Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 234/2013-T
Data da decisão: 2014-03-28  IRS  
Valor do pedido: € 1.150.692,03
Tema: IRS - Aplicação cláusula geral anti abuso Artigo 38.º n.º 2 da LGT e artigo 63.º do CPPT
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DECISÃO ARBITRAL

           

Acordam os árbitros, Jorge Lino Ribeiro (árbitro-presidente), Graça Martins e José Rodrigo de Castro, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral:

           

I. RELATÓRIO

 

            No dia 17-10-2013, os contribuintes Requerentes A…, NIF …, B…, NIF …, C…, NIF … e sua mulher D, NIF … (doravante designados por Requerentes), apresentaram um pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação dos seguintes actos de liquidação: (i) liquidação de IRS 2009 n.º … de 2013-08-30 e liquidação de juros compensatórios correspondentes com o n.º …, incidentes sobre o 1.º Requerente que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 522.437,86, e juros compensatórios no montante de € 66.530,85; (ii) liquidação de IRS 2009 n.º … de 2013-08-28 e liquidações de juros compensatórios correspondentes com os n.ºs … e …, incidentes sobre o 2.º Requerente que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 249.616,04, e juros compensatórios no montante de € 31.953,87; e (iii) liquidação de IRS 2009 n.º … de 2013-08-28 e liquidações de juros compensatórios correspondentes com os n.ºs … e …, incidentes sobre os 3.ºs Requerentes que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 248.256,78, e juros compensatórios no montante de € 31.896,63 - em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas designada por AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18-10-2013.

 

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto – Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou árbitros os já acima mencionados, e notificou as partes dessa designação em 03-12-2013.

 

   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19-12-2013, tendo-se seguido os pertinentes trâmites legais.

 

Os Requerentes fundamentaram a sua pretensão de PRONÚNCIA ARBITRAL, para anulação das mencionadas Liquidações emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira supra referidas, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, com fundamento na:

a) aplicação indevida da cláusula geral anti abuso; e consequente

b) errónea qualificação do facto tributário e vício da fundamentação legalmente exigida;

c) violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

           

As liquidações impugnadas têm por origem e fundamento os seguintes RIT e Ordens de Serviço de acção inspectiva (OI) emitidas pela AT:

- Doc. de cobrança nº … de 2009 (Serviço Finanças Matosinhos - 1)
- Doc. de cobrança nº 2013 … de 2009 (Serviço Finanças Matosinhos - 1)
Doc.  de cobrança nº 2013 … de 2009 (Serviço Finanças Matosinhos – 1)

 

Em relação ao 1.º Requerente: a … que deu origem ao RIT notificado ao contribuinte pelo Ofício n.º … de 14.08.2013. Em relação ao 2.º Requerente: a … que deu origem ao RIT notificado ao contribuinte pelo Ofício n.º … de 14.08.2013.Em relação aos 3.ºs Requerentes: a … que deu origem ao RIT notificado aos contribuintes pelo Ofício n.º … de 13.08.2013.

 

A . No essencial, os Requerentes alegaram assim:

 

(…) AT decidiu efectuar a tributação desconsiderando o acto de transformação da sociedade E… da modalidade de sociedade por quotas para sociedade anónima (abaixo melhor identificada), considerando assim a incidência de IRS sobre mais-valias resultantes da alienação de quotas, tributando-as à taxa de tributação autónoma de 10%.

 

Ou seja, a presente acção tem por objecto, basicamente, determinar se a AT tem direito a exigir dos Requerentes o pagamento de imposto em sede de IRS, a título de mais-valias tributadas (nos temos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS), com imposto apurado à taxa especial de 10% prevista no n.º 4 do artigo 72.º do mesmo Código.

 

O que implica saber se, neste caso concreto, a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, com ulterior venda das acções resultantes de tal transformação, constitui ou não um negócio jurídico celebrado por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das fórmulas jurídicas, dirigido à eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de negócios jurídicos de idêntico fim económico.

 

Em 19/10/2009, os 1.º e 2.º Requerentes, juntamente com o 3.º Requerente marido, eram titulares da totalidade do capital social da sociedade por quotas E…, Lda., NIPC 500 908 273 (adiante designada E…). 

 

Titularidade esta que já se reportava, pelo menos a 07/07/1998 quanto ao 2.º e 3.º Requerentes, e quanto ao 1.º Requerente, uma parte das quotas (cerca de 1/3) era de sua propriedade em momento anterior a 31/12/1987, e outra parte (cerca de 2/3) foi adquirida por aumento de capital ocorrido na referida data de 07/07/1998.

 

Nesta altura – entre 7 de Julho de 1998 e 19 de Outubro de 2009, a sociedade tinha um capital social de € 12.469,95, distribuído em 3 quotas, assim tituladas:

a. A… (1.º Requerente): 60%

b. B… (2.º Requerente): 20%

c. C… (3.º Requerente marido): 20%.

 

Verificando-se assim que em 19/10/2009 todos os Requerentes, acabados de identificar, já eram titulares destas quotas há mais de 10 anos. 

 

Na data de 19/10/2009, foram efectuadas as seguintes operações na E…:

a. Foi realizado um aumento de capital em dinheiro, pelo montante de € 200,00, dividido em duas quotas de € 100,00 cada uma, subscritas e atribuídas a dois novos sócios (F… e G…). A sociedade passou assim a ter 5 sócios.

b. Foi feito um outro aumento de capital, de € 12.669,95 para € 50.000,00 por incorporação de resultados transitados do valor de € 37.330,05, atribuído aos sócios na proporção das quotas detidas, e   

c. Em simultâneo, foi feita a transformação da E… em sociedade anónima, sendo o capital social de € 50.000,00 representado por 5.000.000 de acções nominativas com o valor nominal de € 0,01 cada uma, as quais foram atribuídas aos sócios na proporção das quotas por eles detidas, e em substituição destas.

 

Após as operações acabadas de referir, em 19/10/2009, a E... passou a ser uma sociedade anónima na qual os aqui requerentes tinham as seguintes participações:

a. 1.º Requerente A...: 2.952.644 acções

b. 2.º Requerente B...: 984.215 acções

c. 3.º Requerente (marido) C...: 984.215 acções

 

Em 14/12/2009, os Requerentes venderam todas as acções que detinham na E... à sociedade “H..., Lda.” (NIPC …).

 

A venda das acções foi efectuada pelos seguintes preços:

a. 1.º Requerente A... vendeu as 2.952.644 acções por € 7.469.825,00;

b. 2.º Requerente B... vendeu as 984.215 acções por € 2.490.152,50;

c. 3.º Requerente (marido) C... vendeu as 984.215 acções por € 2.490.152,50.

 

Os preços de venda das acções basearam-se num trabalho de avaliação financeira indicativa do capital próprio da E... adquirido pelos Requerentes ao economista I…, que elaborou um relatório em 30/09/2009, a partir do modelo financeiro designado “Discount Free Cash Flows”, validado através da ponderação de múltiplos e da ponderação de operações de mercado comparáveis.

 

Este economista independente determinou, assim, em 30/09/2009 o valor de 100% da E... num montante entre o mínimo de € 12.521.02,00 e o máximo de € 13.538.931,00.

 

Avaliação esta que serviu de base à fixação dos valores de venda das acções da E... pelos Requerentes à “H..., SA”.

 

Esta venda de acções produziu mais-valias na titularidade dos Requerentes.

 

Simplesmente, a data de aquisição das acções alienadas, determinada nos termos do artigo 43.º do CIRS, tal como os RIT referem, era anterior em mais de um ano à data da respectiva venda.

 

Assim se considerando que as mais-valias obtidas são provenientes de acções detidas pelos seus titulares durante mais de 12 meses, excluídas de tributação por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

 

E nestes termos, não é devido o pagamento de IRS sobre as mais-valias resultantes da venda das acções.

 

E a operação em causa não constitui o recurso a qualquer meio artificioso ou fraudulento, e muito menos com abuso de formas jurídicas.

 

A operação de transformação da E... em sociedade anónima também não foi essencial ou principalmente dirigida à eliminação da tributação das mais-valias.

 

A transformação da E… em sociedade anónima baseou-se nos seguintes pressupostos e motivações de gestão:

 

a. No ano de 2009, o negócio da E... começou a evoluir a um ritmo muito acelerado, revelando um potencial elevado de crescimento, que obrigou a repensar a forma de governo/gestão da sociedade;

b. O volume de negócios da empresa subiu exponencialmente entre 2009 e 2010 – de cerca de 1 milhão de euros passou para cerca de 16 milhões de euros;

c. Este elevado crescimento do volume de vendas originou muito maior envolvimento financeiro, uma exposição da empresa ao mercado muito maior e, naturalmente, um maior volume de todas as suas operações, quer ao nível das compras quer ao nível das transacções no sistema financeiro;

d. Perante esta relevante evolução, com natural impacto na dimensão da empresa, entendeu-se ser fundamental reforçar a credibilidade perante o mercado, transformando-a em sociedade anónima. 

e. Este figurino societário, pelas obrigações de controlo e fiscalização a que obriga (com especial incidência na existência de órgão de fiscalização e de certificação legal das contas anuais) confere muito maior transparência à gestão, evidenciando de forma mais clara e segura a situação económico-financeira da empresa perante o mercado.

f. Igualmente, o crescimento dos negócios da E... propiciou a possibilidade de atrair novos investidores que reforçassem a sua capacidade financeira e propiciassem um bom negócio aos seus accionistas;

g. E, por isso, a transformação em sociedade anónima criaria melhores condições para a atracção de novos investidores, concretamente através da entrada para o capital de algum dos seus fornecedores principais, de um fundo de Private Equity ou de investidores angolanos.

h. Salienta-se ainda que a transformação da E... em sociedade anónima não foi a única operação concretizada em 2009 com o fito de responder a este crescimento. Neste ano, procedeu-se também à implementação de um Sistema de Gestão da Qualidade tendo como referencial a ISO 9001, à criação de um novo website e a um aumento do capital social.

