SUMÁRIO:
I. No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
II. Um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instalações desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente, em relação às prestações relativas à utilização daquelas instalações e respectivos equipamentos.
DESPACHO
A Requerente, formulou um Requerimento em que pede a ampliação do Pedido, nos seguintes termos:
“Deverão ainda as notas de liquidação em crise ser consideradas ilegais uma vez que contrariam a informação vinculativa prestada à empresa A… SA, empresa holding do Grupo no qual a requerente e participada em 22 de março de 2013 (informação numero 1573) que se junta como Doc. 1 (cujo teor considera-se reproduzido para todos os efeitos legais), violando o disposto no art. 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), por a AT proceder a correções e liquidações adicionais de forma contrária ao especificamente pronunciado em sede de resposta a pedido de informação vinculativa; e por violação, pelo mesmo motivo, dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, ínsitos nos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º , n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, e, por consequência, do seu artigo 68.º;.º 28) também na senda da decisão proferida por este tribunal no processo 740/2019-T que se junta como Doc. 2 e cujo teor considera-se reproduzido para todos os efeitos legais.
Mais deverá ser a AT condenada ao pagamento de indemnização referente ao pagamento de garantia indevida nos termos do previsto no artigo 53.º da LGT, que refere no seu n.º 1 que "o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida", no seu n.º 2 que "o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo" e no seu n.º 3 que: "A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente" (cfr. ainda art. 171.º do CPPT).”.
Exercendo o seu contraditório, entende a AT, relativamente à pretensão de ampliação do pedido na parte relativa aos princípios da boa- fé e da protecção da confiança, que a mesma não configura uma ampliação do pedido, mas antes um autêntico novo pedido com uma também nova causa de pedir, porque, por um lado, os factos referido no pedido, não constam do PPA e, são os factos essenciais da causa de pedir e, por outro lado, se refere a uma diferente pretensão materialmente distinta, porquanto inserida num quadro normativo diferente e, relativo a distinto âmbito de tutela.
Mais nota a Requerida que, por um lado, a peticionada ampliação do Pedido, sem uma ampliação da causa de pedir (que a Requerente não requer), sempre determinaria a ineptidão do PPA nessa parte, por manifesta falta de causa de pedir, e, por outro lado, ainda que a Requerida tivesse requerido a ampliação da causa de pedir (que não requereu), ao abrigo do n.º 2 do artigo 265.º do CPC, sempre se mostraria a mesma inadmissível, tendo em conta a interpretação que o STA faz do mesmo.
Já no que respeita à parte relativa ao pagamento de indemnização referente ao pagamento de garantia indevida, admite a Requerida que poderá ser deferido.
Efectivamente, haverá que reconhecer razão ao quanto expôs a Requerida.
Com efeito, não só a pretensão de anulação dos actos objecto da presente acção arbitral por violação dos princípios da boa- fé e da protecção da confiança, não configura uma ampliação do pedido, mas antes um novo pedido, assente em novos factos (contrariedade com a informação vinculativa prestada à empresa A…,SA) e em regime jurídico distinto daquele em que assenta o pedido originalmente formulado.
Assim, não se verificando os pressupostos do invocado artigo 265.º, n,º 2, do CPC, não pode ser admitida, nesta parte, a peticionada ampliação do pedido.
Já o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, ao qual a Requerida não se opõe, é, tal como o pedido de juros indemnizatórios, “desde que verificados os respectivos pressupostos, deve ser reconhecido pela AT ao sujeito passivo, independentemente do pedido por ele formulado nesse sentido (cfr. art. 100.º da LGT e art. 61.º, n.º 2, do CPPT).”[1].
Tal pedido é, portanto, mero acessório da pretensão principal, não concorrendo, sequer para o valor da causa, sendo uma consequência necessária, desde que verificados os respectivos pressupostos, da procedência do pedido principal.
Assim, e pelo exposto, admite-se, nesta parte, a peticionada ampliação do pedido.
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DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 11 de Agosto de 2020, B…, S.A., NIPC …, com sede na Rua …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação, no valor de € 163.717,31:
i. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/01;
ii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/02;
iii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/03;
iv. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/04;
v. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/05;
vi. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/06;
vii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/07;
viii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/08;
ix. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/09;
x. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/10;
xi. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/11;
xii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/12;
xiii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
i. ilegalidade, porquanto todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA e, por conseguinte, estão isentos de IVA;
ii. errada interpretação e aplicação da lei, por violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sob a forma.
