Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 513/2020-T
Data da decisão: 2021-07-08  IVA  
Valor do pedido: € 225.881,99
Tema: IVA – Princípio da equivalência – Reenvio prejudicial.
REENVIO PREJUDICIAL   Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL DE REENVIO PREJUDICIAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Jorge Carita e Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-12-2020, acordam no seguinte:

               

1. Relatório

 

A..., S.A. (anteriormente denominada B...), pessoa colectiva n.º ..., com sede em ..., ...-... ... (doravante designada por “A...”), e

C..., S.A. pessoa colectiva número..., matriculada  na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro sob o mesmo número, com sede no ..., ...-... ..., freguesia de ..., concelho da ..., distrito de Coimbra (doravante referida como “C...”), na qualidade de sociedade que sucedeu a título universal, por fusão ocorrida em 2019,  à D..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º..., Lisboa ((doravante abreviadamente designada por “D...”)

designadas conjuntamente como “Requerentes”, apresentaram, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade dos indeferimentos das reclamações graciosas n.ºs ...2020... e ...2020... e a ilegalidade parcial das autoliquidações de IVA dos períodos mensais de Janeiro a Dezembro de 2018 da A..., e de Janeiro a Dezembro de 2018 da D... .

As Requerentes A... e C... pedem ainda o reembolso das quantias que entendem terem pagado a mais, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde as datas de cada período mensal de IVA, até ao seu integral reembolso.

Essas quantias são, relativamente à A...

Janeiro: € 3.014,23

Fevereiro: € 1.085,71

Março: € 1.669,13

Abril: € 2.339,62

Maio: € 3.045,72

Junho: € 5.376,67

Julho: € 7.040,73

Agosto: € 3.259,45

Setembro: € 5.436,06

Outubro: € 6.860,86

Novembro: € 6.280,44

Dezembro: € 18.953,65

Total: € 64.362,28

 

D...: 

Janeiro: € 24.885,64

Fevereiro: € 21.941,53

Março: € 9.563,41

Abril: € 9.833,18

Maio: € 5.417,80

Junho: € 11.483,03

Julho: € 10.668,29

Agosto: € 9.975,10

Setembro: € 8.563,78

Outubro: € 3.952,37

Novembro: € 23.156,79

Dezembro: € 22.078,78

Total: € 161.519,71

Soma: € 225.881,99.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-10-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-11-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-12-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes e, a assim não se entender, a Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser condenada a reapreciar as reclamações graciosas.

Em 28-05-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

Na mesma reunião, as Partes foram notificadas para se pronunciarem sobre questões a colocar em eventual reenvio prejudicial.

As Partes apresentaram alegações e sugeriram questões a colocar em eventual reenvio prejudicial.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A)           A A... apresentou as declarações de IVA relativas aos períodos de tributação de Janeiro de 2018 a Dezembro de 2018 que constam do pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

B)             A D... apresentou as declarações de IVA relativas aos períodos de tributação de Janeiro de 2018 a Dezembro de 2018 que constam do pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

C)           A A... apresentou no presente processo arbitral o quadro-síntese da tributação autónoma efectuada em sede de IRC no exercício de 2018, a título individual:

 

D)           A D... apresentou no presente processo arbitral o quadro-síntese da tributação autónoma paga em sede de IRC no exercício de 2018;

 

E)            A A... apresentou no presente processo arbitral o quadro-síntese da tributação autónoma efectuada em sede de IRC no exercício de 2018, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS):

 

F)            A A... e a D... apresentaram no presente processo arbitral os mapas de apoio às declarações mensais de IVA, que constam dos documentos n.ºs 15 e 16, cujos teores se dão como reproduzidos, relativos aos meses de Janeiro a Dezembro de 2018, que se sintetizam nos quadros que constam do artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

G)           A A... e a D... apresentaram reclamações graciosas das respectivas autoliquidações de IVA, que foram indeferidas por despachos que constam dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

H)           As Requerentes A... e D... apresentaram as declarações modelo 22 de IRC individuais relativas ao exercício de 2018, que constam dos documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se incluem  tributações autónomas;

I)             A A... apresentou a declaração modelo 22 de IRC do grupo de sociedades relativa ao exercício de 2018, que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

J)            Em 04-10-2020, as Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

 A apreciação da prova das despesas invocadas pelas Requerentes só terá utilidade se for procedente a pretensão das Requerentes quanto à questão do princípio da equivalência, pelo que, tendo em mente a possibilidade de «pronúncias parciais incidentes sobre as diversas questões suscitadas no processo» prevista no artigo 22.º, n.º 1, do RJAT, apreciar-se-á no presente acórdão apenas aquela questão e a necessidade ou não de reenvio prejudicial para o TJUE sobre ela.

Por isso, a apreciação da prova das despesas invocadas pelas Requerentes será efectuada em posterior decisão, se for caso disso.