 

A AT considerou ainda que da alegada estratégia artificiosa fez também parte a constituição da sociedade “H…, Lda.”, que foi a adquirente das acções da E....

 

Nada mais errado. A constituição desta sociedade inseriu-se na estratégia de constituir uma holding com vista a liderar um grupo empresarial em formação e deter os negócios através da criação de novas empresas, especializadas por segmentos de negócio e por áreas geográficas de actuação;

 

Assim, será possível coordenar melhor as actividades do grupo e associar parceiros diferentes ao nível de cada um dos segmentos de negócio ou das áreas geográficas, alavancando os capitais destes parceiros e assegurando a manutenção do domínio das empresas operacionais ao nível desta SGPS.

 

Com esta estrutura societária de gestão das participações sociais passaria a ser possível:

a. Estruturar de uma forma racional as actividades do grupo, separando por sociedades as actividades tradicionais das novas especialidades (geradores de energia eléctrica, máquinas de encaixotar, instalações eléctricas e ar condicionado e instalações gráficas industriais);

b. Diversificar o mercado e produtos comercializados, iniciando a comercialização de gamas mais baixas e de equipamentos em segunda mão;

c. Isolar o risco-país dos mercados emergentes relativamente aos mercados maduros, uma vez que a empresa estava já a actuar em Angola e em Espanha, e pretendia expandir a sua actividade para Moçambique, Cabo Verde e Brasil;

d. Obter parceiros diferentes ao nível de cada segmento de negócio.

 

E a verdade é que, entretanto, vieram efectivamente a criar-se duas empresas em 2010, concretamente a J..., Lda., que se dedica só a negócios de novas especialidades em Angola, e a K..., que se dedicou a negócios de gamas mais baixas e de máquinas em segunda mão, e que mediou em 2010/2011 um negócio de grande envergadura mas que infelizmente foi mal sucedido, porque o fornecedor estrangeiro do equipamento faliu a meio do processo.

 

A venda das acções da E... à H, Lda foi apenas o primeiro passo na concretização desta estratégia empresarial, que será aprofundada e desenvolvida à medida que as condições de mercado e de contexto geral o permitam.

 

Por isso, todos os comentários e “palpites” constantes dos RIT a propósito das estratégias empresariais e motivações sobre as operações realizadas pelos requerentes e pelas suas empresas são absolutamente despropositados, improcedentes (chegando mesmo a tocar o ridículo) e chegando mesmo a revelar uma confrangedora ignorância sobre o que são os actos de gestão empresarial.

 

Mas, sem prejuízo de tudo o que acabou de se referir, mantém-se que a operação de transformação da E... em sociedade anónima e subsequente venda das acções não configura qualquer operação artificiosa ou fraudulenta e com abuso de formas jurídicas.

 

Ou seja, mesmo que a motivação da transformação em sociedade anónima visasse, em exclusivo, a não sujeição das mais-valias à tributação em IRS (no que não se concede), nem assim seria legítima a aplicação das normas anti abuso, mormente do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

 

Aliás, é esta a posição praticamente unânime da melhor doutrina, e também da jurisprudência desta secção tributária deste Centro de Arbitragem Administrativa, a qual se tem traduzido em doutos estudos e arestos que, utilizam como exemplo ou como thema decidendum, precisamente, casos que se reproduzem lapidarmente nos factos integrantes da presente lide”.

 

Os Requerentes não juntaram documentos. Arrolaram duas testemunhas.

 

 B. A REQUERIDA alegou, no essencial, o seguinte:

 

No dia 05.02.2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugna, especificadamente, os argumentos aduzidos pelos Requerentes e conclui pela improcedência do pedido, com a sua consequente absolvição. Com efeito sustenta que : “Todas as operações realizadas tiveram por único e exclusivo objetivo evitar a tributação que seria devida em sede IRS face a uma mais-valia decorrente da venda de quotas.” (cf. Ponto 84º da Resposta da AT).

 

“Atenta a factualidade narrada, não restam dúvidas estar-se perante o que a doutrina denomina de tax avoidance ou evitação fiscal, que se traduz no facto de, abstratamente, os Requerentes não pretenderem entrar na relação jurídica tributária.

                                                                 

Impedindo, deste modo, que os rendimentos auferidos em determinado período económico fiquem sujeitos ao peso da tributação fiscal.

                                                                          

Por força da concretização de um conjunto de atos entre si encadeados, os Requerentes obtiveram um resultado económico equivalente ao que teriam, caso optassem por alienar as suas quotas à sociedade H... LDA.

                                                                                           

Todos os atos foram praticados com um propósito fiscal.

                                                                                           

Perante a factualidade que reveste a arquitetura levada a cabo, deparamo-nos com o designado negócio indireto combinado, que resulta da combinação de diversos atos ou negócios jurídicos, que embora formalmente separados, se conjugam com um único fim: o de atingir um resultado económico, isento de tributação, que, de outra maneira, caso se tivesse seguido a conduta negocial típica, não seria possível.

                                                                                           

Dispõe o artigo 38.º/2 da LGT:

“São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”

                                                                                           

Para que seja permitido ao intérprete a ponderação cuidada dos requisitos da Cláusula Geral AntiAbuso (doravante CGAA) necessários preencher, terá aquele que se debruçar sobre os elementos de que a mesma é constituída: elemento meio, elemento resultado, elemento intelectual e elemento normativo.

                                                                             

Deste modo, todos eles assumem relevo neste exercício interpretativo, sendo que todos foram cabalmente ponderados, apontando matéria de facto no sentido de demonstrar a existência de “(…) actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos (…)” .  

 

Assim será se, face aos elementos que compõem a CGAA, estes encaixem “como uma luva” na prática dos atos ou negócios jurídicos – lícitos, mas abusivos – concretizados pelos Requerentes.

 

Concretamente, quando esses atos/negócios impeçam o nascimento da obrigação fiscal ou provoquem a sua redução indevida, o que aconteceu.

 

1. Elemento Meio.     

 

O elemento meio traduz a via utilizada para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal.     

(…)

 

No caso sub judice, estamos perante atos que, se analisados isoladamente, não contendem em princípio com o direito, não subvertendo a norma de incidência que seria de aplicar em questão (redação pretérita do artigo 10.º/1, al. b) do CIRS, apurada conforme o disposto nos artigos 43.º a 50.º do CIRS, tributada à taxa especial de 10%, nos termos do disposto no artigo 72º/4 do CIRS, conforme fls. 147 verso, 378 verso e 599 verso, dos relatórios finais de inspeção).        

 

Todavia, quando vistos no seu conjunto, permitem apurar que foram exclusiva ou predominantemente dirigidos à obtenção de uma vantagem fiscal que, de outra forma, não seria atingida.

 

Como se refere na narração factual deste articulado, a ilação do ponto anterior sairá evidenciada, isto se se atender às datas em que ocorreram os vários atos que compuseram a operação. Assim,

 

A 30-09-2009, é elaborado o trabalho de avaliação financeira, solicitado pelos Requerentes, à altura sócios da E... LDA, tendo sido produzido com o único e exclusivo intuito de prestar informação quanto ao valor potencial das suas quotas.

 

            Em 09-10-2009, cerca de vinte dias depois da elaboração do citado estudo, é constituída a sociedade H... LDA, com o capital social de € 5.000,00, representado por três quotas, pertencentes a A..., B... e C..., ora Requerentes.

                                                                           

A 19-10-2009, cerca de dez dias depois da constituição da sociedade H... LDA, deu-se a transformação da sociedade E... LDA em sociedade anónima, isto após a entrada de dois novos sócios e do respetivo aumento de capital social.

 

                       

Por fim, a 14-12-2009, cerca de dois meses após os acontecimentos anteriores, os ora Requerentes e acionistas, A..., B... e C..., venderam à sociedade H... LDA a totalidade das ações de que eram titulares no capital social da E... SA pelo valor, respetivamente, de € 7.469.825,00, de € 2.490.152,50 e de € 2.490.152,50.

 

Toda a operação fiscal foi arquitetada num muito curto período de tempo, concretamente no último trimestre do ano de 2009.

            (…)

 

Ademais, atenta a manifesta falta de prova documental passível de justificar a motivação comercial/societária que esteve na génese da transformação da sociedade por quotas em anónima, é legítimo afirmar-se não poderem vingar as genéricas alusões efetuadas pelos Requerentes nesse sentido, isto, (1) tanto no que diz respeito às que integram o seu pedido de pronúncia arbitral – pontos 30, 31, 32, 33, 34 e 37 - como as (2) que haviam oportunamente integrado o seu direito de audição.

 

Era aos Requerentes quem cabia a prova dos factos constitutivos dos direitos que invocaram, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o que não fizeram.

 

Como bem referido na mais recente jurisprudência do CAAD (processo n.º 47/2013-T):

“No limite, o facto que suscita a suspeição, e bem, da AT face ao negócio é o (curto) espaço de tempo que medeia entre a alteração da forma e a venda. A este factor de suspeição alia-se a incapacidade de apresentar uma justificação económica que dissipe essa suspeita.”

                                                                           

            Adicionalmente, para efeitos da transformação da E... LDA em sociedade anónima, necessário foi a entrada de dois novos sócios, a 19-10-2009, – F... (advogado) e G... (familiar dos Requerentes) – a fim de dar cumprimento à exigência legal mínima de cinco acionistas detentores do capital social de uma sociedade anónima, nos termos do disposto no artigo 273.º, n.º 1 do CSC.

            Mas, recorde-se, tanto um como outro acabaram por vender as suas ações à sociedade H... LDA.

            A 14-12-2009, F... vendeu as suas 39.463 ações pelo valor de € 99.935,00.

