Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 359/2022-T
Data da decisão: 2023-06-15  IRS  
Valor do pedido: € 71.008,99
Tema: IRS – Retenção na fonte. Compensação por extinção do contrato de trabalho - norma anti-abuso na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS. Prova de residência no estrangeiro para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte contida nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS.
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SUMÁRIO

       I.    A norma do artigo 2.°, n.º 4, alínea b), do CIRS, conjugada com o n.º 10 do mesmo artigo, na redação vigente em 2018, estabelece uma delimitação negativa de incidência relativamente a compensações por extinção de contratos individuais de trabalho condicionada a jusante por factos que determinam a sua não aplicação, nomeadamente o facto de nos 24 meses seguintes ter sido criado novo vínculo profissional ou empresarial com a mesma entidade, ou com entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação.

     II.    Para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte que resulta dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS (relativa a rendimentos de capitais de fonte estrangeira colocados à disposição de residentes em território português por intermediários), ao Requerente não é exigido apresentar certificados de residência como prova de que os clientes a favor dos quais coloca à disposição rendimentos de capitais de fonte estrangeira são residentes no estrangeiro.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dra. Ana Teixeira de Sousa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Tributário, acordam no seguinte:

I.   RELATÓRIO

BANCO A…, S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede na Avenida …, …, … … (“Requerente”), notificado da liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2022 ... e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2022 ... a 2022 ..., referentes ao exercício de 2018, através da demonstração de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2022 ..., para efetuar o pagamento do montante total de € 71.008,99 até ao dia 09-03-2022, veio, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar o presente Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) com vista à anulação dos referidos atos tributários e ao reconhecimento do seu direito a indemnização por garantia indevidamente prestada.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e o PPA foram apresentados no dia 07-06-2022, tendo sido aceites pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificados à Requerida.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17-08-2022. 

Notificada para apresentar Resposta e remeter cópia do processo administrativo, a Requerida apresentou apenas Resposta (em 07-11-2022), defendendo-se por impugnação. 

Por despacho de 06-02-2023, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, notificou as partes para apresentarem alegações finais escritas, e prorrogou o prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT por dois meses.

O Requerente apresentou as suas alegações em 17-02-2023, e um requerimento superveniente em 23-03-2023. A Requerida não apresentou alegações nem se pronunciou sobre este requerimento.

Em 17-03-2023, o Tribunal voltou a prorrogar o prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT por dois meses.

 

II.     POSIÇÃO DAS PARTES

O Requerente fundamentou o PPA, em síntese, nos seguintes termos:

(a)  O Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação contestados, que foram emitidos oficiosamente pela AT com referência ao imposto alegadamente em falta em sede de retenções na fonte de IRS relativas (i) a uma compensação atribuída pela cessação de um contrato individual de trabalho (€ 24.640,52), e (ii) a rendimentos de capitais de fonte estrangeira que o Requerente colocou à disposição de três clientes (€ 37.363,29).

Da compensação atribuída pela cessação de um contrato individual de trabalho

(b)   Ao contrário do que defende a AT, a compensação paga pelo Requerente a um colaborador com o qual cessou o vínculo contratual em 30-11-2017 (“Colaborador X”) beneficia da exclusão parcial de tributação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS. 

(c)  O legislador estabeleceu que a exclusão parcial de tributação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS não se aplica se “nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, as importâncias serão tributadas pela totalidade”. 

(d)  Este preceito não remete para o n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, pelo que não é relevante, para efeitos da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, se um novo vínculo profissional ou empresarial for estabelecido com uma entidade que esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação com a entidade que atribuiu a compensação (in casu, o Banco B... Angola). 

(e)  Isto significa que a exclusão parcial de tributação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS só não se aplica se for criado um novo vínculo profissional ou empresarial com a mesma entidade (in casu, o Requerente). 

(f)   A intenção do legislador não foi equiparar o conceito de “entidade” referido no n.º 4 do artigo 2.º do CIRS com o conceito amplo de “entidade patronal” no n.º 10 do mesmo artigo, desde logo porque tal implicaria que a entidade devedora da compensação tivesse sempre conhecimento de todas as entidades com as quais os seus colaboradores celebram novos vínculos contratuais no período de 24 meses após a cessação do vínculo laboral.

Dos rendimentos de capitais pagos a clientes do Requerente

(g)  Quanto a estas correções, a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária não é, congruente nem tão pouco clara, violando o disposto nos artigos 103.º, n.º 3, e 268.º, n.º 3, da CRP, e no artigo 77.º da LGT.

