Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2013-T
Data da decisão: 2014-05-12  IRC  
Valor do pedido: € 86.219,87
Tema: Tributações autónomas
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Decisão Arbitral

 

Proc nº255/2013 – T

Acórdão

I RELATÓRIO

     COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A., (A... ou Requerente), pessoa coletiva n.º…, com sede social na Rua …, Lisboa, apresentou em 13-11-2013, invocando os artigos 2º, nº 1, alínea a), 10º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que institui a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, e artigo 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pedido de pronúncia arbitral sobre o ato de autoliquidação de IRC e Derrama consequente do exercício de 2010, no montante total € 86.219,87 (oitenta e seis mil duzentos e dezanove euros e oitenta e sete cêntimos) e respetivos juros compensatórios.

 

Alegou no essencial e em muito sumária síntese:

- Em 30-05-2011 a Requerente procedeu a autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22.

- Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010, a A... procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total, em termos finais de € 297.617,80.

 - A não relevação fiscal dos encargos com tributações autónomas desse mesmo exercício teve um impacto de € 86.219,87 em termos de IRC e derrama suportados.

- Em 29 de maio de 2013, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC e derrama, manifestando a pretensão de serem considerados como dedutíveis à matéria coletável os encargos com tributações autónomas de 2010.

- No dia 25 de outubro de 2013, a requerente foi notificada, por intermédio do Ofício n.º …, de 23 de outubro de 2013, da decisão de indeferimento do pedido de revisão graciosa, por despacho proferido, em 22 de outubro de 2013, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.

- Em 13-11-2013 deu entrada no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

Não tendo a A... manifestado vontade de designar árbitro, procedeu-se à nomeação nos termos do artigo 6º, nº2, alínea a), do DL 10/2011, de 20 de janeiro (Lei da Arbitragem Tributária, abreviadamente LAT), tendo sido designados árbitros, após prévia aceitação, os signatários, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente), Amândio Silva, e Manuel Vaz.

- Em 15-01-2014 foi constituído o tribunal coletivo arbitral.

- Mostra-se junto o respetivo processo administrativo.

- Na resposta apresentada em 14-02-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) através dos seus Ilustres representantes, manteve as posições já anteriormente assumidas na fase administrativa, designada e sinteticamente o entendimento de que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de apuramento da matéria coletável, tendo igualmente suscitado a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

- Nas contra alegações apresentadas pela Requerente em 25-02-2014 foram mantidas as posições veiculadas na petição inicial e rebatidos os argumentos apresentados pela ATA em sede de decisão sobre o pedido de revisão oficiosa e alegações em sede do presente processo arbitral, incluindo as suscitadas em termos de intempestividade do pedido.

- Em 07-03-2014, realizou-se a primeira reunião do Tribunal para os fins e efeitos previstos no artigo 18º, da LAT, tendo aí sido deliberado, com a concordância das partes, que estas apresentariam alegações escritas no prazo de 10 dias e que não havia controvérsia relativa à matéria de facto alegada, reconduzindo-se o litígio à aplicação e interpretação da Lei (cf. ata respetiva).

- Ambas as partes apresentaram doutas alegações escritas em que mantêm, no essencial, as respetivas posições defendidas nos articulados e na fase administrativa do processo.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

  1. Do pedido da Requerente

- A Requerente procedeu a autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22.

- Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010, a A... procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total, em termos finais de € 297.617,8 – cfr. campo 365, do quadro 10, da Declaração Modelo 22  que correspondem a:

i) tributação autónoma sobre encargos com viaturas, que gerou o montante de € 77.669,00;

ii) tributação autónoma sobre ajudas de custo que gerou o montante de € 28.414,80;

iii) tributação autónoma sobre despesas de representação, que gerou o montante de € 96.684,00;

iv) tributação autónoma sobre bónus, que gerou o montante de € 94.850,00.

- No apuramento do lucro tributável desse exercício de 2010, não deduziu a Requerente o encargo suportado com as referidas tributações autónomas, antes tratando-as como se fossem IRC ou derrama.

- Vem alegar a Requerente que devia ter deduzido ou, de outra perspetiva, tem legalmente o direito de relevar os encargos fiscais com tributações autónomas no cômputo do lucro tributável para efeitos de IRC (e da derrama consequente), com base em acórdãos do Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal Administrativo, posições recentes defendidas pela ATA e posição doutrinária de reputados especialistas.

- Defende a A... que a natureza jurídica da tributação autónoma não se confunde com o imposto sobre o rendimento (IRC) ou lucro da empresa mas que incide sobre a despesa.

 - Elas têm sofrido um contínuo processo de expansão desde a reforma fiscal que entrou em vigor em 1989 (e que criou o IRC). Mas tiveram um nascimento no contexto deste sistema fiscal criado em 1989, e ele encontra-se no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, que previu a exigência de montantes, a título de imposto, às empresas que incorressem em despesas não documentadas (ou confidenciais): teriam de entregar ao Estado 10% do valor dessas despesas, a título da dita tributação autónoma.

- Ou seja, logo à nascença a tributação autónoma nunca teve que ver com, nunca foi, imposto sobre o rendimento da empresa, numa palavra, nunca foi IRC (ou IRS), e inicialmente, no seu nascimento, nem sequer foi colocada no código que regula o IRC (ou o IRS). Estava, em consonância com a sua natureza substantiva, prevista num diploma diferente daquele que regula o IRC (ou o IRS).

- Foi só 10 anos depois, com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que se optou por incluir a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC, sem que, na opinião da Requerente, isso por si só mudasse um milímetro que fosse da sua natureza: continuava a não ser IRC.

- Que a tributação autónoma não é IRC nem tem nada que ver com a tributação em sede de IRC, vem alegar a Requerente que esta posição foi vigorosamente defendido pela AT muito recentemente (com o único senão de pressupor no seu discurso que só existiriam as tributações autónomas sobre despesas confidenciais ou não documentadas), que concluiu, e bem, tratar-se de uma tributação muito distinta do IRC e que, ao contrário deste, não visa o rendimento mas, sim, certas despesas, conforme se transcreve:

i) “O facto gerador de imposto em sede imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas determina-se por referência ao fim do período de tributação, nos termos do n.º 9 do artigo 8.º do respetivo código, mas a tributação autónoma agora em causa [neste outro caso, sobre bónus, como aqui também em substancial parte] não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento, na aceção conferida pelo art.º 1.º daquele mesmo diploma legal, mas sim a despesa enquanto tal”;

ii) “Por conseguinte, através do instituto da tributação autónoma o legislador fiscal não tem em mente tributar um rendimento no fim do período tributário”;

iii) “A nosso ver, atenta a natureza do facto tributário subjacente à tributação autónoma, de manifesta consumação instantânea, a distinção entre aquela e o próprio imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas vai a ponto da distância entre essas mesmas realidades tão-somente permitir uma coincidência ao nível do momento da liquidação e pagamento, nunca no que tange ao momento da verificação do facto tributário [que não é o rendimento no caso da tributação autónoma, mas sim a despesa]”.

- As tributações autónomas, ao contrário do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, não incidem sobre o seu lucro, mas sim sobre a sua despesa, conforme posição doutrinária apresentada pela Requerente.

- Como ensina CASALTA NABAIS (“Investir e tributar: uma relação simbiótica?” in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Vol. I, Almedina, 2013, p 761), as tributações autónomas “(…) começaram por se reportar a situações suscetíveis de elevado risco de evasão e fraude fiscais, como as relativas à tributação das despesas confidenciais e não documentadas, configurando as normas que as previam (…) normas que (…) tinham por função (…) [a] luta contra o crescente fenómeno de evasão e fraude fiscais.

Todavia, com o andar do tempo, a função dessas tributações autónomas que, entretanto, se diversificaram extraordinariamente e aumentaram de valor, alterou-se profundamente passando a ser progressivamente a de obter (mais) receitas fiscais.”.

- A propósito de uma das últimas tributações criadas nesta sede escreve o ilustre Professor que (op. cit. p 761) “(…) algumas dessas tributações se encontram sujeitas a taxas relativamente elevadas, como é o caso das incidentes sobre as indemnizações, compensações, bónus e outras remunerações dos gestores, administradores ou gerentes, sujeitas a uma taxa de 35%”. Prossegue mais à frente (p. 762) CASALTA NABAIS com a seguinte apreciação relativamente às tributações autónomas: [u]ma série de situações que nos leva a concluir que, ao lado do IRC (…) se está erguendo progressivamente um outro imposto sobre as empresas, um imposto de todo anómalo que, incidindo sobre certas despesas, acaba por duplicar tendencialmente, sem qualquer fundamento racional que a sustente, a tributação das empresas. O que se nos afigura de todo inadmissível.”.

- No mesmo diapasão, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “[n]o fundo, não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas coletivas e não despesas por elas efetuadas –, mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível diretamente” (Fiscalidade, 5.ª edição, 2011, Areal editores, p 271).

- A Requerente defende ainda que quanto à tributação autónoma incidente sobre encargos com viaturas e sobre despesas de representação, aquela que verdadeiramente nos interessa, porque está (a par da sobre bónus) entre as principais efetivamente suportadas pela empresa neste caso concreto, explicar-se-á pelo entendimento de que, estando em causa consumos do tipo promíscuo (no sentido que tanto podem servir finalidades empresariais quanto podem de facto estar apenas, ou também, a servir necessidades pessoais do trabalhador da empresa), se justificaria também adicionalmente, para além dos controlos, restrições e limites à sua dedutibilidade (cfr. artigos 34.º, n.º 1, alínea e), e 45.º, n.º 1, alíneas f), h) e i), todos do CIRC na numeração atual), a tributação da própria despesa em si mesma (tributação autónoma), em substituição da tributação na esfera pessoal do trabalhador.

- RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, p 204, fala em “(…) tributar, por uma “via indireta”, a vantagem que do uso de tais viaturas poderá resultar para terceiros (nomeadamente gerentes, administradores, funcionários, etc.). Daí que não haja lugar à tributação autónoma na medida em que tais vantagens sejam tributadas na esfera destes”, o que representa mais uma cláusula de salvaguarda que assegura a proporcionalidade da norma.

- HELENA MARTINS, “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, in Lições de Fiscalidade, 2012, p 281, fala, no mesmo diapasão, a propósito das ajudas de custo e dos encargos com viaturas, em situações em que “(…) poderão ser atribuídos verdadeiros rendimentos aos trabalhadores sem a correspondente tributação em IRS (caso das ajudas de custo e dos encargos com viaturas)”. Afirma ainda HELENA MARTINS, (op. cit. p 281) que no caso das despesas a razão para a tributação autónoma estaria na dificuldade em “aferir, com segurança, da indispensabilidade do gasto à luz do art. 23º [do CIRC]”.