 

            A 30-12-2010, cerca de um ano depois, G... vendeu as suas 39.463 ações pelo valor de € 179.935,00, acabando por ficar apenas como funcionário da E... SA.

 

Pelo facto de o capital social da sociedade H... LDA ser detido a 100% por A..., B...  e C... , ora Requerentes, e de, por sua vez, a H... LDA deter, à data em que F...  e G...  venderam as suas ações, uma participação de 99,20% no capital social da E... SA, pode afirmar-se que tais alienações, acabaram, inclusive, por reforçar, a participação dos Requerentes (ainda que indirecta) no capital social da E... SA, voltando a ser idêntica à que existiu entre os anos de 1998 e 2009.

 

Não obstante os argumentos no sentido de resposta ao crescimento do volume de vendas, de transparência à gestão, “evidenciando de forma mais clara e segura a situação económico-financeira da empresa perante o mercado”, e procura de novos investidores, na realidade, a sociedade E..., SA nunca saiu do controlo dos ora Requerentes, facto que, de resto, vinha ocorrendo desde o ano de 1998.

                                                                           

Deste modo, infere-se que a atuação dos Requerentes contradiz as razões por si invocadas no sentido da transformação societária e respetiva alienação de ações.

                                                                             

Aqui chegados, crê a Requerida que toda a engenharia fiscal descrita, de caráter inusitado, complexo e artificioso, se encontra desprovida de utilidade ou sentido imediato sob o ponto de vista económico, visando unicamente um fito: a dispensa de tributação das mais-valias obtidas pelos Requerentes.

                                                                             

(…)

 

2 .Elemento Resultado

 

O elemento resultado corresponde à vantagem fiscal e equivalência económica obtidas, sendo que a dita vantagem é aferida por comparação com a operação que se revelaria normal, a que teria sido razoável admitir, a que teria sido praticada para atingir o verdadeiro resultado económico, sem olhar às consequências fiscais que daí adviriam.

 

Citando Gustavo Lopes Courinha[1]:

“As situações de vantagem fiscal devem entender-se, para efeitos da CGAA, como qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinados actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação.”

                                                                           

No caso sub judice, a operação “normal” comparativa não vai além do que resulta da norma de incidência, artigo 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS, que, à data dos factos, tributava à taxa de 10% as mais-valias obtidas por via da alienação de quotas.

                                                                           

Como mencionado na Informação n.º …, de 30-05-2013, tanto os negócios jurídicos praticados como a respetiva cronologia indiciam a preocupação dos Requerentes em obter uma vantagem fiscal que, de outro modo, não seria obtida.

                                                                           

Muito se estranha que, poucos dias antes da transformação da E... LDA em sociedade anónima, tenha sido apresentado um trabalho de avaliação financeira da dita sociedade, elaborado pelo economista Luis Pedro Krug Pacheco, que, não obstante ter como fito prestar informação relativa ao valor potencial das suas quotas, acaba por refletir, em bom rigor, a média de valores por que foram vendidas as ações de cada Requerente à sociedade H... LDA.

 

Muito se estranha também que no mencionado trabalho de avaliação financeira, datado de 30-09-2009, não haja qualquer referência à transformação próxima da E... LDA em sociedade anónima quando, a 19-10-2009, passados menos de 20 dias, tal alteração societária veio, efetivamente, a ocorrer.

 

A aludida estranheza estende-se ainda ao facto de, previamente à elaboração do dito trabalho, existir já um relatório da transformação da E... LDA em sociedade anónima, de 14-09-2009, preparado pela gerência – composta pelos Requerentes – conforme consta do ponto sétimo da Ata n.º 26 daquela sociedade, Anexo VI dos relatórios finais de inspeção.   

                                                                           

Atentos os pontos 30 a 34 do pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes afirmam, em suma, que a transformação se deveu ao “volume de negócios da empresa” que “subiu exponencialmente entre 2009 e 2010 – de cerca de 1 milhão de euros passou para cerca de 16 milhões de euros.”

                                                                           

Sendo ainda que o “elevado crescimento do volume de vendas originou muito maior envolvimento financeiro, uma exposição da empresa ao mercado muito maior (…)”

                                                                             

De acordo com o alegado, entende a Requerida tratar-se de fatores/realidades que, no mínimo, deveriam ser referidos no trabalho de avaliação financeira, sobretudo quando já existia uma manifesta intenção de proceder à operação de transformar a E... LDA em sociedade anónima

 

Uma coisa é certa, o trabalho em causa cingiu-se à avaliar unicamente o valor potencial de quotas, não de ações.

                                                                             

Neste sentido, não é de desprezar a seguinte citação “(…) o autor acredita que os limites mais elevados do valor indicativo para o capital próprio serão apenas adequados à transacção das quotas da sociedade a um potencial comprador (p.e., empresa do mesmo ramo de actividade) de maior dimensão e que os valores intermédios, tal como o valor obtido a partir do caso-base (12.521,020 euros), se adequa melhor a uma transacção entre os actuais sócios da empresa.” (cf. Página 7 da Avaliação Financeira Indicativa do Capital Próprio, de 30/09/2009, Anexo VIII dos relatórios de inspeção tributária dos Requerentes, juntos no Processo Administrativo).

                                                                           

Desta forma, crê-se que todas as operações foram planeadas de forma cuidadosa, sendo vários os indícios que corroboram a falta de motivação económica para o efeito. Convenhamos,

                                                                           

Se os Requerentes tivessem escolhido o negócio economicamente análogo, - mantendo a E... LDA a natureza de limitada - o objeto negociado entre eles e a sociedade H... LDA seria quotas e não ações.

                                                                             

Melhor dizendo, se tivessem vendido quotas, em vez de ações, os Requerentes seriam tributados pela obtenção da mais-valia, nos termos do artigo 10, n.º 1, al. b) do CIRS, apurada nos termos do disposto nos artigos 43.º a 50 do CIRS, tributada à taxa de 10%, nos termos do disposto no artigo 72.º do CIRS.

 

O resultado económico seria idêntico ao da transformação da E... LDA em sociedade anónima, seguida de venda de ações à sociedade H... LDA, pois:

  • Com a venda das quotas, a sociedade H... LDA ficaria a deter, de igual modo, 99,20% do capital social da E..., LDA, de resto, o seu único ativo;
  • Com a venda das quotas, os ora Requerentes, detentores de 100% do capital social da sociedade H... LDA (e assumindo o respetivo cargo de gerência), passariam, de igual modo, a deter por via indireta, 99,20% da E... LDA;
  • Sendo que o valor de venda das participações sociais seria idêntico ao praticado, atento o trabalho de avaliação financeira supra referido;  
  • Só por causa da isenção de tributação, os Requerentes atuaram como atuaram, contrariamente ao espírito da lei.

 

3. Elemento Intelectual            

 

O elemento intelectual corresponde à motivação do contribuinte, caracterizando-se pela alteração de prioridades que o devem mover.

 

Para que este elemento se encontre preenchido, necessário será que a finalidade fiscal prevaleça sobre a finalidade não-fiscal, conduzindo à opção por um ato com equivalente idoneidade para a produção de certo efeito económico, em comparação com outro alternativo, que não viria a produzir tratamento fiscal tão vantajoso.

 

Neste contexto, um forte indício de estarmos perante abuso de formas jurídicas é o muito curto período de tempo (último trimestre de 2009) em que ocorre toda a operação de avaliação financeira da E... LDA, de constituição da sociedade H... LDA, de transformação da E... LDA em sociedade anónima, seguida da venda das ações detidas pelos Requerentes à sociedade H... LDA.

                                                                           

Ademais, a 30-12-2010, os acionistas únicos e membros do Conselho de Administração da sociedade H... LDA, ora Requerentes, passaram a deter 100% do capital da E... SA, ainda que forma indireta.

 

Podendo afirmar-se que, na globalidade, completados todos os negócios jurídicos, existe somente uma mera alteração, por parte dos Requerentes, de uma titularidade jurídica direta conjunta – detida na E... SApara uma titularidade jurídica indireta conjunta, por meio da sociedade H... LDA.

                                                                           

E, conforme afirmado na nossa factualidade, colocando os Requerentes com uma participação (ainda que indireta) no capital social da E... SA igual à existente desde 1998.

                                                                           

Ou seja, após todos os negócios levados a cabo, resulta evidente que quer a esfera da sociedade E... SA, quer a esfera dos Requerentes, sofreram uma rotação de 360 graus, na realidade, mantendo-se tudo como se não tivesse ocorrido transformação de uma sociedade por quotas em anónima, nem ocorrido a posterior venda de ações.

                                                                                           

Na realidade, mantendo-se a sociedade E... SA na posse do grupo familiar, constituído por A... , B...  e C... , ora Requerentes.  

                                                                             

Com a agravante de, não obstante a deliberação no sentido da transformação em sociedade anónima, - para efeitos de imagem e credibilidade junto dos mercados - a E... SA ser, na sua totalidade, gerida pela sociedade H... LDA, o que, na prática, a impediu que a dita transformação se operasse, continuando a gestão da E... SA a ser exercida como se de uma sociedade por quotas se tratasse…

                                                                                           

Conforme referido na Informação n.º 127/2013, de 30/05/2013, da DSPCIT, “Não se trata de não poder optar pela forma societária que é desejada pelos sócios, mas sim de expressar, que em rigor, o argumento que é utilizado para defender a transformação da sociedade E... em sociedade anónima não tem uma fundamentação credível.”

Prosseguindo,

                                                                             

Contrariamente ao que vem aduzido em F. e G. do ponto 30 do pedido de pronúncia arbitral, a detenção de 100% do capital social da sociedade E... SA pela sociedade H... LDA antagoniza com o fundamento da “possibilidade de atrair novos investidores que reforçassem a sua capacidade financeira e propiciassem um bom negócio aos seus accionistas;”

                                                                             

Se o objetivo era o de granjear novos parceiros societários para a sociedade E... SA, - que obrigatoriamente conduziria à venda de ações pelos seus acionistas – questiona-se a necessidade de proceder à venda antecipada daquelas participações sociais à sociedade H... LDA?