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No dia 12-08-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 29-09-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 29-10-2020.
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No dia 02-02-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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No dia 18-05-2021, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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foi determinado o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo 403/2020-T do CAAD, nos termos do art.º 421.º do CPC.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa:
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- O Grupo A…, no qual a Requerente se insere, existe actualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios.
2- O Grupo A… iniciou a sua actividade na Península Ibérica há 20 anos e, no exercício de 2012, passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado A…, constituído por 16 empresas.
3- A Requerente tem como objecto social a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras actividades, incluindo tratamentos de fisioterapia.
4- A Requerente desenvolvia, em 2015 e 2016, a sua actividade num Health Club do Grupo A… localizado em Lisboa, no ….
5- Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se, e encontrava-se nos anos de 2015 e 2016, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
6- O clube tem 4.130 m2, e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 5 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicados a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição.
7- O clube oferece vários tipos de aulas de grupo, treino personalizado, serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.
8- Tendo em vista a implementação em território nacional da nova política comercial internacional, a A… levou a cabo uma remodelação nos seus serviços, imagem, instalações e contratação de pessoal de modo a relevar a vertente da nutrição, publicitando-a com novo target da marca A….
9- Em 2013, e até hoje, a Requerente passou a proporcionar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”.
10- Aos sócios que aceitaram este serviço, foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing de modo a que os sócios conhecessem esse novo serviço e se habituassem a fazer consultas para além das constantes do pacote inicial.
11- O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/nutrição era, à data, composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia um follow up das consultas.
12- Quando os sócios pretendiam mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam adquirir consultas de nutrição vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestavam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, com a mesma duração e os mesmos serviços.
13- Os serviços de nutrição/dietéticos eram prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito.
14- Nas instalações da Requerente existiam duas salas onde só se prestavam serviços de nutrição e que foram adaptadas para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.
15- A Requerente mantém, desde 2013, nutricionistas no seu Quadro de Pessoal.
16- Actualmente o Grupo A… conta com 49 nutricionistas no total, que desenvolvem a sua actividade nos 21 ginásios geridos pelo Grupo A… em Portugal.
17- Os clientes podiam usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição, assim como podiam usufruir das consultas de nutrição sem a componente de ginásio.
18- As consultas eram efectuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertenciam aos quadros da Requerente.
19- A Requerente detém um sistema informático interno, comum a todo o Grupo A…, denominado SANUT, que lhe permite registar e controlar todas as consultas de nutrição, quer as iniciais (denominadas consultas base) quer as subsequentes (denominadas consultas premium sendo que a parte clínica só é acessível aos nutricionistas credenciados).
20- Todas as consultas (quer as iniciais quer as premium) eram dadas pelos mesmos profissionais e nas mesmas condições, não divergindo quer na duração quer na qualidade, sendo os serviços prestados exactamente os mesmos.
21- A Requerente, bem como todo o Grupo A… em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da A… que aí completam a sua formação, tendo a Requerente recebido, desde 2013, 2 estagiárias.
22- A Requerente, nos anos de 2015 e 2016, não liquidou IVA nos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos, por entender que os mesmos se encontravam isentos ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.
23- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017….
24- A Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária onde consta, além do mais, o seguinte:
25- Na sequência das correcções efectuadas em sede de inspecção tributária, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA:
i. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/01;
ii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/02;
iii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/03;
iv. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/04;
v. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/05;
vi. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/06;
vii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/07;
viii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/08;
ix. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/09;
x. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/10;
xi. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/11;
xii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/12;
xiii. Liquidação n.º 2020 …, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01.
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A Requerente não procedeu ao pagamento das liquidações referidas.
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Em ordem a suster os processos executivos instaurados para cobrança daquelas, a Requerente, a 4 de Dezembro de 2020, constituiu penhor a favor da Fazenda Nacional.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida nos presentes autos e no processo arbitral 403/2020-T do CAAD, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Insurge-se a Requerente quanto às correcções, operadas pela Autoridade Tributária, relativas à falta de liquidação de IVA nas prestações de serviços de dietética disponibilizadas aos seus clientes, no âmbito do contrato de prestação de serviços dietéticos e facturados com o código “SDIET”.
