Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 73/2014-T
Data da decisão: 2014-07-11  IRC IVA  
Valor do pedido: € 69.539,29
Tema: IVA; IRC – Cumulação de pedidos; produção de prova; presunção ilidível.
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 73/2014 – T

Tema: IVA; IRC – Cumulação de pedidos; produção de prova; presunção ilidível.

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Filipa Barros e Dr. Rogério M. Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-03-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

“A” S.A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.9 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade de actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e correspondente liquidação de juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2009 e 2010, indicando os seguintes actos:

           

A Requerente optou pela não designação de árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-01-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Dr.ª Filipa Barros e o Dr. Rogério M. Fernandes Ferreira, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-03-2014 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 31-03-2014.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que ocorre ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, por ilegal cumulação de pedidos, e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral com absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

            Na reunião prevista no artigo 18.º, as Partes prescindiram da inquirição das testemunhas que indicaram, a Requerente juntou ao processo três notas de crédito originais e foi decidido o prosseguimento do processo com alegações escritas sucessivas.

            A Requerente apresentou alegações em que, além do mais, respondeu à excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e requereu que, no caso de se entender que ocorre ilegal cumulação de pedidos «considerando o exposto no art. 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT e art. 47.º n.º 5 do CPTA, deverá ser apreciada a matéria relativa às liquidação de IVA e IRC, relativa às correcções associadas à omissão de proveitos em sede de IRC e consequente IVA não liquidado, exercícios de 2009 e 2010».

Quanto às questões controvertidas, a Requerente refere o seguinte, em suma:

–  as correcções elaboradas pela AT estão consubstanciadas exclusivamente em mapas para uso interno e sem cariz oficial das suas existências, vendas e existências finais em determinado exercício, neste caso 2009 e 2010.

– que estes mapas, em resultado da alteração do programa de software apresentavam divergências, considerando o inventário real da Requerente, facto que inclusive e de forma voluntária a AT reconheceu, revogando parte das correcções em sede do processo administrativo;

– destas divergências de simples mapas internos, não se pode concluir pela presunção da transmissão destes bens e liquidação do imposto correspondente.

– em momento algum a AT pôs em causa a factura associada ao exercício de 2009 e 2010, contida no Ficheiro Normalizado de exportação de dados SAF-T(PT), previsto na Portaria 321-A/2007, de 26 de Março;

– o artigo 75.º da LGT estabelece o princípio da presunção de verdade da contabilidade que a Autoridade Tributária e Aduaneira não põe em causa, porque não recorreu a métodos indirectos;

– os esclarecimentos prestados, bem como toda a documentação junta aos autos pela Requerente são legítimos e suficientes para demonstrar o destino dado aos bens objecto da matéria controvertida, sendo ilegal a presunção da sua venda;

– no que se refere à correcção relativa às despesas de representação, a Requerente mantém a posição assumida no pedido de pronúncia arbitral

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações em que defende, em suma:

 

– que os documentos apresentados pela Requerente para demonstrar as transacções que refere, por eles não estarem «assinados por qualquer representante da entidade receptora e, estando assinados, tal assinatura é ilegível , ou não estão devidamente carimbados pela entidade receptora, ou não têm aposta qualquer data que ateste a sua recepção»;

– que «para além das incongruências acima referidas, os serviços de inspecção tributária constataram que os registos contabilísticos da requerente não estavam acompanhados da documentação de suporte legalmente exigida, documentação essa que a requerente apenas logrou apresentar no âmbito do presente processo» e que «da análise da referida documentação se conclui que a mesma não faz prova cabal das alegações da Requerente, suscitando ao invés diversas questões quanto ao momento em que terão efectivamente sido emitidas e enviadas à Requerente»;

– no que concerne às despesas de representação em causa no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não se prova a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, que, a verificar-se, implicará nulidade de todo o processo, nos termos dos artigos 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 186.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT.

Não se vislumbra qualquer outra nulidade.

 

            2. Questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por ilegal cumulação de pedidos

           

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por ilegal cumulação de pedidos, por, em suma, a Requerente pedir a declaração de ilegalidade de correcções efectuadas em sede de IVA e IRC baseadas em presunção da transmissão de bens e de pedir também a declaração de ilegalidade de correcções relativas a despesas de representação.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que, embora resultem da mesma acção inspectiva, a questão da correcção relativa a despesas de representação não tem relação com a correcção relativa aos bens que se consideram transmitidos, pelo que não se verificará o Requerente exigido pelo artigo 3.º, n.º 1, do RJAT que estabelece que «a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito».

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. 