(h)  Ressaltam importantes omissões no Relatório, no que se refere à alegada exigência de determinado tipo de prova por parte do Requerente, enquanto instituição de crédito, para efeitos de enquadramento dos seus clientes, em particular, quanto ao facto de serem ou não residentes em território nacional.

(i)   Não pode o Requerente compreender que a Administração tributária defenda tal tese, desde logo por falta de disposição legal que preveja que as instituições de crédito devem enquadrar os clientes, para efeitos de residência, nos mesmos termos a que a Administração fiscal está obrigada, desde logo porque não há nenhum normativo nesse sentido.

(j)   De acordo com a legislação em vigor, nomeadamente, a Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, não se prevê que o Requerente esteja obrigado a obter certificados de residência dos clientes para efeitos de comprovação da respetiva residência.

(k)  O conceito de residência encontra-se definido no artigo 16.º do CIRS, que estabelece os critérios para um sujeito passivo ser considerado residente para efeitos fiscais, cuja verificação é efetuada pela própria Administração tributária. 

(l)   O Requerente não tem competência, nem forma e meios, para conhecer da residência fiscal dos sujeitos passivos, nem conhece da informação contida nas bases de dados da administração, pelo que não tem qualquer responsabilidade por discrepâncias entre a informação fornecida pelo cliente ao Requerente e pela informação fornecida por aquele à Administração tributária.

(m) Não existe na legislação fiscal qualquer definição de quais os elementos necessários para as entidades pagadoras de rendimentos procederem ao enquadramento fiscal dos seus clientes não residentes quando está em causa o pagamento de rendimentos de fonte estrangeira (como é o caso em todas as situações corrigidas pela Administração tributária), razão pela qual não se compreende como pode a Administração tributária em sede de inspeção ter considerado que a informação constante da sua base de dados relativamente àqueles sujeitos passivos (clientes do Requerente) teria de ser coincidente com a informação que se encontra na posse e é do conhecimento do Requerente.

(n)  As normas na legislação fiscal relativas à documentação necessária para comprovar a residência fiscal dos sujeitos passivos (designadamente para efeitos de dispensa ou atenuação da tributação no âmbito de convenções para a evitar a dupla tributação celebradas por Portugal, bem como no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de Novembro) apenas são aplicáveis quando está em causa o pagamento de rendimentos de fonte portuguesa (o que não é aqui o caso).

(o)  Da legislação fiscal não resulta qualquer dever de recolha de documentos comprovativos específicos por parte do Requerente, enquanto instituição financeira intermediária, com vista a comprovar situações de não sujeição tributária, por falta de incidência territorial. Assim, não poderá ser exigido ao Requerente que tenha na sua posse documentos comprovativos da residência fiscal dos seus clientes, à semelhança dos documentos comprovativos que a Administração tributária legalmente exige para efeitos de considerar os sujeitos passivos como residentes ou não residentes e, bem assim, para efeitos de atenuação e dispensa de tributação.

(p)  Mais, não há qualquer disposição legal que preveja que, para rendimentos de fonte estrangeira pagos a não residentes, o Requerente tem de possuir algum tipo específico de documento que comprove a residência dos seus clientes, pelo que se reitera que o Relatório de Inspeção Tributária em apreço padece de falta de fundamentação e, consequentemente, devem os atos de liquidação objeto dos presentes autos ser anulados.

(q)  A prova efetuada pelos clientes do Requerente relativa à respetiva residência fiscal, (designadamente, a fatura de telecomunicações e o certificado de residência emitido pelo Consulado-Geral de Portugal em Valência) é idónea, credível e suficiente, pelo que deve ser aceite para efeitos de qualificação da situação pessoal dos referidos clientes, aquando a abertura de conta, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2018.

(r)   A inércia dos clientes do Requerente, relativamente à atualização da respetiva situação fiscal, quer seja perante a Administração tributária ou perante o Requerente, é aos próprios imputável, pelo que é sobre estes que recai a responsabilidade de suportar o imposto em falta.

 

Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

(s)   A liquidação de juros compensatórios não é uma consequência imediata e automática de qualquer liquidação adicional de imposto, só podendo corresponder, ao invés, ao resultado final de todo o processo cognitivo e valorativo onde se formule um juízo de censura quanto à atuação do contribuinte.