   

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão de Direito da União Europeia que é objecto do processo

 

De harmonia com o preceituado no artigo 124.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, para além de vícios geradores de inexistência ou nulidade do acto impugnado, o Tribunal limita-se a apreciar "vícios arguidos que conduzam à sua anulação".

No caso em apreço, o vício que as Requerentes imputam às autoliquidações impugnadas reporta-se ao artigo 21.º do CIVA, que prevê situações de "exclusão do direito à dedução" de IVA.

Mas, a questão de legalidade as Requerentes suscitam no presente processo não é o da admissibilidade ou não, em geral, de exclusões ao direito à dedução de IVA exclusivas do Direito Nacional, vigentes à data da entrada em vigor da Sexta Directiva (cláusula stand still), nem tem a ver com a possibilidade ou não de elisão de presunções à face do Direito Nacional, sobre que a Autoridade Tributária e Aduaneira discorre na sua Resposta.

Na verdade, como insistentemente afirmam as Requerentes, a questão de legalidade que colocam apenas uma questão de direito da União Europeia, que é a da violação do princípio da equivalência por algumas das restrições e exclusões ao direito a dedução de IVA previstas no artigo 21.º do CIVA, designadamente as relativas a despesas com viaturas, despesas com gasóleo, despesas de representação e despesas de deslocação e estadia.

Como dizem as Requerentes,  a ilegalidade que imputam às autoliquidações «é sobre esta desigualdade de tratamento fiscal das mesmas despesas, consoante se esteja perante o imposto nacional sobre o rendimento das pessoas colectivas que é o IRC (tratamento mais brando em face do risco abstracto de as despesas serem utilizadas também em fins alheios à operação da empresa), ou pelo contrário perante o imposto de base comunitária sobre o consumo que é o IVA (tratamento bem mais severo e radical em face do mesmo risco abstracto de as mesmíssimas despesas serem utilizadas também em fins alheios à operação da empresa)».

E, no desenvolvimento da sua argumentação, as Requerentes defendem em suma o seguinte:

– o direito à dedução é o princípio fundamental do IVA;

– quanto a todas as despesas vale sempre o mesmo princípio de que o que releva é apurar a sua utilização em concreto;

– a cláusula de stand still permite manter exclusões abstractas automáticas ao direito à dedução, mas quem as impõe são os Estados Membros;

– as legislações nacionais estão vinculadas ao respeito pelo princípio comunitário da equivalência, que não é derrogado pela cláusula stand still;

– há tratamento discriminatório do imposto comunitário IVA vis a vis o imposto nacional IRC que não é autorizado pelo princípio da equivalência;

– as tributações autónomas em IRC sobre as despesas e encargos aqui em causa, substituirão exclusões automáticas de dedução dessas mesmas despesas e encargos em sede de IRC e, se assim, não se entender, então a discriminação, a ofensa ao princípio comunitário da equivalência, será ainda maior;

– perante as mesmas despesas e para fazer face ao mesmo problema da sua possível utilização fora da operação da empresa, o legislador nacional criou e manteve tratamento mais desfavorável para o direito à dedução em sede de IVA (regime de direito comunitário) que para o direito à dedução em sede de IRC (regime nacional), pois o CIVA afasta em geral por completo, a priori, de forma automática, as deduções relativas a esses inputs, enquanto no CIRC afasta em muito menor grau ou intensidade as deduções relativas a esses inputs;

– não sendo claro para o Tribunal Arbitral que o princípio comunitário da equivalência impede este tratamento discriminatório (para usar a expressão da AT) do IVA face ao IRC no âmbito da uma mesmíssima questão com que se defrontam estes dois impostos, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na parte em que se reporta à questão da violação do princípio da equivalência, diz o seguinte, em suma:

– a dedutibilidade dos gastos e perdas obedece a requisitos e condições estabelecidos pelo legislador do Código do IRC, que fazem apelo, no essencial, a critérios de base económico-contabilística – consumos de bens e serviços utilizados – associados à prossecução do interesse da empresarial;

– a lógica de funcionamento do IVA assenta no método subtrativo (crédito de imposto) que consiste na aplicação da taxa do imposto ao valor das transações do sujeito passivo, em determinado período, deduzindo-se ao montante assim obtido o imposto suportado nas suas aquisições durante o mesmo período;

– o regime das deduções tem a ver com aquisições de bens e serviços e não com consumos e, uma vez que influencia os montantes efetivamente devidos ao Estado em cada período, está harmonizado de modo a não existirem diferenças significativas entre os Estados membros da UE (artigos 167.º a 192.º da Diretiva 2006/112/CE);

– perante este quadro diferenciador entre o IRC e o IVA, não se vislumbram razões que pugnem por um alinhamento das regras definidas para a dedutibilidade de gastos ou perdas para efeitos de apuramento do lucro tributável e as regras de dedução do IVA suportado para efeitos de determinar o IVA devido em cada período, nem como está diferenciação pode constituir uma violação do princípio comunitário da equivalência;

– as tributações autónomas em IRC, têm como principal objetivo, combater a fraude e evasão fiscais, evitando determinados comportamentos que se mostram como potenciadores de planeamento fiscal abusivo;