            No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

            No caso em apreço, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da ineptidão a propósito de cumulação de pedidos, apenas será de aventar a possibilidade de enquadramento da situação na referida alínea c).

            Porém, é manifesto que o pedido de declaração de ilegalidade de liquidações de IVA e de IRC por não terem verificado vendas que a Autoridade Tributária e Aduaneira presumiu terem ocorrido não é incompatível com o pedido de declaração de ilegalidade de liquidação por despesas efectuadas estarem conexionadas com a obtenção dos proveitos ou anhos ou manutenção fonte produtora, já que as duas ilegalidades podem existir concomitantemente.

            Por isso, não ocorre ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

Mas, não ocorrendo esta nulidade, não deixa de existir um obstáculo à cumulação derivado do regime especial previsto no artigo 3.º do RJAT.

            Na verdade, a existência desta regra especial para os tribunais arbitrais afasta a aplicabilidade das regras do CPPT e do CPTA, que apenas são de aplicação subsidiária, nos termos do art. 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Assim, quando é impugnado mais do que um acto de liquidação, apenas nos casos indicados no art. 3.º, n.º 1, do RJAT haverá possibilidade de cumular pedidos quando a sua procedência dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

No caso em apreço, são impugnados actos diferentes, de liquidação de IVA e IRC, e quanto a este último imposto, para além de serem invocadas ilegalidades que decorrem dos factos invocados para efeitos de IVA respeitantes a vendas de mercadorias, há outras relativas a despesas de representação, que nada têm a ver com aquelas.

Assim, não é possível cumular o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA com o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC, na parte em que este se reporta a correcção à matéria tributável derivada de despesas de representação.

Procede, assim a excepção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Uma vez que a Requerente já se veio dizer que, no caso de se entender que ocorre ilegal cumulação de pedidos «considerando o exposto no art. 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT e art. 47.º n.º 5 do CPTA, deverá ser apreciada a matéria relativa às liquidação de IVA e IRC, relativa às correcções associadas à omissão de proveitos em sede de IRC e consequente IVA não liquidado, exercícios de 2009 e 2010», prosseguirá o processo apenas quanto a esta parte, com absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC 2010, com base na correcção da matéria tributável relativa a despesas de representação.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente “A”, S.A está colectada na actividade de Comércio a Retalho de Relógios e Artigos de Ourivesaria, CAE …, tendo iniciado a actividade em 09/09/1989;

b)      A Requerente está enquadrada para efeitos de IVA, no Regime Normal Mensal e para efeitos de IRC no Regime Geral;

c)      Foi efectuada uma inspecção à Requerente, em execução das ordens de serviço n.º … e …, tendo por objecto os exercícios de 2009 e 2010 (Relatório da Inspecção Tributária que consta do Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

d)     Através do controle efectuado, os serviços da Inspecção Tributária apuraram que artigos indicados no quadro n.º 2, que consta da página 6 do Relatório da Inspecção Tributária, faziam parte do inventário de 31-12-2008 ou foram adquiridos em 2009, não foram indicados como vendidos em 2009 nem devolvidos ao fornecedor nesse exercício e não constam do inventário de 31-12-2009;

e)      Através do controle efectuado, os serviços da Inspecção Tributária apuraram que os artigos indicados no quadro n.º 3 que consta da página 6 do Relatório da Inspecção Tributária, faziam parte do inventário de 31-12-2009 ou foram adquiridos em 2010, não foram indicados como vendidos em 2010 nem devolvidos ao fornecedor nesse exercício e não constam do inventário de 31-12-2010;

f)       Em 15-11-2012 e 16-11-2012, foram enviados à sociedade emails com os quadros referidos como Anexo, no qual se solicitou que indicasse o destino dado àqueles artigos (págs. 10 a 14 do Anexo ao Relatório da Inspecção Tributária que consta de fls. 43 a 49 o Processo Administrativo digitalizado);

g)      Até 28-11-2012, a Requerente não deu qualquer resposta àquele pedido, pelo que, nessa data, foi-lhe de novo solicitado, através de notificação pessoal, para até ao dia 07/12/2012, indicar o destino dado àqueles artigos (páginas 15 a 17 do Anexo ao Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, que consta das fls. 50 a 52 do Processo Administrativo digitalizado);

h)      Em 06-12-2012 deu entrada nos Serviços da Inspecção Tributária um pedido da Requerente a solicitar mais 30 dias para apresentar os elementos solicitados na notificação, o qual foi indeferido (fls. 6 do Relatório da Inspecção Tributária, a fls. 8 do Processo Administrativo digitalizado);

i)        Na sequência do exercício do direito de audição pela Requerente, os Serviços da Inspecção Tributária reduziram as listas referidas nas alíneas d) e e) nos seguintes termos:

 

j)        Aplicando ao valor das vendas presumidas, as taxas em vigor em 31-12-2009 de 20% e em 31-12-2010 de 21%, os Serviços da Inspecção Tributária consideram que o IVA não liquidado e por consequência não entregue nos cofres do Estado em 2009 e 2010, é de 4.369,31€ e 32.819,91€, assim determinado: (páginas 24 e 25 do Relatório da Inspecção Tributária)

k)       Na sequência da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou também outras correcções relativas a IVA indevidamente regularizado, que foram aceites pela Requerente, que contesta apenas correcções no valor de € 1.707,80 relativamente ao ano de 2009, e de € 20.417,88, n que concerne ao ano de 2010 (artigo 4.º do pedido de pronúncia arbitral) ( [1] )

l)        Em sede de IRC, na sequência da inspecção, A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria colectável, relativamente ao exercício de 2010, no montante de € 163.600,74, sendo € 156.285,30 relativos a omissão de proveitos, dos quais a Requerente apenas contesta o valor de € 95.228,00; ( [2] )

m)     Em 2008, a Requerente alterou a versão do software que utilizava para registo das suas transacções;

n)      Em 31-12-2008 constava do inventário um artigo com o número de referência Q1752440, com o valor de € 8.539,00, que não foi indicado como vendido em 2009 e não constava do inventário de 31-12-2009;

o)      Numa relação de artigos roubados em 25-10-2010, a Requerente incluiu um artigo com a Q1752440 com o valor de € 8.944,00;

p)      Em 31-12-2009, constava do inventário da Requerente um artigo com a referência 115031260403921, com o valor de € 5.761,00, que não constava do inventário de 31-12-2010;

q)      No inventário da Requerente de 31-12-2011, contava um artigo com a referência 115031260403921 com o valor de € 6.175,00;

r)       Em 20-05-2012 foi vendido um artigo com a referência 115031260403921;

s)       Entre 08-07-2008 e 25-06-2013, a Requerente apenas adquiriu dois artigos com a referência 115031260403921, tendo devolvido um deles em 14-12-2010 (declaração que consta da página 14 dos «Anexos» juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral);

t)       Em 23-04-2013, a Requerente devolveu um artigo com a referência 115031969469/21;

u)      Um artigo com a referência 115031969469/21 foi devolvido pela Requerente em 2013 (nota de crédito junta na reunião); 

v)      Um artigo com a referência 0643-7636-71-9142431 foi devolvido pela Requerente em 2011 (nota de crédito junta na reunião);

w)    Um artigo com a referência 1111822108804/01 foi devolvido pela Requerente em 2011 (nota de crédito junta na reunião);

x)      A Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou as liquidações de IVA, IRC e juros compensatórios que são indicadas no ponto 1 do presente acórdão; 

y)      Em 29-01-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

3.2.1. Não se deu como provado que tenha ocorrido confusão de compras com consignações e/ou transferência entre lojas (como a Requerente alega no artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral), nem que eventuais erros tivessem influência no apuramento das reais transacções da Requerente, pois a declaração que apresenta para prova dessa afirmação não a corrobora, já que o que se refere no anexo I é que «houve algumas falhas nomeadamente na passagem de guias de consignação pendentes que não foram contempladas, algumas foram detectadas e corrigidas, mas é possível que outras não tenham sido detectadas e assim continuem erradas. Contudo é possível identificar o erro analisando a base de dados anterior a 2008 onde esta informação permanece intacta».

 

3.2.2. Não se provou que houvesse um lapso no mapa de existências relativo a 31-12-2009 quanto ao artigo com a referência Q1752440.

A Requerente refere que esse artigo teria sido roubado em 25-10-2010, pelo que haveria um lapso na sua não inclusão no inventário em 31-12-2009.

Mas, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, o artigo que constava do inventário em 31-12-2008 tinha o valor de € 8.539,00 (página 8 do documento do processo instrutor com a designação “P4pp175”, enquanto o indicado na relação de artigos roubados tinha o valor de € 8.944,00, pelo que não se pode concluir que seja o que constava do inventário de 31-12-2008. A referência é a mesma, mas artigos idênticos terão idênticas referências, pelo que a identidade das referências não permite concluir que se trate do mesmo artigo. Por outro lado, a diferença dos preços, aponta manifestamente no sentido de se estar perante dois artigos com idêntica referência.

A Requerente reconhece que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao referir a diferença de valores, alegando que se trata de um erro na indicação do valor dos artigos roubados.