Sustenta a AT, em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral que “não se verificam nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão.”
Em abono da sua tese, traz a Requerida à colação, em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral, as observações escritas da Comunidade Europeia no âmbito do pedido de reenvio prejudicial submetido ao Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo C581/19 – Caso Frenetikexito, no sentido de que da mera colocação à disposição do cliente de um serviço de aconselhamento ou de monitorização nutricional, independentemente da situação de saúde do cliente, não poderá vislumbrar-se a finalidade terapêutica do mesmo.
O pedido de reenvio prejudicial que correu termos no TJUE sob o processo n.º C581/19, no qual se colocava a questão de saber se “as disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), e do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112 devem ser interpretadas no sentido de que um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços independente” e se “o direito à isenção de IVA prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva pressupõe a prestação efetiva do serviço, neste caso, um serviço de acompanhamento nutricional correspondente ao definido pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou se a disponibilização desse serviço é suficiente para esse efeito”, foi já objecto de decisão, tendo aquela instância europeia decidido que “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de bem estar-físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva.”.
Na sequência do assim decidido, o STA no Acórdão de 20-10-2021, proferido no processo n.º 77/20.2BALSB, uniformizou jurisprudência no sentido de que “Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.”
Numa primeira análise, pareceria ser de improceder a pretensão da Requerente, dada que se deve ter por firmada a jurisprudência no sentido de que os serviços de nutrição prestados nos ginásios não têm finalidade terapêutica e, portanto, não se encontram abrangidos pela isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA.
Sucede, porém, que a fundamentação do acto de liquidação é aquela que decorre do relatório de inspecção, não sendo admissível a fundamentação à posteriori.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 628/2014-T[3], “Num contencioso de mera anulação, como é o que vigora no processo de impugnação judicial e nos processos arbitrais, que são a sua alternativa (artigo 124.º, n.º2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), tem de aferir-se da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.”.
Também o STA tem reiteradamente afirmado que:
“I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou”[4].
No relatório de inspecção, a AT alicerçou a correcção unicamente no argumento de que a prestação de serviços dietéticos constitui uma actividade acessória da actividade de utilização das instalações desportivas referindo expressamente que “é exatamente no caráter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas”, fazendo apelo a diversa jurisprudência da União Europeia acerca dos conceitos de prestação principal e prestação acessória, concluindo que “não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços de ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal”.
Em sede arbitral, vem a Requerida alegar que “não se verificam nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrado ter prestado os serviços que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão”.
Quanto ao argumento relativo à demonstração da efectividade da prestação dos serviços facturados, é claro, julga-se, que não tem qualquer correspondência com a fundamentação vertida no relatório de inspecção, dado que nunca ali foi colocada em causa a efectiva realização dos serviços facturados e registados na contabilidade.
Já quanto ao argumento referente à inexistência de finalidade terapêutica nos serviços de nutrição prestados pela Requerente, embora tenha alguma correspondência no relatório de inspecção, ao nível do enquadramento das prestações de serviço em causa, o que se verifica é que não constituíram o fundamento efectivo para que a AT considerasse que os serviços de nutrição prestados pela Requerente estão sujeitos a IVA, indo a AT não só mais além do, como até contra o, que ficou dito no RIT. Com efeito, este é expresso no sentido de que:
“Note-se que é exatamente no caráter acessório destas prestações de serviços, que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas”.
Refere-se, ainda, no RIT, o seguinte: “Assim, considerando a análise efectuada à actividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição “avulso”, faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizados aos utentes, faturados enquanto uma rubrica referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal”.
Perante o que se transcreveu, julga-se claro que, em sede de inspecção tributária, a AT fundamentou as correcções efectuadas na natureza supostamente acessória da prestação de serviços de nutrição, em relação à prestação que considerou principal de utilização das instalações desportivas. Não foi na possível inexistência de finalidade terapêutica nos serviços prestados pela Requerente, que se fundamentaram as correcções efectuadas, e aqui contestadas, mas a sua acessoriedade. De resto, a necessidade de aplicar o tratamento da prestação “principal” evidencia o entendimento de que a prestação “acessória” estava isenta, já que, se assim não fosse, não haveria qualquer necessidade de tratar ambas as prestações como uma só.