– o artigo 21.º do CIVA têm subjacente a dificuldade de, na maioria das situações, se mostrar difícil determinar a medida exata das suas componentes relacionadas com a atividade empresarial, ou com o consumo privado;

– estamos perante impostos distintos, sendo que, a interpretação das normas do IVA, é necessariamente, diferenciada da que é utilizada para outros impostos como o IRC aqui em causa;

  muito embora as finalidades de ambos os impostos se toquem, a verdade é que, a metodologia de trabalho quando analisamos questões como a presente, são necessariamente distintas, onde a prevalência no caso do IRC e em concreto das tributações autónomas vai para a CRP ou LGT, e o IVA para o direito comunitário;

– em sede de IRC, com respeito às despesas aqui em causa, permite-se a dedução, onde está incluído o IVA não dedutível;

– atenta a falta de jurisprudência específica do TJUE, a título subsidiário, na medida em que não seja claro para o Tribunal Arbitral o que exige nas circunstâncias do caso em especial o princípio comunitário da equivalência, deverá então o Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia das questões que entenda formular em função da concreta dúvida, conforme previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

– esta matéria foi apreciada no processo arbitral n.º 878/2019-T.

 

3.2. Apreciação da necessidade de reenvio prejudicial

 

Ambas as Partes aventaram a adequação de reenvio prejudicial para o TJUE (artigo 90.º do pedido de pronúncia arbitral e 150.º da resposta).

Na reunião realizada em 28-05-2021, as Partes foram «notificadas para se pronunciarem sobre as questões a colocar no eventual reenvio prejudicial».

Nas alegações, as Requerentes formularam questões para serem colocadas em reenvio prejudicial, que são as seguintes:

i) A regulamentação nacional (portuguesa) em sede de IVA que prevê exclusões automáticas (a priori) de dedução do IVA no que respeita, designadamente a IVA suportado com frota de viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, está dispensada do respeito pelo princípio comunitário da equivalência e da igualdade de tratamento entre direito comunitário e direito nacional?

ii) Em caso de resposta negativa à primeira pergunta, é violado o princípio comunitário da equivalência quando o legislador nacional (português), com respeito àquelas mesmas tipologias de despesas e encargos, e com vista a combater o mesmo potencial de consumos fora da actividade empresarial (receio abstracto de uso também fora da actividade empresarial), exclui a priori (automaticamente) o direito à dedução em regra na totalidade quando se trata do IVA (realidade comunitária), e sacrifica a priori (automaticamente) significativamente menos o direito à dedução quando se trata de tributar o lucro (realidade/imposto nacional sobre o rendimento), prevendo aqui indedutibilidade apenas parcial, ou prevendo mesmo a dedutibilidade total a priori (sem prejuízo de controlo a posteriori), como no caso das despesas de deslocação e estadia (sujeito à condição de existência na empresa de mapas de controlo das deslocações e estadias)?

 

No artigo 18.º das suas alegações, a Autoridade Tributária e Aduaneira sugeriu que, a ser efectuado reenvio prejudicial, seja colocada a seguinte questão:

 

                O Direito da EU, designadamente o Princípio da equivalência, opõem-se a uma norma como a do artigo 21.º do CIVA?

 

3.2.1. Legislação nacional relevante

 

O artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelecia o seguinte, na redacção vigente em 2018, ano a que se reportam as autoliquidações impugnadas:

 

Artigo 21.º

 

Exclusões do direito à dedução

 

1 – Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

 

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;

b) Despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com excepção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível:

 

i) Veículos pesados de passageiros;

ii) Veículos licenciados para transportes públicos, exceptuando-se os rent-a-car;

iii) Máquinas consumidoras de gasóleo, GPL, gás natural ou biocombustíveis, bem como as máquinas que possuam matrícula atribuída pelas autoridades competentes, desde que, em qualquer dos casos, não sejam veículos matriculados;

iv) Tractores com emprego exclusivo ou predominante na realização de operações culturais inerentes à actividade agrícola;

v) Veículos de transporte de mercadorias com peso superior a 3500 kg;

c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;

e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

 

2 – Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

 

a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda;

b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares;

c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;

d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;

e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %.

f) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC;

g) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas movidas a GPL ou a GNV, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas movidas a GPL ou a GNV, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, na proporção de 50 %.

 

3 – Não conferem também direito à dedução do imposto as aquisições de bens referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 16.º, quando o valor da sua transmissão posterior, de acordo com legislação especial, for a diferença entre o preço de venda e o preço de compra.

 

Os artigos 23.º, 23.º-A, 87.º, 87.º-A e 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), que estabelecem o regime essencial da tributação em IRC e tributação autónoma (TA), preceituam o seguinte, nas redacções vigentes em 2018, no que pode interessar para a resolução das questões colocadas no presente processo:

 

Artigo 23.º

 

Gastos e perdas

 

1 – Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

2 – Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

 

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

 (...)