                                                                                           

Se queriam atrair novos acionistas, não obteriam o mesmo resultado se simplesmente aguardassem futuras propostas de aquisição das suas participações sociais?    

                                                                             

Aliás, decorrido um lapso de tempo considerável (mais de dois anos) desde a transformação e venda, conclui-se que nenhum fornecedor principal, Private Equity ou investidor angolano passou a integrar a estrutura de acionistas da E... SA.

                                                                                           

Antes pelo contrário, manteve-se o controlo da E... SA por parte da sociedade H... LDA, não ocorrendo qualquer alteração na estrutura. 

                                                                             

Outro indício de abuso de formas jurídicas prende-se com a implementação de um Sistema de Gestão de Qualidade, tendo como referencial a ISO 9001.

                                                                             

Sobre este tópico, refira-se que, apesar de iniciado, como referem os Requerentes em H. do ponto 30 do pedido de pronúncia arbitral, o mesmo não foi concluído, significando isto que, embora os Requerentes queiram demonstrar que a E... SA pretendeu melhorar a sua imagem no exterior, perante os mercados, avançando para a implementação de um Sistema de Gestão de Qualidade, em rigor, não o conseguem fazer

                                                                                           

Outro indício de abuso de formas jurídicas reside no ponto 35 do pedido de pronúncia arbitral, quando é referida a criação de uma nova sociedade do grupo, no ano de 2010, a J... LDA, dedicada “só a negócios de novas especialidades em Angola.”

 

Também aqui se estranha que, quanto a esta outra empresa do “grupo”, a J... LDA, que pretendia internacionalizar o seu negócio, dedicando-se ao mercado angolano, os Requerentes não tenham sentido necessidade de criar de raiz uma sociedade anónima, isto em oposição ao que aconteceu com a E... SA.

                                                                           

Tudo exposto, os indícios mencionados demonstram a motivação fiscal subjacente à operação de transformação da sociedade E... LDA em sociedade anónima, seguida da venda de ações dos ora Requerentes à sociedade H... LDA, tendo como único propósito a dispensa de tributação.

 

4 .Elemento Normativo - Da Alegada Lacuna Consciente de Tributação

 

            Os Requerentes defendem que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, originando uma isenção de tributação das mais-valias em sede de IRS, - por virtude da utilização da opção legislativa em aplicar tal exclusão à venda de ações detidas durante mais de 12 meses - não consubstancia um abuso de qualquer forma jurídica, mas sim a utilização de uma opção legítima concedida pelo legislador. (ponto 42 do pedido de pronúncia arbitral)

 

Alegam, no ponto 50 do pedido de pronúncia arbitral, que para que exista um caso de fraude à lei fiscal, “teremos que estar perante uma situação de inequívoca manipulação da liberdade de conformação dos negócios jurídicos de que resulte uma diminuição dos encargos tributários. E esta manipulação tem que ser tão clara quão cara é a intenção do legislador de tributar aquele tipo de operações.”

                                                                                           

Rematam, alegando, no ponto 53 do pedido de pronúncia arbitral, que foi o legislador quem “ofereceu ao contribuinte uma via que lhe permitem obter um resultado fiscalmente menos oneroso.”

                                                                                           

Em bom rigor, o que os Requerentes arguem é o não preenchimento de um dos elementos para além dos supra analisados, que, segundo alguma doutrina, integra a essencialidade do instituto da cláusula geral anti-abuso, nos termos do disposto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

 

Os Requerentes não têm razão, pelos motivos que melhor se explanarão infra.

 

Ora, antes de mais, recorde-se que o elemento normativo se prende com a desconformidade do resultado obtido através do ato abusivo com a ratio legis, espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal.

 

Contrariando o entendimento dos Requerentes, as disposições dos artigos 10.º/2, al. a) e 43.º/4, al. b) do CIRS não podem ser lidas de forma isolada, mas antes em conjugação com o artigo 38.º/2 da LGT.

                                                                           

Na génese da isenção esteve a ideia de estimular o mercado de capitais e de contribuir para a sua consolidação, consistindo em atribuir um tratamento fiscal mais favorável às mais-valias não especulativas, ou seja, beneficiar os “ganhos de capital de longo prazo”, detidos por mais de 12 meses.

                                                                           

Todavia, o incentivo legislativo direcionou-se, essencialmente, aos investidores que transformam sociedades de uma natureza societária para outra e aproveitam essa mesma nova forma de gestão.

                                                                                           

Não se direcionando, de todo, para quem se aproveita da inépcia do legislador em prever todas as situações em que pode ocorrer o planeamento abusivo, como no caso sub judice.

                                                                                           

Também neste sentido, contrariando o alegado no ponto 40 do a pedido de pronúncia arbitral, onde se defende que “mesmo que a motivação de transformação em sociedade anónima visasse, em exclusivo, a não sujeição das mais-valias à tributação em IRS (no que concede), nem assim seria legítima a aplicação das normas anti-abuso, mormente do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.”, cumpre afirmar que tal não corresponde nem ao espírito da norma de incidência, nem ao espírito do técnico que a elaborou.

                                                                           

Melhor dizendo, a intenção do legislador e, mais importante, a intenção da própria lei, nunca foi a de premiar quem conseguisse ludibriar o propósito do artigo 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS.

                                                                                           

Mas, por hipótese, admitindo a linha de raciocínio dos Requerentes, se o legislador concedeu uma isenção na tributação das mais-valias pela venda de ações, então, tal conduta só pode ser entendida como correspondendo a um verdadeiro convite à transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas.

                                                                                           

Mas, repare-se, o legislador só o terá querido/feito para alguns, – para os mais expeditos, para os que entendessem o teor do convite – porque para os outros, aqueles que não utilizam expedientes artificiais, esses continuariam a ser tributados nos termos do artigo 10.º/1, al. b) do CIRS:

Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b) Alienação onerosa de partes sociais […]”

 

Em bom rigor, a interpretar-se assim o escopo do sistema jurídico fiscal, até nos poderíamos interrogar acerca do porquê da tributação das mais-valias resultantes da alienação de quotas.

 

Teria sido por esquecimento que o legislador deixou que se continuassem a tributar as mais-valias por alienação de quotas?

 

Isto é, o contribuinte só é tributado em mais-valias por alienação de quotas somente porque se “esqueceu” de transformar a sociedade por quotas em sociedade anónima? Convenhamos,

 

O escopo da dita isenção não é, não pode ser este.

 

Em boa verdade, não fosse o expediente artificial da transformação da sociedade – desprovida de qualquer razão substancial – e os Requerentes seriam tributados pela alienação das suas quotas.

 

Porque, decerto, não teriam procedido à transformação.

 

(…)

 

A isto acresce o facto de que, com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, foi revogada, precisamente, a redação do artigo 10.º/2, al. a) do CIRS. 203.º

 

Aquela revogação deveu-se, em parte, à informação constante do Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal – Competitividade, Eficiência e Justiça no Sistema Fiscal (fls. 195 e 196), de 3 de outubro de 2009, elaborado por um Grupo de Trabalho instituído por Despacho n.º 2052/2009, do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais, datado de 8 de janeiro de 2009

 

(…)

 

Cremos, por isso, que, não tivesse a lei excluído de tributação as participações sociais detidas há mais de 12 meses, nunca os Requerentes teriam deliberado no sentido de transformar a sociedade E... LDA em sociedade anónima.

                                                                                           

Por forma a sustentar a tese de que a transformação da E..., LDA em sociedade anónima não consubstanciou qualquer         abuso de formas jurídicas e fraude à lei fiscal, os Requerentes refugiaram-se nos ensinamentos de Saldanha Sanches, em particular, na passagem textual em que afirma que não se pode “deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais.” (ponto 44. da pedido de pronúncia arbitral)

(…)

Ademais, afirmam os Requerentes que (1) “nem os contribuintes têm qualquer obrigação de escolher uma via tributada para atingir o mesmo fim”; (2) “nem a administração tributária tem o direito de impor as suas próprias ideias ou “caprichos empresariais” para pôr em dúvida as motivações empresariais que lhe são apresentadas pelo contribuinte de um modo consistente com as regras da experiência comum e com a diligência de um gestor médio.” (ponto 46 da pedido de pronúncia arbitral)

 

            Ao aplicar a CGAA, a Requerida não se imiscuiu nem nos negócios empresariais, nem no acervo das legítimas opções à disposição dos Requerentes, isto por já não estar em discussão a liberdade negocial no caso sub judice, mas antes o abuso das formas jurídicas utilizadas e a evidente fraude à lei fiscal.

                                                                                           

A transformação societária ocorrida, de quotas em anónima, seguida da alienação do capital social detido, efetuada pelos Requerentes, à sociedade H…, LDA., - sociedade onde, por sua vez, tanto são sócios únicos como membros do Conselho de Administração – foi, na prática, um negócio que A... , B...  e C...  fizeram sem intervenção de partes terceiras, uma vez que detinham, quer as participações maioritárias, quer o controlo das mencionadas sociedades, auto-determinando, assim, todas as condições negociais e âmbito temporal da sua ocorrência, permitindo, deste modo, a obtenção de uma isenção de tributação das mais-valias.

                                                                                           

Tudo exposto, não subsistem dúvidas que a dita transformação societária foi motivada, exclusiva ou principalmente, pela isenção de tributação, que incidia sobre a alienação de ações detidas há mais de 12 meses.

                                                                           

Aqui chegados, cumpre frisar que a prevenção fiscal é legítima, podendo os Requerentes escolher, de entre os instrumentos jurídicos postos à sua disposição, aquele que mais lhe convém.

