o correspondente direito de audição.
  13. A AT remeteu à Requerente o Relatório Final de Inspecção Tributária, nos termos do qual manteve, na íntegra, as propostas de correcção de imposto anteriormente apresentadas, emitindo assim, e em consequência, os seguintes actos tributários:

 

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            A questão em causa nos presentes autos de processo arbitral tributário, prende-se com verificar se à Requerente era legítimo, nas declarações periódicas de Março, Agosto, Outubro e Dezembro de 2015, deduzir valores referentes a imposto (IVA), determinado por aplicação dos métodos pro rata e/ou afectação real, suportado em 2013 e 2014, que, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes.

            Efectivamente, a própria Requerente reconhece expressamente que “A Requerente procedeu, no ano 2015, nas declarações periódicas relativas aos períodos de imposto de Março, Agosto, Outubro e Dezembro, a distintas regularizações de IVA a seu favor, referentes a correcções às deduções de imposto incorrido nos anos 2013 e 2014, no âmbito da aquisição de recursos de utilização mista que, por motivo de erro, não deduziu em conformidade com o regime estabelecido pela Directiva IVA e pelo Código do IVA Português.[2].

            Questão semelhante foi já abordada no âmbito dos processos arbitrais n.º 185/2014T e 549/2016T do CAAD[3], tendo sido este último sido objecto de recurso por oposição de acórdãos para o STA, que no seu acórdão de 20-12-2017, proferido no processo 0366/17, manteve a decisão arbitral em causa.

            A este propósito, dispõe o artigo 22.º do CIVA aplicável que:

“1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.

3 — Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.

Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.

5 — Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a € 250, este pode solicitar o seu reembolso.”.

            Com relevo ainda para o presente caso, dispõe o n.º 6 do art.º 23.º do CIVA, aplicado pela AT, que:

“A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”.

 

*

            A Requerente sustenta a sua pretensão no n.º 2 do transcrito art.º 22.º do CIVA aplicável, designadamente na parte em que refere que “a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação”.

            A este propósito, refere o Ac. do STA 18-05-2011, proferido no processo 0966/10, que:

“I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.

II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

III – O n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar-se em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º.

IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.”.

            Mais se escreveu no Acórdão em referência que:

“O direito comunitário, que tem primazia sobre o direito interno desde que não sejam violados os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (Como está, desde a revisão constitucional de 2004, expressamente estabelecido no n.º 4 art. 8.º da CRP e já anteriormente se entendia. ), aponta no sentido de ser correcta esta interpretação. (...)

Desta regulamentação, conclui-se que a dedução de imposto apenas pode efectuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.”.

            Isto é, em regra a dedução do imposto deve ser efectuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na “declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas”.

            A excepção, será a de que poderá ser efectuada a dedução em declaração “de período posterior àquele”, quando, como indica o acórdão do STA acima referido, tal esteja especialmente previsto, que é o que acontece nos casos previstos no n.º 6 do art.º 23.º, em que a dedução deve ser efectuada na “declaração do último período do ano a que respeita.”.

            De facto, a norma do n.º 2 do artigo 22.º em causa, ainda na sua presente redacção, apenas faz sentido existir, como, justamente, proscrevendo a existência de uma discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para proceder à dedução. A não ser assim, como ocorre na interpretação sustentada pela Requerente, a norma em questão perderia qualquer efeito útil, já que se limitaria a afastar a dedutibilidade do imposto suportado em período anterior à respectiva incidência, o que não faria qualquer sentido.

            Assim, e deste modo, tendo presente o critério hermenêutico do legislador razoável, a interpretação a fazer da norma do artigo 22.º/2 do CIVA deverá ser no sentido de impôr a dedução do imposto suportado na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento, licenciando apenas a dedução em período posterior, nas circunstâncias em que o próprio artigo o prevê especificadamente, designadamente nos números 4 e 5, ou seja, no caso de o montante de imposto a deduzir ser superior ao montante de imposto a pagar, ou noutros especialmente previstos, como seja o caso do art.º 23.º/6 do CIVA.

            Ou seja, e em suma, a expressão “de período posterior àquele” empregue no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA, não tem por sentido permitir ao contribuinte a escolha do período em que quer deduzir o imposto suportado, mas, antes, de se referir à situações em que a própria lei permite/impõe que tal aconteça.

            Conclui-se, assim, que a referência a “período posterior” efectuada no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA se reporta às situações em que, especialmente, se admite a possibilidade da dedução de imposto em período posterior (como é o caso do art.º 23.º/6 do CIVA, que permite a dedução do imposto na última declaração do ano a que respeite), sendo esta a única interpretação conforme ao disposto no artigo 179.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA), que dispõe que: “O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º.” (sublinhado nosso).