 

f) De natureza fiscal e parafiscal;

(...)

 

Artigo 23.º-A

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

 

a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;

(...)

 

h) As ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário;

i) Os encargos com o aluguer sem condutor de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, na parte correspondente ao valor das depreciações dessas viaturas que, nos termos das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 34.º, não sejam aceites como gastos;

j) Os encargos com combustíveis na parte em que o sujeito passivo não faça prova de que os mesmos respeitam a bens pertencentes ao seu ativo ou por ele utilizados em regime de locação e de que não são ultrapassados os consumos normais;

k) Os encargos relativos a barcos de recreio e aeronaves de passageiros que não estejam afetos à exploração do serviço público de transportes nem se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo;

l) As menos-valias realizadas relativas a barcos de recreio, aviões de turismo e viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, que não estejam afetos à exploração de serviço público de transportes nem se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo, exceto na parte em que correspondam ao valor fiscalmente depreciável nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º ainda não aceite como gasto;

(...)

 

Artigo 87.º

 

Taxas

 

1 – A taxa do IRC é de 21 %, exceto nos casos previstos nos números seguintes.

 

2 – No caso de sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial que sejam qualificados como pequena ou média empresa, nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 , de 6 de novembro, a taxa de IRC aplicável aos primeiros (euro) 15 000 de matéria coletável é de 17 %, aplicando-se a taxa prevista no número anterior ao excedente.

 

3 – A aplicação da taxa prevista no número anterior está sujeita às regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de minimis.

 

(...)

 

Artigo 87.º-A

 

Derrama estadual

 

1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

                                            

2 – O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

 

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %.

 

3 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

 

(...)

 

Artigo 88.º

 

Taxas de tributação autónoma

 

1 – (...)

 

2 – (...)

 

3 – São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

 

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a (euro) 25 000;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25 000, e inferior a (euro) 35 000;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000.

 

4 – (...)

 

5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

 

6 – Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:

 

a) Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e

b) Viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

 

7 – São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

 

8 – (...)

 

9 – São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos efetuados ou suportados relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.

 

10 – (Revogado.)

 

11 – (...)

 

12 –  (...)

 

13 – (...)

 

14 – As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.

 

15 – (...)

 

16 – (...)

 

17 – No caso de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 5 %, 10 % e 17,5 %.

 

18 – No caso de viaturas ligeiras de passageiros movidas a GPL ou GNV, as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 7,5 %, 15 % e 27,5 %.

 

19 – (...)

 

20 – Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º.

 

21 – A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

3.2.2. Termos em que é colocada a questão e apreciação da necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE

 

As Requerentes salientam as seguintes diferenças entre a  dedutibilidade de despesas em sede de IRC, a par da sua tributação autónoma em alguns casos, e a dedução de IVA, relativamente a viaturas, gasóleo, despesas de representação e despesas de deslocação e estadia:  

 

a) despesas com viaturas com custo aquisição inferior a € 25.000 e taxa TA 10%:

i) deduzidas em IRC, mas sujeitas a TA à taxa de 10%, correspondente a uma indedutibilidade fiscal em sede IRC de 47,62% (taxa de 10 / taxa de 21) (sem ter em conta a eventual derrama estadual);

 ii) indedutibilidade fiscal em sede de IVA de 100%.

 

b) despesas com viaturas com custo aquisição inferior a € 25.000 sem TA:

 i) deduzidas em IRC, e ausência de TA, o que corresponde a uma dedutibilidade total em sede IRC;

 ii) indedutibilidade fiscal em sede de IVA de 100%.

 

c) despesas com gasóleo de viaturas com custo aquisição inferior a € 25.000 taxa TA 10%:

 i) deduzidas em IRC, mas sujeitas a TA à taxa de 10%, correspondente a indedutibilidade fiscal em sede IRC de 47,62% (taxa de 10 / taxa 21) (sem ter em conta a eventual derrama estadual);

 ii) indedutibilidade fiscal em sede de IVA de 50%.

 

d) “despesas com gasóleo viaturas custo aquisição inferior a € 25.000 sem TA”:

 i) deduzidas em IRC, e ausência de TA, o que corresponde a uma dedutibilidade fiscal  em sede IRC de 100% (dedutibilidade total em sede de IRC);

 ii) indedutibilidade fiscal em sede de IVA de 50%.

 

 e) “despesas de representação”:

 i) deduzidas em IRC, mas sujeitas a TA à taxa de 10%, correspondente a indedutibilidade fiscal em sede IRC de 47,62% (taxa de 10 / taxa de 21) (sem ter em conta a eventual derrama estadual);

 ii) indedutibilidade fiscal em sede de IVA de 100%.

 

f) “despesas de deslocação e estadia sem TA”:

i) deduzidas em IRC, e ausência de TA, o que corresponde a uma dedutibilidade fiscal em sede IRC de 100% (dedutibilidade total em sede de IRC);

 ii) indedutibilidade fiscal em sede de IVA de 100%.