                                                                           

Terão, no entanto, que provar, de modo claro e inequívoco, que a opção societária/política empresarial escolhida teve como ponto de partida um verdadeiro e legítimo substracto económico, e que terá sido, primordialmente, esse exato motivo económico que os impeliu a tomarem esta ou aquela decisão comercial que, contas feitas, acabou por se revelar fiscalmente mais vantajosa.    

 

            Ora, conforme já aludido, os Requerentes não fizeram tal prova, sendo a eles quem cabia o ónus probatório, nos termos do artigo 74.º da LGT.

 

Também neste sentido se pode acrescentar que os princípios da legalidade, igualdade e da capacidade contributiva conflituam com a artificialidade do negócio celebrado no caso sub judice, que, sob a capa da “liberdade” de gestão e de escolha dos negócios, permitiu aos Requerentes ficarem dispensados do pagamento de imposto.

                                                                           

(…)

  

Os direitos de liberdade de empresa e de iniciativa económica não são direitos absolutos e não podem, em algum momento, ser exercidos de forma abusiva, a fim de subverter o espírito das normas de tributação, e, dessa maneira, atingir um resultado contra legem, por meio de um trilho que não era permitido. 

                                                                             

Tudo visto, verificado que está o preenchimento do elemento normativo, conclui-se que o comportamento assumido pelos Requerentes em todo o processo foi antijurídico, atentando contra o espírito das próprias normas que invocaram em seu benefício, merecendo a total reprovação normativo-sistemática quanto à vantagem que abusivamente obtiveram.

                                                                             

Motivo pelo qual se impôs – e impõe - a aplicação ao caso sub judice do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, resultando na correção (meramente aritmética) à matéria coletável dos ora Requerentes.(…) ”

 

 

Na sua resposta, a Requerida juntou quatro documentos e arrolou uma testemunha, L…, Inspetor Tributário, funcionário n.º …, a exercer funções nos Serviços de Inspeção Tributária, Direção de Finanças do Porto, a apresentar.

 

A 07-02-2014, a Requerida requereu a junção aos autos de um documento protestado juntar aquando do envio de RESPOSTA, a 03-02-2014, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT (doc. n.º 5 da mesma): “Este documento segue desentranhado das páginas tidas por irrelevantes para a matéria discutida nos autos, encontrando-se rasurado nos elementos fiscais, igualmente desnecessários para prova do invocado no ponto 74 da referida RESPOSTA.”

 

Notificadas as partes para a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, no dia 13-02-2014, pelas 15h, nas instalações do CAAD, conforme designado pelo tribunal, vieram os Requerentes através do Seu Ilustre Mandatário invocar impedimento para a mencionada data, tendo no dia 06.02.2014, apresentado requerimento a sugerir outras datas para o efeito.

 

Em face do requerimento apresentado pelos Requerentes, e atenta a dificuldade manifestada, no dia 07-02-2014, entendeu o Tribunal convidar as partes a exercerem, em 10 dias, por escrito, os direitos que julgassem caber-lhes nos termos do artigo 18 do RJAT.

 

Assim, vieram os Requerentes alegaram o seguinte:

 

“Estabelece o artigo 18.º do RJAT que a reunião prévia ali prevista se destinaria a:

a. definir a tramitação processual a adoptar em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo;

b. Ouvir as partes quanto a eventuais excepções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido;

c. Convidar as partes a corrigir as peças processuais, quando necessário.

2. Assim sendo, os requerentes vão de seguida pronunciar-se sobre cada uma das matérias acabadas de elencar.

 

A TRAMITAÇÃO PROCESSUAL A ADOPTAR EM FUNÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS NO CASO E DA COMPLEXIDADE DO PROCESSO

 

3. Afigura-se aos Requerentes que dentro da corrente jurisprudencial, quase unânime, dominante no CAAD, a questão sub-judice é uma questão essencialmente de direito, e que se traduz em decidir se, neste caso, encontram verificados neste caso os pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso.

4. A matéria de facto mais importante – que se traduz nos actos societários praticados, nomeadamente a transformação em sociedade anónima e a compra e venda das acções – não parece ser contestada pelas partes e é, essencialmente a que consta do Relatório da Inspecção Tributária.

5. A divergência de relevo quanto à matéria de facto encontra-se na justificação económica e empresarial para a transformação em sociedade anónima, factos alegados pelos Requerentes nos artigos 20., 22., 30., 32. a 37. da petição inicial, e para prova dos quais arrolaram duas testemunhas.

6.       Assim sendo, e caso o Tribunal entenda que deve ser produzida prova sobre a factualidade atinente à justificação económica e empresarial da transformação em sociedade anónima, ENTÃO DEVERIA SER AGENDADA DILIGÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS.

7.       Não deixa de se salientar que, para a corrente jurisprudencial dominante neste CAAD, a demonstração dessa justificação económica será irrelevante, em adesão à tese das “_lacunas conscientes de tributação”. _que excluiriam nestes casos a existência do elemento normativo como pressuposto de aplicação da cláusula geral anti-abuso.

8.       Em todo o caso, salvaguardando a busca de factualidade relevante para todas a soluções de direito possíveis para a relação material controvertida, afigura-se que seria de agendar produção de prova quanto aos factos acima enumerados no ponto 5. deste requerimento.


B. EVENTUAIS EXCEPÇÕES A APRECIAR E DECIDIR ANTES DE CONHECER DO PEDIDO

 

9. A Demandada levanta um incidente quanto ao valor da causa (vide artigos 87 a 92 da Contestação).

10. Refere a Demandada que o valor de imposto adicional a pagar pelos
Requerentes, resultante da soma liquidações em causa é de €1.147.518,19, e não o valor indicado pelos Requerentes (€1.150.692,03).

11.   Antes do mais, há que referir que há um lapso no valor indicado pela AT, que pretende referir € 1.147.508,19 E NÃO € 1.147.518,19 que por lapso refere (veja-se o resultado Total do quadro constante no fim do artigo 86. da Contestação).

12.   Os Requerentes concordam com o valor indicado pela que a
Demandada (€ 1.147.508,19) como sendo o valor do interesse económico desta lide, e não o valor por eles indicado na p.i.. A diferença resulta do facto de os Requerentes terem considerado (erradamente) os valores do apuramento de IRS total a pagar por cada um deles relativamente ao ano de 2009, não tendo tido em consideração que esses valores têm nele incluídos os montantes de imposto que já tinham pago aquando da auto-liquidação, e que foram estornados na demonstração de acerto de contas elaborada pela AT. Ou seja, o valor indicado pela Demandada (€1.147.508,19) é efectivamente o valor de imposto e juros compensatórios resultante da liquidação adicional, e que se pretende ver anulado.

 

C. EVENTUAL CORRECÇÃO DE PEÇAS PROCESSUAIS

13.   Excepto quanto ao que acabou de ser referir quanto à correcção do valor da causa, as peças processuais elaboradas pelas partes parecem ser adequadas e claras, não se afigurando necessidade de qualquer correcção das mesmas.


EM CONCLUSÃO

 

14.   Caso se entenda não ser necessária a produção de prova, os Requerentes prescindem da faculdade de produção de alegações orais, remetendo para o articulado inicial, devendo os mesmos serem notificados para proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.


15.   Caso se entenda que deve ser produzida prova, essa deverá incidir sobre os factos alegados nos artigos 20., 22., 30., 32. a 37. da petição inicial, com inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes, e subsequentemente dada a palavra às partes para produzirem alegações orais. Em qualquer caso, o Tribunal doutamente decidirá.”

 

A 21.02.2014, notificada da resposta dos Requeridos, a Requerida veio, por seu turno, expor e requerer o seguinte:

 

(…) A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT ou Requerida), notificada dos despachos de 07/02/2014 e de 19/02/2014, vem pelo presente expor e requerer o que segue: 

1. Face ao requerimento apresentado pelos Requerentes, importa previamente destacar que, no mesmo, foram exercidos direitos para além dos que lhes cabiam nos termos do disposto no artigo 18.º do RJAT.

2. Posto isto, pelo presente, exercem-se os direitos previstos no referido artigo, bem como, em cumprimento do despacho de 19/02/2014, e ao abrigo do princípio do contraditório (cf. artigo 16.º-, al. a) do RJAT), vem responder-se ao alegado no ponto a. do requerimento dos Requerentes.

3. Nos termos do artigo 18.º do RJAT, aceita a Requerida que a clareza, abrangência e completude do Relatório Inspectivo permitem dispensar a inquirição da testemunha por si arrolada, sem prejuízo da mesma não se prescindir caso venham a ser inquiridas as testemunhas dos Requerentes.

4. Nestes mesmos termos, afigura-se ser de prescindir a realização de alegações, passando-se de imediato à fase de decisão, sendo certo que só se acederá naquela dispensa, caso não haja produção de prova testemunhal.

5. Por sua vez, quanto aos pontos 4 a 8 do requerimento dos Requerentes, cumpre, em primeiro lugar, salientar que a questão em discussão nos autos afigura-se discutível não só sob ponto de vista do direito aplicável, mas também quanto à matéria de facto, uma vez que na aferição da aplicação do instituto da cláusula geral anti-abuso importa sempre que, perante a prova/indícios carreados em sede de procedimento inspectivo no sentido da aplicação daquele instituto, o sujeito passivo faça a respectiva contraprova, isto é, que as operações em causa não se destinaram exclusiva ou preponderamente à obtenção de vantagem fiscal.

6. Neste sentido, no que concerne à matéria de facto aduzida no pedido de pronúncia arbitral, reitera-se, pelo presente, a impugnação que da mesma foi efectuada em sede de Resposta pela AT, para que se remete na íntegra, onde amplamente se demonstrou a inexistência de substrato económico dos actos realizados pelos Requerentes, recordando-se que o ónus de prova se encontra a estes acometido, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT (cf. entre outros, artigos 217.º a 219.º da Resposta).