Tratar-se-ia de um segundo lapso, respeitante ao mesmo artigo, o que, à face das regras da experiência comum, não é aceitável, por ser pouco provável.

Por outro lado, não pode considerar-se provado através dos mapas de compras que a Requerente não adquiriu mais que uma mercadoria com a referia designação, pois a compra pode ter ocorrido em data anterior.

No artigo 86.º do CIVA impõe-se à Requerente a prova do facto que alega e, à face da prova produzida, não se pode considerar provado que o artigo com a referência Q1752440 tivesse sido roubado.

 

3.2.3. Provou-se que o artigo com a referência 115031260403921 que constava do inventário de 31-12-2009 (com o valor de € 5.761,00), mas não constava do de 31-12-2010, foi vendido em 2012.

Na verdade, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, um artigo com aquela referência constava do inventário de 31-12-2011, com preço diferente do que constava do inventário de 2009, o que, sem mais, justificaria a conclusão de o artigo que foi vendido em 2012 não seria o que constava do inventário de 31-12-2009, antes teria sido um outro, com a mesma referência, adquirido em 2010 ou 2011.

No entanto, a declaração que consta da página 14 dos «Anexos» juntos com o pedido de pronúncia arbitral permite considerar provado que a Requerente adquiriu apenas dois artigos com a referência 115031260403921, um dos quais foi devolvido em 14-12-2010.

 Por isso, a Requerente só terá ficado com um artigo com esta referência, que terá sido o que se refere no inventário de 31-12-2012.

Por outro lado, se é certo que os valores indicados são diferentes (€ 5.761,00 no inventário de 31-12-2009, e € 6.175,00 no inventário de 31-12-2012), o facto de se tratar de números com os mesmos algarismos, não permite considerar inverosímil que se tratasse de um lapso material na indicação do valor no inventário de 31-12-2012.

 

3.2.4. No que concerne ao artigo com a referência 115031969469/21, existiam dois em 31-12-2009 e um foi vendido em 17-07-2010.

Quanto ao outro, foi apresentado um documento externo em relação à Requerente em que se refere a sua devolução em 23-04-2013.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suspeita da veracidade desta devolução, mas foi apresentado neste processo arbitral um documento emitido pela entidade a quem a devolução foi feita em que se confirma a sua realização e não foi suscitada a questão da falsidade do documento.

Por outro lado, na nota de crédito relativa à mercadoria com esta referência 115031969469/21, indicam-se várias outras mercadorias, relativamente às quais não foi detectada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer dúvida sobre as devoluções.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem possibilidade, no uso dos seus poderes inspectivos, de apurar se a devolução tem ou não correspondência na contabilidade da empresa que emitiu a nota de crédito e a falsidade do documento é susceptível de implicar responsabilidade criminal de quem o emitiu e de quem o utilizou, pelo que, sem mais, não há razões para não aceitar que o documento referido corresponda à realidade.

A isto acresce que a eventual falsidade de documento é fundamento de recurso de revisão, nos termos do artigo 293.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pelo que, se se vier a comprovar que ocorreu falsidade, não haverá obstáculo a que Autoridade Tributária e Aduaneira retire dela as suas consequências.

Mas, à face dos elementos que constam do processo, é de considerar provado que tal devolução ocorreu.

 

3.2.5. Relativamente às mercadorias com as referências 0643-7636-71-9142431 e 1111822108804/01, valem, no essencial, as considerações que se fizerem no ponto anterior, relativas à apresentação de documentos externos relativamente aos quais não foi arguida a falsidade.

Por isso, também em relação a estas mercadorias se considera provado que as respectivas devoluções ocorreram.

 

3.2.6. Relativamente às liquidações apenas se provou que foram elaboradas aquelas cujas cópias a Requerente junto a pedido de pronúncia arbitral e que nela arrola.

Embora a Requerente refira que foi elaborada uma liquidação de recurso contencioso relativa a omissão de proveitos no ano de 2009, não foi junta qualquer prova de que ela tenha sido elaborada pelo que não se deu como provado que o tenha sido.

 

4. Matéria de direito

           

As questões essenciais que se colocam no presente processo assentam na decisão da matéria de facto.

O artigo 86.º do CIVA, que estabelece que «salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais».

Como resulta dos termos desta norma, a presunção aqui referida admite prova em contrário.

No caso em apreço, pelo que se refere na fundamentação da decisão da matéria de facto, é de considerar que a presunção não foi ilidida relativamente ao artigo com a referência Q1752440 (no valor de € 8.539,00), mas foi ilidida em relação aos artigos com as referências 115031260403921 (no valor de € 5.761,00), 115031969469/21 (no valor de € 3.634,00), 0643-7636-71-9142431 (no valor de € 833,00) e 1111822108804/01 (no valor de € 87.000,00).