- Prosseguindo, também aqui (à semelhança do que sucedia com as despesas não documentadas) o legislador não admitiu prova em contrário, i.e., não admite que o contribuinte prove inequivocamente que estas ou aquelas despesas de representação, por exemplo, tiveram finalidade empresarial: a suspeita é generalizada e não admite prova em contrário. Veja-se que relativamente ao IVA o legislador francês usou da mesma técnica com respeito a despesas de representação, no que foi censurado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr. o caso Ampafrance, C-177/99).

- No que respeita à tributação autónoma sobre despesas com bónus de administradores ou gestores (outra importante tributação autónoma em causa neste caso concreto) e sobre despesas com indemnizações aos mesmos na cessação das suas funções, é curioso começar por notar que enquanto com respeito às restantes tributações autónomas se encontra na doutrina acima revisitada uma tentativa de justificação para quase todas elas, em contraste, quando se chega à tributação autónoma sobre bónus, ou sobre indemnizações por cessação de funções de administradores, gerentes e gestores, o que há em geral é um silêncio relativamente à sua justificação.

- Silêncio que nalguns casos será explicável pela anterioridade da obra doutrinária relativamente a essas tributações (RUI DUARTE MORAIS, op.cit.), mas que nos outros (cfr. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª Edição, Almedina, 2012, pp 543 a 545; JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO, Fiscalidade, 5.ª edição, Areal editores, 2011, pp 271 e ss; DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, Direito Fiscal e Processo Tributário, Coimbra Editora, 2013, pp 513 e ss) será sinónimo (não se encontra outra explicação) de um compasso de espera enquanto não afloram à mente (ou se afasta definitivamente a possibilidade de aflorarem) causas razoavelmente legítimas para a instituição desta tributação especial (e pesada) que é a tributação autónoma sobre este tipo de despesas (que nenhum problema de evasão fiscal ou de promiscuidade de usos suscitam: são assumidamente o que são e, como tal, sujeitas a IRS – e às respetivas taxas progressivas superiores já a 50% – na esfera do beneficiário nos termos gerais, sem dificuldade prática de espécie alguma).

- CASALTA NABAIS já veio entretanto dar indicação de que, em contraponto com a apreensibilidade do fundamento (causa legítima de diferenciação das despesas aí em causa) das tributações autónomas tradicionais em Portugal (maxime despesas não documentadas, encargos com viaturas e despesas de representação), outras há, mais recentes, entre as quais se incluirão as incidentes sobre os bónus e indemnizações a administradores e gestores, que estão a transformar a tributação autónoma numa tributação anómala sobre as empresas sem qualquer fundamento racional (cfr. os trechos, atrás transcritos, de CASALTA NABAIS, em “Investir e tributar: uma relação simbiótica?” in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Vol. I, Almedina, 2013, pp 761 e 762).

- A exceção a este estado de coisas na doutrina será (porventura não surpreendentemente) HELENA MARTINS, “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, in Lições de Fiscalidade, 2012, pp 283 e 284, não por apresentar propriamente uma hipótese justificativa constitucionalmente aceitável, mas por propor que a intenção do legislador será coartar a atribuição de indemnizações de montante considerado excessivo. Pergunta a Requerente que se o legislador acha que o pode fazer, porque não as limita expressa e diretamente (assim o fez com respeito aos gestores públicos, no artigo 37.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2013)? A resposta estará em que isso não traria receita fiscal adicional, donde a conclusão de que assim sendo a finalidade será afinal de contas essencialmente reditícia, tudo o resto não passando de pretextos, ou window dressing, como se lhe chama na literatura anglo-saxónica, para melhor disfarçar e esconder o verdadeiro e único objetivo.

- A finalidade é, pois, essencialmente reditícia (por oposição a extrafiscal, sendo que as finalidades extrafiscais apregoadas seriam, se constituíssem referenciais ou objetivos constitucionalmente imponíveis pelo Estado, muito melhor servidas por normas que nada têm que ver com a tributação), como bem se apercebeu já CASALTA NABAIS (“Investir e tributar: uma relação simbiótica?” in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Vol. I, Almedina, 2013, p 761): “todavia, com o andar do tempo, a função dessas tributações autónomas que, entretanto, se diversificaram extraordinariamente e aumentaram de valor, alterou-se profundamente passando a ser progressivamente a de obter (mais) receitas fiscais.”.

- A Professora CLOTILDE CELORICO PALMA considera que as tributações autónomas “(…) são impostos indiretos e instantâneos que tributam a despesa e não o rendimento, que se distinguem claramente do IRC enquanto imposto direto, periódico, que tributa o rendimento, apurando-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo” .

- CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª Edição, Almedina, 2012, p 543, conclui também que se trata “(…) de uma tributação sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento”.

- RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp 202 e 203, escreve também que “(…) está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação, e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento”.

- PAULA ROSADO PEREIRA (“O princípio da não retroatividade da lei fiscal no campo da tributação autónoma de encargos”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano IV, Vol. 2, 2011, p 220) afirma por sua vez que “[e]mbora a tributação autónoma de encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respetivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, a tributação autónoma é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC. O apuramento do montante tributável em sede de tributação autónoma é uma mera soma de valores correspondentes a factos tributários autónomos (cada despesa ou encargo) (…)”.

- Na mesma linha, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “[n]o fundo, não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas coletivas e não despesas por elas efetuadas –, mas da substituição (…)” (Fiscalidade, 5.ª edição, Areal editores, 2011, p 271).

- DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, Direito Fiscal e Processo Tributário, Coimbra Editora, 2013, p 514 e ss, fala também da tributação autónoma enquanto realidade diferente do IRC: “[t]rata-se da tributação de certas situações de facto especiais que são tributadas com uma taxa específica em que, no fundo, se cria um novo facto tributário que é tratado à margem do lucro tributável e que têm lugar quando certos gastos das empresas são transformados, eles próprios, em factos tributários”.

- JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, Tributação Presuntiva do Rendimento – Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indiretos de Determinação da Matéria Coletável, Almedina, 2010, p 428, escreve que “(…) as tributações autónomas, como o próprio nome indica, são formas de tributação que, apesar de se encontrarem previstas nos códigos dos impostos sobre o rendimento, divergem daqueles [dos impostos sobre o rendimento]. Desde logo, porque têm um facto tributário distinto – uma vez que não se referem à perceção de rendimento mas a certas despesas.”. E depois de excluir que sejam imposto sobre o rendimento de quem suporta esta tributação especial, escreve este Autor mais adiante (pp 429 e 430 ss) que “[d]eterminar a natureza do tipo de tributação de que tratamos é uma questão difícil, como, aliás, é admitido pela própria doutrina. Pois apesar de as tributações autónomas se incluírem no âmbito dos impostos sobre o rendimento, o que se tributa não é a perceção de um qualquer rendimento, mas tão-só a existência de uma ou mais despesas (…). Isto é, o facto tributário não corresponde à perceção de rendimentos, mas às várias despesas em si.”. E acaba por concluir, com respeito ao tema das tributações presuntivas, que também não se tratará de tributações presuntivas de rendimentos (ideia que, aliás, nem no plano das hipóteses é possível colocar com respeito às últimas tributações autónomas – sobre bónus e indemnizações – que nenhuma relação têm com fenómenos de potencial subtração de rendimentos – em espécie ou em dinheiro – à tributação): “[p]ois, ainda que possa haver uma certa conexão lógica entre as despesas e os rendimentos não tributados na esfera de outros sujeitos passivos, esses benefícios referem-se, ainda assim, a esses sujeitos passivos, sendo, por isso, totalmente desconforme à realidade imputá-los ao próprio contribuinte que os deve.”.

- HELENA MARTINS, “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, in Lições de Fiscalidade, Almedina, 2012, p 280, fala na previsão da “tributação autónoma de diversas despesas” que constitui ““um entorse” à luz das características próprias do IRC, enquanto imposto direto que incide sobre o rendimento das pessoas coletivas”.

- MARIA DOS PRAZERES RITO LOUSA, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 374, 1994, refere no seu estudo sobre as vantagens acessórias ou fringe benefits (por exemplo, o uso de viatura por trabalhador; o benefício que o trabalhador retire de despesas de representação; etc.), que “(…) um outro regime de tributação das vantagens acessórias consiste na sua sujeição a um imposto especial cujo sujeito passivo é a entidade patronal” (p 24).

- Por fim, em obra coletiva (autores vários) muito recentemente publicada, da responsabilidade de ilustres fiscalistas que desenvolvem a sua atividade na Ernst & Young, afirma-se que “(…) a tributação autónoma tem vindo a ser classificada como meio de tributação sobre a despesa e não do rendimento” e conclui-se que “(…) a tributação autónoma (…) [é] um imposto geral sobre o consumo” (cfr. O novo IRC, Almedina, 2013, p 65 e 71).

- Defende a Requerente em suma, que não se vislumbra uma única voz na doutrina, que se atreva a afirmar que as tributações autónomas são IRC ou, mais latamente, um imposto sobre o rendimento da empresa e que ao contrário lhe atribuem diferente carácter e finalidade (que não a de tributar o rendimento da empresa).

- Alega ainda a Requerente que a jurisprudência do Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal Administrativo não pensa diferentemente.

- No acórdão do STA de 6 de julho de 2011, proferido no processo n.º 0281/11, concluiu-se que a aplicação no tempo de alterações às normas de tributação autónoma se fazia com autonomia e independência relativamente a alterações às normas de tributação do IRC. Afirma o STA, para o que aqui interessa, o seguinte: “É que, no caso dos presentes autos não está em causa imposto sobre o rendimento (como sucedia no citado acórdão 399/2010), mas sim tributação autónoma sobre a despesa. Como bem refere a recorrente “as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos indiretos e não diretos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo. Em boa verdade, as tributações autónomas constantes do Código do IRC poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo” (Conclusão VIIª das alegações).

Por outras palavras, como salienta o Sr. Conselheiro Vítor Gomes no seu voto de vencido, aposto no citado acórdão [do Tribunal Constitucional] nº 204/2010, “Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, pelo que não podem ser invocados argumentos semelhantes àqueles que naquele segundo acórdão foram mobilizados no sentido de não se configurar um caso de retroatividade proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta”.

Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC. Sendo assim a taxa a aplicar a cada despesa é a que vigorar à data da sua realização, uma vez que o facto tributário se verifica no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma. Em resumo e concluindo como no voto de vencido acima referido, “O facto gerador de imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (n.º 9 do artigo 8.º do CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º do CIRC) mas a despesa enquanto tal”.

- No acórdão do STA que se seguiu, o acórdão de 14 de junho de 2012, proferido no processo n.º 0757/11, segue-se exatamente o mesmo entendimento quanto à diferenciação entre IRC, de um lado, e tributação autónoma, do outro.

- Um terceiro acórdão do STA tem também relevo para esta matéria dos diferentes tributos que são o IRC e as tributações autónomas. Trata-se do acórdão de 21 de março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11, onde mais uma vez se confirma que o IRC é o IRC, e que as tributações autónomas nem são IRC, nem são, sequer, tributação sobre o rendimento.

Estava em causa nesse acórdão interpretar o artigo 12.º do CIRC, mais concretamente a norma que prescreve que as sociedades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal, “não são tributadas em IRC”, sendo que à data dos factos, (1995), a ressalva “salvo quanto às tributações autónomas”, não existia ainda (só foi inserida no artigo 12.º do CIRC com a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro). Não existia nem era necessário que existisse, considerou o STA, porquanto não sendo as tributações autónomas IRC e mais latamente, não sendo sequer imposto sobre o rendimento, a citada norma não afastava a aplicação das mesmas, porquanto se referia apenas, justamente, à tributação em IRC, à tributação sobre o rendimento.

- Entre outras afirmações, tem interesse transcrever as seguintes: “[n]a verdade, as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no CIRC (art. 81º), não visam tributar o rendimento no fim do período tributário, mas sim determinados tipos de despesa, consubstanciando cada despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável no fim do período (Cfr. o Voto de Vencido do Senhor Conselheiro VÍTOR GOMES ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 18/2011”  (…).

Por sua vez, no que concerne às tributações autónomas, verifica-se que, pese embora tratar-se de uma forma de tributação prevista no CIRC, nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma. Fica, desta forma, evidenciado que as tributações autónomas constituem realidades fiscais completamente diferentes do regime da transparência fiscal quer porque a tributação autónoma não atinge o rendimento, mas sim a despesa enquanto tal, quer porque cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo sujeito a taxas diferentes das de IRC. E, não obstante as despesas confidenciais só virem a ser tributadas conjuntamente com o IRC, a verdade, porém, é que a matéria coletável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma é o mero somatório das diversas parcelas de despesa. (…).

Por conseguinte, e em rigor, não obstante o art. 12º sistematicamente integrar o capítulo das “isenções”, substantivamente não se pode falar em isenção (o argumento da pretensa “isenção” como fundamento para não pagar tributações autónomas também não procede porque os próprios sujeitos passivos totalmente ou parcialmente isentos em sentido técnico de IRC, ou que não exerçam a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, também, estão sujeitos a tributações autónomas e, por sinal, com taxas mais elevadas (cfr. o nº 2 do art. 81º do CIRC).) (…).

É que não podemos deixar de realçar que as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do IRC (RUI MORAIS considera que sendo difícil descortinar a natureza desta forma de tributação é ainda mais difícil perceber a razão pela qual ela aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento (cfr. ob. cit., p. 203). No mesmo sentido, estranhando a inserção das tributações autónomas em IRC, cfr. SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, p. 293, nota (470).), sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos e a que o sujeito passivo fica sujeito venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 18/2011, de 12/1/2011, voto de vencido do Conselheiro Victor Gomes. No mesmo sentido, cfr. SÉRGIO VASQUES, idem.).”

- Refere ainda a Requerente a decisão do coletivo arbitral proferida no processo n.º 7/2011-T, pp 17 e ss – publicada no site do CAAD e em que foram árbitros o Juiz Conselheiro BRANDÃO DE PINHO, o Professor MANUEL PIRES e a Professora ANA PAULA DOURADO – que acolhe também o entendimento praticamente unânime da diferenciação entre o IRC (que tributa o rendimento) e as tributações autónomas (que não tributam o rendimento, antes incidem sobre despesas ou encargos). “Podemos considerar pacífico que a tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo (contribuinte) e não o seu rendimento. Ao fazer isto, o legislador está a abdicar da regra de tributação do rendimento acréscimo e do rendimento líquido – se a não dedutibilidade das despesas não documentadas é inerente à tributação do rendimento líquido, já a tributação autónoma de tais despesas não observa essa regra e tem finalidades diversas da tributação do rendimento acréscimo” (p 30). “Embora limite a tributação do rendimento acréscimo e do rendimento líquido, e portanto não consista num método direto de tributação (método esse que tem que ser a regra, perante o art.º 104.º n.º 2 da CRP), a tributação da despesa tão-pouco constitui um método indireto de tributação, pois não se está a tributar o rendimento do sujeito passivo que incorre naquelas despesas não documentadas (e outras)” (p 32).

- Respaldada na doutrina e jurisprudência apresentadas a Requerente sustenta que aos encargos fiscais decorrentes das tributações autónomas aplica-se a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC .

- Como é sabido em sede de IRC o lucro apura-se com base na contabilidade (cfr. Artigo 17.º, n.º 1, do CIRC; e TOMÁS CANTISTA TAVARES, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos” (Dissertação de Mestrado) in Ciência e Técnica Fiscal, 396, out-dez 1999, p 13 e ss).

- No resultado (lucro ou prejuízo) apurado pela contabilidade todo e qualquer imposto é tratado (como não podia deixar de ser) como um gasto que se não distingue de todos os outros gastos para efeitos da sua integração nos cálculos do dito resultado (cfr., no Plano Oficial de Contabilidade – POC – em vigor até 2009, a conta, de custos, 63, inteiramente dedicada aos impostos que não incidem sobre o lucro; e no Sistema de Normalização Contabilística – SNC – em vigor desde 2010, a subconta, de gastos, 681, inteiramente dedicada aos impostos também.

- Como é sabido também, o IRC não afasta este tratamento, pela contabilidade, dos encargos fiscais como custos ou gastos: a regra em IRC é de que os impostos suportados por um sujeito passivo de IRC são dedutíveis, na mesma medida e no mesmo plano em que o são a generalidade dos gastos ou encargos – cfr. a alínea f) do n.º 1 artigo 23.º do CIRC.

- A regra em IRC é de que os impostos suportados (incluindo os direitos aduaneiros) são fiscalmente dedutíveis, i.e., entram nas contas do apuramento do lucro tributável, a par com os outros gastos ou custos da atividade, em geral (citada alínea f) do n.º 1 artigo 23.º do CIRC).

- Argumenta a Requerente que as exceções a este estado de coisas, são isso mesmo, exceções, e estão previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do atual artigo 45.º (anterior 42.º) do CIRC. O que se retira, pois, inequivocamente, do CIRC é que sempre que o legislador não quer que certo encargo seja dedutível fiscalmente no apuramento do lucro a sujeitar a IRC, di-lo expressamente: assim sucede com as despesas não documentadas, com a contribuição sobre o sector bancário, com o IRC e outros e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros, etc. (e assim não sucede, pelo menos até 2013 inclusive, com as tributações autónomas).

- Considera ainda a Requerente que, com respeito às tributações autónomas aqui em causa, há uma novidade para 2014 que constitui mais uma confirmação de que até 2013, inclusive, este encargo fiscal não era excecionado da regra geral de dedutibilidade dos encargos fiscais. Com efeito, uma das novidades na reforma do IRC (Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro) é a inclusão dos encargos fiscais com tributações autónomas na exceção que impede a dedutibilidade fiscal do IRC, equiparando-os para este efeito (inclusão na exceção de indedutibilidade) ao IRC: cfr. a redação do novo artigo 23,º-A do código do IRC, designadamente o seu n.º 1, alínea a), novo artigo este onde passará a constar a matéria das indedutibilidades, incluindo as exceções à regra geral de dedutibilidade dos encargos fiscais, matéria esta que até 2013 inclusive se encontrava no artigo 45.º.

- Com efeito, em vez de se excecionar (como se fazia até 31.12.2013) “[o] IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”, alarga-se com efeitos a partir de 2014 o âmbito desta exceção, passando-se a excecionar um outro imposto também – as tributações autónomas – que, ao contrário daqueles impostos previstos na redação em vigor até 2013, não incide sobre os lucros: “[o] IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.”.

- Tendo em consideração a legislação em vigor à data dos factos, sustenta a Requerente que nos termos da  alíneas c) do artigo 45.º do CIRC, resulta evidente que as tributações autónomas não constituem impostos que o sujeito passivo das mesmas (situação que aqui está em causa) não esteja legalmente autorizado a suportar. Pelo contrário, e por definição, está-se perante um imposto que incide legalmente e é por imposição legal suportado pelo seu sujeito passivo (que é a entidade aqui em causa), i.e., pela entidade que incorre nas despesas ou encargos eleitas como facto tributário das várias tributações autónomas previstas na lei. E quanto à alínea a) do artigo 45.º do CIRC, resulta também evidente de tudo quanto se viu e analisou supra, que as tributações autónomas não são IRC nem um qualquer outro imposto que incida sobre os lucros, muito menos sobre os lucros da entidade a que diz respeito o imposto cuja dedutibilidade fiscal para efeitos de IRC esteja em ponderação.

- Argumenta ainda a Requerente que embora seja suficiente para o caso a conclusão, negativa, de que as tributações autónomas não são IRC nem qualquer outro imposto que direta ou indiretamente incida sobre os lucros (para usar as exatas palavras da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º – anterior 42.º – do CIRC), não se quer deixar de, pela positiva, indicar os impostos que, para além do próprio IRC, estão no atual sistema fiscal português abrangidos por esta exceção ao princípio da dedutibilidade dos impostos no cômputo do lucro sujeito a IRC. Para além do IRC, incluindo o imposto apurado mediante a aplicação aos lucros da sua sobretaxa conhecida pelo nome de derrama estadual (cfr. artigo 87.º-A do CIRC), no atual sistema fiscal português vislumbra-se ainda a derrama municipal como qualificando-se (por incidir também sobre os lucros do sujeito passivo de IRC – cfr. artigo 14.º, n.º 1, da atual Lei das Finanças Locais, Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro) para efeitos desta exceção ao princípio da dedutibilidade dos encargos fiscais na determinação do lucro tributável.