E tanto assim é que a AT só liquidou IVA sobre as consultas de dietética incluídas do contrato de prestação de serviços dietéticos, tendo considerado isentas as consultas avulsas. Ora, se o fundamento para a correcção fosse, como parece querer a Requerida, o de que as consultas de nutrição, prestadas pela Requerente, não têm finalidade terapêutica, sempre teria a AT considerado também as consultas avulsas, como sujeitas e não isentas de IVA.
Não tendo sido o argumento relativo à finalidade terapêutica dos serviços, nos termos que resultam da jurisprudência do Tribunal Europeu e do STA, atrás referida, aquele que fundou as correcções efectuadas, atender-se agora a tais fundamentos constituiria o acolhimento de uma fundamentação a posteriori, que se afasta da do próprio acto tributário em apreciação.
Neste sentido, a jurisprudência do STA[5], considera “a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados"”.
Posto isto, e no que concretamente respeita ao carácter acessório da prestação de serviços dietéticos em relação à prestação principal de utilização das instalações desportivas, que serviu de fundamento às correcções efectuadas pela AT, conforme externalizado no RIT, a Decisão do TJUE no âmbito do processo de reenvio foi clara em afirmar que: “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação do órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente”.
Para assim concluir, refere aquela decisão, o seguinte:
“40 Em segundo lugar, uma operação económica constitui uma prestação única quando um ou mais elementos devem ser considerados como prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.° 29 e jurisprudência referida].
41 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primeiro critério a tomar em consideração a este respeito é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O segundo critério, que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respectivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando‑se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C‑308/96 e C‑94/97, EU:C:1998:496, n.° 24).
43 Em terceiro lugar, como salientou a advogada‑geral no n.° 44 das suas conclusões, por força da Diretiva 2006/112, as «operações […] estreitamente relacionadas» com uma prestação isenta beneficiam da sua isenção, a fim de permitir que essa isenção goze de plena eficácia. Todavia, à luz das considerações que figuram nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, este terceiro tipo de exceção à regra geral que consiste em considerar cada prestação como uma prestação distinta e independente não é aplicável no caso de um serviço de acompanhamento nutricional como o prestado no processo principal. Por conseguinte, há que dispensar a análise deste tipo de exceção.
44 Quanto à aplicabilidade a prestações como as que estão em causa no processo principal do primeiro tipo de exceção, referido no n.° 38 do presente acórdão, importa constatar, pela leitura da decisão de reenvio, que a recorrente no processo principal se dedica, entre outras, às atividades de gestão e exploração de instituições desportivas, bem como de manutenção e bem‑estar físico, e que prestou, por intermédio de um profissional devidamente habilitado e certificado para esse efeito, serviços de acompanhamento nutricional nas suas instalações.
45 Além disso, resulta dos elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio que esses diferentes serviços prestados pela recorrente no processo principal eram objeto de faturação separada e que era possível usufruir de uns sem recorrer aos outros.
46 Assim, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que os serviços de manutenção e bem‑estar físico, por um lado, e de acompanhamento nutricional, por outro, como prestados pela recorrente no processo principal, não estão indissociavelmente ligados na aceção da jurisprudência recordada nos n.ºs 38 e 39 do presente acórdão.”
Relativamente aos serviços de nutrição prestados pela Requerente e com interesse para se apurar se serviços de nutrição prestados pela Requerente deverão ser considerados uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio), formando com esta uma “operação complexa única”, apura-se nos autos, em suma, que:
- A Requerente colocou efectivamente à disposição dos seus clientes serviços de acompanhamento nutricional/nutrição;
- Tais serviços foram essencialmente prestados nas instalações da Requerente;
- A Requerente tinha tarifários onde incluía duas consultas presenciais de acompanhamento nutricional e dois acompanhamentos telefónicos anuais, e outros onde não incluía tal acompanhamento;
- A Requerente disponibilizou também consultas de nutrição avulso ou vendidas em packs que poderiam ir até 6 consultas;
- Na facturação relativa aos clientes que subscreveram o contrato de prestação de serviços dietéticos que incluía duas consultas presenciais de acompanhamento nutricional e dois acompanhamentos telefónicos anuais, a Requerente discriminou o valor relativo a serviços de nutrição, sobre o qual não liquidou IVA, e liquidou IVA a 23% sobre o remanescente.