 

A tributação autónoma de despesas destes tipos, no âmbito do IRC, a par da sua dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável, reconduz-se a indedutibilidade parcial, na medida em que a dedutibilidade dessas despesas não afasta totalmente a tributação sobre o seu montante, no âmbito do CIRC, a título de tributação autónoma.

Como defendem as Requerentes é idêntica a justificação essencial, no direito nacional, para a não admissibilidade de exercício do direito à dedução total ou parcial do IVA relativamente a despesas com veículos, despesas de representação e de deslocações e estadias e para a sua tributação autónoma no âmbito do CIRC, nos casos em que ocorre, que é a possibilidade de despesas desses tipos poderem ser utilizadas total ou parcialmente para fins não empresariais e, antes, fins pessoais dos colaboradores da empresa.

Na verdade, se é certo que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, há «tributações autónomas em IRC, têm como principal objetivo, combater a fraude e evasão fiscais, evitando determinados comportamentos que se mostram como potenciadores de planeamento fiscal abusivo», também o é que não é esse o caso das despesas que aqui estão em causa, pois, naturalmente, o legislador de IRC não pretendeu obstar a que as empresas de utilizem veículos dos tipos referidos para a sua actividade empresarial e efectuarem despesas de representação, deslocações  estadias que se sejam necessárias para a obtenção dos rendimentos, sendo precisamente por aceitar que as empresas suportem despesas desses tipos que é aceite a sua dedutibilidade para determinação do lucro tributável.

Por isso, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente ao artigo 21.º do CIVA, a razão pela qual são aplicadas tributações autónomas prevista no CIRC quanto às despesas referidas é também a dificuldade em determinar a medida exacta das suas componentes relacionadas com a actividade empresarial ou com o consumo privado.

Resulta claro das situações referidas pelas Requerentes que a indedutibilidade do IVA suportado com despesas dos tipos referidos é superior à indedutibilidade no âmbito do CIRC, mesmo nos casos em que há lugar a tributação autónoma.

A tese das Requerentes é a de que o princípio da equivalência é aplicável, que tem sido aplicado pela jurisprudência do TJUE, impõe que seja de aplicar a mesma medida às duas realidades, devendo o legislador nacional impor «sacrifício equivalente do princípio do direito à dedução nos dois impostos, IVA (realidade de direito comunitário) e IRC (realidade nacional)».

Como ambas as Partes reconhecem, não há jurisprudência específica do TJUE sobre esta questão, pelo que se justifica a ponderação da necessidade de reenvio prejudicial, que ambas as Partes também aventam.

Nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

O reenvio prejudicial está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) , do Tratado da União Europeia (TUE) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e é, em princípio, obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial previsto nos artigos 19.º,  n.º 3, alínea b) do TUE e 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).

Porém, no caso em apreço, está em causa a interpretação de um princípio do Direito da União Europeia que o TJUE tem aplicado, mas a situações diferentes da que é objecto deste processo.

O facto de ter sido proferida uma decisão arbitral em que se entendeu não ser de efectuar o reenvio não vincula o presente Tribunal Arbitral, pois, como tem afirmado o TJUE «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça" (acórdãos do TJUE de 10 de Julho de 2018, processo C-25/17, n.º 31, e de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45).

Neste caso, o Tribunal Arbitral entende que a solução da questão suscitada não é clara, pelo que, na ausência de jurisprudência do TJUE sobre a questão, justifica-se o reenvio prejudicial.   

Como se referiu apenas as Partes sugeriram questões a colocar em reenvio prejudicial.

Ponderando as sugestões das Partes, formula-se nestes termos reenvio prejudicial para o TJUE:

 

Reenvio prejudicial

 

                O princípio da equivalência opõe-se a uma regulamentação nacional em sede de IVA como a prevista no artigo 21.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), mantida ao abrigo da cláusula stand still, que prevê exclusão total ou em 50% do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, relativamente às quais se admite, em sede de imposto sobre o rendimento, a relevância total como gastos (sem prejuízo de controle a posteriori e sujeição a condições) ou, através de imposição de tributações autónomas, se admite uma dedutibilidade real como gastos em percentagem maior do que 50%?

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o reenvio prejudicial, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à secretaria daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.

 

Lisboa, 08-07-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Jorge Carita)

(Nina Aguiar)

2.ª DECISÃO Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Jorge Carita e Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-12-2020, acordam no seguinte:

 

        

1. Relatório

 

A..., S.A. (anteriormente denominada B... S.A.), pessoa colectiva n.º ..., com sede em ..., ..., ...-... ... (doravante designada por “A...”), e

C..., S.A. pessoa colectiva número..., matriculada  na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o mesmo número, com sede no Pólo Industrial A..., ...-... ..., freguesia de ..., concelho da ..., distrito de ... (doravante referida como “*C...”), na qualidade de sociedade que sucedeu a título universal, por fusão ocorrida em 2019,  à D..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º..., Lisboa (doravante abreviadamente designada por “D...”)

designadas conjuntamente como “Requerentes”, apresentaram, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade dos indeferimentos das reclamações graciosas n.ºs ...2020...e ...2020... e a ilegalidade parcial das autoliquidações de IVA dos períodos mensais de Janeiro a Dezembro de 2018 da A..., e de Janeiro a Dezembro de 2018 da D... .

