Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 188/2023-T
Data da decisão: 2024-04-10  IRC  
Valor do pedido: € 48.286,24
Tema: IRC – As imparidades e o princípio da periodização seguindo a interpretação generalizadora orientada pela Constituição, designadamente do princípio da tributação pelo lucro real e do princípio da justiça.
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Sumário:

I - As regras de contabilidade são normas obrigatórias quanto à forma de organizar a contabilidade e de elaborar as demonstrações financeiras e poderão gerar ilícitos pelo seu incumprimento. Mas os impostos não são sanções por falha no cumprimento de diretrizes contabilísticas pelo que o desrespeito das regras contabilísticas não pode gerar por si só uma obrigação de pagamento de imposto, mas antes de propiciar a aplicação de coimas, multas ou pena de prisão.

II - A interpretação generalizadora orientada pela Constituição, designadamente do princípio da tributação pelo lucro real (104.º, n.º 2 da CRP) com o princípio da justiça (266, n.º 2 da CRP) com as normas jurídicas dos artigos 18.º, n.º 2, 28.º-A, n.º1, al. a) e 28.º-B, n.º 1, al.a) do CIRC, admite que as perdas por imparidades por créditos não satisfeitos em resultado do encerramento de processo de insolvência do devedor, possam ser consideradas no exercício do encerramento do respetivo processo, conhecido durante o fecho das contas de 2018, ainda que a declaração de insolvência tenha ocorrido em 2014, desde que desse registo tardio não resulte qualquer prejuízo para o Estado e tal não seja motivado por omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Nuno Maldonado Sousa designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído em 30-05-2023, decide no processo identificado nos seguintes termos:

 

  1. Relatório

A..., LDA, com sede Rua ..., n.º ..., ... e ..., ...-... Braga, doravante designada por “Requerente”, titular do número de identificação fiscal ..., requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), regime de que são em especial aplicáveis as suas normas que constam do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do artigo 5º n.º 2 alínea a), do artigo 6º n.º 1 e do artigo 10º n.º 1 alínea a), todos do RJAT.

A Requerente pretende ver apreciadas: (i) a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2022... no valor de 36.500,61 €; (ii) as liquidações de juros n.º 2022..., no valor de 1.068,13 € e n.º 2022... no valor de 3.064,63 €; (iii) o indeferimento proferido pela Diretora de Finanças de Braga, no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2022..., onde a Requerente peticionou a anulação das liquidações citadas e o reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios. Alicerça o seu pedido na violação das normas jurídicas que disciplinam a periodização do lucro tributável e o tratamento das imparidades provocadas por incobrabilidade de créditos sobre clientes em estado de insolvência e a falta de fundamentação devida para as correções efetuadas.

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada também pelas formas abreviadas “AT” ou “Requerida”, que apresentou resposta (“R-AT”) em que sustenta as liquidações, com base na interpretação que faz das normas reguladoras da citada situação, que considera dever ter menor amplitude, no tratamento temporal das imparidades geradas pela insolvência. Conclui que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente, por não provado e a AT absolvida do pedido.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito em 20-03-2023 e aceite pelo Presidente do CAAD em 22-03-2023, que dele notificou a Requerida em 27-03-2023.

O árbitro signatário manifestou a aceitação das suas funções no prazo legal. Em 12-05-2023 as Partes foram notificadas da designação do árbitro para constituir o Tribunal Arbitral e não manifestaram intenção de o recusar, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 30-05-2023 e o prazo para a decisão foi prorrogado mediante fundamentação pelo Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, por ocasião da 1.ª reunião com as partes, ocorrida em 19-10-2023 e mais tarde em 29-01-2024 e em 29-03-2024, por ocasião das férias judiciais da Páscoa. Na citada reunião com as Partes foi fixada a tramitação para alegações, que as Partes produziram sucessivamente, por escrito.

 

  1. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, cumprindo com o prazo previsto na norma no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do já referido RJAT.

As partes estão devidamente patrocinadas e a Requerida goza de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades pelo que cumpre decidi-lo.

 

  1. Decisão da matéria de facto
    1. Matéria assente

 

Para decidir a ação considera-se assente:

 

Entre 15-10-2021 e 20-09-2021 decorreu ação de inspeção ao abrigo da Ordem de Serviço Interna n.º OI2021...de 20-09-2021, emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga, que conduziram a correções à matéria tributável de IRC de 2018 da Requerente. (PPA, 10.º-12.º: doc.3; PA: p. 8).

No Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) para além do que mais dele consta, pode ler-se[1]: (PPA 13.º: doc. 3; PA: pp. 9-11)[2]

III.1 Descrição dos factos

1.  A presente ação teve origem numa análise prévia, efetuada internamente pelos serviços de inspeção tributária, onde se propôs a verificação da dedutibilidade fiscal dos valores registados como perdas por imparidades em dívidas a receber.

2.  Iniciado o procedimento inspetivo e por forma a melhor esclarecer a situação detetada, foi o SF notificado através do ofício ... de 2021-09-20 (Anexo 1 — Pedido de elementos e esclarecimentos), em conformidade com o n.° 4 do artigo 59.° da Lei Geral Tributária e os artigos 9.°, 28.° e 48.° do RCPITA, para apresentares seguintes elementos e esclarecimentos:

a)  Balancete analítico (antes e após apuramento dos resultados), preferencialmente em ficheiro do tipo ..xls ou ..xlsx (Microsoft Excel);

b)  Extrato da conta corrente 65 (Perdas por Imparidade) e respetivos documentos de suporte do valor aí contabilizado e declarado no campo A5968 do quadro 05281-A da IES (Perdas por Imparidades em Ativos Financeiros), no valor de 197.483,46 EUR com identificação dos respetivos clientes;

c)  Extrato(s) de conta corrente da conta 217 (Clientes de Cobrança Duvidosa), com referência ao valor declarado no campo A5979 do quadro 05282-A da IES (Dívidas registadas como Cobrança duvidosa) de 339.831,06 EUR;

d)  Mapa de provisões e perdas por imparidade; justificação da mora dos créditos sujeitos a registo de imparidade há mais de 24 meses e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;

e)  Motivo pelo qual nos anos anteriores a 2018 não foram registadas quaisquer perdas por imparidade em créditos sobre clientes ainda que tenham sido evidenciados, em 2018, dívidas cuja mora existia há mais de 24 meses.

 

3.  Dos elementos remetidos pelo SF a estes serviços, verifica-se que, no ano de 2018, foi registado como gasto na conta 6511 (perdas por imparidades em dívidas a receber) por contrapartida da conta 219100848 (perdas por imparidades acumuladas, dívidas de clientes, B... Lda) o valor de 197.483,46 EUR (Anexo 2 - Extrato da conta 6511 e Anexo 3 - Mapa de Imparidades).

4.  Este montante, evidenciado a 2018-12-31 como um crédito de cobrança duvidosa na conta 21710848 (Anexo 4 - Extrato de conta 217 Clientes de cobrança duvidosa), diz respeito a faturas emitidas pelo SP ao cliente B... Lda, NIF ..., nos anos de 2010, 2011 e 2012 (Anexo 5 - Lista de faturas emitidas a B... Lda).

5.  Tendo em conta que as IES apresentadas pelo SP e relativas aos anos de 2011 a 2017 nunca evidenciaram, no quadro 05282-A, quaisquer valores respeitantes a créditos de cobrança duvidosa, e que no ano de 2018 foi evidenciado, no mesmo quadro, o valor de 339.831,06 EUR relativo a créditos de cobrança duvidosa em mora há mais de 24 meses, foi o SP questionado acerca do motivo pelo qual nos anos anteriores a 2018 não foram registadas quaisquer perdas por imparidade.

6.  Em resposta ao solicitado, foram prestadas as seguintes informações: relativamente às imparidades acumuladas de 339.831,06€ existentes no final de 2018, no início de 2018 o valor existente era de 142.347,80 €, valor que já existia em 2015, data em que passei a ser o contabilista da empresa, de qualquer das formas o valor inicial, está devidamente separado por cliente na contabilidade e no mapa de imparidades que envio em anexo (Anexo 6).

7.  Questionado acerca da justificação da mora, dos créditos sujeitos a registo de imparidade há mais de 24 meses, e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, foi referido o seguinte: a imparidade reconhecida em 2018, diz respeito a apenas um cliente, cujo processo envio em anexo (provando as diligências efetuadas) e sobre o qual foi solicitada a certificação dos créditos para efeitos de recuperação do IVA, que apenas foi concretizada em 2019 (Anexo 6).