- Para prestação dos serviços de nutrição aos seus clientes, a Requerente dispunha de nutricionistas no seu Quadro Pessoal, desde 2013;
- Os serviços de nutrição/dietéticos eram prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito, dispondo a Requerente, nas suas instalações de duas salas exclusivamente afectas à prestação de serviços de nutrição e que foram adaptadas para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.
Como se viu e a leitura do RIT evidencia, as correcções sub iudice assentam na conclusão de que a “«Prestação de Serviços Dietéticos» surge sempre associada à «Utilização das instalações desportivas», constituindo assim uma atividade acessória a esta”.
Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se que esta conclusão não está devidamente fundada na factualidade apurada em sede de inspecção tributária.
A Requerente dispunha de diferentes planos nas suas instalações. Alguns planos incluíam unicamente serviços de manutenção e bem-estar físico, enquanto outros incluíam, além disso, acompanhamento nutricional. Cada cliente podia escolher o plano pretendido e utilizar, ou não, todos os serviços colocados à sua disposição no âmbito do plano escolhido.
Além disso, também poderiam ser contratados serviços de acompanhamento nutricional de forma avulsa e separada de qualquer outro serviço, mediante o pagamento de um determinado valor.
Com efeito, resultou demonstrado que os diferentes serviços prestados pela Requerente eram objecto de facturação separada e que era possível usufruir de uns sem recorrer aos outros, pelo que não há motivos para concluir em sentido diferente do decidido no Acórdão do TJUE, julgando-se que as prestações que estão em causa não constituem uma prestação única de carácter complexo, mas antes prestações distintas e independentes umas das outras para efeitos da aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Directiva 2006/112.
Ao ter concluído de forma oposta, enfermam os actos tributários objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anulados, pelo que há que julgar procedente o pedido arbitral, ficando prejudicado o conhecimento da questão relativa à liquidação do IVA por dentro ou por fora.
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Quanto ao pedido da Requerida, formulado em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral, de suspensão da instância até que fosse proferida decisão no processo de reenvio do processo Frenetikexito, tendo sido já proferida decisão em 04 de Março de 2021, no âmbito do referido processo, ficou prejudicada a requerida suspensão.
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A Requerente formulou, ainda, o pedido acessório de ser indemnizada pela prestação de garantia que apresentou para suster os processos de execução fiscal.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito do pedido de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT].
Embora as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT utilizem a expressão declaração de ilegalidade, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é entendimento pacífico e corrente que se enquadram nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que melhor se adequa com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, e onde se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, nos termos do artigo 53.º da LGT.
No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que o Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito. Tal poderá ser concretizado, se necessário, em execução da presente decisão.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados e respectivas liquidações de juros compensatórios;
b) Condenar a AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, a liquidar, se necessário, em sede de execução de julgado;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 163.717,31, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2022
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Marisa Isabel Almeida Araújo)
O Árbitro Vogal
(Maria do Rosário Anjos)
Nos termos e para os efeitos do art.º 153.º/1 do CPC e do art.º 15.º-A do DL 10-A/2020, de 13-03, alterado pelo art.º 3.º do DL 20/2020, de 01-05, atesto o voto de conformidade da Sr.ª Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos.
Voto de vencido
Discordo da posição que fez vencimento nos presentes autos em relação à indemnização por prestação de garantia através de penhor.
A Requerente constituiu penhor a favor da Fazenda Nacional, para garantia do pagamento das quantias liquidadas e formulou o requerimento de ampliação pedido de indemnização a 8 de junho de 2021.
O art. 171.º do CPPT, estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.
De facto, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Desta forma, também entendo que o pedido é admissível na instância arbitral. Cumpre, agora, decidir quanto ao mérito da pretensão, considerando que, no caso concreto, como referido, a Requerente, constituiu um penhor.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.
Como resulta do teor expresso do n.º 1 deste artigo 53.º, apenas se prevê indemnização, com este regime simplificado a que alude o artigo 171.º do CPPT, nos casos de prestação de garantia bancária ou equivalente e não nos de prestação de garantia da dívida por outros meios, designadamente penhor ou hipoteca[6] [7].
Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2019 o que se trata, neste regime, é de “[...] um direito indemnizatório muito específico, que a lei tributária prevê e atribui num procedimento muito simplificado, e que embora tenha a sua raiz na responsabilidade civil da administração tributária por danos decorrentes de uma atuação ilegal, parte de uma presunção de existência desses prejuízos nas situações em que o contribuinte se viu obrigado a prestar "garantia bancária ou equivalente" para suspender a cobrança de obrigação tributária que veio a revelar-se ilegal, dispensando-o de provar não só o nexo de imputação à atuação ilegal como, também, a existência de prejuízos, embora estabeleça um montante máximo para esta indemnização.
Tal não significa, porém, que no caso de os prejuízos excederem esse limite máximo previsto no n.º 3 do art.º 53.º da LGT, o lesado não possa deles ser ressarcido. O direito indemnizatório por atos ilegais de entes públicos tem raiz constitucional, constituindo uma garantia constitucional face ao disposto no art.º 22.º da Constituição, pelo que este limite fixado no n.º 3 não pode afastar, sob pena de inconstitucionalidade, a possibilidade de o lesado exigir uma indemnização superior; só que, nesse caso, terá, como qualquer lesado por ato ilícito de entes públicos, de intentar ação judicial para efetivar a responsabilidade civil extracontratual da administração tributária, onde terá de alegar e provar a dimensão do dano e o montante concreto do prejuízo que sofreu, designadamente com a garantia que foi obrigado a prestar para suspender a cobrança coerciva da obrigação tributária enquanto se encontrava em discussão a legalidade do ato de liquidação donde esta emergira.
Por outro lado, é inequívoco, perante o teor do art.º 53.º da LGT e do art.º 171º do CPPT, que para os efeitos indemnizatórios aí previstos apenas são consideradas as "garantias bancárias ou equivalentes".
O que se compreende, na medida em que nas garantias bancárias e equivalentes (como é o seguro-caução) o contribuinte suporta forçosamente uma despesa, cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual é mantida, e, portanto, a presença de prejuízos é certa e infalível, porque inerente a este tipo de garantia. E porque a sua quantificação é fácil de fazer, o legislador quis dar ao lesado a possibilidade de obter, de forma imediata e praticamente automática, o reconhecimento do direito indemnizatório, ainda que limitado ao montante máximo previsto no n.º 3 do art.º 53.º da LGT.
Como refere A. LIMA GUERREIRO, em anotação ao art.º 53.º na sua "Lei Geral Tributária Anotada", «o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (como o seguro-caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efetivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais» - pág.245.
Também JORGE LOPES DE SOUSA, na obra "Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por atos ilegais - Notas Práticas", refere que equivalente à garantia bancária «serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. Dos meios de garantia expressamente previstos no art.º 199.º do CPPT, será o caso do seguro-caução, cujo regime está previsto nos arts. 6.º e 7.º do DL n.º 183/88, de 24 de Maio». E, como adianta no seu "Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", voI. III, 6ª ed., pág. 346, a restrição do dever de indemnização aos casos de prestação de garantia bancária e garantias equivalentes, como o seguro-caução, vale, tão-somente, quanto a esta indemnização automática, derivada da mera verificação dos pressupostos previstos no artigo 53.º n.ºs 1 e 2 da LGT, independentemente da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, regulada pela Lei nº 67/2007.[...]”
Face ao exposto, consideraria improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida, sem prejuízo – como já referido – do eventual direito a indemnização poder ser exercido em processo autónomo, como resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado, i.e., é acautelado ao lesado, e não se nega com esta posição, para efetivação dos seus direitos patrimoniais pela prestação da garantia de penhor a reparação dos prejuízos que efetivamente sofreu, “[...] por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art.º 22.º da Constituição como pela Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei nº 67/2007, de 31.12). Terá, porém, de intentar para o efeito ação judicial para efetivar essa responsabilidade civil da administração tributária, onde terá de invocar e provar todos os danos que sofreu [...]”.
O Árbitro Vogal
(Marisa Isabel Almeida Araújo)
[1] Ac. do STA de 03-05-2018, proferido no processo 0250/17.
[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[4] Acórdão de 28-10-2020, proferido no processo 02887/13.8BEPRT.
[5] cf. Ac. do STA de 22-03-2018, proferido no processo n.º 0208/17.
[6] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2012, processo n.º 0528/12, de 10-10-2018, processo n.º 0469/14.6BELRS 033/18, de 09-01-2019, processo n.º 0585/18.
[7] Neste sentido também acórdão proferido no âmbito do processo arbitral n.º 519/2020-T.