As Requerentes A... e C... pedem ainda o reembolso das quantias que entendem terem pagado a mais, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde as datas de cada período mensal de IVA, até ao seu integral reembolso.

Essas quantias são, relativamente à A...

Janeiro: € 3.014,23

Fevereiro: € 1.085,71

Março: € 1.669,13

Abril: € 2.339,62

Maio: € 3.045,72

Junho: € 5.376,67

Julho: € 7.040,73

Agosto: € 3.259,45

Setembro: € 5.436,06

Outubro: € 6.860,86

Novembro: € 6.280,44

Dezembro: € 18.953,65

Total: € 64.362,28

 

D...: 

Janeiro: € 24.885,64

Fevereiro: € 21.941,53

Março: € 9.563,41

Abril: € 9.833,18

Maio: € 5.417,80

Junho: € 11.483,03

Julho: € 10.668,29

Agosto: € 9.975,10

Setembro: € 8.563,78

Outubro: € 3.952,37

Novembro: € 23.156,79

Dezembro: € 22.078,78

Total: € 161.519,71

Soma: € 225.881,99.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-10-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-11-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-12-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes e, a assim não se entender, a Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser condenada a reapreciar as reclamações graciosas.

Em 28-05-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

Na mesma reunião, as Partes foram notificadas para se pronunciarem  sobre questões a colocar em eventual reenvio prejudicial.

As Partes apresentaram alegações e sugeriram questões a colocar em eventual reenvio prejudicial.

Por acórdão de 08-07-2021, o Tribunal Arbitral decidiu suspender a instância até pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre a seguinte questão, que foi colocada e, reenvio prejudicial:

 

O princípio da equivalência opõe-se a uma regulamentação nacional em sede de IVA como a prevista no artigo 21.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), mantida ao abrigo da cláusula stand still, que prevê exclusão total ou em 50% do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, relativamente às quais se admite, em sede de imposto sobre o rendimento, a relevância total como gastos (sem prejuízo de controle a posteriori e sujeição a condições) ou, através de imposição de tributações autónomas, se admite uma dedutibilidade real como gastos em percentagem maior do que 50%?

 

O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se sobre a questão colocada por despacho de 09-12-2022, proferido no seu processo C-459/21, declarando que

 

O princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Com a prolação do acórdão do TJUE cessou a suspensão da instância.

Cumpre decidir.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

  1. A A... apresentou as declarações de IVA relativas aos períodos de tributação de Janeiro de 2018 a Dezembro de 2018 que constam do pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  2.   A D... apresentou as declarações de IVA relativas aos períodos de tributação de Janeiro de 2018 a Dezembro de 2018 que constam do pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  3. A A... apresentou no presente processo arbitral o quadro-síntese da tributação autónoma efectuada em sede de IRC no exercício de 2018, a título individual:

 

  1. A D... apresentou no presente processo arbitral o quadro-síntese da tributação autónoma paga em sede de IRC no exercício de 2018;

 

  1. A A... apresentou no presente processo arbitral o quadro-síntese da tributação autónoma efectuada em sede de IRC no exercício de 2018, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS):

 

  1. A A... e a D... apresentaram no presente processo arbitral os mapas de apoio às declarações mensais de IVA, que constam dos documentos n.ºs 15 e 16, cujos teores se dão como reproduzidos, relativos aos meses de Janeiro a Dezembro de 2018, que se sintetizam nos quadros que constam do artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. A A... e a D... apresentaram reclamações graciosas das respectivas autoliquidações de IVA, que foram indeferidas por despachos que constam dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  3. As Requerentes A... e D... apresentaram as declarações modelo 22 de IRC individuais relativas ao exercício de 2018, que constam dos documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se incluem  tributações autónomas;
  4. A A... apresentou a declaração modelo 22 de IRC do grupo de sociedades relativa ao exercício de 2018, que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  5. Em 04-10-2020, as Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

 A apreciação da prova das despesas invocadas pelas Requerentes só terá utilidade se for procedente a pretensão das Requerentes quanto à questão do princípio da equivalência, pelo que, tendo em mente a possibilidade de «pronúncias parciais incidentes sobre as diversas questões suscitadas no processo» prevista no artigo 22.º, n.º 1, do RJAT, apreciar-se-á no presente acórdão apenas aquela questão e face ao Acórdão do TJUE acima identificado.

   

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão de Direito da União Europeia que é objecto do processo

 

De harmonia com o preceituado no artigo 124.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, para além de vícios geradores de inexistência ou nulidade do acto impugnado, o Tribunal limita-se a apreciar "vícios arguidos que conduzam à sua anulação".