- Alega a Requerente que a controvérsia doutrinal que existiu sobre a (in)dedutibilidade da derrama municipal e o modo como foi dirimida, confirmam também que com respeito aos encargos fiscais com tributações autónomas não se aplica a exceção, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (anteriormente 42.º) do CIRC, à regra fiscal da dedutibilidade dos impostos.

- Nas alegações constantes do pedido de constituição do Tribunal Arbitral a Requerente contesta com base no douto entendimento já exposto os argumentos apresentados pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes que sustentaram o indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

  1. Da resposta da Requerida

A Autoridade Tributária e Aduaneira responde em 14-02-2014 ao pedido da Requerente por exceção e por impugnação, com a argumentação que, de forma sintética, seguidamente se apresenta:

2.1) Por exceção - Intempestividade do pedido de revisão da autoliquidação de 2010

- A ATA alega que a Requerente, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro (doravante RJAT), identifica como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral o “ato de autoliquidação de IRC e derrama consequente referente ao exercício de 2010

- Assim sendo, o objeto imediato do pedido é, inquestionavelmente, esse ato de autoliquidação.

- O pedido formulado reconhece e é absolutamente consentâneo com essa evidência: a Requerente peticiona (unicamente) que o tribunal declare a ilegalidade (parcial) dessa autoliquidação, a sua, consequente, anulação e o reembolso do montante que quantifica e qualifica como tendo sido indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios – cf. artigo 313.º do Pedido

- Na opinião da ATA acontece, que se mostra (claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de atos de liquidação/autoliquidação em sede arbitral, dado que o artigo 10º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

- Desse normativo, e com relevância para o caso dos autos, retira-se que o estipulado prazo de 90 (noventa) dias teria como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntario da prestação tributária – cf. artigo 102º, n.º 1, alínea a) do CPPT.

- Tendo em atenção as disposições conjugadas dos artigos 104º, n.º 1, alínea b) e 120º n.º 1 do Código do IRC, temos que a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 30.05.2011 (data, no caso, coincidente com o momento de apresentação/submissão do ato de autoliquidação).

- Conclui a ATA que o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 13.11.2013 e logo, o mesmo é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer.

- Vem alegar a ATA que neste quadro, tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação direta do ato de autoliquidação de imposto (ou seja, do ato primário), a “tempestividade” do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do ato de autoliquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um ato de segundo grau).

- As circunstâncias descritas ocorrem na situação dos autos.

- A ora Requerente arbitral impugnou administrativamente o ato de autoliquidação.

- A Administração Tributária indeferiu/negou a revisão do ato na dimensão que lhe havia sido solicitada.

- Não obstante ter feito alusão e identificado essas circunstâncias, a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido.

- Defende assim a ATA que não tendo sido feito esse pedido, inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de autoliquidação. Isto na medida em que, estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, e não o podendo, como é óbvio exceder, fica o Tribunal impedido de apreciar e declarar (o que quer que seja) relativamente ao pedido concretizado – “declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação” – por o mesmo ser intempestivo.

- Tendo por base o disposto nos artigos 660º, n.º 2 e 661º, n.º 1 do Código de Processo Civil, (artigos 608º, n.º 2 e 609, n.º 1 do CPC vigente) refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª Edição, Volume II, 2011, pág. 319/319, que «(…) para além de questões de conhecimento oficioso, o juiz não pode conhecer na sentença de questões não suscitadas pelas partes, nem condenar em objeto ou em quantidade superior ao que tiver sido pedido».

- Em suma, resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação direta do ato de autoliquidação de imposto (IRC), alega a ATA que o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do ato e, consequentemente à sua anulação) deve ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

2.2) Por impugnação

- Argumenta a ATA, que não obstante o esforço desenvolvido na explanação da aludida “tese”, que a requerente edifica com base em fragmentos de posições doutrinárias e jurisprudenciais, não resulta da mesma qualquer fundamento sério que permita alcançar os ambicionados efeitos fiscais e consequentemente, a procedência da ação, quanto à alegada dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal do exercício, nos termos do art. 17º, do art. 23º, nº 1 e do art. 45º, nº 1, alínea a) do CIRC.

- Faz notar a ATA que a Requerente não suporta a pretensa reformulação das autoliquidações de IRC no entendimento que vingou nos arestos do Tribunal Constitucional, pois apenas se socorre destes para fazer vingar a sua tese de que a circunstância das tributações autónomas incidirem sobre a despesa, e não sobre o rendimento, as torna um imposto distinto do IRC e justifica a sua exclusão do artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC.

- Não obstante, nem a jurisprudência nem os autores citados, em abundância, pela Requerente se pronunciam no sentido de que as tributações autónomas não são, pelo menos formalmente, IRC, nem tão-pouco advogam a sua dedutibilidade ao lucro tributável, quer por sua exclusão da al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, quer pela sua inclusão na al. f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.

- É assim que a jurisprudência do Tribunal Constitucional citada pela Requerente (v.g. acórdãos n.º310/2012, 382/2012 e 617/2012), versa exclusivamente sobre a aplicação das taxas de tributação autónoma, na perspetiva da proibição da retroatividade, cingindo-se à questão das regras de aplicação da lei no tempo, mas nunca alvitrando que se trata de um qualquer “imposto” distinto do IRC, apenas relevando os factos tributários distintos sobre que incidem as respetivas taxas.

- Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de que a Requerente se louva no seu Pedido, debruça-se sobre a questão da aplicação retroativa da alteração das taxas de tributação autónoma (acórdãos n.º 0281/11 e n.º 0757/11) e sobre o regime da transparência fiscal (diz-se acórdão n.º 0830/11: “Fica, desta forma, evidenciado que as tributações autónomas constituem realidades fiscais completamente diferentes do regime da transparência fiscal quer porque a tributação autónoma não atinge o rendimento, mas sim a despesa enquanto tal, quer porque cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo”), uma vez mais colocando a tónica na especificidade das tributações autónomas na sua forma de apuramento em relação à tributação do rendimento, sem que em qualquer dos acórdãos se “salte” para a conclusão, como pretende a Requerente, de que aquelas não são IRC e que não é lícito incluí-las na al. a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.

- Por seu turno, a decisão do coletivo arbitral proferida no processo n.º 7/2011-T, que a Requerente também cita no presente Pedido, debruça-se sobre as tributações autónomas por confronto com a tributação por métodos indiretos, apenas se debruçando sobre a natureza daquelas, obiter dictum, a propósito, mais uma vez, da sua forma de apuramento, mas sem lhe retirar as ilações que a Requerente ora preconiza.

- É que se em relação às particularidades na forma de apuramento “esta distinção tem relevância, designadamente, para efeitos de aplicação da lei no tempo” (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012), em nenhum lado se defende que ela também o tem na interpretação do 45.º. 1, a) do CIRC, e muito menos que o tem nos termos ora propostos.

- Na realidade, não só a Requerente falha em demonstrá-lo, como tal distinção em nada influi na interpretação daquele preceito, no qual, como se demonstrará, foi claramente intenção do legislador incluir as tributações autónomas.

- Ao contrário do que pretende a Requerente, as tributações autónomas não são um qualquer imposto distinto, apesar das diferenças assinaladas pela jurisprudência nos factos sobre que incidem.

- Como fez notar, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470), o imposto sobre o rendimento contempla, também, elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.

- Com efeito, e na senda da jurisprudência referida, a “autonomia” que dá nome às taxas de tributação autónoma prende-se com os factos sobre os quais aquelas incidem e às especificidades no seu apuramento, mas já não, juridicamente, em relação às restantes parcelas do IRC a auto liquidar e a pagar pelo contribuinte, uma vez que a esta luz as tributações autónomas são, ainda assim, IRC.

- A razão de ser das tributações autónomas contende, por um lado com um incentivo aos contribuintes de reduzirem ao máximo as suas despesas e, por outro, com o propósito de desincentivar o recurso a certo tipo de despesas que são propiciadoras de pagamentos camuflados e, em última análise, reaver algum imposto que, de outra forma, não seria arrecadado.

- Ora, sendo este o objetivo da tributação autónoma – de reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução dos custos sobre os quais incide, para além do combate à evasão fiscal -, não poderá ser a mesma, através da dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

- Sustenta a Requerida que, de um ponto de vista formal as tributações autónomas não configuram um imposto distinto do IRC, antes consistem num seu adicional.

- Mas também numa perspetiva teleológica, sistemática e funcional, as tributações autónomas hão-de considerar-se um adicional do IRC, o que nos remete para a questão da dedutibilidade das tributações autónomas.

- A razão de ser da alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC consiste na circunstância de um imposto não poder, pela própria natureza das coisas, ser dedutível a si mesmo.

- Contrapõe a ATA que a Requerente, no seu Pedido, refere-se amiúde ao carácter excecional da alínea a) do n.º 1 do art. 45.º, por contraposição à “regra geral” da alínea f) do n.º 2 do art. 23.º do CIRC. Porém, o já referido acórdão de 06-03-2002, do Pleno do STA (recurso n.º 22 115) veio estabelecer que a alínea a) do artigo 41.º do CIRC, na sua versão originária, não tem natureza excecional, embora a tenham algumas das suas alíneas.

- O referido acórdão do Pleno do STA pronunciou-se sobre a já aludida questão de saber se, face à redação originária dos artigos 23º al. f) e 41º n.º 1 al. a) do CIRC, a derrama deveria ser qualificada como custo fiscal para efeitos do IRC, tendo sufragado a tese de que “a derrama não se deve ter como custo fiscal dedutível à matéria do IRC à luz da versão originária do art.º 43º n.º 1 al. a) conjugado com o art.º 23º al. f), ambos os preceitos do CIRC, e de que a nova redação dada àquele art.º 41º pela Lei Orçamental n.º 10-B/96 apenas correspondeu à adoção da sua melhor interpretação, pelo que se tornava, até, desnecessária a sua invocação para decidir a controvérsia concreta evidenciada pelos autos.”

- É assim que, mesmo reconhecendo que a derrama se tratava de um imposto distinto do IRC, a sua não inclusão no artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC não foi tida como relevante para a desconsideração daquela como custo fiscal.

- Revertendo para o caso da dedutibilidade das tributações autónomas e confrontando a versão anterior da al. a) do n.º 1 do art. 45.º com a versão atual da al. a) do n.º 1 do art. 23.º-A (introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), também vale dizer que a nova redação dada àquele apenas correspondeu à adoção da sua melhor interpretação, pelo que se tornava, até, desnecessária a sua invocação para decidir a controvérsia concreta evidenciada pelos autos.