            Pelo que, em suma, a regra é a de que, ressalvadas as excepções especialmente previstas, e nos termos destas, a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.

            O caso previsto no art.º 23.º/6 do CIVA, integrará uma dessas excepções especialmente previstas, sendo que, nas palavras da Requerente “A regra é clara: quando os sujeitos passivos que não apurem o montante de IVA ao longo do ano dedutível de acordo com os métodos do pro rata e/ou afectação real, que são utilizados provisoriamente ao longo do ano, deverão, na declaração periódica do último período do ano a que respeitem, corrigir a sua dedução provisória, em função dos valores apurados no final do ano.”.

            Ou seja, nestes casos, de aplicação dos métodos pro rata e/ou afectação real, as regularizações a efectuar deverão operar-se na última declaração do ano a que disserem respeito, e não, tal como ocorre igualmente com o momento fixado no art.º 22.º/2 do CIVA, em declaração posterior, não havendo, também nesses casos a que se refere aquele art.º 23.º/6 do CIVA, qualquer razão, pelo contrário, para, ao arrepio da referida jurisprudência do STA, reconhecer a existência de uma discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para proceder às regularizações em causa.

 

*

            Sustenta a Requerente que a norma do art.º 23.º/6 do CIVA “apenas estabelece o regime jurídico da determinação do montante de imposto definitivamente dedutível face aos critérios provisórios de dedução adoptados, em situações que os sujeitos que determinam o imposto dedutível de acordo com os métodos do pro rata e/ou afectação real.”.

            Ressalvado o respeito devido, crê-se que não lhe assiste razão, já que a referida norma fixa igualmente o período da declaração em que a dedução, nesses casos de regularização, é feita constar, que é a declaração do último período do ano a que respeite.

            Coisa distinta – e não incompatível – com tal disposição, é o prazo do exercício do direito à dedução, que corresponde ao período de tempo durante o qual é permitido ao sujeito passivo fazer valer o direito à dedução que lhe caiba, em determinado período.

Assim, o artigo 98.º/2, do CIVA, invocado também pela Requerente, estabelece um limite máximo de quatro anos quanto ao exercício do direito à dedução, que não prejudica, nem é incompatível com, a imposição nacional e comunitária, devidamente reconhecida pelo STA, de que tal exercício seja efectuado na declaração do período de imposto resultante das normas legais que regem tal matéria.

Para se valer do prazo de quatro anos previsto no aludido normativo, o sujeito passivo deveria ter apresentado uma declaração de substituição ou um pedido de revisão oficiosa no respectivo período. Não o tendo feito, não se socorrendo das vias previstas para o efeito, não o poderia ter feito nas declarações periódicas de imposto como se de uma situação normal de liquidação e dedução do IVA no correspondente período de imposto se tratasse. Com efeito, as declarações de substituição destinam-se precisamente a substituir a declaração correspondente do período de imposto em que se detectou, nomeadamente, erro de facto ou de direito, podendo igualmente o contribuinte socorrer-se do pedido de revisão do acto tributário. Assim sendo e porque o sujeito passivo não se socorreu dos procedimentos adequados para o efeito, não procede no caso concreto a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

            É, assim, insusceptível de sustentar a posição da Requerente nesta matéria, quer o decidido no processo arbitral 117/2013T do CAAD[4], invocado pela Requerente, quer a jurisprudência arbitral[5] e do STA[6] que, entretanto, emergiu nesse sentido, já que aí as deduções que os sujeitos passivos pretenderam exercer, e lhe foram reconhecidas, foram relevadas nas declarações dos períodos correspondentes, conforme prescrito pelo artigo 22.º/2 do CIVA, tendo sido apresentadas declarações de substituição ou pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários.

            O regime em questão não é, por isso, incompatível com o entendimento de que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que assegura a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em situações excepcionais.

             Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo sucessivamente a salientar, e conforme resulta da redacção dos artigos 167.° e 179.°/1, da Directiva IVA, o direito à dedução é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível. Contudo, nos termos do disposto nos respectivos artigos 180.° e 182.°, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (v., neste sentido, Acórdão de  8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, n.os 42 e 43).

            Isto é, os sujeitos passivos podem, em situações que o justifiquem, ser autorizados a proceder à dedução, mesmo que não tenham exercido o seu direito durante o período em que esse direito surgiu. Contudo, nesse caso, o seu direito à dedução fica dependente de determinadas condições e modalidades fixadas pelos Estados membros.       