8.  O processo em causa, referido pelo SP, corresponde ao processo de insolvência n.º .../14...TYVNG do devedor B... Lda, NIF ..., cuja declaração de insolvência foi proferida no ano de 2014 (Anexo 7 - Publicidade da sentença de declaração de Insolvência).

 

III.2 Análise dos factos e enquadramento fiscal

9.  Como resulta da factualidade anteriormente descrita, o SP registou como perdas por imparidades, no ano de 2018, o valor de 197.483,46 EUR, relativo a créditos de faturas emitidas nos anos de 2010, 2011 e 2012 em razão da existência de um processo de insolvência do devedor B... Lda, NIF ..., cuja sentença de declaração de insolvência foi proferida a 2014-10-07 (Anexo 7 - Publicidade da sentença de declaração de Insolvência).

10.            Não consta evidenciado nas declarações IES apresentadas pelo SP, relativas aos anos de 2012 e 2013, quaisquer evidencias de constituição de imparidades, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do art.° 36. ° do CIRC, atual alínea c) do n.º 1 e n.º 2, do art.° 28.°-B do CIRC.

11.            Sendo certo que, quando questionado acerca das diligências efetuadas para a cobrança do crédito, apenas foi apontado o processo de insolvência, não tendo sido apresentadas outras diligências efetuadas nos anos subsequentes à emissão das faturas.

12.            Não obstante, também no ano de 2014, data em que foi proferida a sentença de declaração de insolvência do devedor, não foi reconhecido o risco de incobrabilidade dos créditos, não tende sido evidenciada na contabilidade qualquer imparidade.

13.            Sendo certo que, face a este acontecimento, haveriam indícios sérios e objetivos expressamente previstos na lei, do risco de incobrabilidade dos créditos, que permitiriam a constituição da imparidade, nesse mesmo ano de 2014.

14.            A qual seria aceite fiscalmente face à alínea a), do n.º 1, do art.° 28.º-B do CIRC.

15.            Por força do princípio da especialização dos exercícios, previsto no art.° 18.° do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento.

16.            Prevendo a lei apenas uma exceção para o incumprimento deste princípio, no n.°2 do art.° 18.º do CIRC: as componentes positivas ou negativas serem, à data do encerramento das contas imprevisíveis ou desconhecidas.

17.            Tal conclusão não pode ser depreendida do caso em análise, pois no ano de 2014, data em que foi proferida a sentença de insolvência do devedor, o risco de incobrabilidade dos créditos era já conhecido do SP.

18.            Concluindo-se, assim, não haver fundamentos para afastar a aplicação do regime-regra previsto no art.° 18.° n.º 1 do CIRC.

19.            Não tendo sido demonstrado estarem reunidas as condições estabelecidas no art.° 28.°-B do CIRC para a consideração da imparidade no ano de 2018, propõe-se a não aceitação fiscal do gasto contabilizado nesse ano, de 197.483,46 EUR, nos termos do n.º 1 e 2 do art.° 18.° do mesmo diploma legal, efetuando-se a correspetiva correção ao lucro tributável de IRC desse ano.

 

No exercício do seu direito de audição, prévio à decisão tomada no final do procedimento inspetivo, entre o mais que consta do documento respetivo pode ler-se[3]: (PPA, 20.º a 26.º: PA, pp. 60-61):

(…)

2. No início de 2017 faleceu o gerente da empresa o Sr. D... com a idade de 80 anos. A nova gerência que passou a ser responsabilidade da Sr.ª C..., teve de lidar com esta nova situação e inteirar-se da situação patrimonial da empresa, sendo que alguns assuntos que normalmente como contabilista iria averiguar na altura da elaboração da Prestação de contas se tornaram mais complicados,

3, O encerramento de contas de 2016, revelou um resultado negativo muito elevado, que de acordo com uma análise interna permitiu chegar à conclusão que o Sr. D..., devido ao agravar do estado de saúde, estava a vender produtos com margem brutas reduzidas e que não permitiam fazer face aos custos totais da atividade.

4, A primeira tarefa da nova gerência foi tentar estancar esta situação e voltar a uma situação de lucros, o que aconteceu nesse a seguinte e que felizmente vem acontecendo desde então.

5.  Logo que essa situação ficou estabilizada, foi possível avançar para uma análise das restantes situações deixadas pela anterior gerência, razão pela qual, assim que foi detetada a situação da declaração de insolvência do cliente B... Ida, se procedeu à constituição da imparidade e ao pedido de regularização do IVA,

6.  Efetivamente. aquando da deteção desta situação talvez ainda fosse possível a correção da Modelo 22 de 2014, no entanto como esse período não tinha sido submetido pelo mesmo contabilista e as contas tinham sido responsabilidade de outra gerência, julgo que não seria muito exequível.

7, como é referido ponto 14 do projeto de relatório, o gasto teria sido aceite fiscalmente sem reservas, pelo que no nosso entender não existe efetivo prejuízo para os cofres do Estado, pois se tivéssemos declarado a imparidade em 2014, os resultados fiscais globais entre 2014 e 2018 iriam ser os mesmos.

8. A não aceitação deste deste gasto em 2018 é que configura uma ilegalidade mais grave, pois trata-se de uma duplicação de coleta, uma vez que face á lei já não nos é permitido alterar as declarações de 2014, sendo que as finanças parecem apenas interessadas na vertente da receita fiscal e não na verdade declarativa ou no princípio constitucional da tributação do rendimento real.

9. É referido no ponto 16 do projeto que estes gastos poderiam ser aceites em 2018 se fossem imprevisíveis ou desconhecidos. Pelo que foi explanado, para a nova gerência e para o novo contabilista, estes factos só foram conhecidos em 2018, pelo que estes gastos deveriam ser aceites.

 

No Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) para além do que mais dele consta, pode também ler-se: (PPA 13.º: doc. 3; PA: pp. 12-15)

Analisados os argumentos apresentados pelo SP cumpre referir o seguinte:

 

23. De acordo com o princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18, n.º 2 do CIRC as componentes positivas e negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

24. Desta forma, o registo dos gastos por perdas por imparidade, num período diferente daquele a que deveria ser imputado, viola necessariamente o princípio da especialização dos exercícios.

25. Ora, a ocorrência dos factos relatados era do conhecimento da gerência, pois tratando-se de valores substanciais que se encontravam em mora há alguns anos, e refletindo ativos registados no Balanço cuja expetativa de gerarem fluxos de caixa para a entidade seriam, com o decorrer do tempo, cada vez menores, tal determinaria, face às regras da prudência, o registo de uma imparidade.

26. Chegados ao ano de 2014, com a interposição do processo de insolvência citado, as dificuldades no cumprimento das obrigações por parte do devedor passam não apenas a ser do conhecimento do SP, mas do conhecimento do público em geral.

27. Não podendo o SP alegar desconhecimento ou imprevisibilidade, ainda que apoiado na idade avançada dos órgãos de gestão da sociedade, uma vez que face à possibilidade da insolvência do devedor, os gastos não eram, ou pelo menos não poderiam ser, desconhecidos ou manifestamente imprevisíveis.

28. Daí que não fosse legítima a decisão de imputar os gastos ao ano de 2018.

29. Quanto à alegação de venda de produtos com margens brutas reduzidas que não permitiam fazer face aos custos totais da atividade, no ano de 2016, refira-se que não está em causa o controlo do Lucro Tributável de 2016 nem de 2014 ou 2015.

30. Sendo que as vendas declaradas no ano de 2016 foram efetivamente inferiores às declaradas em 2014 e 2015, mantendo-se constantes as existências iniciais declaradas.

31. Mas ainda assim obteve margens superiores às evidenciadas em 2014:

(…)

 

32. Refira-se que o incumprimento do princípio da especialização coloca em causa o controlo previsto pelo n.º 3 do art.º 17.º do CIRC, que estipula que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística.

33.            Sendo certo que nos termos do n.º 1 do art.º 123.º do CIRC, as sociedades comerciais são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do art.º 17 do CRC, permita o controlo do Lucro Tributável.

34.            Quanto à violação do principio da do rendimento real, uma vez violada a especialização dos exercícios no ano de 2014, resulta necessariamente na violação do princípio da tributação pelo lucro real nesse ano e em todos os anos subsequentes por apuramento de resultados diferentes dos reais, quer por via da não contabilização dos gastos, no ano em causa, quer por via da não dedução de prejuízos que deveriam ser apurados, como também no próprio ano de 2018, ano em que o SP decidiu efetuar o registo desses gastos..

35.            Refira-se que o objetivo das Demonstrações Financeiras é o de proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira de uma entidade que seja útil a um vasto leque de utentes na tomada de decisões económicas (Sistema de Normalização Contabilística - Estrutura Conceptual Parágrafo 12).