7. Em segundo lugar, no que toca à matéria de direito, reiterando-se igualmente o vertido em sede de Resposta, importa apenas - em resposta ao requerimento ora apresentado - salientar que, quanto ao preenchimento do “elemento normativo”, inexiste qualquer lacuna consciente de tributação.

8. Efectivamente, conforme consta no acórdão do CAAD (processo n.º 47/2013-T), “o raciocínio defendido por Saldanha Sanches [no sentido da procedência da lacuna consciente da tributação] impediria qualquer aplicação da CGAA pois, ou a conduta está expressamente proibida por lei, ou, nos casos de aplicação de cláusula geral anti-abuso, bastaria haver uma lacuna ou uma disposição menos clara, que o contribuinte poderia “manipular” a teleologia da norma.”

9. Resulta, por isso, evidente que a intenção do legislador e, mais importante, a intenção da própria lei, nunca foi a de premiar quem conseguisse ludibriar o propósito do artigo 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS.

10. Recorde-se que na génese da isenção esteve a ideia de estimular o mercado de capitais e de génese da isenção esteve a ideia de estimular o mercado de capitais e de contribuir para a sua consolidação, consistindo em atribuir um tratamento fiscal mais favorável às mais-valias não especulativas, ou seja, beneficiar os “ganhos de capital de longo prazo”, detidos por mais de 12 meses.

11. Não se direcionando, de todo, para os casos em que existe um aproveitamento da inépcia do legislador em prever todas as situações em que pode ocorrer o planeamento abusivo, como no caso sub judice, nem para os casos em que a “motivação da transformação em sociedade anónima visasse, em exclusivo, a não sujeição das mais valias à tributação em IRS…” (cf. artigo 40.º do pedido de pronúncia arbitral).

Termos em que se requer à conferência do Tribunal Arbitral Colectivo, atento o solicitado não possuir natureza de mero expediente, a prolação de despacho no sentido do acima peticionado.”

 

Em face do alegado, a 21-02-2014 o Tribunal Arbitral proferiu despacho a dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal, a tal não se opondo as partes:

“Atenta a largueza com que as partes se vêm pronunciando, de facto e de direito, e considerando também que juntaram os pertinentes elementos de prova, o tribunal, atenta a não oposição das partes, dispensa-se da realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como julga desnecessária a produção de prova testemunhal e também a produção de alegações finais, pelo que comunica às partes que proferirá decisão final no processo até ao dia 28-03-2014.”

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.  

Cumpre então apreciar e decidir o litígio.

 

  1. QUESTÃO PRÉVIA: VALOR DA CAUSA

A Requerida levanta um incidente quanto ao valor da causa (vide artigos 87 a 92 da Contestação). Refere que o valor de imposto adicional a pagar pelos Requerentes, resultante da soma liquidações em causa é de €1.147.518,19, e não o valor indicado pelos Requerentes (€1.150.692,03).

Como notaram os Requerentes na sua resposta,  a AT até indicou o valor indicado € 1.147.518,19, em vez do valor € 1.147.508,19, Reconhecem porém ser este valor do interesse económico desta lide. É, de facto, este (o de € 1.147.508,19) o valor a fixar para esta causa.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO

V.1. DE FACTO

V.1.1. FACTOS PROVADOS

A sociedade E..., Lda. (adiante E… LDA) foi constituída em 1980-05-22, sob a forma de sociedade por quotas, com sede na Rua …, concelho e distrito do Porto e com o objecto social de comércio de importação e exportação de máquinas industriais, em particular as destinadas à indústria gráfica e afins e respectivos acessórios (cf. anexo III dos relatórios de inspecção tributária referentes aos Requerentes, juntos no Processo Administrativo)

Até 1987-04-02, o capital social desta sociedade era de 500.000$00 (€ 2.493,99), integralmente realizado em dinheiro, correspondente à soma das cinco quotas seguintes:

- uma quota de 90.000$00 (€ 947,72), do sócio A...  (NIF…);

- uma quota de 2. 175.000$00 (€ 872,90), da sócia D... (NIF …);

- três quotas iguais, de 45.000$00 (€ 224,46) cada uma, pertencentes a cada um dos sócios: L... (NIF …), M…  (NIF …) e N…  (NIF …).

Deste modo, e em resumo, até 1987-04-02, a distribuição do capital social da E… LDA era a seguinte:

 

Sócios

 

 

 

 

 

 

 

A...

190.000 $

€ 947,72

38,00%

D...

175.000$

€ 872,90

35,00%

L...

45.000 $

€ 224,46

9,00%

M…

45.000 $

€ 224,46

9,00%

N…

45.000 $

€ 224,46

9,00%

Total

500.000 $

€ 2.493,99

100,00%

 

Em 1987-04-02, mediante escritura de “Cessão de Quotas e Alteração de Pacto”, verificaram-se as seguintes alterações na distribuição do capital social da E... LDA (cf. Anexo IV dos relatórios de inspecção tributária dos Requerentes, juntos no Processo Administrativo):

- a cedência ao sócio A... (adiante A...), pelos seus valores nominais, da quota de 190.000$00 de A…  e da quota de 175.000$00 de D...;

- a cedência ao sócio A... ,  pelos seus valores nominais, da quota de 45 000$00 de D... e da quota de 45.000$00 de M... .

 

Deste modo, e em resumo, em 1987-04-02, a distribuição do capital social da E... LDA era a seguinte:

 

Sócios

 

 

 

 

 

 

 

A...

190.000 $

€ 947,72

38,00%

A...

175.000$

€ 872,90

35,00%

A...

45.000 $

€ 224,46

9,00%

A...

45.000 $

€ 224,46

9,00%

A...

45.000 $

€ 224,46

9,00%

Total

500.000 $

€ 2.493,99

100,00%

 

 

Decorrente das precedentes cessões, e na qualidade de únicos sócios da E... LDA, A... , e N...  alteram o artigo 60 dos Estatutos  da sociedade, mediante o qual a gerência da sociedade compete a todos os sócios, desde logo nomeados gerentes (cf. Anexo IV dos relatórios de inspecção tributária dos Requerentes juntos no Processo Administrativo)

 

Posteriormente, em 1998-07-07, mediante escritura de “Aumento de Capital e Alteração Parcial de Pacto” da sociedade E... LDA, celebrada nessa data, verificaram-se as seguintes alterações (cf. Anexo V dos relatórios de inspecção tributária dos Requerentes, juntos no Processo Administrativo):

- o sócio A...  unifica as suas quotas numa única quota de 455.000$00 (€2.269,53);

- aumento do capital social de 500.000$00 para 2.500.000$00 (€ 12.469,95), reforçado com a quantia de 2.000.000$00 (€ 9.975,96), em numerário, subscrito da seguinte forma:

- o sócio A...  subscreve a quantia de 1.045.000$00 (€ 5.212,44), que acresce à quota antiga unificada, assim ampliada para 1.500.000$00 (€ 7.481,97);

- o novo sócio C... (e filho de A... , adiante C... ) subscreve a quantia de 500.000$00, que fica representada por uma nova quota desse montante;

- o sócio N...  subscreve a quantia de 455.000$00 (€ 2.269,53), que acresce à quota antiga, assim ampliada para 500.000$00.

- cedência a B... (e filho de A... , adiante B... ), pelo seu valor nominal, da quota de 500.000$00 de N... .

 

Deste modo, em resumo, em 1998-07-07, o capital social da E... LDA era detido na totalidade pelos pai e filhos, respectivamente, distribuído da seguinte forma:

 

Sócios

 

A...

1.500.000 $

€ 7.481,97

60,00%

C...

500.000$

€ 2.493,99

20,00%

B...

500.000 $

€ 2.493,99

20,00%

Total

2.500.000 $

€ 12.469,95

           100,00%

 

Desde 1998-07-07 até ao último trimestre de 2009 não ocorreram alterações de destacar na sociedade E... LDA.

 

Previamente às alterações, ocorridas no último trimestre de 2009, de seguida explicitadas, verificaram-se dois factos que importa destacar.

 

Em 2009-09-30, foi elaborado um trabalho de avaliação financeira indicativa do capital próprio, a valores de mercado, da sociedade E... LDA, elaborado pelo economista Luís Pedro Krug Pacheco (NIF 166953059), por solicitação dos então sócios dessa mesma sociedade.

 

Este estudo foi elaborado a partir do modelo financeiro designado “Discounted Free Cash Flows”" ("Desconto de Fluxos Livres de Caixa”), com apoio e validação pelo modelo dos múltiplos e com a introdução de dados associados a empresas comparáveis, ou seja, uma avaliação dividida em três partes, cuja «perspetiva da avaliação envolve uma possível transação de parte ou totalidade das quotas da E... a uma entidade terceira ou intersócios», embora «com o intuito único e exclusivo de prestar informação aos atuais sócios da E... – Lda. relativamente ao valor potencial das quotas da referida sociedade» .

 

Todavia, sem prejuízo de o trabalho de avaliação ter sido solicitado pelos sócios da E... LDA, e ter sido elaborado com o intuito único e exclusivo de lhes prestar informação relativamente ao valor potencial das suas quotas na sociedade E... LDA, previamente à sua elaboração, em 2009-09-14, foi preparado pelos Requerentes, relatório de transformação da sociedade em sociedade anónima (cf. ponto sétimo da ordem do dia da Ata n.º 26 da E... LDA , Anexo VI dos relatórios de inspecção tributária dos Requerentes, juntos no Processo Administrativo)

 

Pouco tempo depois dos factos supra mencionados, em 2009-10-09, foi constituída a sociedade H... Lda. (adiante H... LDA), sociedade por quotas, com sede na Rua …, concelho e distrito do Porto,  cujo objecto social consiste na gestão de participações sociais como forma indirecta de exercício de atividades económicas e na prestação de serviços técnicos de administração e gestão nas sociedades em que detenha participações não ocasionais ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação (cf. Anexo II dos relatórios de inspecção tributária dos Requerentes, juntos no Processo Administrativo).