No caso em apreço, o vício que as Requerentes imputam às autoliquidações impugnadas reporta-se ao artigo 21.º do CIVA, que prevê situações de "exclusão do direito à dedução" de IVA.

Mas, a questão de legalidade que as Requerentes suscitam no presente processo não é o da admissibilidade ou não, em geral, de exclusões ao direito à dedução de IVA exclusivas do Direito Nacional, vigentes à data da entrada em vigor da Sexta Directiva (cláusula stand still), nem tem a ver com a possibilidade ou não de elisão de presunções à face do Direito Nacional, sobre que a Autoridade Tributária e Aduaneira discorre na sua Resposta.

Na verdade, como insistentemente afirmam as Requerentes, a questão de legalidade que colocam diz apenas respeito a uma questão de direito da União Europeia, que é a da violação do princípio da equivalência por algumas das restrições e exclusões ao direito a dedução de IVA previstas no artigo 21.º do CIVA, designadamente as relativas a despesas com viaturas, despesas com gasóleo, despesas de representação e despesas de deslocação e estadia.

Como dizem as Requerentes,  a ilegalidade que imputam às autoliquidações «é sobre esta desigualdade de tratamento fiscal das mesmas despesas, consoante se esteja perante o imposto nacional sobre o rendimento das pessoas colectivas que é o IRC (tratamento mais brando em face do risco abstracto de as despesas serem utilizadas também em fins alheios à operação da empresa), ou pelo contrário perante o imposto de base comunitária sobre o consumo que é o IVA (tratamento bem mais severo e radical em face do mesmo risco abstracto de as mesmíssimas despesas serem utilizadas também em fins alheios à operação da empresa)».

E, no desenvolvimento da sua argumentação, as Requerentes defendem em suma o seguinte:

– o direito à dedução é o princípio fundamental do IVA;

– quanto a todas as despesas vale sempre o mesmo princípio de que o que releva é apurar a sua utilização em concreto;

– a cláusula de stand still permite manter exclusões abstractas automáticas ao direito à dedução, mas quem as impõe são os Estados Membros;

– as legislações nacionais estão vinculadas ao respeito pelo princípio comunitário da equivalência, que não é derrogado pela cláusula stand still;

– há tratamento discriminatório do imposto comunitário IVA vis a vis o imposto nacional IRC que não é autorizado pelo princípio da equivalência;

– as tributações autónomas em IRC sobre as despesas e encargos aqui em causa, substituirão exclusões automáticas de dedução dessas mesmas despesas e encargos em sede de IRC e, se assim, não se entender, então a discriminação, a ofensa ao princípio comunitário da equivalência, será ainda maior;

– perante as mesmas despesas e para fazer face ao mesmo problema da sua possível utilização fora da operação da empresa, o legislador nacional criou e manteve tratamento mais desfavorável para o direito à dedução em sede de IVA (regime de direito comunitário) que para o direito à dedução em sede de IRC (regime nacional), pois o CIVA afasta em geral por completo, a priori, de forma automática, as deduções relativas a esses inputs, enquanto no CIRC afasta em muito menor grau ou intensidade as deduções relativas a esses inputs;

– não sendo claro para o Tribunal Arbitral que o princípio comunitário da equivalência impede este tratamento discriminatório (para usar a expressão da AT) do IVA face ao IRC no âmbito da uma mesmíssima questão com que se defrontam estes dois impostos, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na parte em que se reporta à questão da violação do princípio da equivalência, diz o seguinte, em suma:

– a dedutibilidade dos gastos e perdas obedece a requisitos e condições estabelecidos pelo legislador do Código do IRC, que fazem apelo, no essencial, a critérios de base económico-contabilística – consumos de bens e serviços utilizados – associados à prossecução do interesse da empresarial;

– a lógica de funcionamento do IVA assenta no método subtrativo (crédito de imposto) que consiste na aplicação da taxa do imposto ao valor das transações do sujeito passivo, em determinado período, deduzindo-se ao montante assim obtido o imposto suportado nas suas aquisições durante o mesmo período;

– o regime das deduções tem a ver com aquisições de bens e serviços e não com consumos e, uma vez que influencia os montantes efetivamente devidos ao Estado em cada período, está harmonizado de modo a não existirem diferenças significativas entre os Estados membros da UE (artigos 167.º a 192.º da Diretiva 2006/112/CE);

– perante este quadro diferenciador entre o IRC e o IVA, não se vislumbram razões que pugnem por um alinhamento das regras definidas para a dedutibilidade de gastos ou perdas para efeitos de apuramento do lucro tributável e as regras de dedução do IVA suportado para efeitos de determinar o IVA devido em cada período, nem como está diferenciação pode constituir uma violação do princípio comunitário da equivalência;

– as tributações autónomas em IRC, têm como principal objetivo, combater a fraude e evasão fiscais, evitando determinados comportamentos que se mostram como potenciadores de planeamento fiscal abusivo;

– o artigo 21.º do CIVA têm subjacente a dificuldade de, na maioria das situações, se mostrar difícil determinar a medida exata das suas componentes relacionadas com a atividade empresarial, ou com o consumo privado;