36.            Espera-se que estas proporcionem imagem verdadeira e apropriada da posição financeira, fornecida pelo Balanço, e do desempenho, fornecida pelas Demonstrações de Resultados.

(…)

 

42. É o que consta da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (NCRF).

43.            Veja-se a este respeito a decisão proferida no Acórdão n.º 442/2017-T do CAAD, consultável em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_irc=1&s_processo=442&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=3186

 (…)

 

Por tudo o exposto, não tendo a imparidade sido registada no respeito por esse princípio da especialização dos exercícios, propõe-se a manutenção da correção proposta no projeto de relatório que antecedeu este relatório, nos termos e com os fundamentos que constam, nomeadamente, do Capítulo III deste documento.

(…)

 

A proposta de correção constante do RIT obteve parecer concordante do Chefe de Equipa e despacho de concordância do Chefe de Divisão, que foram notificados à Requerente por ofício de 18-11-2021, onde consta a referência “A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.”. (PPA 10.º: doc. 3; PA: pp. 4-5 e 34)

Na sequência de inspeção tributária e do despacho a que se refere o item anterior, com vista às correções à matéria tributável de IRC de 2018, foram emitidas a demonstração de liquidação de IRC n.º 2022 ..., as demonstrações de liquidação de juros n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., e a demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., de onde resultou um valor a pagar de 48.286,24 €, com data-limite de pagamento em 2022-04-04. (PPA 12.º: docs. 4, 5 e 6)

Por não concordar com as liquidações emitidas pela AT referenciadas no item anterior, a Requerente apresentou reclamação graciosa em 01-09-2022 (PPA, 15; PA, p. 64-85).

A reclamação graciosa foi indeferida pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de delegação de competências, depois de apreciados os argumentos apresentados pela Requerente em sede de audição prévia e notificada à Ilustre mandatária da Requerente por ofício de 15-12-2022 (PPA, 16.º, doc. 1; PA, pp. 168-199).

Na informação dos Serviços da Divisão de Justiça da Direção de Finanças de Braga, que contém os fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa, pode ler-se, para além de tudo o mais que consta desse documento: (PPA, 16.º: doc. 1; PPA, pp.171-173):

2.1.1. DESCRIÇÃO DOS FACTOS

(…)

3) Dos elementos remetidos pelo SP a estes serviços, verifica-se que, no ano de 2018, foi registado como gasto na conta 6511 (perdas por imparidades em dívidas a receber) por contrapartida da conta 219100848 (perdas por imparidades acumuladas, dívidas de clientes, B... Lda) o valor de 197.483,46 EUR (Anexo 2 - Extrato da conta 6511 e Anexo 3 - Mapa de Imparidades).

4) Este montante, evidenciado a 2018-12-31 como um crédito de cobrança duvidosa na conta 21710848 (Anexo 4 - Extrato de conta 217 Clientes de cobrança duvidosa), diz respeito a faturas emitidas pelo SP ao cliente B... Lda, NIF ..., nos anos de 2010, 2011 e 2012 (Anexo 5 -Lista de faturas emitidas a  B... Lda).

5) Tendo em conta que as IES apresentadas pelo SP e relativas aos anos de 2011 a 2017 nunca evidenciaram, no quadro 05282-A, quaisquer valores respeitantes a créditos de cobrança duvidosa, e que no ano de 2018 foi evidenciado, no mesmo quadro, o valor de 339.831,06 EUR relativo a créditos de cobrança duvidosa em mora há mais de 24 meses, foi o SP questionado acerca do motivo pelo qual nos anos anteriores a 2018 não foram registadas quaisquer perdas por imparidade.

6) Em resposta ao solicitado, foram prestadas as seguintes informações: relativamente às imparidades acumuladas de 339.831,06€ existentes no final de 2018, no início de 2018 o valor existente era de 142.347,60€, valor que já existia em 2015, data em que passei a ser o contabilista da empresa, de qualquer das formas o valor inicial está devidamente separado por cliente na contabilidade e no mapa de imparidades que envio em anexo (Anexo 6).

7) Questionado acerca da justificação da mora, dos créditos sujeitos a registo de imparidade há mais de 24 meses, e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, foi referido o seguinte: a imparidade reconhecida em 2018, diz respeito a apenas um cliente, cujo processo envio em anexo (provando as diligências efetuadas) e sobre o qual foi solicitada a certificação dos créditos para efeitos de recuperação do IVA, que apenas foi concretizada em 2019 (Anexo 6).

8) O processo em causa, referido pelo SP, corresponde ao processo de insolvência n.º .../14...TYVNG do devedor B... Lda, NIF..., cuja declaração de insolvência foi proferida no ano de 2014 (Anexo 7 - Publicidade da sentença de declaração de Insolvência).

2.1.2. ANÁLISE DOS FACTOS E ENQUADRAMENTO FISCAL

9) Como resulta da factualidade anteriormente descrita, o SP registou como perdas por imparidades, no ano de 2018, o valor de 197.483,46 EUR, relativo a créditos de faturas emitidas nos anos de 2010, 2011 e 2012 em razão da existência de um processo de insolvência do devedor B... Lda, NIF ..., cuja sentença de declaração de insolvência foi proferida a 2014-10-07 (Anexo 7 - Publicidade da sentença de declaração de Insolvência).

10) Não consta evidenciado nas declarações IES apresentadas pelo SP, relativas aos anos de 2012 e 2013, quaisquer evidencias de constituição de imparidades, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 36.º do CIRC, atual alínea c) do n.º 1 e n.º 2, do art.º 28.º-B do CIRC.

11) Sendo certo que, quando questionado acerca das diligências efetuadas para a cobrança do crédito, apenas foi apontado o processo de insolvência, não tendo sido apresentadas outras diligências efetuadas nos anos subsequentes à emissão das faturas.

12) Não obstante, também no ano de 2014, data em que foi proferida a sentença de declaração de insolvência do devedor, não foi reconhecido o risco de incobrabilidade dos créditos, não tendo sido evidenciada na contabilidade qualquer imparidade.

13) Sendo certo que, face a este acontecimento, haveriam indícios sérios e objetivos, expressamente previstos na lei, do risco de incobrabilidade dos créditos, que permitiriam a constituição da imparidade, nesse mesmo ano de 2014.

14) A qual seria aceite fiscalmente face à alínea a), do n.º 1, do art.º 28.º-B do CIRC.

15) Por força do princípio da especialização dos exercícios, previsto no art.º 18.º do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento.

16) Prevendo a lei apenas uma exceção para o incumprimento deste princípio, no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC: as componentes positivas ou negativas serem, à data do encerramento das contas, imprevisíveis ou desconhecidas.

17) Tal conclusão não pode ser depreendida do caso em análise, pois no ano de 2014, data em que foi proferida a sentença de insolvência do devedor, o risco de incobrabilidade dos créditos era já conhecido do SP.

18) Concluindo-se, assim, não haver fundamentos para afastar a aplicação do regime-regra previsto no art.º 18.º n.º 1 do CIRC.

19) Não tendo sido demonstrado estarem reunidas as condições estabelecidas no art.º 28.º-B do CIRC para a consideração da imparidade no ano de 2018, propõe-se a não aceitação fiscal do gasto contabilizado nesse ano, de 197.483,46 EUR, nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 18.º do mesmo diploma legal, efetuando-se a correspetiva correção ao lucro tributável de IRC desse ano.

 

Em 28-09-2015 os credores da massa insolvente de B..., Lda. foram citados por edital para contestarem ação para verificação ulterior de créditos nos autos de falência, proposta por E... e outro (PPA, 22.º: doc. 7).

A sentença de graduação e verificação de créditos da insolvente B... Lda. foi proferida em 19-02-2017 e transitou em julgado em 27-03-2017 e nesse processo foram reconhecidos créditos no valor de 256.087,69 € e até 04-09-2019 a Requerente não recebeu qualquer parte desse valor e o anúncio do encerramento do processo de insolvência está datado de 16-07-2019. (PPA, 27.º e 32.º, docs. 8 e 9).

A documentação que ilustra a insolvência de B... e os seus termos, foi emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto em 07-05-2019 (PPA, 28.º: doc. 8; PA, p. 110).

A Requerida fez refletir nas contas de 2018 a imparidade (PPA, 30.º e 31.º; PA, p. 10).

Em 01-02-2017 D... cessou funções de gerente, que ocupava desde data anterior a 06-05-2005 da Requerente por óbito e, em 14-12-2006 foi designada gerente da Requerente C... e em 24-03-2017 foi nomeado gerente da Requerente F... (PPA, 34.º, 35.º e 37.º: doc. 10)

Em 11-07-2015, o técnico oficial de contas da Requerente tinha o NIF ... e pelo menos a partir de 06-07-2016 e certamente em 2018 passou a exercer funções de contabilista certificado da Requerente, G..., NIF ... (PPA, 39.º, doc. 3, p. 7, doc. 11 e doc. 12; PA, p. 9).

Só em 07-05-2019 a Requerente tomou conhecimento de que a sentença de graduação e verificação de créditos havia transitado em julgado e que nenhum valor lhe havia sido pago no rateio final (28.º PPA: doc. 8).

Apenas em 07-05-2019 a Requerente constatou que não iria obter o pagamento do seu crédito no processo de insolvência. (29.º PPA).

A Requerente teve resultado líquido positivo em 2014 no valor de 10.710,50 € (PPA, 40.º, doc. 11)

A Requerente teve resultado líquido positivo em 2015 no valor de 45.280,43 € . (PPA, 41.º, doc. 12)

A Requerente teve resultado líquido positivo em 2017 no valor de 92.674,93€. (PPA, 42.º, doc. 13)

A Requerente teve resultado líquido positivo em 2018 no valor de 5.589,49€, (PPA, 43.º, doc. 14).

A Requerente pagou em 01-04-2022 o valor de 48.286,24 €, que corresponde ao valor apurado na demonstração de acerto de contas elaborada pela AT e que lhe foi notificada, contemplando a demonstração de liquidação de IRC n.º 2022..., as demonstrações de liquidação de juros n.º 2022 ... e n.º 2022..., e a demonstração de acerto de contas n.º 2022 ...  (PPA, 107.º, docs. 4, 5, 6 e 15).

 

  1. Matéria de facto não provada

Não existem alegações de facto relevantes para a decisão da causa que se considerem que não foram provadas.

 

  1. Fundamentação da seleção da matéria de facto

Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Os factos dados como provados resultaram do confronto da posição manifestada relativamente a cada facto pelas Partes e da apreciação da prova documental, o que foi feito com base nas regras da experiência, da normalidade e da racionalidade, em conformidade com o previsto no artigo 16.º, alínea e) do RJAT, bem como no artigo 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, das quais resulta que o julgador apreciará livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. A prova documental encontra-se identificada relativamente a cada facto, junto ao seu relacionamento. A prova testemunhal promovida pela Requerente foi, aliás, consonante com os factos constantes da documentação e útil para entendimento do contexto em que foram realizados os gastos sub judicio.

Cabe fazer especial referência aos factos elencados em P. e Q. da matéria assente. Sobre este tema – o momento do conhecimento da perda total do crédito – há que considerar as seguintes especificidades: (i) por um lado a AT não contesta claramente esta versão e se bem se entende a sua posição, a oposição da AT não recai diretamente sobre o facto mas sobre a sua eficácia jurídica, quer dizer, na ótica da AT é irrelevante saber se foi em 2019 ou noutro momento que a Requerente se consciencializou da incobrabilidade do seu crédito, pois esse sinal já havia sido dado em 2014, com a sentença da falência; (ii) por outro lado, a prova testemunhal neste aspeto aponta no sentido de terem sido desvalorizados os sinais da perda do crédito, por existirem informações da sua recuperabilidade; (iii) a prova documental, constituída por certidão judicial, está efetivamente datada de 07-05-2019 e o documento é em regra a base do facto contabilístico. A regra de experiência do Tribunal, sem que haja qualquer indício de sentido contrário leva-o efetivamente a crer que só o conhecimento da decisão judicial do rateio e encerramento do processo, criou na Requerente a certeza da perda total e irreversível do seu crédito.

 

  1. Fundamentação – matéria de direito
    1. O objeto do litígio e a posição das partes

Constitui objeto do litígio determinar se as imparidades de créditos gerados em 2014 e mais tarde considerados incobráveis na totalidade, em processo de insolvência do devedor cujo encerramento foi anunciado em 16-07-2019, podem ser consideradas na sua totalidade pela Requerente no exercício de 2018.

Na interpretação do regime aplicável veiculada na Resposta da AT (“R-AT”) “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, por força do princípio da especialização dos exercícios, sendo que a imputação ao período de tributação de componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só deverá ocorrer quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, conforme dispõe o n.º 2 da norma referida acima.” (15.º da R-AT). Nessa linha a AT sustenta que a contabilização e o tratamento fiscal desse registo feito pela Requerente viola nas normas dos artigos 18.º, 28.º-A, n.º 1, alínea a) e 28.º-B do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), que na sua ótica constituem normas para “retificar fiscalmente a constituição de perdas por imparidade, que evitam, diminuem ou adiam a tributação (violando o princípio da especialização dos exercícios e o disposto no art.º 18.º, n.º 1, do CIRC)” ( 10.º da R-AT). No seu entender, nas normas citadas “A lei fixa, taxativamente, as perdas por imparidade aceites como gasto em termos fiscais, pelo que, assim sendo, não encontram enquadramento legal os argumentos apresentados pelo SP” (16.º da R-AT), tanto mais que “(…) o risco de incobrabilidade do crédito era, com o devido respeito, por demais evidente no exercício de 2014, perante a sentença de insolvência do devedor, não havendo nenhum dado objetivo que pudesse justificar o reconhecimento da perda por imparidade apenas no exercício de 2018 (…)”. Invoca ainda em favor do seu ponto de vista, o desrespeito pelas normas de contabilidade que a Requerente está obrigada a observar, em especial a conjugação do princípio da prudência com o princípio da periodização económica, que conduz a que as perdas por imparidade sejam registadas assim que haja sinal nesse sentido.

Seguindo esta linha interpretativa a AT liquidou adicionalmente a correspondente correção ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2018.

Por seu lado, a Requerente não se conforma com essa liquidação de imposto e de juros, porque considera que esta viola a melhor interpretação das normas jurídicas aplicáveis, que são não só as citadas regras que regulam a periodização dos exercícios e o tema das imparidades, mas também a sua conformação com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça, da tributação das empresas pelo lucro real e de acordo com a sua capacidade contributiva, que constam do artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e com as linhas orientadoras do sistema fiscal que proclamam os mesmos princípios para o procedimento tributário em particular, no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), (PPA, 69.º, 78.º e 80.º). Considera ainda que os atos tributários padecem do vício de fundamentação (PPA, 93.º), porque “não se encontram devidamente fundamentadas, apresentando traços caraterísticos de uma manifestação de arbítrio, refugiando-se na forma sem atender à substância” e que é “insuficiente [a] fundamentação das correções efetuadas para efeitos de IRC do ano de 2018”.

 

  1. A solução jurídica

O direito especialmente aplicável tem efetivamente assento no artigo seguinte do CIRC[4], que se reproduz[5]:

Artigo 18.º - Periodização do lucro tributável

1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)

Há ainda que referir o tratamento contabilístico que a Comissão de Normalização Contabilística prevê para estas situações na sua Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (“NCRF 17”), relativa a instrumentos financeiros[6], que regula, com especial interesse, a contabilização, prescrevendo, relativamente a créditos próprios do negócio da empresa sobre clientes, nas perspetivas de reconhecimento (quando deve ser reconhecido o crédito), mensuração (em que quantitativo devem ser registados em cada data de relato) e relativamente a imparidade nas perspetivas de reconhecimento (quando deve ser reconhecida a imparidade) e mensuração (em que quantitativo devem ser registadas as perdas por imparidade).

Desta norma contabilística enquanto fonte de obrigações para o contribuinte credor (e não exatamente como documento técnico), que é o caso da Requerente, é possível reter que o objetivo da norma não tem qualquer escopo fiscal, ela “prescreve[r] o tratamento contabilístico dos instrumentos financeiros e respectivos requisitos de apresentação e divulgação.” (parágrafo 1) e “deve ser aplicada no reconhecimento, mensuração e divulgação de instrumentos financeiros.” (parágrafo 2). Nas suas definições e com interesse, a NCRF 27 define como ativo financeiro “dinheiro” ou “um direito contratual”, como instrumento financeiro “um contrato que dá origem a um activo financeiro numa entidade e a um passivo financeiro (…) noutra entidade.”.

Na ótica do procedimento a NCRF 27 afirma que todos os ativos e passivos financeiros são mensurados, em cada data de relato “ao custo ou custo amortizado menos qualquer perda por imparidade” (parágrafo 11-a), por remissão dos seus parágrafos 13, e 14, que consideram como exemplo[7] de instrumentos que são mensurados ao custo ou ao custo amortizado “Clientes e outras contas a receber ou pagar”. A NCRF 27 refere ainda que à data de cada período de relato financeiro, uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os activos financeiros e se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados (§23). Embora no seu parágrafo 24 a NCRF 27 identifique diversas situações em que deve ser ponderado o risco de imparidade, estas vão da “significativa dificuldade financeira do devedor” até tornar-se “provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira”. No seu parágrafo 25 esta NCRF deixa expresso que outros factores poderão igualmente evidenciar imparidade, incluindo alterações significativas no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que o emitente opere.