Neste contexto, o TJUE tem vindo a notar que a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa, pelo que não colhe a tese segundo a qual o direito à dedução, tal como o direito à liquidação, não pode ser associado a um prazo de caducidade. A este propósito, o TJUE invoca os princípios da eficácia e da equivalência.

No tocante ao primeiro, nota que o prazo de caducidade previsto não pode, por si só, tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução, quanto ao segundo, tem vindo a analisar se nas situações submetidas à sua apreciação há uma equivalência entre o prazo de caducidade concedido aos sujeitos passivos e o prazo concedido à Administração Fiscal para proceder a correcções, tendo concluído, inclusive que, este princípio não é contrariado pelo facto de, em conformidade com a regulamentação nacional, a Administração Fiscal dispor, para exigir a cobrança do IVA devido, de um prazo mais longo do que aquele que é concedido aos sujeitos passivos para solicitarem a sua dedução (cfr., Caso Ecotrade, já cit., n.ºs 43 a 49).

Como nota, embora os Estados membros tenham a faculdade de adoptar, ao abrigo do disposto no artigo 273.° da Directiva IVA, medidas para assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, estas não devem, contudo, ir além do que é necessário para atingir tais objectivos (princípio da proporcionalidade) e não devem pôr em causa a neutralidade do IVA (veja-se, nomeadamente, Acórdão de 21 de Outubro de 2010, Caso Nidera, Proc. C‑385/09, Colet., p. I‑10385, n.º 49). Ora, nem o princípio da proporcionalidade nem o princípio da neutralidade são postos em causa com tal solução.

            Com efeito, é este o contexto em que, na legislação nacional, se permite que, nomeadamente, ocorrendo um erro material ou de cálculo, que tenha ocorrido em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado no artigo 78.º/6 do CIVA.

            Outro tipo de erros, poderão ser corrigidos mediante a apresentação de declaração de substituição[7], caso tal ainda seja, nos termos legais, possível, ou, não o sendo, mediante pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, desde que verificados, igualmente, os correspondentes pressupostos, sendo esse o sentido do artigo 98.º/2 do CIVA, ao prescrever que “o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”, conforme a respectiva epígrafe (“Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução”) e enquadramento sistemático (Capítulo relativo às “Garantias dos sujeitos passivos”, após a norma relativa a “Recurso hierárquico, reclamação e impugnação” e a preceder a norma relativa à “Anulação da liquidação”) evidenciam.

            Para além destes casos, também são atendíveis factos supervenientes, nos termos regulados pelo n.º 2 do artigo 78.º do CIVA. Cumpre, contudo, ter bem presente que uma coisa será um erro (um desfasamento entre a realidade representada na declaração periódica e a realidade – erro de facto – ou o direito) e outra coisa é a ocorrência superveniente de um facto (uma alteração na realidade), que acarreta uma alteração no imposto a suportar ou deduzir.

            No presente caso, manifesta e confessadamente, o que ocorreu foi, não a superveniência de qualquer facto, mas, antes, um erro – não material ou de cálculo – mas de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, a Requerente se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.

            Assim, e como é bom de ver, entre a apresentação das declarações periódicas correspondentes ao momento em que o imposto, entretanto entendido como dedutível, foi suportado, e a apresentação das declarações periódicas onde aquele mesmo imposto foi deduzido, não ocorreu qualquer alteração na realidade (muito menos alguma das descritas no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA). O que ocorreu foi que a Requerente se consciencializou, entretanto, que o enquadramento jurídico que fez do imposto por si incorrido – no que à sua dedutibilidade diz respeito – não teria sido o correcto, ou seja, que havia incorrido em erro.

            Deste modo, não será o erro em causa corrigível nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, desde logo porquanto tal norma não se destina à correcção de erros, assim, como não será corrigível nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, uma vez que não se trata de erro de cálculo (não se traduz na incorrecta articulação de parcelas integrantes de operações aritméticas), nem de um erro material (uma divergência entre o que foi escrito e o que, manifestamente, se queria ter escrito no momento em que se escreveu).

            O erro em causa – um erro de direito – conforme tem sido reconhecido já há alguns anos pela jurisprudência quer arbitral, quer dos tribunais tributários estaduais, será corrigível nos termos do art.º 98/2 do CIVA, mediante entrega de declaração de substituição ou pedido de revisão do acto tributário, observando-se o prazo de 4 anos nele previsto e não através da dedução do imposto em declarações periódicas referentes a períodos subsequentes, ainda que entregues dentro deste prazo.

            Isto é: a correcção da situação, face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir deve constar, fixada no art.º 23.º/6 do CIVA, se, e nas condições em que legalmente a alteração desta – por iniciativa do contribuinte ou, oficiosamente, pela AT, ainda que a pedido daquele – se possa dar, ou seja, mediante a entrega das correspondentes declarações de substituição ou a apresentação de pedido de revisão oficiosa.

            O regime legal em causa, assim interpretado, não comportará, portanto, qualquer ofensa aos princípio da neutralidade do IVA, como pretende a Requerente, antes pelo contrário, já que é do próprio princípio da neutralidade que decorre a imposição de que o IVA suportado se deduza, por regra, no período em que foi suportado, e excepcionalmente, nos períodos para esses casos especialmente previstos, sem que em caso algum seja conferida uma discricionariedade ao sujeito passivo na escolha do período para proceder às regularizações em causa.

A possibilidade de, nos termos expostos (ou seja, no limite, mediante a apresentação de pedido de revisão do acto tributário de (auto)liquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita constar a dedução, por erro de facto ou de direito omitida), o contribuinte fazer valer o seu direito à dedução durante o prazo de 4 anos (previsto no artigo 78.º/1 da LGT e no artigo 98.º/2 do CIVA), não torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício de tal direito, nem coloca o contribuinte numa situação de desigualdade com outros contribuintes, ou com a AT, não se verificando assim, julga-se, qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e/ou do primado do direito europeu, ao contrário do pretendido pela Requerente.

Considerando-se, então, que o artigo 23.º/6 do CIVA não autoriza a Requerente a, nas declarações periódicas de Março, Agosto, Outubro e Dezembro de 2015, deduzir valores referentes a imposto (IVA), determinado por aplicação dos métodos pro rata e/ou afectação real, suportado em 2013 e 2014, que, por erro, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes e impostas por aquele art.º 23º/6 do CIVA, e que o artigo 98.º/2 do CIVA se reporta, não a um prazo genérico de exercício do direito à dedução do IVA nas declarações periódicas de cada um dos períodos abrangidos no prazo de 4 anos ali previsto, mas ao exercício de tal direito por meio da apresentação de declaração de substituição ou de pedido de revisão oficiosa do acto tributário (a que se reporta o artigo 78.º da LGT) relativos ao período da declaração de imposto na qual a dedução, por erro, não tenha sido feita constar, deverá a presente acção arbitral ser julgada integralmente improcedente.

 

*

            A Requerente sugere, a final, a título subsidiário, um pedido de reenvio prejudicial, sugerindo o seguinte teor:

"O artigo 167.º e seguintes e o artigo 184.º e seguintes da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, bem como os princípios da neutralidade e da equivalência devem ser interpretados no sentido de que:

1 - Se opõem a que a legislação de IVA portuguesa concretize diferentes prazos de correcção de direitos análogos (ou iguais) em matéria fiscal que se baseiam no direito da União, concretamente a possibilidade de correcção do direito à dedução do IVA por erro de cálculo ou material no prazo de 2 (dois) anos e por erro de direito no prazo de 4 (quatro) anos?

2 - Verificando-se a existência desses dois prazos distintos para o exercício de direitos análogos (ou iguais), deverá ser possibilitada, em qualquer das situações (erro material ou de cálculo ou erro de direito), a correcção da dedução no prazo mais alargado legalmente previsto (i.e., 4 anos) por forma a não comprometer a neutralidade do sistema IVA e a igualdade dos sujeitos passivos deste imposto?".

            Conforme resulta da fundamentação antes exposta, é manifesto que as questões formuladas em nada contribuiriam para a resolução da presente causa.

            Assim, não se colocando qualquer dúvida a este Tribunal da conformidade da solução adoptada com o direito comunitário, nos termos igualmente constantes da fundamentação antecedente, não se procedeu a qualquer reenvio prejudicial.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Absolver a Requerida do pedido, mantendo-se os actos tributários objecto da presente acção arbitral;
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.479.812,32, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 19.890,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2019

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Cfr. art.º 47.º do Requerimento Inicial.

[5] Cfr., neste sentido, p. ex., para além da decisão do processo 252/2017T, citada pela Requerente, o decidido nos processos 277/2014T, 608/2014T e 56/2014T, todos do CAAD, disponíveis em www.caad.org.pt.

[6] Cfr. p. ex., o Ac. de 28-06-2017, proferido no processo 01427/14, também citado pela Requerente.

[7] Cfr. neste sentido o Ac. do STA de 02-10-2010, proferido no processo 0256/10, disponível em www.dgsi.pt.