 

A sociedade H... LDA foi constituída com o capital social de € 5.000,00, integralmente subscrito e realizado em dinheiro, representado por três:

- uma com o valor nominal de € 2.400,00 pertencente a A... ;

- duas com valores nominais de € 1.300,00 cada, pertencentes cada uma delas a B...  e a C... .

 

O capital social da sociedade H... LDA era detido na totalidade pelospai e filhos, respectivamente, distribuído da seguinte forma:

 

Sócios

 

A...

€ 2.400,00

48,00%

C...

€ 1.300,00

26,00%

B...

€ 1.300,00

26,00%

Total

€ 5.000.000

100,00 %

 

Conforme contrato de constituição da sociedade H... LDA, foram designados os seguintes órgãos sociais, por um mandato de quatro anos (cf. Anexo II dos relatórios de inspecção tributária dos Requerentes, juntos no Processo Administrativo):

- Gerência:

- A... ;

- B... ;

- C... .

- Fiscal Único: O… - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas Lda. (NIF), representada por P… (NIF …) ;

- Suplente do Fiscal Único: Q… (NIF …).

 

Nesse mesmo mês, apenas dez dias depois, em 2009-10-19, a sociedade E... LDA, na qual A..., e C...  eram os únicos gerentes, realizou um aumento de capital no montante de € 200,00, totalmente subscrito e realizado em dinheiro, em partes iguais, pela entrada de dois novos sócios - F...  (advogado), e G... , familiar dos três Requerentes (NIF 136279910) -, ficando assim com um capital, após o aumento, de € 12.469,95 .

 

Nessa mesma data, em 2009-10-19, houve transformação desta sociedade, a E... LDA, em sociedade anónima, passando a denominar-se E... S.A. (adiante E... SA), mantendo a mesma sede, na Rua … concelho e distrito do Porto (cf. anexo III dos relatórios de inspecção tributária referentes aos Requerentes, juntos no Processo Administrativo).

 

Simultaneamente, esta transformação foi acompanhada de novo aumento de capital (cf. anexo III dos relatórios de inspecção tributária referentes aos Requerentes, juntos no Processo Administrativo).

 

Foi realizado um aumento de capital no montante de € 37.330,05, totalmente subscrito e realizado pelos sócios, na proporção das suas quotas e para reforço das mesmas por incorporação de resultados transitados, ficando, assim, a sociedade com um capital social após o aumento, de € 50.000,00, representado por 5.000.000 acções nominativas, com o valor nominal de € 0,01 cada (cf. anexo III dos relatórios de inspecção tributária referentes aos Requerentes, juntos no Processo Administrativo).

Deste modo, após a transformação em sociedade anónima em 2009-10-19, e primeiras inscrições de titularidade das acções, o capital social da E... SA ficou assim distribuído:

Sócios

 

A...

€ 2.952.644

59,05%

C...

€ 984.215

19,68%

B...

984.215

19,68%

F...

€ 39.463

0,79%

G...

€ 39.463

0,79%

Total

€ 5.000.000

100,00%

 

Conforme deliberação de 2009-10-19, foram designados os seguintes órgãos sociais, para o quadriénio 2009/2012 (cf. anexo III dos relatórios de inspecção tributária referentes aos Requerentes, juntos no Processo Administrativo):

 Conselho de Administração:

- o Presidente: A... ;

- o Vogal: B... ;

- o Vogal: C... .

- Fiscal Único: O…  - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas Lda.

- Suplente do Fiscal Único: Q… .

 

Do exposto, com referência ao final de Outubro de 2009, os Requerentes, anteriormente detentores de 100% do capital social da E... LDA desde 1998, e seus únicos gerentes igualmente desde então, após a transformação desta “sociedade limitada” em sociedade anónima (a E... SA) mantêm:

(i) praticamente o mesmo peso relativo na estrutura societária;

(ii) o mesmo poder relativamente à tomada de decisões na nova sociedade.

 

Em 2009-12-14, os accionistas A... , B... , e C...  venderam à sociedade H... LDA, a totalidade das acções de que eram titulares no capital da sociedade E... SA, pelo valor, respetivamente, de € 7.469.825,00, de € 2.490.152,50, e de € 2.490.152,50.

 

Também nesta data o accionista F...  vendeu à sociedade H... LDA a totalidade das acções de que era titular no capital da sociedade E... SA (detendo-as, assim, menos de dois meses), pelo valor de € 99.935,00.

 

Quanto ao accionista F... , note-se ainda que este apenas subscreveu o aumento de capital de € 99.935,00 em 2009-12-14, ou seja, na mesma data em que alienou a sua participação social à sociedade H... LDA.

 

Assim, as acções da E... SA adquiridas pela H… LDA foram as seguintes:

 

Sócios

Acções

Valor

A...

2.952.644

59,05%

€ 7.469.825,00

C...

984.215

19,68%

€ 2.490.152,50

B...

984.215

19,68%

€ 2.490.152,50

F...

39.463

0,79%

€ 99.935,00

Total

4.960.537

99,21%

€ 12.550.065,00

         

 

Por força das aquisições supra, a sociedade H... LDA passou, então, a deter um – e único – activo, constituído por essa participação na E... SA.

Na sequência da notificação do relatório final de inspecção tributária relativamente a cada um dos Requerentes, foram os mesmos notificados dos respectivos actos tributários de liquidação:

Requerente

Inspecção

Ordem de Serviço

Documento de cobrança

Nomes

NIF

Identificação

Valor

A...

OI…

2013 …

586.459,63 €

B...

OI…

2013 …

280.526,10 €

C...

OI…

2013 …

280.522,46 €

 

 

TOTAL

1.147.508,19 €

 

V.1.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não há factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.

           

 

V.1.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos indicados em relação a cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não foi questionada, nas afirmações feitas nos articulados, nos pontos indicados, em que não foi posta em causa a respectiva correspondência à realidade.

 

V.2. DE DIREITO

No que se refere à matéria de Direito, importa apreciar se se verifica ou não o preenchimento, no caso vertente, dos diversos requisitos legais necessários para que a cláusula geral anti abuso seja aplicável.

Sustentam os Requerentes, nas suas alegações escritas, que “a operação de transformação da E... em sociedade anónima e subsequente venda das acções não configura qualquer operação artificiosa ou fraudulenta e com abuso de formas jurídicas.

 

Ou seja, mesmo que a motivação da transformação em sociedade anónima visasse, em exclusivo, a não sujeição das mais-valias à tributação em IRS (no que não se concede), nem assim seria legítima a aplicação das normas anti abuso, mormente do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

 

A transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, originando uma exclusão da tributação das mais-valias em sede de IRS por virtude da utilização da opção legislativa em aplicar tal exclusão à venda de acções detidas durante mais de 12 meses, não é um abuso de qualquer forma jurídica, mas sim a utilização de uma opção legítima concedida pelo legislador.

 

 Como conclusão das referidas acções inspectivas, a AT, através de Despachos do Director-Geral da AT, datados de 18/07/2013 (em relação ao 1.º e 3.ºs Requerentes) e de 30/07/2013 (em relação ao 2.º Requerente), decidiu autorizar a aplicação da cláusula geral anti abuso para efeitos do disposto no artigo 63.º do CPPT e do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

 

E nessa sequência, os RIT concluíram que os contribuintes, requerentes, teriam incorrido no abuso de uma forma jurídica consistente na transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima antecedente à alienação das correspondentes participações sociais.

 

De acordo com os RIT, a transformação em sociedade anónima propiciou a exclusão da tributação das mais-valias obtidas, face à tributação que teria ocorrido se, pelo contrário, tivessem sido vendidas as quotas, alegadamente em operação de idêntico fim económico.

 

 E assim, a AT decidiu efectuar a tributação desconsiderando o acto de transformação da sociedade E... da modalidade de sociedade por quotas para sociedade anónima (abaixo melhor identificada), considerando assim a incidência de IRS sobre mais-valias resultantes da alienação de quotas, tributando-as à taxa de tributação autónoma de 10%.

 

A presente acção tem por objecto, determinar se a AT tem direito a exigir dos Requerentes o pagamento de imposto em sede de IRS, a título de mais-valias tributadas (nos temos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS), com imposto apurado à taxa especial de 10% prevista no n.º 4 do artigo 72.º do mesmo Código.

 

Implica saber se, nesta situação concreta, a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, com ulterior venda das acções resultantes de tal transformação, constitui ou não um negócio jurídico, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das fórmulas jurídicas, dirigido à eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de negócios jurídicos de idêntico fim económico.

 

A Requerida, considera no essencial, que “Todos os elementos em que se decompõe a cláusula anti-abuso estão preenchidos”, pronunciando-se depois especificamente quanto aos seguintes elementos: “elemento meio”, “elemento resultado”, “elemento normativo”, “elemento intelectual” .

Vem ainda invocar que os actos praticados pelos Requerentes violaram os princípios da legalidade, igualdade e capacidade contributiva.

 

Cumpre, pois, analisar.

 

1. A cláusula geral anti abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), estabelece o seguinte:

“São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”

 

2. Seguindo a doutrina e também a jurisprudência, designadamente o Acórdão do TCA de 15/02/2011 no processo n.º 04255/10, e Decisão Arbitral do CAAD, no processo n.º 138/2012, na análise relativa à aplicabilidade da cláusula geral anti abuso, pode recorrer-se, de forma conjugada, a cinco elementos:

i) elemento meio;

ii) elemento resultado;

iii) elemento intelectual;

iv) elemento normativo; e

v) elemento sancionatório (cfr. GUSTAVO LOPES COURINHA, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua Compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, p. 165).