Assim, o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente em relação à declaração de ilegalidade da liquidação de IVA que assenta na correcção à matéria tributável de € 8.539,00, relativa ao artigo com a referência Q1752440 (IVA no montante de € 1.707,80).

Embora a Requerente refira no pedido de pronúncia arbitral que esta correcção teve reflexos em sede de IRC no ano de 2009, não se provou que tivesse sido efectuada qualquer liquidação adicional de IRC relativa a esse ano.

Pelo exposto, relativamente à liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios relativas ao ano de 2009, não se demonstra qualquer ilegalidade, pois as referentes aos meses de Janeiro a Novembro referem-se a IVA deduzido ilegalmente, o que a Requerente não impugna, e quanto à relativa ao mês de Dezembro de 2009, que inclui a omissão do proveito relativo à mercadoria com a referência Q1752440, não se demonstrou que enferme de qualquer ilegalidade.

Relativamente às liquidações de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2010, apenas nas referentes ao mês de Dezembro foi incluída a quantia correspondente à omissão de proveitos respeitante às mercadorias com as referências 115031260403921, 115031969469/21, 0643-7636-71-9142431 e 1111822108804/01, no valor total de € 97.228,00.

Por isso, apenas a liquidação adicional de IVA n.º …, relativa a Dezembro de 2010 e a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º … enfermam de ilegalidade, tendo sido liquidado a mais IVA no montante de € 20.417,88 (taxa de 20% sobre € 97.228,00) e juros compensatórios a mais no valor de € 1.352,30: os juros compensatórios foram calculados no valor de € 3.359,41 com base no valor de IVA de € 34.174,61 e, considerando que o IVA devido é apenas de € 13.756,73, os juros compensatórios devem ser proporcionalmente reduzidos para o valor de € 1.352,30).

No que concerne ao IRC de 2010, a liquidação enferma de ilegalidade na parte em que assentou na correcção à matéria tributável no valor € 97.228,00, idêntica à considerada para efeitos de IVA, a que corresponde o imposto de € 24.307,00 (taxa de 25%).

No que concerne a juros compensatórios liquidados relativamente as correcções em IRC, a diminuição do IRC devido implica que os sejam proporcionalmente diminuídos para o montante de € 1.573,69: foi calculado o valor de € 3.662,04 de juros compensatórios com base no valor de IRC de € 42.622,66; considerando a ilegalidade da liquidação de IRC no montante de € 24.307,00, passa a ser devido IRC no montante de € 18.315,66, a que correspondem juros compensatórios no montante de € 1.573,69. Por isso, é ilegal a liquidação de IRC relativamente a juros compensatórios no concerne ao montante de € 2.088.35.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      declarar a ilegalidade da liquidação adicional de IVA n.º … (com o valor de € 34.174,61, respeitante ao período de Dezembro de 2010), na parte relativa ao valor de IVA ilegalmente liquidado de € 20.417,88;

c)      declarar a ilegalidade da liquidação de  juros compensatórios n.º … (com o valor de € 3.359,41, , respeitante ao período de Dezembro de 2010), na parte relativa ao valor de  juros compensatórios de € 1.352,30;

d)     declarar a ilegalidade parcial da liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2013…, na parte em que assentou em correcções à matéria no montante de € 97.228,00, a que corresponde a liquidação ilegal de IRC no montante de € 24.307,00 e de juros compensatórios ilegalmente liquidados no montante de € 2.088,35;

e)      julgar improcedente o pedido relativamente à declaração de ilegalidade das restantes liquidações de IVA e juros compensatórios, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira dos mesmos;

f) não tomar conhecimento do pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC na parte relativa à correcção respeitante a despesas de representação, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância na parte respectiva.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 69.539,29.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 30,74% e 69,26%, respectivamente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 11 de Julho de 2014

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

 

(Filipa Barros)

 

 

 

 

 

 

(Rogério M. Fernandes Ferreira)

 

 

 

 

 

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



( [1] )          A Requerente apresenta o seguinte quadro no artigo 4.º do pedido de pronúncia arbitral, mas há lapsos manifesto na indicação dos totais de «valores não contestados» e «valores a contestar» relativamente ao ano de 2009, pois os totais não correspondem à soma das parcelas:

( [2] ) A Requerente apresenta o seguinte quadro no artigo 5.º do pedido de pronúncia arbitral, mas a correcção relativa às despesas de representação ficou afastada do objecto do processo: