Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 726/2014-T
Data da decisão: 2015-03-10  Selo  
Valor do pedido: € 4.975,68
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Prédios em propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

RELATÓRIO

A, sujeito passivo com o NIF …, residente na … (doravante designada por Requerente) vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do “ato das liquidações, referentes às segundas prestações, de imposto do selo” do ano de 2013, relativas ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de ..., que constam das notas de cobrança juntas ao pedido de pronúncia arbitral (documentos 1 a 20).

A argumentação expendida pela Requerente é, resumidamente, a seguinte:

 

a)      As liquidações objeto do pedido de pronúncia arbitral incidiram sobre os valores patrimoniais tributários dos vinte apartamentos suscetíveis de arrendamento em separado, que integram o 1.º e 2.º andares do prédio urbano situado em ..., inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ... (artigos 1.º e 2.º, da p. i.);

b)      Embora o imóvel em causa reunisse, desde a data da inscrição na matriz, as condições necessárias à constituição em propriedade horizontal, o certo é que a Requerente nunca cuidou de assim o constituir, uma vez que nunca teve intenção de vender os apartamentos (artigo 6.º, da p. i.);

c)      Além de que, independentemente de o prédio identificado estar inscrito na matriz em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, a nível da tributação em IMI tinha o mesmo tratamento, ou seja, a coleta de IMI, tanto num como noutro caso, era calculada sobre o valor patrimonial de cada um dos apartamentos, sendo, por essa razão, totalmente indiferente que o prédio estivesse inscrito na matriz em propriedade vertical, como estava e está, ou em propriedade horizontal (artigo 7.º, da p. i.);

d)     Se a tributação do imóvel em sede de IMI dependesse de uma daquelas modalidades de inscrição matricial e se a tributação mais benévola dependesse da sua constituição em propriedade horizontal, a Requerida não deixaria de o ter submetido à propriedade horizontal (artigo 8.º, da p. i.);

e)      No entanto, apesar da interpretação que está a ser dada pela AT à norma que aditou ao Código de Imposto do Selo a sua Tabela a verba 28, a Requerente continua a pensar que é indiferente que o prédio esteja inscrito num ou noutro dos regimes (artigo 12.º, da p. i.);

f)       A Requerente conclui que a AT está a fazer uma interpretação errada da citada norma (verba 28 da TGIS), na medida em que, quer os prédios estejam inscritos na matriz em propriedade vertical, quer em propriedade horizontal, para efeitos de tributação em IMI, o efeito é precisamente igual, visto a tributação se processar, no caso, apartamento por apartamento, na base do valor patrimonial de cada um e, se assim é em relação ao IMI, tratamento igual deve ter em relação ao imposto do selo de 1% e, incidindo o Imposto do Selo sobre o valor patrimonial igual ou superior a € 1 000 000,00 e não tendo nenhum dos apartamentos esse valor, a aqui questionada liquidação, foi e é ilegal (artigo 13.º, da p. i.);

g)      Portanto, se vale o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões suscetíveis de arrendamento em separado para se apurar a coleta do IMI, deve valer, igualmente, para efeitos de liquidação do imposto do selo e, ao valer, este imposto não pode ser liquidado precisamente porque nenhum dos apartamentos tem valor igual ou superior ao antes indicado (…) ao ter esta atuação, a AT está a usar de “dois pesos e de duas medidas” [pelo que] o princípio da igualdade foi e está a ser traído (artigos 14.º e 15.º, da p. i.);

h)      O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação:

«28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI); seja igual ou superior a € 1 000 000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%» (artigo 17.º, da p. i.);

i)        Por virtude do artigo 6.º da Lei que procedeu ao aditamento da verba n.º 28 à tabela Geral, a AT liquidou, quanto ao ano de 2012, Imposto de Selo no valor de € 7 463,62, importância total apurada no conjunto das liquidações efetuadas, considerando como regra de sujeição o valor patrimonial global de € 1 186 734,22, respeitante à soma do valor patrimonial tributário das 20 habitações autónomas, com afetação habitacional (artigo 18.º, da p. i.);

j)        Entenderam os Serviços Tributários que, como o imóvel (…) não se encontrava juridicamente constituído segundo o regime da propriedade horizontal, não era o facto de cada uma das 20 habitações autónomas ter um valor patrimonial inferior a € 1 000 000,00 que as afastava da tributação à taxa de 1%, relevando o valor patrimonial do conjunto das 20 habitações autónomas, pelo simples facto de o imóvel se encontrar inscrito na matriz em propriedade vertical (artigo 19º, da p. i.);

k)      A impugnante está em total discordância com a AT, no que respeita à tributação, pela simples razão de que se fosse esse o pensamento do legislador, não teria visado apenas o acréscimo tributário na norma contemplado, relativamente aos “Fogos” de luxo e de elevado valor patrimonial e nunca como está a acontecer com os modestos apartamentos acima mencionados (artigo 20.º, da p. i.);

l)        Se fosse esse o pensamento do legislador, estaria a desrespeitar (…) não só o princípio da boa-fé, como o princípio da segurança jurídica, o princípio da confiança e o princípio da cooperação e até o da igualdade (artigo 21.º, da p. i.);

m)    (…) se o legislador nada disse em relação à forma de tributação de tais prédios em sede de imposto de selo de 1% e se não fez qualquer distinção entre prédios em propriedade vertical e em propriedade horizontal, afetos a habitação, é consabido que lhes pretendeu dar o mesmo tratamento a nível de tributação em Imposto do Selo, à semelhança do que se passa ao nível da tributação em IMI (artigo 25.º, da p. i.);

n)      De contrário, o legislador não deixaria, por certo, de legislar no sentido de dar aos contribuintes o tempo necessário para poderem submeter a propriedade horizontal os prédios que oferecessem os requisitos necessários a tais fins, para assim ficarem afastados da tributação do referido Imposto do Selo (…) a ideia que se retira é que o legislador deu relevo à substância e subestimou a forma (artigos 26.º e 29.º, da p. i.);

o)      (…) Efetivamente, não é crível que, conhecendo o legislador a realidade das inscrições matriciais, a Lei apareça de supetão e se vá aplicar aos contribuintes em tais circunstâncias (como no caso do impugnante), ferindo de forma clara, entre outros, os princípios da segurança jurídica e da boa-fé que deve existir na atuação entre a Administração e particulares, consagrados nos artigos 59.º da LGT e 7 do CPA, disposições estas que tiveram a sua origem nos artigos 22.º, 266.º e 267.º, da Constituição da República (artigo 38.º, da p. i);

p)      (…) Como escreve Vasco Branco Guimarães (“Lições de Fiscalidade”, 2012 – Almedina, pág. 76): “A boa-fé em direito fiscal revela-se a três níveis: a) Ao nível da interpretação da lei, como uma crença legítima das partes; b) Ao nível do comportamento nas relações entre o contribuinte e os Serviços Fiscais; c) Ao nível da coerência de ação profissional nas tomadas de decisão” (…) no nosso ponto de vista, nas liquidações impugnadas, foram deixados para trás os três consagrados níveis – interpretação da lei, comportamento nas relações e coerência (artigos 41.º e 42.º, da p. i.);

q)      (…) A AT, desconsiderando o valor patrimonial tributário relativo a cada uma das habitações autónomas do prédio na liquidação do selo da verba n.º 28 da Tabela Geral, desrespeitou claramente a “ratio juris” do preceito, o qual só pode prever a incidência do imposto relativamente aos “Fogos” de luxo, com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00;

r)       Porque sujeitar tais habitações a imposto, somente pela inexistência do instrumento jurídico que formalizasse e formalize a propriedade horizontal, é negar totalmente o princípio que vigora em Direito Fiscal da “Prevalência da Substância sobre a Forma” (…) consagrado em muitas normas fiscais (…) (artigos 45.º e 46.º, da p. i.);

s)       Este mesmo princípio tributável é claramente identificável com o “princípio da prevalência da substância económica sobre a forma dos atos”, sendo certo que, para efeitos de enquadramento dos factos nas normas de incidência tributária e sua consequente tributação, há que respeitar o que está consagrado no n.º 3 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (artigo 47.º, da p. i.);

t)       (…) a Administração Tributária (…) não pode aplicar o princípio da  substância sobre a forma quando ele atua a seu favor, isto é, que por via dele se alcançam liquidações de impostos e o despreze, quando da sua aplicação se afastam incidências tributárias por se respeitar o mesmo princípio (artigo 51.º, da p. i.);

u)      (…) com referência ao prédio identificado nesta petição, o valor patrimonial tributário, obrigatoriamente discriminado por cada uma das suas partes suscetíveis de arrendamento separado e com total autonomia económica entre si, produz exatamente os mesmos efeitos, seja celebrada ou não a escritura de constituição da propriedade horizontal, quer no que respeita ao imposto de selo de 1%, quer no que respeita ao IMI ou na tributação do rendimento de cada uma das parcelas arrendadas em sede de IRS (artigo 52.º, da p. i.).

 

Termina a Requerente por formular pedido de anulação integral das liquidações impugnadas, resultantes de uma errada interpretação das normas legais aplicáveis, e, consequentemente, dos processos executivos a que deram causa, atribuindo ao processo o valor de € 4 975,68.

 

 

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, com os seguintes fundamentos:

 

Por exceção:

1.      Da “dupla” extemporaneidade do pedido

a)      A AT considera que o pedido de pronúncia arbitral é extemporâneo, dado que a liquidação do imposto, conforme data que consta de todas as 20 notas de cobrança juntas ao processo pela Requerente, é de 17 de março de 2014, e o primeiro prazo de pagamento voluntário ocorreu em Abril de 2014, nos termos do disposto no artigo 120.º do CIMI, aplicável ex vi do artigo 3.º da Lei n.º 55A/2012, de 29 de outubro;

b)      Nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e do art.º 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, “o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto” ou seja, o prazo para pedir a constituição do tribunal arbitral terminou no dia 29 de julho de 2014;

c)      (…) tendo este pedido sido apresentado em 17 de outubro de 2014, quase três meses depois, é o mesmo manifestamente extemporâneo;

d)     Mas o pedido é ainda extemporâneo por outra ordem de motivos: nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 120.º do CIMI, aqui aplicável (…), o não pagamento de uma prestação do imposto no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes prestações;

e)      Ora, não tendo a Requerente procedido ao pagamento da 1.ª prestação do imposto, cuja data terminou a 30 de abril de 2014, o mesmo é dizer que, nessa mesma data se venceram as 2.ª e 3.ª prestações do imposto;

f)       Se a prestação cuja legalidade da nota de cobrança agora se discute terminou o respetivo prazo de pagamento em 30 de abril de 2014, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 17 de outubro de 2014 é claramente extemporâneo, considerando os prazo e normas acima citados;

 

2.      Da incompetência do tribunal arbitral

g)      Mas ainda que assim se não considere, há que referir, muito claramente, que o ato objeto de pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal arbitral;

h)      Na verdade, a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação de um ato tributário constante de uma nota de cobrança, isto é, o objeto do processo é a anulação não de um ato tributário, mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de um imposto, matéria que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do artigo 2.º do RJAT;

i)        Ou seja, o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação do pedido formulado;

 

3.      Da litispendência processual

j)        (…) estamos face a uma situação de litispendência processual (…) se aqui a Requerente questiona a legalidade da cobrança da 2.ª prestação de imposto de selo, no processo 421/2014-T, com data do pedido de constituição do tribunal arbitral de 9 de junho de 2014, a mesma Requerente questiona, ao que parece, não apenas a cobrança da 1.ª prestação do imposto, mas a própria legalidade das liquidações do imposto;

k)      Ora a legalidade da liquidação do imposto parece dever ser apreciada no processo 421/2014-T, que tem esse objeto, e não no presente processo, em que é questionada a legalidade de uma nota de cobrança da 2.ª prestação do imposto anteriormente liquidado;

Por impugnação:

l)        (…) a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, constante do artigo ... da matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente», composto por 3 pisos e 20 andares suscetíveis de utilização independente, com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00;

m)    Com referência ao ano de 2013, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, (…) procedeu a AT à liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral;

n)      Dispõe o artigo 44º, n.º 5 do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 que, havendo lugar a liquidação, o imposto a que se refere a verba 28 da TGIS é pago, nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI, em três prestações nos meses de abril, julho e novembro, conforme n.º 1, alínea c), do referido artigo 120.º;

o)      O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio. Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios;

p)      O artigo 12.º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais; quanto à liquidação de IMI, tratando-se de um prédio em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VP que a ora Requerente define como «valor global do prédio»;

q)      Em cumprimento do disposto no artigo 119.º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios;

r)       (…) a Requerente coloca em causa o valor patrimonial tributário do prédio, pelo facto de o mesmo se caracterizar por ser prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e como tal não possuírem valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00;

s)       Defende que não existe qualquer norma que estipule que o valor patrimonial tributário de um prédio composto por vários andares ou divisões suscetíveis de utilização independente corresponda à soma das respetivas partes, defendendo que estamos perante o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito;

t)       Falece, porém, de sustentação legal a tese defendida pela Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do artigo 2.º do CIMI;

u)      De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113.º, n.º 1, a liquidação efetua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que as mesmas respeitam (no caso do imposto de 2013);

v)      Não se vislumbra como é que a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade (…) a AT entende que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações [pois] a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados;

w)    A constituição da propriedade horizontal implica, é um facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (ofício – circulado n.º 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária;

x)      (…) a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras;

y)      Com efeito, a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do CIMI e artigo 1414.º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária;

z)      Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente;

aa)   Importa ainda salientar que a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado, [logo] encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável;

bb)  Termos em que se mantêm integralmente válidas e legais as liquidações ora impugnadas e devidamente fundamentadas no processo administrativo, concluindo-se pela legalidade das mesmas.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no dia 17 de outubro de 2014, foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 20 de outubro de 2014.

A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1, do RJAT, foi a signatária designada pelo Ex.mº Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, encargo que aceitou nos termos legalmente previstos.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 23 de dezembro de 2014.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Por despacho de 2 de fevereiro de 2015 e, tendo em conta que as partes não requereram a produção de prova adicional, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, tendo-se determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, pelo prazo de 10 dias após a sua notificação para alegações da Requerente e, com a notificação da apresentação das alegações da Requerente, o mesmo prazo para alegações da AT.

Atendendo ao teor das questões colocadas pela AT na sua resposta, foi ainda a Requerente convidada a informar o Tribunal sobre o eventual pagamento da primeira prestação das liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido de pronúncia arbitral, bem como, se assim o entendesse e dentro do prazo para alegações, proceder à clarificação do pedido, no sentido da exata identificação dos atos impugnados: (1.) Se os atos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013, relativos a cada uma das partes economicamente independentes do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de ..., ou (2.) Se apenas cada uma das segundas prestações das mencionadas liquidações de Imposto do Selo.

As partes não apresentaram alegações, nem a Requerente prestou qualquer esclarecimento adicional sobre o objeto do pedido de pronúncia arbitral.

MATÉRIA DE FACTO

Factos com interesse para a decisão, que se consideram provados:

À data da produção do facto tributário, bem como da emissão das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de ...;

O referido prédio, de acordo com a caderneta predial emitida pelo Serviço de Finanças da área da sua localização, integrava vinte andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, numerados de 101 a 110, no 1.º andar, e de 201 a 210, no 2.º andar, todos destinados a habitação, cujos valores patrimoniais tributáveis variavam entre € 69 574,75 e € 108 761,13, num valor total de € 1 492 734,28;

Em data não especificada, foi a Requerente notificada para efetuar o pagamento das segundas prestações das liquidações de Imposto do Selo, durante o mês de julho de 2014, por referência às divisões de utilização independente que integravam o prédio urbano supra, conforme os documentos de pagamento identificados com os números 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ...;

Cada uma das referidas notas de cobrança contém, entre outros elementos, a identificação da divisão de utilização independente do prédio urbano tributado, as referências à norma de incidência (verba da TGIS 28.1), à taxa do imposto (1,00%), à coleta apurada, à data em que foi efetuada a liquidação (17 de março de 2014), bem como ao valor da 2.ª prestação e respetivo mês de pagamento (julho de 2014);

À data da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, não tinham sido pagas nem as primeiras, nem as segundas prestações das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, relativas às vinte divisões de utilização independente do prédio urbano identificado.

 

Fundamentação da matéria de facto dada como provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto com interesse para a decisão, dada como provada, resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópia da caderneta predial do imóvel nele identificado e das notificações para pagamento das segundas prestações das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013); quanto ao não pagamento das primeiras prestações das mencionadas liquidações, da referência que lhe é feita na resposta da Requerida, não contestada pela Requerente; quanto ao não pagamento das segundas prestações, do teor do pedido da Requerente, segundo o qual as liquidações impugnadas deverão ser anuladas na sua totalidade e, consequentemente, os processos executivos a que deram causa, o que a AT não contestou.

Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa, que devam considerar-se não provados.

 

MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

Na sua resposta, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira invocar exceções que, a verificar-se, conduzirão à absolvição da instância. Trata-se de questões processuais de conhecimento prioritário, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Vejamos pois.

Da “dupla” extemporaneidade do pedido

A primeira questão colocada pela AT é a da extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral, por à data da sua entrada no CAAD, em 17 de outubro de 2014, se encontrar excedido o prazo de 90 dias sobre a data limite para pagamento voluntário das liquidações de Imposto do Selo de 2013 (30 de abril de 2014), a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Argumenta a AT que, nos termos do n.º 4 do artigo 120.º, do Código do IMI, “aplicável ex vi art.º 3.º da Lei n.º 55A/2012, de 29 de Outubro ao prazo para pagamento das liquidações de Imposto do Selo da Verba 28, da TGIS, o não pagamento de uma prestação do imposto no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes prestações”.

Assim, não tendo sido paga até 30 de abril de 2014 a primeira prestação de cada uma das liquidações identificadas nas notas de cobrança juntas ao pedido de pronúncia arbitral, ter-se-iam vencido, naquela data, todas as restantes prestações do imposto, o que determinaria que o prazo para pedir a constituição do tribunal arbitral tivesse terminado no dia 29 de julho de 2014.

 

Efetivamente, o artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu alterações a diversos artigos do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, de entre os quais o seu 44.º, cujo n.º 5 dispõe:

5 — Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI.”

 

E, por seu turno, o artigo 120.º, do Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (orçamento do Estado para 2013), tem a seguinte redação:

Artigo 120.º - Prazo de pagamento

1 - O imposto deve ser pago:

a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;

b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;

c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

2 - Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo referido no n.º 2 do artigo 113.º o sujeito passivo é notificado para proceder ao pagamento, o qual deve ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação.

3 - Sempre que no mesmo ano, por motivos imputáveis aos serviços, seja liquidado imposto respeitante a dois ou mais anos e o montante total a cobrar seja superior a € 250, o imposto relativo a cada um dos anos em atraso é pago com intervalos de seis meses contados a partir do mês seguinte inclusive ao da notificação referida no número anterior, sendo pago em primeiro lugar o imposto mais antigo.

4 - No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes. (sublinhado nosso)

5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.”

 

Tendo as liquidações de Imposto do Selo relativas ao ano de 2013 e a cada uma das divisões de utilização independente do prédio urbano identificado nos autos sido efetuadas à taxa de 1% e, variando os seus valores patrimoniais tributários entre € 69 574,75 e € 108 761,13, num total de € 1 492 734,28, o imposto liquidado relativamente a cada uma daquelas divisões, variou entre € 695,75 e € 1 087,61, valores a pagar em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro de 2014, num total de € 14 927,34.

As notas de cobrança cujas cópias foram juntas ao pedido de constituição do tribunal arbitral respeitam, em exclusivo, às segundas prestações das liquidações notificadas à Requerente, equivalendo o seu somatório ao valor atribuído ao processo, ou seja, a € 4 975,68.

Não tendo sido paga a primeira prestação de cada uma das mencionadas liquidações, até ao final do mês de abril de 2014, ficariam imediatamente vencidas as segundas e terceiras prestações.

Porém, tal vencimento revela-se ineficaz relativamente ao sujeito passivo, pelo facto de a AT o ter voltado a notificar, concedendo-lhe um novo prazo para proceder ao pagamento (voluntário) das segundas prestações daquelas liquidações, durante o mês de julho de 2014, como consta das notas de cobrança juntas ao pedido de pronúncia arbitral.

Assim, tendo o prazo para pagamento voluntário das segundas prestações das liquidações do Imposto do Selo terminando em 31 de julho de 2014 e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado antes do decurso do prazo de 90 dias sobre aquela data, não pode colher a exceção da sua alegada intempestividade.

Da incompetência do tribunal arbitral

Outra das exceções invocadas pela AT é a da incompetência do tribunal arbitral para a decisão do litígio, com o fundamento de que “a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação de um ato tributário constante de uma nota de cobrança”, ou seja, que “o objeto do processo é a anulação não de um ato tributário, mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de um imposto, matéria esta que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT”.

 

A competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam junto do CAAD é fixada pelos artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, do RJAT.

Concretamente, refere o artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do RJAT, que tal competência compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, enquanto a alínea a) do n.º 1 do seu artigo 10.º, estabelece o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal, “contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

Determinar da competência do tribunal arbitral para a decidir da pretensão objeto dos presentes autos, passará, necessariamente, por averiguar se o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação de uma das prestações de uma liquidação de Imposto do Selo, efetuada ao abrigo da verba 28, da TGIS, equivale a um pedido de anulação total ou parcial da mesma liquidação ou, não equivalendo, se uma daquelas prestações poderá configurar um ato suscetível de impugnação autónoma.

Quanto à primeira questão, poderá afirmar-se que uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto, porquanto, nos termos do n.º 7, do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, na redação que lhe foi dada pelo artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, “7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” (sublinhado nosso).

Ora, a expressão “o imposto é liquidado anualmente” indicia que é efetuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento, em prestações, e não tantas liquidações quantas as prestações em que o débito deva ser satisfeito – a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas.

Por outro lado, a questão de saber se uma prestação pode ser havida como parte autonomamente impugnável da liquidação, remete-nos para a da divisibilidade do ato tributário de liquidação e consequente possibilidade da sua anulação parcial.

A este respeito, tem a jurisprudência entendido que a liquidação é um ato divisível, quer por natureza, por respeitar a uma obrigação de natureza pecuniária, quer por definição legal, uma vez que o artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT) admite a “procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo”, situação em que a administração fiscal, fica obrigada “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

No entanto, para que haja anulação parcial do ato tributário, necessário se torna que a ilegalidade o afete apenas em parte (cfr., neste sentido, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, proferido em 10 de abril de 2013, no recurso n.º 0298/12, disponível em http://www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: “Sumário: I - O ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.” (Sublinhado nosso).

Assim, nos casos em que o ato tributário é divisível, “se for pedida a anulação parcial de um ato tributário, o tribunal não poderá, em princípio, anulá-lo totalmente[1]; se for pedida a sua anulação integral e o ato for apenas parcialmente anulável, o pedido será parcialmente improcedente.

Sobre a questão da indivisibilidade de uma liquidação de Imposto do Selo a que se refere a verba 28 da TGIS, já se pronunciou o CAAD, no processo n.º 205/2013-T (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/), conforme o extrato que se transcreve:

“11. Vem ainda a Requerida impugnar o valor da causa considerando que o mesmo é de 8.940,94€ e não de 28.822,80€, conforme indicado pela requerente.

Sustenta a requerente que “o ato impugnado nestes autos é o ato de liquidação com o nº ...de 22/02/2013, referente à primeira prestação de imposto de selo, do ano de 2012, no montante de € 8.940,94, junta pelo requerente ao pedido de pronuncia arbitral como Doc. 1”.

Acontece, porém, que o valor da liquidação nº ... de 22/02/2013, como consta do referido documento é, na realidade, de 26.822,00 € e não de € 8.940,94.

Note-se que, não existe qualquer liquidação de € 8.940,94. Este valor é apenas a primeira prestação duma liquidação que foi desde logo efetuada e no valor indicado pela Requerente. Da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações. Trata-se, diferentemente, duma liquidação que pode ser paga em várias prestações (sublinhado nosso), não estando o sujeito passivo impedido de impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas.

O sujeito passivo impugnou o ato de liquidação com o nº ... de 22/02/2013, no valor de 26.822,00€, que lhe havia sido notificada e é esse o valor correto da causa.”.

 

Também o processo arbitral n.º 120/2012-T, que correu termos no CAAD (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/) e do qual se extraem os fragmentos que seguem, se havia já pronunciado sobre a indivisibilidade de uma liquidação de IMI, matéria de aplicação subsidiária às liquidações de Imposto do Selo da verba 28, da TGIS, por remissão do n.º 2, do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo:

 