Não pondo em causa a validade e correção técnica da redação destes preceitos, não é seguro que contenham em si, de modo inequívoco, a estrutura de previsão – estatuição, típica das normas jurídicas. Note-se que o ponto de partida para registar determinada imparidade é o juízo do gestor, que deve avaliar a imparidade. Embora a NCRF 27 não deixe de enumerar indícios e até exemplos (técnica pouco ortodoxa na formulação de normas jurídicas, convenhamos), ela não explicita qual é o padrão intelectivo que o gestor deve afinal seguir. Veja-se, no direito, a situação paradigmática da avaliação do comportamento devido perante a responsabilidade civil, o nexo intelectivo que liga o agente ao comportamento, que o direito qualifica como conduta adequada, negligente ou dolosa. A este propósito a norma do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil regula que “a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.”.  É dispensável trazer aqui a densificação destes conceitos, que a doutrina civilista tem tratado até à exaustão.

Indague-se agora se é possível apurar qual o padrão que o gestor prestador de contas deve observar na avaliação que deve fazer sobre a existência de imparidade em determinado crédito de cliente.

As normas que estabelecem a organização da contabilidade na União Europeia têm assento no Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão de 3 de novembro de 2008 que adota determinadas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho. Da sua consulta resulta efetivamente que na Estrutura Conceptual das demonstrações financeiras consta o princípio da contabilidade em regime de acréscimo (§27) (ou da periodização económica), como afirma a AT, mas antes desse princípio há que observar o princípio da Continuidade, que é indissociável do conceito de empresa e de sociedade comercial, meio por excelência da atividade comercial moderna[8], que nos termos do Regulamento citado (§25 e §26) significa:

Continuidade

25 - Aquando da preparação de demonstrações financeiras, a gerência deve fazer uma avaliação da capacidade de uma entidade de prosseguir como uma entidade em continuidade. Uma entidade deve preparar demonstrações financeiras numa base de continuidade, a menos que a gerência pretenda liquidar a entidade ou cessar de negociar, ou não tenha alternativa realista senão fazê-lo. Quando a gerência estiver consciente, ao fazer a sua avaliação, de incertezas materiais relacionadas com acontecimentos ou condições que possam lançar dúvidas significativas acerca da capacidade da entidade de prosseguir como uma entidade em continuidade, a entidade deve divulgar essas incertezas. Quando uma entidade não preparar demonstrações financeiras numa base de continuidade, esse facto deve ser divulgado, juntamente com as bases pelas quais as demonstrações financeiras foram preparadas e a razão por que a entidade não é considerada como estando em continuidade.

 

26 - Ao avaliar se o pressuposto de entidade em continuidade é apropriado, a gerência toma em consideração toda a informação disponível sobre o futuro, que é pelo menos de, mas não se limita a, doze meses a partir do fim do período de relato. O grau de consideração depende dos factos de cada caso. Quando uma entidade tiver uma história de operações lucrativas e acesso pronto a recursos financeiros, a entidade pode chegar à conclusão, sem uma análise pormenorizada, de que a base de contabilidade da entidade em continuidade é apropriada. Noutros casos, a gerência pode necessitar de considerar um vasto leque de fatores relacionados com a rentabilidade corrente e esperada, esquemas de reembolso de dívidas e potenciais fontes de financiamentos de substituição para que ela própria possa estar satisfeita de que a base da empresa em continuidade é apropriada.

Como é evidente o fenómeno empresarial assenta na sua continuidade; a generalidade das empresas é criada e existe para desenvolver a sua atividade para o futuro, com duração indeterminada. As demonstrações financeiras são um elemento essencial que permite às Autoridades de todos os setores, aos stakeholders e ao público em geral conhecerem os resultados dessa atividade e a robustez da sua situação e para isso os seus gestores dirigem a preparação das demonstrações financeiras, que são a síntese dos registos contabilísticos, assumindo a sua responsabilidade pela respetiva autenticidade. É o princípio da continuidade que marca de forma indelével toda a orientação da empresa. Como se pode ler do citado princípio enformador “a gerência deve fazer uma avaliação da capacidade de uma entidade de prosseguir”. E deve fazê-lo de modo consciente, i.e. de acordo com a sua prudente consciência, e “avaliar incertezas materiais relacionadas com acontecimentos ou condições que possam lançar dúvidas significativas acerca da capacidade da entidade” e para isso não tem em consideração o curto prazo de um ano; “a gerência toma em consideração toda a informação disponível sobre o futuro, que é pelo menos de, mas não se limita a, doze meses a partir do fim do período de relato. O grau de consideração depende dos factos de cada caso. E para fazer esse juízo a “gerência pode necessitar de considerar um vasto leque de factores relacionados com a rentabilidade corrente e esperada, esquemas de reembolso de dívidas e potenciais fontes de financiamentos de substituição para que ela própria possa estar satisfeita de que a base da empresa em continuidade é apropriada.”. Em síntese, o princípio da continuidade deixa à prudente avaliação dos seus gestores o juízo da sua continuidade face a todos os dados que têm no seu registo e no seu conhecimento.

Não se vê como entender as normas contabilísticas e de relato financeiro enquanto fontes de direito, capazes de integrar uma interpretação de norma de incidência, seguindo esta formulação do princípio da continuidade. As regras de contabilidade são sem dúvida normas obrigatórias quanto à forma de organizar a contabilidade e de elaborar as demonstrações financeiras e poderão até gerar ilícitos pelo seu incumprimento. Mas os impostos não são sanções por falha no cumprimento de diretrizes contabilísticas. Seria fastidioso explicar nesta sede a natureza de imposto, tal é a naturalidade com que ela é entendida pelos membros da nossa sociedade. Em termos populares, que não andam longe da dogmática jurídica, imposto é a contribuição dos cidadãos para os gastos comuns da sociedade de que são membros. Multas e coimas não são impostos e, estas sim, destinam-se a atingir objetivos corretivos dos comportamentos em sociedade, de punição, de prevenção geral e de prevenção especial dos comportamentos que forem censuráveis. Aliás, o Sistema de Normalização Contabilística aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho é bem claro no seu artigo 14.º, na estatuição das sanções por irregularidades no registo contabilístico, como ilícitos de mera ordenação social, nos seguintes termos:

Artigo 14.º - Ilícitos de mera ordenação social

1 - A entidade sujeita ao SNC que não aplique qualquer das disposições constantes nas normas contabilísticas e ou de relato financeiro cuja aplicação lhe seja exigível e que distorça com tal prática as demonstrações financeiras individuais ou consolidadas que seja, por lei, obrigada a apresentar, é punida com coima de (euro) 1500 a (euro) 30 000.

2 - A entidade sujeita ao SNC que efetue a supressão de lacunas de modo diverso do aí previsto e que distorça com tal prática as demonstrações financeiras individuais ou consolidadas que seja, por lei, obrigada a apresentar, é punida com coima de (euro) 1500 a (euro) 30 000.

3 - A entidade sujeita ao SNC que não apresente qualquer das demonstrações financeiras que seja, por lei, obrigada a apresentar, é punida com coima de (euro) 1500 a (euro) 30 000.

4 - A falta de elaboração, publicação ou disponibilização no sítio Web, nos termos previstos no artigo 11.º-G, do relatório de informações relativas ao imposto sobre o rendimento, ou, quando aplicável, da declaração a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º-B e a alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º-C, é punível com coima de (euro) 1500 a (euro) 30 000.

5 - Caso as infracções referidas nos números anteriores sejam praticadas a título de negligência, as coimas são reduzidas a metade.

6 - Na graduação da coima são tidos em conta os valores dos capitais próprios ou dos fundos patrimoniais e do total de rendimentos das entidades, os valores associados à infração e a condição económica dos infratores.

7 - A organização do processo e a decisão sobre aplicação da coima competem ao presidente da Comissão de Normalização Contabilística, com possibilidade de delegação.

8 - O produto das coimas reverte nas seguintes proporções:

a) 60 % para o Estado;

b) 40 % para a Comissão de Normalização Contabilística.

9 - Aos ilícitos de mera ordenação social previstos no presente decreto-lei é subsidiariamente aplicável o regime geral do ilícito de mera ordenação social.