– estamos perante impostos distintos, sendo que, a interpretação das normas do IVA, é necessariamente, diferenciada da que é utilizada para outros impostos como o IRC aqui em causa;

–  muito embora as finalidades de ambos os impostos se toquem, a verdade é que, a metodologia de trabalho quando analisamos questões como a presente, são necessariamente distintas, onde a prevalência no caso do IRC e em concreto das tributações autónomas vai para a CRP ou LGT, e o IVA para o direito comunitário;

– em sede de IRC, com respeito às despesas aqui em causa, permite-se a dedução, onde está incluído o IVA não dedutível;

– atenta a falta de jurisprudência específica do TJUE, a título subsidiário, na medida em que não seja claro para o Tribunal Arbitral o que exige nas circunstâncias do caso em especial o princípio comunitário da equivalência, deverá então o Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia das questões que entenda formular em função da concreta dúvida, conforme previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

– esta matéria foi apreciada no processo arbitral n.º 878/2019-T.

 

3.2. Aplicação do decidido pelo TJUE em reenvio prejudicial

 

Como se referiu, o único vício que as Requerentes imputam às liquidações impugnadas é a questão da compatibilidade do artigo 21.º 1, n.º 1, do CIVA com o Direito da União Europeia, à luz do princípio da equivalência, por estabelecer exclusão total ou parcial do direito à dedutibilidade do IVA suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, em situações em que se admite maior relevância dessas despesas como gastos em sede de IRC, directamente ou através de tributações autónomas.

Como se referiu, o TJUE decidiu que aquele artigo 21.º, n.º 1, do CIVA não é incompatível com o princípio da equivalência.

Na fundamentação da decisão, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

 

24 As requerentes no processo principal alegam que tais despesas beneficiam de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional, a saber, o IRC. A este respeito, consideram que o legislador nacional deveria alinhar o mecanismo do direito à dedução vigente em matéria de IVA com o previsto para a dedutibilidade de despesas em sede de IRC, sob pena de violação do princípio da equivalência.

25 Não se pode deixar de observar que esta argumentação assenta numa compreensão errada do alcance do princípio da equivalência.

26 Com efeito, por um lado, o alcance do direito à dedução do IVA suportado a montante é, como o Governo português e a Comissão salientaram com razão nas suas observações escritas, uma questão de ordem material. Não se trata de uma modalidade processual de uma ação destinada a assegurar a salvaguarda de direitos conferidos às requerentes no processo principal pelo direito da União.

27 A este respeito, a interpretação do princípio da equivalência sugerida pelas requerentes no processo principal teria por efeito desvirtuar o alcance deste princípio. Com efeito, se tal interpretação fosse acolhida, haveria o risco de o âmbito de aplicação do referido princípio ser alargado a qualquer questão de ordem material como, em matéria fiscal, a fixação da taxa de IVA. Ora, essa extensão iria além da finalidade prosseguida pelo mesmo princípio, a saber, o enquadramento da autonomia processual dos Estados-Membros.

28 Por outro lado, contrariamente ao que defendem, em substância, as requerentes no processo principal, o mecanismo do direito à dedução do IVA e o regime de dedutibilidade de despesas em sede de um imposto direto, como o IRC, não são comparáveis para efeitos da aplicação do princípio da equivalência.

29 Com efeito, um imposto indireto como o IVA e um imposto direto como o IRC revestem uma natureza fundamentalmente diferente.

30 Além disso, o mecanismo de dedutibilidade, nestas duas formas de imposto, não é comparável e não tem um objeto e uma causa de pedir semelhantes na aceção da jurisprudência recordada no n.° 20 do presente despacho. Com efeito, embora seja certo que o mecanismo instituído pelo artigo 168. ° da Diretiva IVA assenta na dedução do imposto suportado a montante com as despesas referidas nesta disposição, a dedutibilidade em sede de imposto direto pressupõe a dedução dessas despesas, enquanto tais, para efeitos do cálculo do lucro tributável.

31 Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.

 

O direito da União Europeia prevalece sobre o Direito Nacional por força do preceituado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b) do Tratado da União Europeia e artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia ( [1] ).

Assim, aplicando a jurisprudência do TJUE, conclui-se que as liquidações impugnadas, ao aplicarem limitações do direito à dedução do IVA previstas no artigo 21.º, n. 1, do CIVA, suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, não são incompatíveis com o princípio da equivalência.

Pelo exposto, as liquidações impugnadas não enfermam do vício que as Requerentes lhes imputam, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral.

 

3.3. Pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios

 

Sendo de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações, improcedem também os pedidos de reembolso, que seria consequência da anulação, e de juros indemnizatórios, que pressupõem um pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).  

 

4. Decisão

 

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar improcedentes todos os pedidos;

b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 225.881,99.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes.

 

Lisboa, 26-12-2022

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 


 (Jorge Carita)

 

(Nina Aguiar)



[1] Neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757. de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602. de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.