- A Requerente tenta apartar as tributações autónomas do IRC, desligando-as do processo de apuramento do lucro tributável, alcandorando-as à dignidade de um tipo de imposto especial, fazendo apelo a jurisprudência e a doutrina que abordou essa questão estritamente na perspetiva da formação do facto tributário, com vista à questão da aplicação da lei no tempo das respetivas taxas ou do artigo 12.º do CIRC (transparência fiscal justifica-se pelo lucro).

- No entanto, considera não ser correto afirmar que a tributação autónoma se alheia, quer da função e natureza do IRC, quer mesmo do apuramento do lucro tributável, dado que as tributações autónomas, pela sua natureza, estão funcionalmente imbricadas no IRC e  porque existe uma norma que faz depender a alíquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

- Com efeito, a tributação autónoma, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominante, foi criada pelo legislador com o objetivo de, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas, cuja indispensabilidade seja de difícil verificação, e que concorrendo negativamente para a formação do lucro tributável, afetam negativamente a receita fiscal, e, por outro lado, evitar que através destas despesas as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo dividendos, que não seriam assim tributados, bem como combater a fraude e a evasão fiscais que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRC e IRS, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores (não raras vezes tais despesas mais não são do que pagamento de salários dissimulados).

- Como se pronunciou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 18/2011, a propósito dos encargos relacionados com viaturas: “referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos [atuais n.º 3 e 4 do art. 88.º do CIRC] explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”

- A intenção do legislador ficou ainda mais vincada quando, para além dos sucessivos aumentos de taxa, penalizando ainda mais os sujeitos passivos que de alguma forma beneficiam de um regime de tributação mais favorável, parte das despesas que agora são tributadas autónoma e independentemente da existência ou não de matéria coletável para efeitos de IRC, antes (das alterações introduzidas pela Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro), eram apenas tributadas na percentagem das mesmas que não eram aceites fiscalmente e somente se houvesse matéria coletável.

- Deste modo, pretendeu o legislador com estas alterações penalizar este tipo de despesas, fazendo incidir sobre elas uma coleta, independentemente da existência ou não de matéria coletável para efeitos de IRC, deixando, assim, de passar incólume o contribuinte que não apurava matéria coletável, não apuramento este que concorria precisamente para este tipo de despesas.

- A este propósito referiu Saldanha Sanches (in “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 406 a 408): ”Neste tipo de tributação (tributação autónoma), o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra os custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valorização negativa: por exemplo temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40.000,00 (artigo 81.º n.º 4).

Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existam prejuízos.

Cria-se aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.

A mesma explicação pode ser encontrada para a tributação autónoma criada para os pagamentos feitos a regiões em regime fiscal privilegiado.

O artigo 59.º do Código do CIRC tinha criado, para estes pagamentos uma regar de inversão do ónus de prova, mas o n.º 8 do artigo 81.º, sem revogar expressamente a norma já existente, cria um regime de mais simples aplicação: uma taxa de 35% para os sujeitos passivos e de 55% para os sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, salvo se o sujeito passivo puder provar, como já previa o artigo 56.º para aceitar a dedutibilidade do imposto, que as operações foram efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado. Dada a tendencial obscuridade que implicam os pagamentos a zonas de baixa fiscalidade, seria mais simples tratar estes pagamentos, quando o sujeito passivo não preenchesse o ónus de comprovação que lhe é imposto, como custos não documentados.

No entanto não foi esta a solução do legislador.

Sublinhe-se apenas o princípio comummente regimes díspares: a taxa de tributação autónoma sobe sempre que a indedutibilidade do custo (porque o sujeito passivo está isento, porque não tem tido lucros) não aumenta a tributação do sujeito passivo. Atinge-se a taxa de 70% no caso de despesas confidenciais e não documentadas realizadas por pessoas coletivas que gozem de isenção, uma vez que estas entidades, que têm um regime fiscal privilegiado, estão sujeitas a especiais deveres de cooperação; para além disso, enquanto uma sociedade comercial tem sempre sanção automática de perder o direito à dedução do custo no caso de ter uma despesa indocumentada (e, por isso, pode ser penalizada apenas por uma taxa de 50%), as pessoas coletivas isentas, como não terão lucros, são penalizadas apenas pelas taxas agravadas”.

- Destarte se conclui que as tributações autónomas, para além de não se poderem considerar formalmente um imposto distinto do IRC, também materialmente não têm absoluta autonomia, antes se encontrando, como se demonstrou, funcionalmente ligadas ao apuramento do rendimento real.

- Nesta conformidade, visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

- Do requerido direito a juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços na autoliquidação do IRC e derrama de 2010, a ATA alega erro da Requerente, dado que na situação dos autos, o apuramento do imposto foi efetuado por esta.

- De acordo com Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por atos ilegais, Áreas Editora, Lisboa 2010, pág. 52 «Nas situações em que a prática do ato que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o ato é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos».

- Ou seja, mesmo que fosse configurável o pagamento de juros indemnizatórios na situação em apreço nos autos, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o procedimento de reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.

Saneamento

Este Tribunal arbitral, constituído no âmbito do CAAD, é competente para apreciar e decidir o litígio.

As partes são legítimas, estão devidamente representadas e têm personalidade e capacidade e judiciária.

-O processo não padece de vícios que o invalidem

Cumpre então apreciar e decidir o litígio.

III) THEMA DECIDENDUM

- Foram submetidas a este tribunal as questões:

- Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral relativamente ao ato de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010.

- De saber se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto (a conhecer só em caso de resposta negativa questão anterior).

- Do alegado direito a juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços na autoliquidação do IRC e derrama de 2010 (a conhecer só em caso de resposta afirmativa à questão anterior).

 

IV) MATÉRIA DE FACTO ASSENTE

- Com interesse para a decisão da causa e com base nos documentos juntos, foi dada como assente a seguinte factualidade:

- Em 30-05-2011 a Requerente procedeu a autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22.

- Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010, a A... procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total, em termos finais de € 297.617,80.

- A não relevação fiscal dos encargos com tributações autónomas desse mesmo exercício teve um impacto de € 86.219,87 em termos de IRC e derrama suportados.

- A Requerente pagou o imposto devido.

- Em 29 de maio de 2013, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC e derrama, manifestando a pretensão de serem considerados como dedutíveis à matéria coletável os encargos com tributações autónomas de 2010.

- No dia 25 de outubro de 2013, a requerente foi notificada, por intermédio do Ofício n.º …, de 23 de outubro de 2013, da decisão de indeferimento do pedido de revisão graciosa, por despacho proferido, em 22 de outubro de 2013, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.

 

V) MATÉRIA DE DIREITO

1 - Quanto à exceção invocada pela ATA da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral relativamente ao ato de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010.

- Como vimos e como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, a ATA, na sua resposta, põe em causa a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral deduzido pelas Requerente, relativamente à autoliquidação do exercício de 2010.

- A ATA alega que a Requerente, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro (doravante RJAT), identifica como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral o “ato de autoliquidação de IRC e derrama consequente referente ao exercício de 2010

- Assim sendo, o objeto imediato do pedido é, inquestionavelmente, esse ato de autoliquidação.

- O pedido formulado reconhece e é absolutamente consentâneo com essa evidência: a Requerente peticiona (unicamente) que o tribunal declare a ilegalidade (parcial) dessa autoliquidação, a sua, consequente, anulação e o reembolso do montante que quantifica e qualifica como tendo sido indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios – cf. artigo 313.º do Pedido

- Na opinião da ATA acontece, que se mostra (claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de atos de liquidação/autoliquidação em sede arbitral, dado que o artigo 10º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

- Desse normativo, e com relevância para o caso dos autos, retira-se que o estipulado prazo de 90 (noventa) dias teria como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntario da prestação tributária – cf. artigo 102º, n.º 1, alínea a) do CPPT.

- Tendo em atenção as disposições conjugadas dos artigos 104º, n.º 1, alínea b) e 120º n.º 1 do Código do IRC, temos que a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 30.05.2011 (data, no caso, coincidente com o momento de apresentação/submissão do ato de autoliquidação).

- Conclui a ATA que o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 13.11.2013 e logo, o mesmo é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer.

- Vem alegar a ATA que neste quadro, tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação direta do ato de autoliquidação de imposto (ou seja, do ato primário), a “tempestividade” do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do ato de autoliquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um ato de segundo grau).

- As circunstâncias descritas ocorrem na situação dos autos.

- A ora Requerente arbitral impugnou administrativamente o ato de autoliquidação.

- A Administração Tributária indeferiu/negou a revisão do ato na dimensão que lhe havia sido solicitada.

- Não obstante ter feito alusão e identificado essas circunstâncias, a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido.

- Defende assim a ATA que não tendo sido feito esse pedido, inexiste o apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de autoliquidação. Isto na medida em que, estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, e não o podendo, como é óbvio exceder, fica o Tribunal impedido de apreciar e declarar (o que quer que seja) relativamente ao pedido concretizado – “declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação” – por o mesmo ser intempestivo.

- Tendo por base o disposto nos artigos 660º, n.º 2 e 661º, n.º 1 do Código de Processo Civil, (artigos 608º, n.º 2 e 609, n.º 1 do CPC vigente) refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª Edição, Volume II, 2011, pág. 319/319, que «(…) para além de questões de conhecimento oficioso, o juiz não pode conhecer na sentença de questões não suscitadas pelas partes, nem condenar em objeto ou em quantidade superior ao que tiver sido pedido».

- Em suma, resultando, clara e inequivocamente do douto requerimento inicial, a impugnação direta do ato de autoliquidação de imposto (IRC), alega a ATA que o pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do ato e, consequentemente à sua anulação) deve ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Entidade Demandada absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

- Na resposta efetuada em 24-02-2014 a Requerente sobre a intempestividade do pedido vem alegar da importância de à luz do princípio da igualdade das partes, de lhe ser reconhecida a faculdade de se pronunciar por escrito sobre esta exceção formulada pela ATA.

- Invoca para o efeito que do princípio do contraditório decorre a necessidade de dar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo (cfr. artigo 16.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro).

- Neste contexto em que a exceção suscitada é de teor eminentemente técnico-jurídico, termos em que se começa por requerer seja admitida pelo Tribunal Arbitral a presente pronúncia escrita.

- Alega ainda a Requerente que o texto legal relevante é o regime jurídico da arbitragem tributária aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que prescreve:

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

(…)

Artigo 3.º

Cumulação de pedidos, coligação de autores e impugnação judicial

1 - A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

2 - É possível deduzir pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente a um mesmo ato tributário, desde que os respetivos factos e fundamentos sejam diversos.

(…)

Artigo 10.º

Pedido de constituição de tribunal arbitral

1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos atos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.

2 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede ou, no caso de coligação de sujeitos passivos, do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;

 b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;

- Sustenta a Requerente que a ATA procura ver sancionado é uma grosseira violação da lei particularmente grave, porquanto tem por efeito aniquilar o exercício de um direito constitucionalmente consagrado: o da tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição).

- Como escreve JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p 534), em “ (…) matéria de determinação de prazos de preclusão, tem de se ter em conta que o princípio constitucional de acesso aos tribunais para tutela de direitos, consagrado nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, não se compagina com prazos de preclusão de direitos que não estejam explicitamente indicados e com que os seus titulares não possam, com a diligência e conhecimentos normais, seguramente contar”.

- Conclui a Requerente que o pedido de intempestividade formulado pela ATA é inconstitucional, por violar quer o princípio constitucional de acesso aos tribunais para tutela de direitos, previsto nos artigos20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, quer o princípio constitucional da proteção da confiança (que se retira do artigo 2.º da Constituição – Estado de direito), a interpretação do disposto nos artigos 2º., 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea b), do RJAT, na interpretação, contrária à sua interpretação declarativa, de que para efeitos do prazo de reação de 90 dias que se abre com o indeferimento expresso da reclamação graciosa, o objeto do processo e a pretensão arbitral não poderiam ser, respetivamente, o ato tributário e o pedido de declaração da sua ilegalidade.

- Da análise do pedido de pronúncia arbitral não subsistem dúvidas que a Requerente pretende a anulação parcial da autoliquidação do IRC de 2010, com os fundamentos supra descritos.

- Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, “…sendo o fim essencial do processo de impugnação judicial a eliminação jurídica de um ato em matéria tributária, desde que o impugnante o identifique e identifique os vícios que entende o afetam, poderá entender-se que há um pedido implícito de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência daquele ato. O essencial será que seja percetível a intenção do impugnante.[1]

Assim, improcede a exceção de intempestividade suscitada pela ATA.

 

2 - Quanto à questão de saber se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto.

 

- Aqui chegados, torna-se possível, então, abordar a questão de fundo colocada a este Tribunal Arbitral, que é de formulação muito simples: “ Devem as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto?”

- A este respeito, alega, em suma, a Requerente que “as tributações autónomas tributam despesa e não o rendimento, são impostos indiretos e não diretos, representam uma penalização relativamente a determinados encargos incorridos pela empresa sobre os quais recai a suspeita de que seriam usados ou teriam alguma componente remuneratória.”.

- Constata, ainda, a Requerente que “A tributação autónoma apura-se de forma totalmente independente do IRC e da Derrama devidos em cada exercício, não estando sequer relacionada com a obtenção de um resultado positivo.”, para concluir que “A tributação autónoma de determinadas despesas, tal como está inscrita no Código do IRC, poderia estar inscrita no Código do IVA ou no Código do Imposto do Selo ou em diploma autónomo do mesmo modo que poderia ser liquidada conjuntamente com outro imposto diferente do IRC ou autonomamente.”.

- Aponta e desenvolve, por fim, a Requerente a ideia, recentemente consagrada a nível jurisprudencial, segundo a qual “o momento de verificação dos factos tributários sujeitos a IRC stricto sensu não coincide com o momento de verificação dos factos tributários sujeitos a tributação autónoma pois se o lucro tributável das pessoas coletivas é de formação sucessiva, no período a que respeita, já as despesas sujeitas a tributação autónoma não podem deixar de se considerar verificadas, por completo, no momento em que nelas se incorre, pelo que a tributação que sobre as mesmas impende configura um imposto de formação instantânea e de obrigação única.”

- Conclui, para além do mais, a Requerente, que:

o A tributação é autónoma justamente porque se abstém de considerações sobre o resultado fiscal do sujeito passivo (lucro tributável ou prejuízo fiscal) e do respetivo quantitativo;

o Ao contrário do que sucede com os impostos sobre o rendimento, a tributação autónoma não assenta na capacidade contributiva;

o A tributação autónoma é despojada de quaisquer elementos de pessoalização do imposto sobre o rendimento;

o A tributação autónoma não se confunde com o IRC, sendo indiferente que com este partilhe a sua liquidação e pagamento;

o A tributação autónoma configura um imposto indireto de natureza especial, porquanto incide sobre determinadas despesas.

- Culminando o seu raciocínio, sustenta a Requerente que “Configurando a tributação autónoma um imposto indireto, porquanto, como se viu, é um tributo que incide sobre a despesa e não sobre o rendimento (...), os encargos incorridos pelos sujeitos passivos com a tributação autónoma não poderão deixar de ser considerados dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.”.

Vamos de ora em diante seguir de muito perto o entendimento que se deixou plasmado no acórdão de 12-05-2014, proferido no processo n.º 210/2013-T, deste CAAD.

Aí se escreve que o ato tributário imediato que sustenta no caso o processo arbitral é o pedido de revisão oficiosa no qual a ora Requerente solicita à Administração Tributária e Aduaneira que anule o ato tributário, por força de um erro de direito na sua formação.

Ora, constituindo tal erro de direito uma inconstitucionalidade ou até a violação de princípios de Direito Comunitário pela norma que sustenta o ato tributário, deve aferir-se se, com este fundamento, a Administração Tributária e Aduaneira dispunha de poderes para revogar um ato tributário.

Conforme se diz no acórdão do CAAD proferido no Proc. n.º 188/2013-T, “é pacificamente reconhecido [que o pedido de revisão oficiosa] é um meio de autocontrole da Administração Tributária que permite que, dentro dos prazos ali referidos, aquela corrija um erro seu, de facto ou de direito.

Por meio de um trabalho hermenêutico paulatinamente desenvolvido, tendo em conta o dever de objetividade e legalidade que obriga a Administração em geral, e a Tributária em especial, e com apoio em alguns segmentos normativos do nosso ordenamento jurídico-tributário, chegou-se ao entendimento, hoje incontestado, de que o exercício do poder-dever da Administração Tributária rever atos ilegais pode ser desencadeado pelo contribuinte, e que a subsequente decisão (ou violação do dever de decidir) da Administração Tributária, são contenciosamente sindicáveis.

Contudo, entendeu-se igualmente que a abertura da via contenciosa desta forma operada, não é total nem incondicional, mas está limitada aos próprios condicionalismos legalmente impostos ao poder de revisão de atos tributários pela Administração. Assim, e por exemplo, tendo em conta a utilização da expressão «erro imputável aos serviços», tem-se entendido que a Administração Tributária pode proceder à revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT, nos casos de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mas já não vícios formais ou procedimentais.”

Consequentemente, na fase contenciosa subsequente a um pedido de revisão oficiosa, apenas se poderá conhecer dos erros sobre os pressupostos de facto e de direito do ato tributário sob revisão, mas já não dos respetivos vícios formais ou procedimentais. Ou seja, não sendo admissível o conhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência de um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, de vícios formais ou procedimentais, não é, igualmente admissível ao Tribunal conhecer de tais vícios.

Ou seja, a fase contenciosa que se segue a um pedido de revisão oficiosa não abrange, à semelhança da reclamação graciosa, qualquer ilegalidade, mas apenas os vícios de facto ou de direito de que a Autoridade Tributária e Aduaneira possa conhecer.

A Autoridade Tributária e Aduaneira está sujeita ao princípio da legalidade, nos termos do artigo 55.º da LGT e artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Neste sentido, tem sido pacificamente entendido na doutrina e jurisprudência que “a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cf. Artigo 18.º n.º 1 da CRP (Diz o artigo 18.º da CRP no seu n.º 1: «Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.»), a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Coletânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente (art. 266.º, n.º 2, da CRP (Diz o art. 266.º CRP: «1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé».) e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.

A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.” (Acórdão do STA, de 12/10/2011, Proc. n.º 860/10).

Na mesma senda, diz VIEIRA DE ANDRADE que “Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição” (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270).

O mesmo raciocínio é aplicável, mutatis mutandis, à alegada violação das normas comunitárias.

Assim, devem ser excluídas do objeto do presente processo as questões de constitucionalidade e de violação do direito comunitário.

Dever-se-á enfrentar agora muito diretamente neste passo a questão de saber se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável sobre o qual incide aquele imposto.

Vejamos, então.

Continuando a seguir de perto o citado acórdão de 12-05-2014, do CAAD, proferido no proc. n.º 210/2103-T, diremos que a dúvida acerca da dedutibilidade das tributações autónomas no âmbito da anterior redação do Código do IRC surge em consequência da margem interpretativa criada pela conjugação de duas normas: por um lado, o princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC. Por outro lado, a regra de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.

Em concreto, as dúvidas surgem porque a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC não menciona expressamente as tributações autónomas e porque o princípio geral em sede de IRC era o da dedutibilidade de encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas, a dúvida surge sobre se o legislador quis incluí-las na exceção de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º.

As dúvidas surgidas a propósito da dedutibilidade das tributações autónomas em sede de IRC são, portanto, perfeitamente justificáveis face à incerteza criada pelo elemento literal das normas enunciadas. Assim, será necessário aprofundar a análise além do seu elemento literal, buscando nas razões de ser do regime das tributações autónomas a resposta às dúvidas criadas.

As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais ou não documentadas.

Mais tarde, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.

Desde então o regime das tributações autónomas, inserido no Código do IRC, tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva.

Atualmente, são vários os tipos de tributações autónomas que encontramos no artigo 88.º do Código do IRC:

i) Tributação autónoma sobre despesas não documentadas;

ii) Tributação autónoma sobre encargos com viaturas;

iii) Tributação autónoma sobre despesas de representação;

iv) Tributação autónoma sobre importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

v) Tributação autónoma sobre despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria ao serviço da entidade patronal;

vi)  Tributação autónoma sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial;

vii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como sobre os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo;

viii) Tributação autónoma sobre gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

Da análise deste elenco podemos retirar duas ilações de princípio:

(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis;

(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas não servem apenas um objetivo, mas sim dois:

- Umas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos;

- Outras visam penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos.

 

A primeira ilação leva-nos, de imediato, a uma constatação fundamental: a de que, se se admitisse a dedutibilidade das tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, se estaria a admitir a dedutibilidade de um encargo não indispensável para realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Com efeito, se o gasto sobre o qual incide a tributação autónoma não é, em si mesmo, dedutível, é porque (para o sistema de IRC) o mesmo não é indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Ora, se assim é, a tributação autónoma que sobre ele incide também o não será, pelo que se estaria a admitir a dedução de um encargo em frontal desacordo com o princípio geral de que os encargos só são dedutíveis em sede de IRC se lhes estiver inerente aquela indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, tal como não são dedutíveis os tributos incidentes sobre factos não relacionados com a realização de rendimentos sujeitos a IRC, também as tributações autónomas que incidem sobre despesas não dedutíveis terão, forçosamente, que estar excluídas de tributação sob pena de se admitir uma evidente contradição sistemática no Código do IRC, o que não é de aceitar face aos princípios interpretativos consagrados no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil (que a LGT manda aplicar nos termos do no n.º 1 do seu artigo 11.º), os quais determinam que o intérprete deve presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” e “que consagrou as soluções mais acertadas”. 

Perguntar-se-á então: e quanto às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis? Não deverá aí concluir-se que, sendo dedutível a despesa, deverá ser dedutível a tributação autónoma, ela própria, como encargo que foi suportado por força da sua realização de tal despesa, seguindo o acessório o caminho do principal (acessorium principale sequitur)?

 

Aqui, a questão interpretativa que importa dilucidar prende-se com a definição do conteúdo adequado da expressão linguística “IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre lucros” (consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC), decidindo-se então se aí se devem considerar incluídas as tributações autónomas ou não.

A Requerente defende que, configurando a tributação autónoma um tributo que incide sobre a despesa e não sobre o rendimento, esta tributação não poderá ser considerada “IRC” para efeitos da exclusão da dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do Código do IRC.

 

É verdade que as tributações autónomas se aplicam quando há despesa realizada, mas será que, ainda assim, elas não servem um propósito coadjuvante do IRC stricto sensu, podendo então dizer-se que, ainda que operando de forma diferente, designadamente porque são apuradas de forma distinta, se integram no sistema global do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas? Por outras palavras: será que a tributação agravada de determinados tipos de despesas dedutíveis não é, ainda assim, uma forma indireta de tributar o rendimento dos sujeitos passivos que nelas incorrem, assim incorporando o objetivo geral que preside ao IRC e que o distingue enquanto imposto sobre os lucros? E ainda de outra forma: será que o regime de um imposto que se define como imposto sobre os lucros e onde, consequentemente, as despesas ou gastos desempenham um papel fundamental na delimitação da matéria tributável, não pode incluir em si mesmo tributações autónomas sobre determinados tipos de despesas que, contribuindo para a diminuição da base tributável são, além disso, de discutível empresarialidade?

 

Parece-nos que todas estas questões devem ser respondidas afirmativamente. Com efeito, além do caso das tributações autónomas que incidem sobre despesas não dedutíveis e cuja previsão se justifica enquanto mecanismo anti evasão, também no caso das tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis está presente a vontade do legislador de impedir a erosão da base tributável através da realização de despesas que, embora não possam ser proibidas de todo pelo sistema do IRC porque, em alguns casos, poderão mesmo ser necessárias à realização do rendimento tributável e/ou à manutenção da fonte produtora, são despesas que partilham entre si um risco de não empresarialidade, isto é, um risco de não serem realizadas com fins empresariais, mas sim extra-empresariais ou privados. Nesses casos, o legislador opta, assim, por aceitar a sua dedutibilidade, mas onerando-a com uma tributação autónoma.

 

Na verdade, estamos, em ambos os casos, perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis.

 

Trata-se, assim, de não mais do que um mecanismo de tributação indireta do rendimento, que visa prevenir a perda de receita fiscal por evasão fiscal ou por confusão das esferas empresariais e privadas.

 

Em concreto no que se refere às tributações autónomas que incidem sobre despesas dedutíveis, as mesmas visam compensar, por essa via, a perda de receita fiscal que a realização e dedução de tais despesas ocasionaria na sua ausência. Assim, enquanto se permite que o sujeito passivo deduza a despesa, onera-se a sua dedução com a tributação autónoma reduzindo-se, assim, a receita fiscal perdida com a dedução da despesa e desincentivando-se a utilização futura do tipo de encargos que gerou a tributação autónoma.

 

Como refere o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 18/2011, a propósito dos encargos relacionados com viaturas: “[estes] referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos [atuais n.º 3 e 4 do art. 88.º do CIRC] explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”. 

No mesmo sentido vão as palavras de Saldanha Sanches quando afirma que ”Neste tipo de tributação [autónoma], o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros.” (cf. “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 406).

 

Face ao exposto, embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, um regime especial quanto à forma de apuramento da tributação, isso não o afasta da sua natureza intrínseca de regime de tributação do rendimento das pessoas coletivas. É verdade que este regime pode, por via dessa integração e do processo de complexificação que vem sofrendo, ter-se tornado multifacetado e diversificado no seu modo de atuação, mas não deixa por isso de ser um regime dedicado à tributação do rendimento das pessoas coletivas e à obtenção de receita fiscal por essa via. Se esta é, por vezes, obtida através da tributação de determinadas despesas que reduzem o lucro tributável, ainda assim se consegue vislumbrar aí uma forma de tributação desse mesmo lucro tributável que é própria dos objetivos que subjazem ao IRC – de resto, as próprias tributações autónomas são devidas a título deste imposto.

 

Por fim, não colide com a interpretação que acaba de se fazer acerca da natureza das tributações autónomas e, em especial, acerca da questão da sua (não) dedutibilidade em sede de IRC a recente alteração efetuada ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que veio revogar o antigo artigo 45.º, estabelecendo-se agora no artigo 23.º-A do CIRC que “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.”

 

Esta alteração veio, segundo se entende, clarificar que, relativamente aos períodos a que a norma em causa se aplica, os gastos com tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos fiscais, tornando assim expresso na letra da lei algo que já decorria dos seus termos, ainda que indiretamente.

 

Nestes termos e com estes fundamentos, o Tribunal Arbitral entende que as tributações autónomas integram o regime jurídico do IRC, sendo devidas a este título e estando, por isso, abrangidas pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (atual artigo 23.º - A) do CIRC, e que, em consequência, os montantes pagos com referência a essas tributações autónomas não constituem encargos dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, devendo improceder a presente ação arbitral.

De resto, devemos dizer ainda que, com a adoção do Sistema de Normalização Contabilística através do Dec. Lei nº 158/2009 de 13 de julho foi efetuada a harmonização fiscal em sede de IRC com alterações efetuadas ao CIRC através do Dec. Lei nº 159/2009 de 13 de julho.

- Em termos de estrutura conceptual e de princípios os encargos com tributação autónoma são tratados em termos contabilísticos ao nível da classe 8 – Resultados em subconta de Imposto sobre o Rendimento e não ao nível da classe 6 – Gastos em subconta de Impostos como em tese é defendido pela Requerente.

- Em termos de IRC e atenta a data em que se produziu a harmonização não houve da parte do legislador qualquer intenção em tratar de forma diferente, uma matéria em que se vinha a verificar perfeita convergência entre a contabilidade e a fiscalidade.

- Incidindo a tributação autónoma sobre determinadas despesas, numa perspetiva temporal a mesma não é reconhecida no momento da despesa mas sim no final do período económico em similitude com a técnica de apuramento do Imposto sobre o Rendimento o qual também poderá ser alvo de reconhecimento no caso de ocorrência de prejuízo fiscal. Este princípio é adotado não só por razões de simplificação administrativa mas também porque está diretamente associado ao apuramento do resultado fiscal do período o qual implica ou não a penalização das tributações autónomas. Por outro lado a tributação autónoma sobre viaturas ligeiras na sua componente de depreciação ocorre não só no período económico da despesa (obrigação perante o vendedor da viatura quando adquirida a pronto pagamento) como também nos períodos económicos subsequentes em que sejam praticadas as respetivas depreciações. Estaremos assim perante um gasto e não uma despesa stritu senso.

- Com a adoção do SNC as «Normas contabilísticas e de relato financeiro» (NCRF), adaptadas a partir das normas internacionais de contabilidade adotadas pela UE, cada uma delas constituindo um instrumento de normalização onde, de modo desenvolvido, se prescrevem os vários tratamentos técnicos a adotar em matéria de reconhecimento, de mensuração, de apresentação e de divulgação das realidades económicas e financeiras das entidades.

- A problemática do Imposto sobre o Rendimento é tratada pela NCRF 25 – Impostos sobre o Rendimento, para as empresas de maior dimensão. A «Norma contabilística e de relato financeiro para pequenas entidades» (NCRF-PE), e a «Norma contabilística e de relato financeiro para micro entidades» (NCM) que, de forma unitária e simplificada, contemplam os tratamentos de reconhecimento, de mensuração, de apresentação e de divulgação que, do cômputo dos consagrados nas NCRF, são considerados como os pertinentes e mínimos a ser adotados por entidades de menor dimensão.

- Nos normativos aplicáveis a qualquer entidade em matéria de Imposto sobre o Rendimento não existem especificidades de diferenciação em termos de princípios.

- De acordo com o parágrafo 70 da NCRF 25, o gasto (rendimento) de impostos relacionado com o resultado de atividades ordinárias deve ser apresentado na face da demonstração dos resultados a título de “Imposto sobre o rendimento do período”.

- É geralmente aceite que o gasto (rendimento) de impostos relacionado com o resultado (Imposto sobre o Rendimento) inclui impostos correntes e impostos diferidos e que nos impostos correntes são incluídas as tributações autónomas.

- Em matéria de qualidade de informação a NCRF 25 prevê um conjunto de divulgações (parágrafos 72 a 84) que se traduzem essencialmente na divulgação em separado dos principais componentes de gasto (rendimento) e na reconciliação analítica entre a taxa média efetiva de imposto e a taxa de imposto aplicável, divulgando também a base pela qual é calculada a taxa de imposto aplicável.

- A boa prática de divulgações em matéria de Imposto sobre o Rendimento inclui a divulgação na respetiva nota do Anexo das tributações autónomas como forma justificativa da reconciliação entre a taxa média efetiva de imposto e a taxa de imposto aplicável para além das diferenças temporárias e diferenças permanentes que estão na base de Resultado Fiscal diferente do Resultado Contabilístico (Resultado Antes de Impostos).

- As divulgações exigidas fazem com que os utentes das demonstrações financeiras compreendam se o relacionamento entre o gasto (rendimento) de impostos e o lucro (prejuízo) contabilístico é não usual e compreendam os fatores significativos que podem afetar esse relacionamento no futuro.

- Deduz-se nos autos que foi no cumprimento do normativo estabelecido pelo SNC e CIRC que a Requerente procedeu à autoliquidação do IRC e derrama de 2010, mediante a apresentação da Declaração Modelo 22, na qual não efetuou a dedução das tributações autónomas para efeitos de apuramento da matéria coletável.

- Face a tudo o que se vem de expor, reiteramos o nosso entendimento de que as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime, e são devidas a título, deste imposto, e, como tal estão abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, não constituirão as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, devendo, em consequência, improceder a presente ação arbitral.

VI) DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente a exceção de intempestividade levantada pela Requerida ATA;
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente.

 

  1. Condenar a Requerente nas custas do processo.

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VII) Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 86.219,87, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VIII) Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

[Adotou-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido harmonizadas, em conformidade, a ortografia quer das citações efetuadas quer dos textos legais utilizados].

 

Lisboa, 12 de maio de 2014.

 

Os árbitros

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

 

 

Amândio Silva

 

Manuel Vaz

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

Processo n.º 255/2013-T

 

Acompanho inteiramente a decisão, excepto quanto ao ponto relativo à dedutibilidade dos montantes pagos a título de tributação autónoma para efeitos de apuramento do lucro tributável, cujos pressupostos e conclusões não subscrevo.

Passo a expor, de forma sucinta, as razões que me afastam da posição que fez vencimento.

  1. O pressuposto da decisão é, em síntese, a consideração de que as tributações autónomas constituem, ainda que indirectamente, um imposto sobre o rendimento, pelo que a sua não dedutibilidade está expressamente prevista na al . a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC. Para tal, defende-se que as “tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC…”. Trata-se de um “mecanismo de tributação indirecta do rendimento que visa prevenir a perda de receita fiscal por evasão fiscal ou por confusão das esferas empresariais e privadas.”. Conclui, por isso, que apesar de “obtida através da tributação de determinadas despesas que reduzem o lucro tributável, ainda assim se consegue vislumbrar aí uma forma de tributação desse mesmo lucro tributável que é própria dos objectivos que subjazem ao IRC…”.

Acrescenta-se, por fim, para reforço daquele entendimento que a expressa previsão na actual al. a) do artigo 23.º-A do CIRC ( versão introduzida pela Lei n.º 2/2004, de 16 de janeiro) da não dedutibilidade das tributações autónomas constitui uma clarificação que torna expresso na letra da lei algo que já decorria dos seus termos, ainda que indiretamente.

 

  1. Não é esse, contudo, o meu entendimento.

Acompanho, quanto à natureza das tributações autónomas, a mais recente jurisprudência dos tribunais superiores. Sem a preocupação de ser exaustivo, considerou o STA que “as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos sujeitos a taxas diferentes das de IRC”(…) Conclui que “pese embora tratar-se de uma forma de tributação prevista no CIRC, nada tem a ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma.” (Acórdão do STA de 21/03/2012, proc. 830/11). Posteriormente, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 310/12, de 20 de junho, referiu que “Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.”

 

  1. A generalidade da doutrina não se afasta do entendimento dos tribunais superiores. Como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.” (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203). No mesmo sentido, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas colectivas e não despesa por elas efectuadas -, mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente”. Também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614).

 

  1. Nem se diga que o objectivo desta norma é assegurar a verdade fiscal do sujeito passivo que suporta o imposto sobre o rendimento e as tributações autónomas. Tal regularidade fiscal seria assegurada pela não aceitação daquelas despesas como dedutíveis, nos termos do artigo 45.º do Código do IRC (ora 23.º-A) quando, no caso, as despesas sujeitas a tributação autónoma são tidas como gastos dedutíveis.

 

  1. Assim, em consonância com a generalidade da doutrina e jurisprudência, considero que não há qualquer ligação umbilical entre o Código do IRC e as tributações autónomas, pelo que não consigo vislumbrar nas tributações autónomas uma forma de tributação do rendimento. Apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.

 

  1. Em boa verdade, a relação entre as tributações autónomas e o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas é similar à dos demais impostos (por exemplo, o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o Imposto Municipal de Imóveis e Imposto do Selo) que incidem sobre o património, gastos ou operações realizadas por pessoas colectivas que, no caso, são também sujeitos passivos de IRC. Os factos que geram estes impostos influenciam sempre os gastos ou rendimentos do sujeito passivo e, consequentemente, o lucro tributável. Por outro lado, todos os impostos citados são dedutíveis ao IRC, sem que a sua natureza e objectivos sejam postos em causa.

 

  1. Pelo exposto, como não estamos perante um imposto que incide directa ou indirectamente sobre os lucros, não há, face à letra da lei, qualquer obstáculo legal que impeça, à data dos factos,  a dedução das tributações autónomas.

 

  1. A lei não se restringe, sabemo-lo, apenas à letra da lei. É isso mesmo que se afirma no artigo 11º nº 1 da Lei Geral Tributária: “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. Para tal, devemos recorrer a outros elementos disponíveis de interpretação jurídica, como sejam os elementos extraliterais: o histórico, o sistemático e o teleológico, para os quais aponta o artigo 9º do Código Civil. Quais os fins e objectivos das tributações autónomas objeto que são objecto da presente impugnação? Como enquadra-los face aos princípios que norteiam o nosso sistema fiscal?

 

  1. Lembramos que, no caso, a tributação autónoma incidiu, ainda que de forma distinta, sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros, despesas de representação e ajudas de custos mas com prosseguindo um objectivo comum: tributar gastos das empresas que podem constituir rendimentos na esfera individual dos trabalhadores ou membros dos órgãos sociais. Ou seja, o legislador considerou que, face à dificuldade em aferir se aqueles gastos constituem, pelo menos em parte, uma vantagem pessoal dos trabalhadores ou membros dos órgãos sociais, deveriam ser objecto de tributação especial.

 

  1. Estas tributações autónomas assumem, assim, a natureza de normas anti-abuso inilidíveis, em que o sujeito passivo de IRC assume o papel de substituto tributário dos terceiros potenciais beneficiários dos rendimentos. Não partilhamos, por isso, quanto aos fins destas tributações autónomas, os argumentos defendidos da sua natureza repressiva/punitiva ou desincentivadora. Tal assunção  viola, em nossa opinião, os princípios ne bis in idem quando se trate de prática punidas pelo Regime Geral das Infracções Tributárias e de tributação do rendimento real.[1]

 

  1. Face ao exposto, haverá razões para se defender que a dedutibilidade destas tributações autónomas ao lucro tributável anula os efeitos que se visam prosseguir? A dedução deste imposto ao lucro tributável – à semelhança de qualquer outro imposto - reduz o lucro tributável ou aumenta o prejuízo fiscal mas não anula a carga tributária suportada pelo contribuinte: o imposto devido a título de tributações autónomas será sempre claramente superior à eventual redução de IRC obtida com a sua dedução.

 

  1. Acrescentamos, a título complementar, que o argumento de que a dedutibilidade das tributações autónomas  põe em causa os fins anti-abuso que as normas visam prosseguir parte da premissa, não provada, de que estas tributações autónomas prosseguem exclusivamente aqueles objectivos. As alterações que o regime das tributações autónomas sofreu nos últimos anos permitem concluir que as tributações autónomas não visam apenas combater eventuais abusos mas também arrecadar receita tout court.

 

  1. Por outro lado, mais importante que um argumento de quantum, a não dedutibilidade destas tributações autónomas, porque relativas a gastos em si mesmo dedutíveis, violaria as regras de apuramento do lucro tributável, previstas nos artigos 17.º e 23.º do Código do IRC.

 

  1. Mais, a imposição, não justificada, da não dedutibilidade das tributações autónomas que incidem sobre gastos dedutíveis, constitui, na minha opinião, uma violação das regras de tributação do rendimento real e capacidade contributiva.

 

  1. Pelo exposto, a alteração introduzida à al. a) do n.º 1 do artigo 23.º-A (anterior 45.º) do Código do IRC, com a expressa referência à não dedutibilidade das tributações autónomas não tem natureza clarificadora mas inovadora. Não configurando as tributações autónomas IRC ou um imposto que incide directa ou indirectamente sobre os lucros, a alteração introduzida não esclareceu mas alterou o enquadramento em sede de IRC das tributações autónomas.

Neste sentido se pronunciou, aliás, o STA, numa situação similar. No acórdão do STA, de 21 de março de 2011, Proc. 830/11, o STA concluiu que quando o artigo 32.º n.º 4 da Lei n.º 109-B/2001 acrescentou ao artigo 12.º do Código do IRC que ficavam ressalvadas da não tributação em IRC no regime de transparência fiscal as “tributações autónomas”, o legislador veio clarificar que as sociedades enquadradas no regime de transparência fiscal ficavam sujeitas às tributações autónomas porque “as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, um vez que não incidem sobre o rendimento, cuja formação, ao longo do ano, mas antes sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos, sujeitos a taxas diferentes de IRC.”

Assim, quando o artigo 12.º do Código do IRC se referia, antes daquela alteração, ao IRC, não incluía as tributações autónomas. Se assim foi à data, não podemos dar, agora, à al. a) do n.º 1 do artigo 23.º-A a mesma natureza clarificadora mas com sentido contrário: quando a al. a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC se referia ao IRC, incluía as tributações autónomas. Reitero, assim, que a interpretação do STA numa situação similar, assume a clara distinção, pelo próprio Código do IRC, dos conceitos de “IRC” e “tributações autónomas”.

 

  1. Por fim, caberá acrescentar, quanto ao enquadramento contabilístico, que a contabilidade tem uma função funcional ou instrumental fundamental para os seus utilizadores: proporciona informação sobre a posição e desempenho financeiro das entidades ou empresas, informação que é útil para a tomada de decisões económicas ou de gestão dos diferentes utilizadores. Ora, o reconhecimento dos factos com relevância contabilística é feito atendendo à natureza desses factos. Comprovado que as tributações autónomas têm uma natureza distinta do IRC, caberá à contabilidade expressar essa diferença nos seus lançamentos e demonstrações financeiras.

 

Lisboa, 12 de maio de 2014

 

 

Amândio Silva



[1] Seguimos, neste sentido, as considerações e entendimento vertidos no Acórdão do CAAD, de 20/09/2012, Proc. n.º 7/2011.



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário, Vol. 1, 2006, p. 782.