E seguindo o mesmo diapasão, o Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) é também claro ao estabelecer a responsabilidade dos gestores perante os credores sociais, pela falta de cumprimento das disposições destinadas à sua proteção, entre elas a publicidade e regularidade das demonstrações financeiras (artigos 65.º e 78.º, n.º 1 do CSC) e perante todos os stakeholders (artigo 79.º do CSC), na sucessão do que já estabelecia o Código Comercial de 1888 no seu artigo 173.º. No campo sancionatório, também o CSC expressa a sua censura à apresentação de contas falsas ou fraudulentas, nos seguintes termos:

TÍTULO VII - Disposições penais

(…)

Artigo 519.º-A - Apresentação de contas adulteradas ou fraudulentas

O gerente ou administrador que, em violação dos deveres previstos no artigo 65.º, intencionalmente apresentar, para apreciação ou deliberação, documentos ou elementos que sirvam de base à prestação de contas falsos ou adulterados é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

 

De modo muito diferente das sanções, que traduzem a censura social, os impostos contêm em si um nexo de solidariedade entre cada cidadão e a sua sociedade. É por isso mediata a força das normas contabilísticas, que não são aptas para constituir diretamente relações jurídico-tributárias, mas apenas para retratar tecnicamente determinada realidade, de acordo com um protocolo técnico. Claro que a realidade contabilística pode constituir ou não constituir uma realidade tributária, quer dizer, pode constituir um facto tributário, mas não o é necessariamente. Para constituir relações jurídico-tributárias são necessários factos tributários, como estipula o artigo 36.º, n.º1 da LGT e só no âmbito da relação jurídica tributária é que as normas de incidência têm campo de aplicação.

A relação entre o direito e a contabilidade tem vindo a evoluir, com dá conta Joaquim Freitas da Rocha[9] mas a inclusão das regras de contabilidade entre as fontes de direito, padece ainda de “patologias”, como a ausência de elemento “sistemático”, que é fruto da pulverização legislativa, da juridificação de normas técnicas e “o processo de globalização financeira [que] traz assumido um incremento de importância dos IAS e IFRS, contribuindo para a desestadualização da regulação jurídica e, por essa via, para a sua disseminação e espalhamento por diversíssimas fontes. Será certo que as diferentes normas se encontram unitariamente interligadas por valores comuns (…) mas, não obstante, a dispersão acaba por introduzir perturbação, alguma desordem, quando se trata de considerar a compatibilização das mesmas entre si.”. Freitas da Rocha faz ainda notar que para promoção das regras de contabilidade a verdadeiras normas jurídicas, “não podem ser negligenciados os problemas relacionados com a publicidade das normas objeto de reenvio (normas reenviadas), as quais não estão muitas vezes sujeitas a publicação oficial, o que poderá implicar problemas de inconstitucionalidade da norma reenviante por violação do princípio constitucional da segurança jurídica e proteção da confiança”.

A caracterização das regras de contabilidade como soft law aparece também na moderna e Ilustre jurisprudência nacional, como se alcança do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 04-07-2018 [Ascensão Lopes], no processo 01432/17, onde se sumariou:

I - Por força do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento.

II - Todavia, como também explicita o n.º 2 desse artigo 18.º, as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis a esse período de tributação quando na data de encerramento das contas do exercício a que respeitam eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

III - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar a indispensabilidade de um gasto (cfr. artigo 23.º do Código do IRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

(…)

Ainda mais recentemente o STA, por acórdão de 27-10-2021 [Pedro Vergueiro], no processo 0610/15.1BELRA, reiterou esse entendimento e sumariou:

I - O princípio constitucional da tributação do rendimento empresarial pelo lucro real, que está na base do princípio da dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, determina ou conduz a soluções diferentes conforme se trate de externalizar de forma padronizada (tendo em vista a comparabilidade) a situação financeira de uma entidade económica (a empresa) – sendo essa a finalidade a que se destinam as normas de contabilidade e relato; ou antes de apurar o rendimento líquido do exercício, ou seja, aquilo que expressa a efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo.

(…)

E tanto assim é que os impostos são sempre criados por lei, por disposição da Constituição (artigo 103.º, n.º 2). Mas não é assim para as normas técnicas de contabilidade, que continuam a existir e são de acesso mais ou menos fácil para os técnicos da especialidade, mas não estão ao alcance de todos os cidadãos e essa é uma característica imperativa do Estado de Direito: a divulgação universal da lei (artigo 119.º, n.º 2 da CRP).

o0o

Excluídas as normas técnicas de contabilidade enquanto fonte de direito, importa interpretar as normas jurídicas e averiguar que contributos existem para determinar quando podem afinal ser consideradas gastos, as perdas por imparidades de créditos, considerados incobráveis em processo de falência[10] ou de insolvência, para efeitos fiscais. Duas soluções se perfilam: (i) seguindo rigorosamente o sistema de informação contabilística da empresa, que consagra o progressivo registo de imparidades em função da dúvida na possibilidade da sua cobrança; (ii) quando o gestor-contribuinte-credor esgota objetivamente a possibilidade de recebimento do seu crédito.

Seguindo Bernardo de Castro[11] crê-se que a ausência de contradições na ordem jurídica impõe que a atividade interpretativa da lei seja sempre feita em conformidade com a Constituição, sobretudo pelos tribunais, praticando o que Cristina Queirós[12] denomina de “interpretação generalizadora orientada pela Constituição em sentido amplo”. Trata-se, no fundo, de cada tribunal assumir a tarefa de integrar a realidade no processo hermenêutico e não a tarefa que cabe exclusivamente ao Tribunal Constitucional, de averiguar e declarar se determinada interpretação, de determinada norma, cumpre com o parâmetro constitucional, i.e., saber se a norma, possuindo mais do que uma interpretação possível, deve adotar-se uma delas, por ser “conforme à Constituição”. É assim que Cristina Queirós situa a “interpretação generalizadora orientada pela Constituição em sentido amplo” “no campo da interpretação jurídica”, que fica aquém do processo de controle de normas que, em última instância, é atividade reservada ao Tribunal Constitucional.

De acordo com Bernardo de Castro “Assim, a sensibilidade do intérprete à realidade e à esfera pública constituirá um factor de legitimação das decisões por este tomadas e, outrossim, o reconhecimento do facto que a Constituição evolui e experiência fenómenos de mutação, não se quedando estagnada no tempo.”

Parece aliás, que o pensamento que se acabou de referir, não é muito mais do que a amplificação da metodologia que o ordenamento infra constitucional já disciplinava desde 1966, na norma do artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, quando afirma  que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” (o sublinhado é da autoria do subscritor deste texto). Dito de outro modo, a unidade do sistema jurídico compreende não só as normas das leis, mas também aquelas que compõem a CRP, cabendo ao julgador enquanto intérprete, fazer as necessárias operações intelectivas de integração.

A interpretação conjunta das duas disposições basilares que constam do artigo 18.º, leva a concluir que por via de regra as componentes positivas ou negativas de formação do lucro tributável devem ser imputadas ao exercício económico em que foram geradas (n.º 1), exceto aquelas que, sendo temporalmente geradas em períodos anteriores, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas no momento do encerramento do exercício em que deveriam ter sido consideradas, podendo sê-lo em exercício posterior (n.º 2).

A periodização ou anualização tem mais a natureza de princípio do que de norma, tal é a variabilidade que o seu contorno contém. A demonstrar que o princípio da periodização que consta no n.º 1 citado tem natureza geral ou de “princípio”, está desde logo a abertura da sua amplitude feita no n.º 2 e a regra que consta do artigo 52.º, n.º 1 do CIRC, que afirma que os prejuízos fiscais, que mais não são do que o resultado negativo do exercício, podem ser deduzidos aos lucros tributáveis de um ou mais períodos posteriores, ainda que com determinados limites. Quer dizer, a tributação que o CIRC impõe não é exatamente aquela que resulta do exercício em causa, mas aquela que resulta desse exercício, eventualmente deduzida de prejuízos registados em exercícios anteriores. Para além destra estrutura de cálculo elementar, em que base de incidência do imposto é igual ao resultado do ano menos prejuízos de exercícios anteriores, o CIRC, na sua redação atual, que se crê ser aquela que melhor espelha a racionalidade normativa e é por isso relevante para entender o sistema, dispõe sobre outras situações em que o princípio da periodização é maleabilizado, como, aliás, é próprio dos princípios enquanto conceito e os diferencia dogmaticamente das normas[13]. Entre outras situações em que o princípio da periodização é harmonizado podem ver-se os rendimentos resultantes de contratos de construção de caráter plurianual (18.º-3-c), as obras por conta própria vendidas fracionadamente (18.º-6); os gastos das explorações silvícolas plurianuais, que são apurados, de acordo com o ciclo de produção natural, mas que são alvo de atualização fixada administrativamente (18.º-7), entre outras. Em qualquer caso importa não esquecer que o princípio comporta sempre a flexibilização contida no artigo 18.º, n.º 2: não podem obedecer ao princípio da periodização tout court, as componentes que na data do encerramento do exercício eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

Entre as situações imprevisíveis no encerramento de cada exercício encontram-se certamente todos os créditos de cada sujeito passivo que, embora tenham sido considerados seu rendimento, evidenciado na demonstração de resultados, e receita que ainda não tenha sido recebida, i.e., que não tenha sido objeto de pagamento, evidenciada no balanço, em Ativo corrente, Outras contas a receber[14], consubstanciando a soma algébrica dos saldos da conta 21 – Contas a receber, subconta 2111 – Clientes Gerais[15], venha mais tarde a verificar-se total ou parcialmente incobrável. É uma vicissitude que não é incomum em todos os negócios onde se vende a crédito e que tem obviamente tratamento a nível contabilístico puro e também na ótica tributária da contabilidade.