“De acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 2 do Código do IMI, a liquidação deste imposto é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte àquele a que o imposto diz respeito. Nos termos do n.º 1 do artigo120.º do mesmo diploma, o imposto deve ser pago em duas prestações, nos meses de abril e setembro, desde que o seu montante seja superior a Euros 250, devendo o pagamento, no caso de esse montante ser igual ou inferior àquele limite, ser efetuado de uma só vez, durante o mês de Abril.” (…) “Conforme resulta, assim, do disposto nos referidos artigos, embora o ato autonomamente sindicável seja o ato de liquidação de IMI (sublinhado nosso), o prazo para contestar a sua legalidade apenas deverá ser contado a partir do termo do prazo de pagamento do imposto nele apurado. Devendo este ser pago, nos termos da lei, em mais do que uma prestação, apenas com o termo da última daquelas (pressupondo, naturalmente, a não verificação de situações de vencimento antecipado) é que se poderá assim iniciar a contagem do prazo referido no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável, no âmbito do processo arbitral, ex vi o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei nº. 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”).” (…) “Tal conclusão resulta, aliás, clara da natureza indivisível do ato de liquidação, bem como da necessidade – de resto, enfatizada pela própria Requerida – de, relativamente à mesma liquidação de IMI - que, nos termos da lei deva ser paga em duas prestações - não serem proferidas decisões administrativas ou judiciais contraditórias.(sublinhado nosso) (…) “É que – reiteremos –, não sendo qualquer das prestações de pagamento de IMI autonomamente sindicável – mas apenas o ato de liquidação a que aquelas se refiram”. (sublinhado nosso).

 

As prestações de pagamento de uma liquidação de IMI ou, na situação em análise, de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual, de acordo com a lição de Braz Teixeira: “É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por atos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efetuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação.[2].

 

Concluindo-se que as prestações de uma liquidação de imposto não são autonomamente impugnáveis, por consubstanciarem parcelas de uma prestação global, com origem numa mesma obrigação, cumpre averiguar se uma daquelas prestações pode ser considerada como um “ato de impugnação autónoma”, a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, com remissão para os n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º, do CPPT.

Em anotação ao artigo 102.º, do CPPT, e relativamente à alínea e) do seu n.º 1, em que se prevê o termo inicial do prazo de impugnação judicial na data da “notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, escreve Jorge Lopes de Sousa: “(…) aplica-se esta regra não só aos casos de impugnação autónoma previstos neste Código [decisões de recurso hierárquico que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação (art. 76.º, n.º 2), atos de autoliquidação (art. 131.º), atos de retenção na fonte (art. 132.º) e atos de fixação de valores patrimoniais (art. 134.º), mas também aos outros casos de impugnação de atos de avaliação direta (artigo 86.º, n.º 1, da LGT)”[3].

O facto de a declaração de ilegalidade dos atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, os atos de determinação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, integrarem a competência dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, devendo o pedido de constituição do tribunal arbitral, quanto a eles, ser apresentado no prazo de 30 dias a contar da data da respetiva notificação, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, leva à conclusão necessária de que os atos de impugnação autónoma a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, são os atos de liquidação, de autoliquidação e de pagamentos por conta, ainda que, relativamente a estes, tenha sido apresentada reclamação graciosa ou recurso hierárquico, expressa ou tacitamente indeferidos.

Tendo-se excluído a possibilidade de uma prestação configurar um ato tributário de liquidação, muito menos se lhe poderá atribuir a natureza de autoliquidação ou de pagamento por conta.

Não sendo cada uma das prestações das liquidações de Imposto do Selo identificadas nos autos autonomamente impugnáveis, pelos motivos antes expostos, estar-se-á perante um caso de incompetência do tribunal arbitral para apreciação e declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

 

Da litispendência processual

De acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

A solução precedentemente dada à questão da incompetência do tribunal arbitral para a decisão do litígio objeto do pedido de pronúncia arbitral torna inútil a apreciação da questão relativa à eventual litispendência, por identidade entre os sujeitos, o pedido e a causa de pedir nos presentes autos e no processo arbitral n.º 421/2014-T, com data do pedido de constituição do tribunal arbitral de 9 de junho de 2014, em que, segundo a AT, “a mesma Requerente questiona, ao que parece, não apenas a cobrança da 1.ª prestação do imposto, mas a própria legalidade das liquidações do imposto”.

DECISÃO

A conclusão de que a liquidação de Imposto de Selo, da verba 28 da TGIS, é incindível, não podendo cada uma das suas prestações ser autonomamente impugnada, determina a incompetência do tribunal arbitral e obsta ao prosseguimento do processo, bem como a apreciação de mérito da causa. Motivos pelos quais se decide absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 2, do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4 975,68 (quatro mil, novecentos e setenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 10 de março de 2015.

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 

 



[1] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado” I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 875.

[2] TEIXEIRA, António Braz, “Princípios de Direito Fiscal”, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1995, págs. 243 e 244.

[3] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado” I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 734.