Sumário:
I – Um sujeito passivo de IRC, que exerça parte da sua atividade nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira através de estabelecimentos estáveis aí existentes e seja residente no território continental português, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parte do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos dado que, relativamente a esta parcela, a aplicabilidade do art. 87º-A do CIRC é afastada pela aplicação conjugada do artigo 26º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto e do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, à luz da al. i), do nº 1, do art. 227º da CRP.
II – O cálculo do quantum devido a título de derrama estadual e a título de cada uma das derramas regionais deve ser apurado com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à atividade que nela foi efetivamente desenvolvida.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1.No dia 11.03.2024, A...–..., S.A., titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (“NIPC”) ..., sociedade comercial anónima, com sede na ..., n.º ..., ..., Lisboa e B..., S.A., titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (“NIPC”) ..., sociedade comercial anónima, com sede na rua ..., números ... e ..., ..., Oeiras, na qualidade de sociedades incorporantes de C...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., sociedade comercial anónima com sede rua ..., números ... e..., ..., Oeiras, titular do NIPC ..., à data dos factos relevantes, sociedade dominante do GRUPO D... (“C...”), e a 2.ª Requerente, à data dos factos relevantes, sociedade dominada daquele GRUPO, requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à apreciação da legalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) resultante das declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declarações Modelo 22”) n.os ... e ..., referentes ao exercício de 2019, das quais resultou o montante total a pagar de 5.818.543,62 EUR, e, bem assim, da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, pedindo a anulação dos ato tributário sub judice, na parte referente à derrama estadual que reflete o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas no montante de 109.232,07 EUR e, a título subsidiário, no montante de 4.169,97 EUR.
As Requerentes peticionam, ainda, a condenação da Requerida na restituição do “montante legalmente devido”, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, e, subsidiariamente, com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade de norma legal, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados os árbitros, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 24.05.2024.
3.Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
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A C... e a 2.ª Requerente eram, no período do facto tributário, sociedades comerciais anónimas que exerciam, a título principal, a atividade de construção e exploração de estabelecimentos destinados à comercialização de materiais, produtos e ferramentas de bricolage.
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Estas sociedades prosseguiam a sua atividade comercial através de instalações físicas (estabelecimentos estáveis) localizadas por todo o território nacional (quer continental, quer insular).
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Em 2019, a C... era a sociedade dominante do Grupo D..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.
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No exercício de 2019, para além da C... (enquanto sociedade dominante) e da 2.ª Requerente (enquanto sociedade dominada), o Grupo D... era ainda constituído pela 1.ª Requerente como sociedade dominada.
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Em 2022, na sequência de operação de cisão-fusão-dissolução, a C... foi incorporada nas Requerentes, as quais assumiram todos os direitos e obrigações de que era titular aquela sociedade.
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Os atos de autoliquidação de IRC objeto dos presentes autos resultam do preenchimento e submissão das declarações Modelo 22 do Grupo D... e da 2.ª Requerente, referentes ao exercício de 2019.
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No exercício em causa, em cumprimento das suas obrigações tributárias, a C..., enquanto sociedade dominante, procedeu à entrega da declaração Modelo 22 do Grupo D...– à qual foi atribuído o n.º...–, tendo declarado, no campo 373 do quadro 10 daquela declaração, o montante de 3.317.514,76 EUR, a título de derrama estadual.
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As autoliquidações foram feitas nesses termos pelo facto de o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não permitir outra forma de determinação das derramas estadual e regionais, impondo que a toda a matéria tributável seja aplicado o regime da derrama estadual.
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O montante de derrama estadual refletido na declaração Modelo 22 do Grupo D... corresponde ao somatório dos montantes de derrama estadual apurados nas declarações Modelo 22 individuais da 2.ª Requerente e demais sociedades dominadas.
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Tendo as Regiões Autónomas optado por legislar em matéria de derrama e, concomitantemente, adaptado as taxas aplicáveis nas respetivas circunscrições territoriais – tudo ao abrigo das competências legislativas em matéria fiscal expressamente reconhecidas pelo artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP –, entendem as Requerentes que o lucro tributável da 2.ª Requerente – e, concomitantemente, do Grupo D... – proveniente das Regiões Autónomas deve ser sujeito às taxas de derrama regional (se aplicáveis), ao invés de ser sujeito às taxas de derrama estadual.
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No entanto, por terem sede no território continental, a A... e a 2.ª Requerente não conseguiram preencher as respetivas declarações Modelo 22 em conformidade, não tendo logrado nelas repartir o seu lucro tributável por jurisdição e, assim, refletir o lucro tributável do exercício gerado nas Regiões Autónomas.
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Com efeito, para o cálculo da derrama estadual deve, em primeiro lugar, ser determinado o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, através da proporção entre o volume anual de negócios correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume de negócios total do exercício do sujeito passivo (cfr. artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas).
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Subsequentemente, o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas deve ser sujeito às taxas de derrama regional correspondentes, caso haja lugar à sua aplicação.
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Da mesma forma, subtraindo-se o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas à totalidade do lucro tributável do exercício, o remanescente, se superior a 1.500.000 EUR, deverá ser sujeito a derrama estadual
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A título subsidiário, as Requerente solicitam que o cálculo da derrama estadual reflita a parte do lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, mas agora aplicando, em cada intervalo/escalão de lucro tributável, o rácio de volume de negócios gerado no Continente e nas duas Regiões Autónomas, obtendo-se, desta forma, o lucro tributável de cada circunscrição ao qual aplicou, em cada intervalo/escalão, a respetiva taxa de derrama estadual/regional (se aplicável), gerando desta forma uma diferença entre a derrama estadual apurada e a derrama estadual declarada que ascende a 4.169,97 €.
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As Requerentes estribam a sua pretensão anulatória nos seguintes fundamentos:
– Na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro;
– Na violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e, bem assim, dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;
– Na violação do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, enquanto lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP;
– Na preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; e
– Na preterição da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
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A competência atribuída às Regiões Autónomas para adaptar o sistema nacional às especificidades regionais consiste na diminuição das taxas de IRS, do IRC, IVA e impostos especiais de consumo, na conceção de deduções à coleta e na conceção de benefícios fiscais temporários e condicionados (artigo 59.º da LFRA).
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No âmbito da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades de cada região, designadamente da Região Autónoma da Madeira (RAM), o Decreto Legislativo Regional (DLR) n.º 2/2001/M, de 20 de fevereiro, adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da região, “continuando a favorecer o investimento produtivo e contribuindo para a correção das assimetrias de distribuição de rendimento resultantes da insularidade e para a melhoria das condições de vida dos seus residentes”.
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Em relação à RAA e no que concerne à Derrama Regional, constata-se que a mesma foi criada pelo DLR n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, tendo as taxas sido alteradas pelo DLR n.º 1/2018/A, de 3 de janeiro.
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O n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma determina que a derrama regional é aplicável aos sujeitos passivos residentes na RAA, bem como aos não residentes com estabelecimento estável na RAA, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
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Portanto, decorre n.º 1 do artigo 2.º do DLR n.º 21/2016/a, de 17 de outubro, que a derrama regional, com as taxas nela revistas, apenas se aplica a:
– residentes na RAA,
– não residentes com estabelecimento estável na RAA
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Desde logo se concluiu que, no caso em apreço, não é possível aplicar a referida norma porquanto nenhuma das requerentes é residente na RAA.
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Relativamente à RAM, o Regime Jurídico da Derrama Regional, foi criado pelo DLR n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, tendo as taxas sido alteradas, sucessivamente pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 5-A/2014/M, de 23 de julho, 2/2018/M, de 9 de janeiro e 26/2018/M, de 31 de dezembro, 18/2020/M, de 31 de dezembro.
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De acordo com aquele Regime (nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 4.º do DLR n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, na redação dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 18/2014/M, de 31 de dezembro), a Derrama Regional incide sobre a parte do lucro tributável superior a 1.500.000,00 € sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado pelos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
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Por sua vez o n.º 3 do artigo 4.º determina que, “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.”
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E por último, o n.º 4 do mesmo artigo dispõe ainda que, “Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.”.
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Assim, e em resumo, à semelhança do que se concluiu relativamente à RAA, verifica-se que a Derrama Regional, com as taxas nela previstas, apenas se aplica a:
– Residentes na RAM.
– Não residentes com estabelecimento estável na RAM.
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Importa desde já salientar que a norma expressa no referido n.º 3 do artigo 4.º DLR n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, referente à RAM, bem como o n.º 3 do artigo 2.º do DLR 21/2016/A, relativo à RAA, com idêntica formulação, apenas pode ser aplicável em caso de grupos de sociedades inteiramente sediados nas regiões autónomas, sob pena de extravasar as competências legislativas inerentes a um decreto regional.
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Em conclusão, in casu, verifica-se que as Requerentes não são sociedades residentes nas regiões autónomas nem são sociedades não residentes com estabelecimento estável em qualquer das regiões autónomas, pelo que, contrariamente ao longamente arguido na sua petição, não se lhes aplica a derrama regional.
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No mesmo sentido que vem sendo defendido pela AT e exatamente com os mesmos contornos fáticos do caso em apreço, veja-se o recente acórdão do Tribunal Arbitral de 1 de setembro de 2023 no âmbito do processo n.º 38/2023-T.
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No que diz respeito aos argumentos apresentados pela recorrente suscitando a inconstitucionalidade do artigo 87.º-A do CIRC, em conjugação com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, nas redações vigentes à data dos factos a AT, contrariamente ao que sucede com os tribunais, não tem acesso direto à Constituição, para efeitos de poder afastar a aplicação de uma norma jurídica, ou seja, no âmbito da sua atividade não pode deixar de aplicar uma norma legal com o fundamento na sua inconstitucionalidade.
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Relativamente ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, importa referir que, para que haja direito aos mesmos, de acordo com o disposto no art.º 43.º da LGT, é necessário que se verifique a ocorrência de um erro que seja imputável aos serviços, o que, no caso em apreço, e com o devido respeito por opinião contrária, não se verificou.
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Nos termos supra expostos, deve a pretensão das Requerentes ser julgada improcedente por falta de sustentação legal.
5. Por despacho arbitral de 13.09.2024 foi dispensada reunião a que se refere o art. 18º do RJAT.
No mesmo despacho foi ainda dispensada a produção de alegações.
6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Ilegalidade (parcial) da autoliquidação objeto do processo.
Caso seja decretada a ilegalidade e a consequente anulação parcial da autoliquidação,
2) Direito das Requerentes à restituição do imposto correspondente à anulação parcial.
E,
3) Direito das Requerentes a juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante
8. Com relevância para decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A C... e a 2.ª Requerente, no período tributário de 2019 eram sociedades comerciais anónimas que exerciam, a título principal, a atividade de construção e exploração de estabelecimentos destinados à comercialização de materiais, produtos e ferramentas de bricolage e prosseguiam a sua atividade comercial através de instalações físicas localizadas por todo o território nacional (quer continental, quer insular).
2. Em 2019, a C... era a sociedade dominante do Grupo D..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.
3. No exercício de 2019, para além da C... (enquanto sociedade dominante) e da 2.ª Requerente (enquanto sociedade dominada), o Grupo D... era ainda constituído pela 1.ª Requerente como sociedade dominada.
4. Em 2022, na sequência de operação de cisão-fusão-dissolução, a C... foi incorporada nas Requerentes, as quais assumiram todos os direitos e obrigações de que era titular aquela sociedade – cfr. cópia do registo da operação societária, junta como documento n.º 4.
5.Com referência ao período tributário de 2019, em cumprimento das suas obrigações tributárias, a C..., enquanto sociedade dominante, procedeu à entrega da declaração Modelo 22 do Grupo D...– à qual foi atribuído o n.º...–, tendo declarado, no campo 373 do quadro 10 daquela declaração, o montante de 3.317.514,76 EUR, a título de derrama estadual do grupo na qual se incluiu a derrama gerada pela atividade da 2ª Requerente – cfr. Documento n.º 1.
6.No exercício de 2019, a 2.ª Requerente apurou o seguinte montante de derrama estadual:
Sociedade
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Montante de derrama estadual apurado
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Identificação da declaração Modelo 22 individual
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2.ª Requerente
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2.606.233,39 EUR
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...
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7.Tendo por referência o volume total de negócios da 2.ª Requerente, através do cálculo da proporção do volume de negócios imputável às instalações situadas nas Regiões Autónomas, obtêm-se os seguintes rácios (cfr. campos 4, 5 e 22 do quadro 11-B do Documento n.º 2):
2.ª Requerente
Rácio 1 (RAM) = (campo 2: campo 1) 1,80%
Rácio 2 (RAA) = (campo 3: campo 1) 0,80%
Rácio 3 (Continente) = 1 – (rácio 1 + rácio 2) 97,40%
7.Resulta dos factos constante do ponto antecedente existir uma diferença no montante de 109.232,07 €, entre o montante devido a título de derrama estadual/regional (2.497.001,32 EUR) aplicando os regimes das derramas regionais aos lucros tributáveis gerados nas regiões autónomas e aquele que foi efetivamente declarado pela 2.ª Requerente (2.606.233,39 €).
8. Em 15 de julho de 2023, as Requerentes apresentaram pedido de revisão oficiosa dos atos tributários sub judice,, em sede do qual peticionaram a anulação (parcial) daqueles atos tributários, na parte referente à derrama estadual – cfr. cópia do pedido de revisão oficiosa, junta como Documento n.º 5.
9.Em 11 de dezembro de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa – cfr. Documento n.º 3.
9.Com interesse para a decisão da causa, não se provou o pagamento do imposto resultante da autoliquidação objeto do processo.
10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto julgada provada alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que dos articulados apresentados emerge, no que respeita à matéria dada como provada, concordância das partes.
No que respeita ao facto não provado a decisão resulta da ausência de prova relativamente ao mesmo que não foi, sequer, alegado pelas Requerentes.
-III- O Direito aplicável
11.A questão jurídica em causa nos presente autos foi já objeto de apreciação em várias decisões arbitrais, entre elas a proferida no processo 792/2022-T, de 21.09.2023[1], onde se pode ler:
“45. Tendo em conta que não se afigura controvertido nos autos o facto de a Requerente exercer a sua actividade económica na RAA – bem como na RAM – através de estabelecimentos estáveis aí existentes, o que importa agora apurar é se o conceito de “não residente com estabelecimento estável” utilizado no n.º 2, do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, se reporta apenas a entidades que não sejam de todo residentes em qualquer circunscrição do território português e que tenham na RAA estabelecimento estável ou, pelo contrário, se para além destes também inclui os sujeitos passivos que apesar de terem naquela região um estabelecimento estável são residentes no território continental português.
46. Desde já se adiante que o conceito “não residente com estabelecimento estável” a que alude a referida norma também abrange o último daqueles dois casos.
47. Considerando que o objectivo da derrama regional da RAA é adaptar o regime da derrama estadual às especificidades daquela região como forma de assegurar a “promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores”, uma interpretação consentânea com o elemento teleológico da interpretação apontará para o sentido de que aos residentes na RAA se contrapõem todos os demais sujeitos passivos que não tenham residência naquela região mas que ali auferem rendimentos que compõem o seu lucro tributável.
48. Este é também o resultado interpretativo que, sistematicamente, melhor se coaduna com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 26.º da Lei das Finanças Regionais acima transcrito, que refere que será receita das regiões autónomas o IRC devido por sujeitos passivos que apesar de não serem residentes nas mesmas, são residentes em território nacional e têm ali sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria às quais sejam imputáveis os rendimentos.
49. Entendimento diverso revelaria não só uma quebra da coerência do próprio regime da derrama regional da RAA, que exclui expressamente e sem distinção a aplicação do regime da derrama estadual previsto no artigo 87.º-A do CIRC, como também implicaria uma quebra da coerência do sistema como um todo, em prejuízo da autonomia financeira da RAA consagrada através do respectivo estatuto político-administrativo, porquanto ficaria de fora da alocação efectiva de receitas do IRC uma parcela do imposto imputável àquela circunscrição.
50. Portanto, ao contrário do sustentado pela Requerida, encontrava-se efectivamente preenchido pela Requerente o âmbito de incidência subjectiva à derrama regional da RAA, sendo que idêntica conclusão se impõe relativamente à derrama regional da RAM.
(…).
58. Tendo-se já concluído pela aplicação das derramas regionais da RAA e da RAM à Requerente, cumpre por fim aferir qual o modo de compatibilização destas com a derrama estadual, sendo certo que é nesta fase claro que qualquer uma das derramas incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual da Requerente, conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 87.º-A, n.º 3 do CIRC, do artigo 2.º, n.º 3 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro e do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto.
59. Quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região.
60. Significa isto que no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual pela Requerente não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.”
Na mesma linha, pode também ler-se na decisão arbitral do processo 1056/2023-T, de 8.05.2024:
“4.2. Questão do erro na aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro
Como decorre do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, as Regiões Autónomas podem «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República».
O regime do exercício desse poder tributário próprio, inclusivamente a «adaptação do sistema fiscal nacional», consta da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), em que se estabelecem os princípios que devem ser observados (artigo 55.º), e se estabelece que «as Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei e tendo em conta a situação financeira e orçamental da região autónoma, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 30 % e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor».
No caso em apreço, o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, e o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2026-/A, de 17 de Outubro, são diplomas que, como neles expressamente se refere, fizeram a adaptação do regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, às especificidades regionais, traduzindo-se essencialmente em reduções de taxas aplicáveis a residentes ou não residentes titulares de estabelecimentos estáveis nas respectivas regiões autónomas.
Isto mesmo reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em que refere que «estamos, portanto, perante a referida adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, que permite a residentes ou não residentes que possuam um estabelecimento estável nas Regiões Autónomas a aplicação de taxas de derrama reduzidas».
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende na decisão do pedido de revisão oficiosa que deve ser aplicado o regime da derrama estadual, previsto no artigo 87.º-A do CIRC, por entender que estão preenchidos os seus pressupostos (pontos 42 a 44):
42. Ora, conforme se referiu anteriormente, a "C..." tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.°e ss. do CIRC.
43. Verifica-se, deste modo, que o requisito de incidência subjetiva previsto n.º 1 do artigo 87.°-A do CIRC se encontra preenchido, estando, por isso, a "C..." obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.
44. De maneira que, no caso dos autos, se a "C...", no exercício de 2018, apurou lucro tributável superior a € 1.500.000,00, encontra-se necessariamente sujeita a derrama estadual por aplicação das disposições constantes no artigo 87.º-A do CIRC, e não das taxas reduzidas previstas pelos Decretos Legislativos Regionais que estabeleceram as derramas regionais.
É inquestionável que as situações das Requerentes se enquadram no artigo 87.º-A do CIRC, que prevê o regime geral da derrama estadual, mas, obviamente, quando estão preenchidos os pressupostos da aplicação de regimes especiais, é afastada a aplicação do regime geral, o que é corolário da regra básica, que aflora no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, de que os regimes especiais, nos seus específicos domínios de aplicação, prevalecem sobre os regimes gerais (lex specialis derogat legi general).
A lei especial é a que se aplica a situações de facto abrangidas, todas elas, pela lei geral (sendo que esta abrange um leque mais amplo de situações de facto), consagrando um regime distinto.(…)
Está ínsito nesta possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais que, na medida em que for aplicado o regime específico adaptado, deixa de ser aplicado o regime previsto no sistema fiscal nacional, como, aliás, consta expressamente do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.
Sendo assim, não tem relevância a fundamentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua decisão, para manter a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, pois o enquadramento das situações nesta norma não basta para assegurar a sua aplicação, sendo afastado se as situações se enquadrarem simultaneamente nas normas especiais.
Por isso, apenas o eventual não enquadramento da situação da 2.ª Requerente nos regimes especiais de derrama regional, poderá permitir manter a aplicação do regime geral previsto no artigo 87.º-A do CIRC.
Para enquadramento da situação da 2.ª Requerente nas hipóteses normativas das derramas regionais é necessário que elas tenham residência na respectiva região autónoma ou aí tenham estabelecimento estável.
No caso em apreço, são pontos assentes que a 2.ª Requerente não tem residência fiscal em qualquer das regiões autónomas, mas que desenvolve aí as suas actividades através de instalações que se enquadram no conceito de «estabelecimento estável», definido no artigo 5.º do CIRC.
4.2.1. Questão da aplicação da derrama regional da Madeira
Relativamente à derrama regional da Madeira, incide sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
O artigo 26.º, n.º 1, da referida Lei Orgânica n.º 2/2013 (Lei das Finanças das Regiões Autónomas – LFRA) refere na sua alínea b) as «pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição».
«Circunscrição», é o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso, como se refere na alínea b) do artigo 23.º da LFRA.
É manifesto que a situação da 2.ª Requerente se enquadra nesta norma, pois, em 2018:
– tinha sede em território português;
– possuía instalações permanentes em mais de uma circunscrição, designadamente no continente e em pelo menos uma das regiões autónomas.
Por isso, conclui-se que à 2.ª Requerente era aplicável a derrama regional da Madeira e não a derrama estadual, relativamente aos rendimentos obtidos nesta Região Autónoma.
4.2.2. Questão da aplicação da derrama regional dos Açores
No que concerne à derrama regional dos Açores, aplica-se, nos termos do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, aos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
A 2.ª Requerente não era residente na Região Autónoma dos Açores, mas tinha nela instalações enquadráveis no conceito de estabelecimento estável, definido no artigo 5.º do CIRC.
Assim, a questão que se pode levantar, com pertinência, é a de saber se a referência a «sujeitos passivos não residentes» se reporta a não residentes em território nacional ou a não residentes no território da Região Autónoma dos Açores.
Como há muito vem decidindo o Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da questão paralela que se coloca a nível das reduções de taxas de IRC nas regiões autónomas, a referência a «não residentes» reporta-se todos os sujeitos passivos que não residem na região autónoma, quer residam no estrangeiro quer em outra parte do território nacional: «o conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja
exercida efectiva actividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP)». (…)
Neste artigo 13.º da CRP estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional.(…)
No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC e derrama diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva, fora da área daquela Região, se situar no território nacional ou no estrangeiro.
Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma dos Açores, as razões que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC e de derrama para entidades não residentes, que são melhorar «a competitividade e criação de emprego das empresas com actividade no arquipélago, que suportam os custos incontornáveis da insularidade» (Preâmbulo do determinação do lucro tributável 2/99/A, de 6 de Março) e a «promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A) valem igualmente tanto para o investimento por empresas estrangeiras como para o investimento por empresas nacionais.
Assim, é de concluir que a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A no sentido da aplicação da taxa reduzida de derrama a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma dos Açores que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do artigo 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.
Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição.
De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma dos Açores, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do CC).(…)
E é também esta a interpretação que se melhor se compagina com a imputação das receitas de IRC às regiões autónomas que se faz no artigo 26.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, da LFRA, em que se incluem as devidas por pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português que tenham na região um estabelecimento estável, sendo as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.
Na verdade, nestas normas do artigo 26.º da LFRA explicitamente se dá relevância a instalações de pessoas colectivas residentes em território português qualificáveis como estabelecimentos estáveis, o que confirma o entendimento que vem sendo adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se referiu.
Pelo exposto, também em relação à actividade das Requerentes nos Açores, era aplicável às Requerentes a respectiva derrama regional e não a derrama nacional.
4.2.3. Compatibilização das derramas regionais com a derrama estadual
Tendo a 2.ª Requerente actividade no continente, a par das actividades nas regiões autónomas, desenvolvidas através de instalações qualificáveis como «estabelecimentos estáveis», torna-se necessário compatibilizar a aplicação das derramas.
Como se refere no acórdão arbitral de 21-08-2023, proferido no processo n.º 792/2022-T, «quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região». Isto é, no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.
Do exposto, conclui-se que as autoliquidações e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as confirmou enfermam de vício de violação de lei por erro de interpretação do artigo 87.º-A do CIRC e dos artigos 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, nas redacções do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.
Estes vícios justificam a anulação parcial das autoliquidações e anulação total da decisão do pedido de revisão oficiosa que as confirmou, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nestes vícios, que asseguram eficaz tutela dos interesses das Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelas Requerentes.”
O entendimento vertido nas doutas decisões citadas, que inteiramente se subscreve, tem sido o adotado maioritariamente pela jurisprudência arbitral[2].
Nesta linha, também aqui se conclui que a autoliquidação objeto do processo e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que a confirmou, enfermam de vício de violação de lei por erro de interpretação e aplicação do artigo 87.º-A do CIRC e dos artigos 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, e 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, nas redações do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro, bem como do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro), à luz da al. i), do nº 1, do art. 227º da Constituição da República Portuguesa, do que decorre a procedência da pretensão de anulação parcial da autoliquidação e a anulação da decisão do pedido de revisão oficiosa, ficando prejudicado, por inútil, o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
12.Pedidos de restituição do imposto e juros indemnizatórios
Pedido de restituição
As Requerentes pedem, ainda, a “condenação da Requerida na restituição do montante legalmente devido, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos”.
Acontece que não se provou o pagamento do imposto em questão, nem sequer, como supra se notou, tal pagamento foi alegado pelas Requerentes.
Como se refere na decisão arbitral proferida no processo 805/2023-T “Na falta de prova de pagamentos, não pode proceder o pedido de reembolso, sem prejuízo de o direito a reembolso dever ser considerado em execução do presente acórdão.”
Termos em que, improcede este pedido das Requerentes, sem prejuízo do art. 100º da Lei Geral Tributária e da eventual consideração desta pretensão em execução do presente acórdão.
Pedido de juros indemnizatórios
Dispõe o nº 1 do art. 43º da Lei Geral Tributária que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Como é bom de ver, e resulta desta norma, o direito a juros indemnizatórios está dependente do facto do imposto ter sido pago. Não tendo tal pagamento resultado provado, improcede igualmente este pedido, também sem prejuízo do art. 100º da Lei Geral Tributária e, se for o caso, da consideração desta pretensão em execução do presente acórdão.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação e, em consequência, anular parcialmente a autoliquidação de IRC objeto do processo, no que respeita ao montante de 109.232,07 € (cento e nove mil, duzentos e trinta e dois euros e sete cêntimos).
-
Anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
-
Julgar improcedentes os pedidos de reembolso de imposto e de juros indemnizatórios.
Valor da ação: € 109.232,07 (cento e nove mil, duzentos e trinta e dois euros e sete cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida, no valor de 3.060,00 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 24.10.2024
Os Árbitros
Rui Duarte Morais (vencido, conforme declaração anexa)
Rui M. Marrana
Marcolino Pisão Pedreiro
(Relator por vencimento)
Declaração de voto
Subscrevi o acórdão arbitral 38/2023, o qual concluiu, nomeadamente, que:
- Tendo a Requerente (e as restantes sociedades que integram o Grupo sujeito ao RETGS por ela dominado) sede no território continental de Portugal, o correspondente Lucro Tributável encontrava-se sujeito a Derrama Estadual, por aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, não podendo ser subtraída a parte dos lucros obtidos nos estabelecimentos da Requerente (e das restantes sociedades que integram o Grupo B...) situados nas Regiões Autónomas.
- O elemento de conexão residência é perfeitamente legitimo para fixar a incidência subjetiva da derrama e, nessa conformidade, consubstancia motivo justificativo idóneo para fazer tributar partes do lucro tributável recebidos em território insular e sujeitos a Derrama Estadual de forma mais agravada quando comparada com a obtenção de lucros tributáveis por sujeitos passivos sedeados nas Regiões Autónomas, sejam eles obtidos somente nas Ilhas ou também no território do continente.
- Tendo o legislador feito eleger como elemento de conexão relevante, para efeitos de incidência subjetiva da Derrama Estadual a residência, em detrimento da origem/proveniência do lucro tributável, entende este Tribunal Arbitral Coletivo que tal não viola o princípio da igualdade nem o da capacidade contributiva.
- Não se vislumbra a aventada restrição da liberdade de estabelecimento, na medida em a decisão de localização da sede e/ou do exercício das respetivas atividades de uma sociedade residente noutro Estado-Membro da U.E. na Região Autónoma da Madeira ou na Região Autónoma dos Açores só a poderia beneficiar atenta a menor carga fiscal que sobre ela incidiria.
- O interesse público prosseguido com a Derrama Estadual versus a Derrama Regional sempre se revelaria mais valioso do que um hipotético constrangimento ou restrição, que sempre seriam mínimos, das escolhas dos operadores económicos.
Reconhecendo o melindre da questão - que espero que venha a ser, em breve, decidida por acórdão uniformizador -, entendo não haver razões para alterar a minha posição.
Acresce temer que a execução do ora decidido possa deparar com relevantes dificuldades, atento o facto de, relativamente ao estabelecimento sito na Madeira, a ATAM ter competências próprias no tocante à liquidação e cobrança dos impostos regionais
Rui Duarte Morais
[2] Cfr. as decisões arbitrais proferidas nos processos 805/2023-T, de 11.03.2024, 972/2023-T de 10.07.2024 (com um voto de vencido), 11/2024-T de 20.05.2024, 857/2023-T, de 14.08.2024. Em sentido diverso foi a decisão do Tribunal Arbitral de 1.09.2023, proferida no processo n.º 38/2023-T.