A este propósito as normas dos artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC regulam nos seguintes termos, redação que está em vigor, desde que a Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro republicou o Código:

Artigo 28.º-A - Perdas por imparidade em dívidas a receber

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

  1. As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

(…)

Artigo 28.º-B - Perdas por imparidade em créditos

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

 

Tendo presente que a interpretação das normas, incluindo as fiscais deve ter sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (artigo 11.º, n.º 1 da LGT e 9.º, n.º 1 do Código Civil), importa ver como é que o sistema é configurado ao nível constitucional e os contributos da doutrina e da jurisprudência.

A CRP afirma no seu artigo 104.º, n.º 2 da que o IRC incide sobre o lucro real das empresas, o que leva desde logo a ponderar a abertura do tempo em que podem ser consideradas as imparidades, cujo reconhecimento deve situar-se nos limites do princípio da continuidade, que deixa à prudente avaliação dos gestores o juízo da sua continuidade face a todos os dados que tem no seu registo e no seu conhecimento. É que sendo os prejuízos reportáveis para os exercícios subsequentes, de acordo com as normas do artigo 52.º, n.º 1 do CIRC, que afirma que os prejuízos fiscais, que mais não são do que o resultado negativo do exercício, podem ser deduzidos aos lucros tributáveis de um ou mais períodos posteriores, ainda que com determinados limites, será mais ou menos indiferente, na generalidade dos casos, reconhecer a imparidade mais cedo e gerar logo um resultado negativo, passível de reporte para os anos seguintes, ou, havendo perspetivas do gestor em conseguir a recuperação do crédito, mantê-lo “vivo” e apurar resultado de maior valor.

Também ao nível constitucional há que ter em conta o preceito que consta do artigo 266.º, n.º 2, que exige que a Administração atue em obediência ao princípio da justiça, quer dizer, que não adote prática, mesmo que suportada na letra da lei, que conduza a situação injusta para o cidadão.

A tónica que resulta dos preceitos constitucionais é assim de aceitar conciliação entre os valores em presença, que se manifestam pelo princípio da periodização, que trata as imparidades de forma perfeitamente calendarizada e aritmética, o princípio da continuidade, que deixa à prudente avaliação dos seus gestores o juízo da continuidade das situações que compõem o acervo patrimonial da empresa, face a todos os dados que tem no seu registo e no seu conhecimento, com os ditames constitucionais de atingir uma solução justa, que não se afaste do princípio da tributação das empresas pelo seu lucro real.

O tema do “Tratamento Fiscal dos Custos e Proveitos de Exercícios Anteriores” desde há muito que mereceu atenção da doutrina. António Joaquim Carvalho et ali[16], reconhecendo que a existência de custos de exercícios anteriores é muitas vezes “alheia à vontade das pessoas que superintendem na relevação contabilística”, conclui que a correção sistemática pela Administração Fiscal, expurgando dos resultados do exercício, o efeito provocado pela inclusão de custos de exercícios anteriores, tem sido contestada por ser demasiado rígida, porque em muitos casos essas práticas não resultam de um deliberado atropelo ao princípio da especialização dos exercícios, havendo que flexibilizar a prática da Administração, sem prejuízo da salvaguarda dos interesses do Fisco. Propõe por isso que a prática a adotar seja a de (i) não aceitar os custos de exercícios anteriores que resultem de omissão voluntária ou intencional, no sentido de beneficiar do adiamento na consideração desses gastos; (ii) nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores. Esta doutrina implica assim que os gastos de exercícios anteriores que o contribuinte tenha considerado no exercício em causa não deverão ser corrigidos, quando não haja omissão voluntária ou intencional, no intuito de prejudicar a Fazenda Pública[17]. No mesmo sentido pode ver-se Diogo Leite de Campos et ali. [18] que acolhem a tese a que se fez referência.

Em sentido coincidente têm-se pronunciado a jurisprudência de forma consistente, como se dá nota seguidamente. Fez-se já referência ao acórdão do STA de 27-10-2021, no processo n.º 0610/15.1BELRA onde se deixou claro que “o princípio da justiça deve ser interpretado e aplicado como elemento integrador da norma da periodização do lucro tributável, no sentido de garantir a sua efectividade, resultando daí, para a Administração Tributária, a obrigação de harmonização inter-exercícios do enquadramento temporal de um elemento integrante do facto tributário que tenha natureza comunicante”. Esta já vinha sendo a orientação em anteriores decisões deste Alto Tribunal, como se alcança do acórdão do STA, de 14-03-2018 [Pedro Delgado], no processo n.º 0716/13, onde se sumariou:

I - A nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer.

II - A obrigação que impende sobre o Tribunal de se pronunciar sobre as questões submetidas pelas partes à sua apreciação e decisão e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. A omissão de pronúncia só existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.

III - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

IV - Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

Esta linha jurisprudencial, no sentido de nas situações em que não haja qualquer prejuízo para a Fazenda e tal não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios, o princípio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, tem antecedentes mais remotos, como se alcança do acórdão do STA de 05-02-2003 [Lúcio Barbosa], processo n.º 01648/02 e no acórdão do STA de 02-04-2008 [Miranda de Pacheco], processo n.º 0807/07.

Os tribunais arbitrais coletivos com funcionamento no CAAD têm acolhido desde há muito esta orientação, podendo ver-se neste sentido da harmonização do princípio da anualidade com o princípio da justiça o acórdão no processo n.º 367/2014-T de 24-11-2014 [Jorge Lopes de Sousa et al.][19] e o acórdão no processo n.º 262/2015-T [Fernanda Maçãs et al.[20]].

o0o

Efetuada a interpretação generalizadora orientada pela Constituição, designadamente do princípio da tributação pelo lucro real (104.º, n.º 2 da CRP) com o princípio da justiça (266, n.º 2 da CRP) com as normas jurídicas dos artigos 18.º, n.º 2, 28.º-A, n.º1, al. a) e 28.º-B, n.º 1, al.a) do CIRC, e percorridas as fontes de informação que a confirmam há que aplicar o direito ao caso dos autos.

Não oferece dúvidas ao Tribunal que foi na ponderação dos gestores da empresa, seguindo o princípio da continuidade, que a Requerente foi sucessivamente considerando que apesar de o seu devedor estar insolvente desde 2014, havia a expetativa de na liquidação universal do seu ativo, lhe viesse a caber mais tarde alguma parte do que lhe era devido. Foi a convicção do antigo gestor. A mudança de gerência obrigou a nova legítima ponderação, que recolheu então os dados para fazer o seu prognóstico de continuidade e foi já em 2019, durante as operações de fecho das contas de 2018, que tomou conhecimento do encerramento do processo de insolvência do seu devedor, sem que lhe coubesse qualquer quantia em rateio. Ao verificar essa imparidade de perda total, registou-a no exercício em causa.

Na conciliação dos princípios e normas extensamente explanados, deve reconhecer-se como potencialmente possível a operação feita pela Requerente, que concilia o princípio da tributação pelo lucro real com o princípio da justiça, conjuntamente com as normas dos artigos 18.º, n.º 2, 28.º-A, n.º1, al. a) e 28.º-B, n.º 1, al. a) do CIRC.

Importa então fazer o teste e saber se com a sua conduta prejudicou os interesses do Estado. Está assente que a Requerente teve resultado líquido positivo em 2014 e nos anos subsequentes, pelo que o registo da imparidade em exercício anterior levaria à diminuição, mais cedo, do imposto gerado, pelo que, atendendo à redução da taxa de imposto verificada desde 2014 e ao próprio valor financeiro do tempo (pagou mais cedo o valor que só recuperou mais tarde), pode concluir-se que não se verificou qualquer prejuízo para a Fazenda. Nada indicia que tenha agido com intenção de operar a transferência de resultados entre exercícios.