 

A Requerida não faz referência ao último, o qual depende da verificação cumulativa dos restantes.

 

Assim, se se concluir que todos os elementos se encontram preenchidos, este elemento também o estará.

 

3. Na análise da aplicabilidade da cláusula geral anti abuso, cumpre atender ao elemento meio.

O elemento meio corresponde aos actos ou negócios jurídicos a que o contribuinte recorreu para obter a vantagem fiscal pretendida – podendo tratar-se de actos ou negócios jurídicos isolados ou, mais comummente, integrados numa sequência de actos ou negócios jurídicos, planeada e dirigida à obtenção do resultado pretendido. (processo 138/2012)

Há que reconhecer que, de modo isolado, os vários actos não indiciam uma operação construída no seu conjunto com vista a obtenção de uma vantagem fiscal.

É pois necessário verificar se, de facto, da prática dos vários actos ou negócios jurídicos aqui visados, e já descritos no seu conjunto, se colhe a intenção de obter a tal vantagem fiscal. 

No caso vertente, é possível afirmar-se que a falta de tributação foi alcançada através da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, previamente à venda pelos requerentes das participações societárias na aludida sociedade comercial.

De outra forma, tal vantagem fiscal não teria sido viável.

Toda a complexa operação foi executada num muito curto período de tempo, ou seja, no último trimestre de 2009, não podendo vislumbrar-se dos elementos analisados, outra utilidade económica senão a de obter a exclusão de tributação das mais-valias que iriam ser apuradas na esfera dos requerentes em virtude da alienação das acções.

Verifica-se ainda da factualidade como provada que as diferentes alienações das participações efectuadas acabaram inclusivamente por reforçar a participação dos requerentes no capital da E....

Considerando os vários actos praticados conjugados pelos requerentes na sequência programada e cronológica em que foram, podemos concluir que os mesmos visaram a obtenção da – exclusão tributária plasmada na lei, pelo que se encontra preenchido o elemento meio. 

4. Relativamente ao elemento resultado, este consiste-se na: “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”, segundo o disposto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

Como refere a AT, “O elemento resultado corresponde à vantagem fiscal e equivalência económica obtidas, sendo que a dita vantagem é aferida por comparação com a operação que se revelaria normal, a que teria sido razoável admitir, a que teria sido praticada para atingir o verdadeiro resultado económico, sem olhar às consequências fiscais que daí adviriam”.

 

Em causa, está a obtenção de um tratamento fiscal mais favorável do que aquele que seria aplicável aos requerentes, caso estes não tivessem optado pela prévia transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.

                                                                           

Tem razão a AT ao afirmar, “No caso sub judice, a operação “normal” comparativa não vai além do que resulta da norma de incidência, artigo 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS, que, à data dos factos, tributava à taxa de 10% as mais-valias obtidas por via da alienação de quotas. “

 

No caso vertente, constata-se que o elemento resultado se encontra preenchido, porquanto a prévia transformação da sociedade por quotas E... em sociedade anónima permitiu que as mais-valias decorrentes da venda pelos requerentes das acções se encontrassem excluídas de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

Ao invés, as mais-valias apuradas na alienação de quotas da mesma sociedade – caso esta não tivesse sido objecto de prévia transformação em sociedade anónima - estariam sujeitas a tributação à taxa especial de 10%.

 

5. No que se refere ao elemento intelectual, este pressupõe que a sequência dos actos jurídicos praticados vise “essencial ou principalmente dirigidos”, na terminologia do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, a obtenção da vantagem fiscal. A obtenção da vantagem fiscal surge, portanto, como a principal motivação do contribuinte para a prática dos actos ou negócios jurídicos em causa, sendo meramente secundárias as finalidades de índole não fiscal. (Processo 138/2012-T CAAD)

Este elemento também se encontra preenchido no caso vertente, conforme decorre da matéria de facto provada. É manifesto que a transformação da sociedade comercial “E... , Lda” em sociedade anónima, associada à criação de outra sociedade H... LDA e entrada de novos sócios, teve como principal intuito viabilizar a venda das participações societárias beneficiando do regime de exclusão de tributação de mais-valias em sede de IRS, aplicável às mais-valias decorrentes da venda de acções detidas há mais de 12 meses, e assumindo as finalidades de índole não fiscal dessa transformação societária um carácter meramente secundário.

Fica patente que, da cronologia dos vários negócios jurídicos praticados, os requerentes procuraram alcançar prioritariamente uma vantagem do ponto de vista fiscal, não se afigurando outras motivações, nomeadamente motivações de carácter comercial, como seja, a procura de novos mercados, ou motivações financeiras, como, por exemplo, a obtenção de financiamentos ou maior abertura do capital social a novos sócios.

6. Na análise da aplicabilidade da CGAA, o elemento normativo remete para a intenção do legislador de condenar um determinado resultado ou efeito, por considerá-lo  reprovável e abusivo de acordo com o contexto do ordenamento jurídico.

Segundo a teoria da fraude à lei de GUSTAVO LOPES COURINHA (cfr. A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua Compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 186-187): “tem lugar a reprovação de um certo resultado obtido ou pretendido, quando confrontado com a intenção ou espírito da lei, do Código do Imposto em causa ou do próprio Ordenamento Tributário. O acto fraudulento configura-se em função da reprovação pelo direito da sua natureza verdadeira e substancial – os efeitos obtidos. Efeitos esses que não são desejados, previstos ou promovidos pelo Direito, mas antes rejeitados”. Nestes termos, o apuramento das “fronteiras do acto elisivo” depende do “requisito da condenação pelo Ordenamento Fiscal do resultado obtido”.

Recorrendo ao ensinamento de SALDANHA SANCHES, para que haja aplicação da cláusula geral anti abuso é necessário verificar a existência no ordenamento jurídico-tributário de “sinais inequívocos de uma intenção de tributar” (Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 180).

Ora, tal não sucede no que respeita ao regime da tributação das mais-valias na alienação de participações sociais, atenta a coexistência no ordenamento jurídico-tributário da tributação em sede de IRS dos ganhos decorrentes da venda de quotas com a não tributação, em sede daquele imposto, dos ganhos resultantes da venda de acções (processo nº 138/2012 T CAAD).

Ora, perante tal opção do legislador fiscal – justa ou não, mas tal já é uma questão distinta – não estaria vedado ao contribuinte o aproveitamento daquele regime que se lhe afigure mais favorável, no contexto de um planeamento fiscal não abusivo, e não caberia ao aplicador da lei substituir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades seguidas pelo legislador fiscal (Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 180).

A transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, com a subsequente venda das acções sem sujeição a tributação (face ao regime em vigor até à revogação do artigo 10.º, n.º2 do CIRS), foi classificada por J. L. SALDANHA SANCHES como uma “lacuna consciente de tributação”.

Para o autor, esta não seria uma situação susceptível de aplicação da cláusula geral anti abuso, uma vez que “se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais” (Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 182).

No mesmo sentido, já se pronunciaram anteriores decisões arbitrais (Processo nº 123/2012-T), para o qual remete a decisão do processo n. 138/2012-T, na qual se conclui que “Efectivamente mesmo que a transformação [de sociedade por quotas em sociedade anónima] fosse motivada por razões exclusivamente fiscais, é o legislador que opta, expressamente, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das acções naquele contexto”.

Em idêntico sentido, ainda que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima fosse motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estaria perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico-tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal tinha optado por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções. Deste modo, falta o elemento normativo, associado à condenação do ordenamento jurídico-tributário, sem o qual não é aplicável a cláusula geral anti-abuso. (Processo n.º 138/2012-T)

            O caso vertente enquadra-se nesta análise, significando que, ainda que a transformação da sociedade E... tenha visado a obtenção de uma vantagem fiscal de exclusão de mais-valias, o certo é que coexistia no ordenamento tributário a da tributação em sede de IRS dos ganhos decorrentes da venda de quotas com a não tributação em sede daquele imposto dos ganhos resultantes da venda de acções. Tal “Lacuna Consciente de Tributação” impede que no caso visado nos autos se tribute os ganhos realizados com a venda das acções por força da aplicação da cláusula geral anti abuso. 

 

 

 

Conclusão

O tribunal arbitral conclui que não se encontram preenchidos, no caso em análise, todos os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação da cláusula geral anti abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT e no artigo 63º do CPPT.

Consequentemente, julga procedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das seguintes liquidações de IRS apresentado pelos requerentes, com fundamento na violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, a saber:

  1. liquidação de IRS 2009 n.º 2013 … de 2013-08-30 e liquidação de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2013 …, incidentes sobre o 1.º Requerente que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 522.437,86, e juros compensatórios no montante de € 66.530,85;
  2. liquidação de IRS 2009 n.º 2013 … de 2013-08-28 e liquidações de juros compensatórios correspondentes com os n.ºs 2013 … e 2013 …, incidentes sobre o 2.º Requerente que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 249.616,04, e juros compensatórios no montante de € 31.953,87 , e
  3. liquidação de IRS 2009 n.º 2013 … de 2013-08-28 e liquidações de juros compensatórios correspondentes com os n.ºs 2013 … e 2013 …, incidentes sobre os 3.ºs Requerentes que fixou o IRS a pagar em 2009 no montante de € 248.256,78, e juros compensatórios no montante de € 31.896,63.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 91.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.147.508,19.

 

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 15.576,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

VIII.  DECISÃO

 

 Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

1) julgar procedente os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de IRS 2009 e respectivos juros compensatórios no montante total de € 1.147.508,19

2) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagas as custas do presente processo.

 

(Respeitando embora a ortografia usada por outrem no processo, o tribunal adoptou no caso a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990).

 

Lisboa, de 28 Março de 2014

 

Os árbitros

 

Jorge Lino Ribeiro  (árbitro-presidente)

 

José Rodrigo de Castro

 

Graça Martins

 

 

 

 



[1] Ob. Citada, página 172