Neste aspeto em particular a AT afirma que teria havido um prejuízo potencial para o Estado de 631,17 € (43.º da R-AT). Contudo não apresenta factos nem prova para essa afirmação. Para que o Tribunal pudesse concluir nesse sentido haveria que trazer aos autos os factos, quer dizer, os valores que serviram de base à sua conclusão de haver efetivamente prejuízo. Era ónus da AT alegar os factos e não as conclusões e apresentar a sua prova e não o fez pelo que não é possível ao Tribunal aferir da razão que lhe possa assistir neste particular. De todo o modo sempre se diga que o benefício que o Estado obteve por arrecadar o imposto mais cedo, a uma taxa maior, não aparenta ser inferior aos citados 631,17 €. Mas esse é um cálculo que a AT não fez e não pode o Tribunal fazê-lo. Improcede, pois, o argumento da AT, nos termos em que é apresentado.

Há assim que julgar a ação procedente e decretar a anulação das liquidações.

Atendendo à procedência do primeiro fundamento de impugnação, mostra-se inútil a indagação do vício na fundamentação suscitado pela Requerente.

 

  1. O pedido de restituição do imposto pago e de juros indemnizatórios

No seu PPA a Requerente peticionou o reembolso do imposto que pagou .

Está assente que a Requerente pagou em 01-04-2022 o valor de 48.286,24 €, que corresponde ao valor apurado na demonstração de acerto de contas elaborada pela AT que se vai anular, contemplando a demonstração de liquidação de IRC n.º 2022 ..., as demonstrações de liquidação de juros n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., e a demonstração de acerto de contas n.º 2022 ... .

A Requerente peticionou também o pagamento de juros indemnizatórios. Essa matéria é disciplinada pelo artigo 43.º da LGT nos seguintes termos:

 

Artigo 43.º - Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”.

 

De acordo com esta norma o pagamento de juros indemnizatórios fundamenta-se na responsabilização da AT pelos erros de facto e de direito que praticou e na correspondente necessidade de a compensar financeiramente pela privação ilícita do seu capital, de que foi obrigada a prescindir por determinado lapso de tempo. Segue-se o Tribunal Central Administrativo Norte, que no acórdão de 12 -01-2023, processo n.º 02408/16.0BEPRT, afirmou:

A consagração do direito a juros na LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação tributária, assumindo, neste caso, o contribuinte o papel de sujeito activo. A obrigação tributária principal é sempre de natureza pecuniária e o seu pagamento indevido envolve sempre um custo para o contribuinte, que os juros se destinam a reparar. Quando ocorre atraso no recebimento do valor a pagar pelos contribuintes, o prejuízo correspondente do credor tributário é reparado com o pagamento dos juros compensatórios e juros moratórios (cfr. artigos 35º e 44º LGT).

Já quando o sujeito passivo efetua o pagamento de um tributo indevido, ou a AT procede tardiamente à sua restituição, o prejuízo do sujeito passivo é reparado com o pagamento de juros indemnizatórios. Por outras palavras, o pagamento dos juros indemnizatórios visa reparar a privação indevida de meios financeiros dos contribuintes por razões imputáveis à AT

 

No caso dos autos as liquidações de IRC cuja ilegalidade foi julgada procedente por este Tribunal tiveram génese em atos inspetivos da iniciativa exclusiva da AT e resultaram da sua errada interpretação e aplicação do direito. Quer dizer, a Requerente efetuou o pagamento de um tributo indevido, cabendo à AT, para além de restituir o pagamento indevido, satisfazer à Requerente juros indemnizatórios destinados a ressarcir a privação indevida dos seus meios financeiros, por razões que são inteiramente imputáveis à AT

Em face do exposto, entende este Tribunal Arbitral que assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido e até à emissão da respetiva nota de pagamento, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT.

 

  1. Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos invocados, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido e:
    1.  anular as liquidações identificadas no relatório desta decisão;
    2. anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022....
  2. Julgar procedente o pedido de restituição do valor pago pela Requerente de 48.286,24 €, em satisfação das liquidações agora anuladas e condenar a AT a fazê-lo;
  3. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a AT a pagá-los, contados sobre o valor de 48.286,24 €, desde a sua entrega à AT;
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

Nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e cumprindo com a previsão do  artigo 306.º, n.º 2 do CPC e do artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) e alínea e) do RJAT, fixa-se ao processo o valor de € 48.286,24 (quarenta e oito mil duzentos e oitenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos), que corresponde ao valor indicado pela Requerente no seu PPA.

 

  1. Custas

O valor da taxa de arbitragem é fixado em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e fica a cargo da Requerida, por esta ter causado a demanda, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável nos termos citados no capítulo anterior.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de abril de 2024

 

O árbitro,

 

 

Nuno Maldonado Sousa

 

                               

 



[1] Os realces de texto constam do documento n.º 3 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) e do Processo Administrativo “PA”

[2] A citação feita pela Requerente desta parte do RIT, não respeita o teor do documento que junta como doc. 3, nem a versão do mesmo documento que se encontra no RIT, a partir do respetivo parágrafo 19. Dá-se aqui por assente apenas o que efetivamente consta das duas versões do documento, que são os parágrafos 1 a 19 e os títulos que os enquadram.

[3] O sublinhado é da autoria do subscritor da decisão.

[4] Versão vigente em 2018 que é aplicável aos caso sub judicio, ainda que as alterações ao CIRC introduzidas pela Lei n.º 98/2019 de 4 de setembro não tenham abrangido os preceitos aplicáveis:

[5] Reproduzem-se as normas legais apenas para facilitar a leitura corrida do texto, sobretudo pelos cidadãos que não são juristas. É evidente que o texto das leis em vigor é aquele que consta da sua publicação no Diário da República e qualquer lapso de transcrição não tem qualquer valor. Será um erro de escrita pelo qual o subscritor se penitencia e nada mais do que isso. Todas as leis da República Portuguesa em vigor encontram-se acessíveis em https://diariodarepublica.pt/dr/home. Os sublinhados nos textos legais são sempre da autoria do subscritor desta decisão.

[7] “Exemplos de instrumentos” é o termo que consta do original da NCRF 17, homologada por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, conforme aviso n.º 15655/2009, publicada no Diário da República, 2.ª série, N.º 173 de 07-09-2009, pp. 36349-36354.

[8] Veja-se o artigo 15.º do Código das Sociedades Comerciais que quanto à sua duração dispõe: “A sociedade dura por tempo indeterminado se a sua duração não for estabelecida no contrato.”

[9] Joaquim Freitas da Rocha – Fontes de direito da contabilidade. In Suzana Fernandes da Costa (coord.) -Direito da Contabilidade – Lisboa. AAFDL, 2023.

[10] Designação correspondente à insolvência até ao início da vigência do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março. Como o artigo 12.º, n.º 1 do citado Decreto-Lei manteve até hoje a regulação dos processos então pendentes, pelo Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, continuam, apesar do tempo decorrido, a correr ainda processos de falência nos tribunais portugueses, onde se continuam a realizar operações de liquidação do ativo das massas falidas e a ser feitos rateios parciais e pagamentos aos credores reconhecidos.

[11] Bernardo de Castro - As sentenças de interpretação conforme à Constituição. Análise dos limites jurídico-funcionais do Tribunal Constitucional nas relações com as demais jurisdições. Revista Eletrónica de Direito Público. Vol. 3, nº 2, novembro 2016, pp. 232-233.

[12] Cristina M. M. Queirós – O princípio da interpretação conforme a Constituição. Questões e perspectivas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. N.º VII, 2010, pp. 313-328.

[13] Para precisão conceptual de princípios e normas, veja-se Ronald Dworkin - .Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1977, pp. 22-24, cuja orientação se segue.

[14] Veja-se a Portaria n.º 986/2009 de 7 de setembro, anexo I.

[15] Veja-se a Portaria n.º 1011/2009 de 9 de Setembro e o Código de Contas publicado pela Comissão de Normalização Contabilística, acessível em https://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/normas/Codigo%20de%20Contas.pdf

[16] António Joaquim Carvalho, Henrique Quintino Ferreira e José Carlos Gomes dos Santos - Tratamento Fiscal dos Custos e Proveitos de Exercícios Anteriores. Ciência e Técnica Fiscal – Boletim da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. N.º 307-309, julho-Setembro 1984, pp. 781-791.

[17] Sobre o estudo citado recaiu despacho de concordância do Secretário de Estado do Orçamento de 08-06-1984, cfr. loc. cit.

[18] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa – Lei geral tributária anotada e comentada. 7.ª edição. Lisboa, Encontro de Escrita Editora, 2012, p. 454 (anotação ao artigo 55.º).