(t)   Não foi, no entanto, o que fez a Administração tributária, limitando-se a exigir, de forma automática, juros compensatórios. Ao fazê-lo a Administração tributária ultrapassou as formalidades legais estabelecidas para a liquidação de juros compensatórios, inquinando, assim, o ato tributário de liquidação de juros compensatórios ora impugnado de vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei, atento o artigo 35.º, n.º 1, da LGT.

Da indemnização por garantia indevidamente prestada

(u)  Atento o erro imputável aos Serviços acima abundantemente demonstrado, tem o ora Requerente direito a ser indemnizado pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia sem dependência do prazo pelo qual esta venha a ser mantida, nos termos do artigo 53.º da LGT.

(v)  Deste modo, da anulação dos atos de liquidação sub judice, deverá também resultar, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT e no artigo 53.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da LGT, em indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

A Requerida defendeu-se por impugnação, em síntese, nos seguintes termos:

      Da compensação atribuída pela cessação de um contrato individual de trabalho

(a)   A indemnização paga pelo Requerente ao Colaborador X, com o qual cessou o vínculo contratual em 30-11-2017, não beneficia da exclusão parcial de tributação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, visto que o Colaborador X iniciou um novo vínculo contratual em menos 24 meses (a contar de 30-11-2017) com o Banco B... Angola, que pode ser equiparado, ao abrigo do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, a “entidade patronal” pelo facto de constituir uma entidade participada do Requerente.

(b)  Não obstante o texto da mencionada alínea b) não referir expressamente “entidade patronal”, é entendimento que não suscita margem de dúvida o de que a “entidade” referida nesse preceito corresponde à entidade que disponibiliza o rendimento e cuja obrigação de pagamento tem como contrapartida o trabalho prestado no âmbito de uma relação laboral, ou seja, que a mesma corresponde à “entidade patronal”.

(c)   A redação do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS veio reforçar essa noção, mas foi mais longe, determinou a equiparação a entidade patronal de “qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respetiva localização geográfica”.

(d)  De acordo com o n.º 1 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais, “[c]onsidera-se que uma sociedade está em relação de simples participação com outra quando uma delas é titular de quotas ou ações da outra em montante igual ou superior a 10% do capital (…)”.       

(e)   Visto que, em 2018, o Banco B... Angola constituía uma participada do Requerente e, consequentemente, uma entidade a ele equiparada nos termos do n.º 10 do artigo 2.º do CIRS, o montante de € 98.562,08 (que foi considerado como excluído de tributação pelo Requerente) deveria ter sido tributado à taxa de 25%, nos termos do n.º 4 do artigo 71.º do CIRS, por se tratar de retenção a título definitivo, sobre rendimentos pagos a um não residente.

Dos 

(f)   A Inspeção Tributária apresentou fundamentação de direito que exige ao Requerente obter prova de não residência em Portugal dos seus clientes que nele obtiveram rendimentos com a natureza de “juros ou rendimentos de aplicações de capitais”.

(g)  Como é referido pela Inspeção Tributária, a não terem sido tributados rendimentos de capitais por força do disposto no n.º 1 do artigo 101.º-C do CIRS, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte (n.º 2), neste caso o Requerente.

(h)  Tal prova consiste em: a) Certificado emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência; ou b) Documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado (n.º 2 do artigo 101.º-C do CIRS, na redação em vigor à data dos factos). Acrescentando o normativo em apreço que tal prova terá a validade de 1 ano da data do certificado emitido (n.º 4).

(i)    Por outro lado, a Inspeção Tributária também faz referência ao Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida, que é aplicável aos rendimentos, considerados obtidos em território português, de valores mobiliários representativos de dívida, no que diz respeito à prova a ser apresentada (artigo 18.º).

(j)    Daqui resulta, que não se pode concluir no sentido que é afirmado pelo Requerente: “não há nenhum normativo que preveja que as instituições de crédito devem enquadrar os clientes, para efeitos de residência”.

(k)  Ao Requerente, por tratar-se de substituto tributário (conforme previsto no n.º 2 do artigo 20.º da LGT), cabia-lhe a obrigação de verificar se estavam ou não reunidos os pressupostos para a não tributação dos rendimentos obtidos pelos seus clientes, nomeadamente, obter prova da sua não residência conforme exige as regras do CIRS.

(l)    A correção efetuada pela Inspeção Tributária está correta, por força do disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIRS, conjugado com o n.º 1 do artigo 71.º do CIRC (fundamentação apresentada no Relatório de Inspeção Tributária), porquanto ainda que seja entendido que “os rendimentos sejam localizados fora do território nacional” (artigo 91.º do PPA) não deixaram de ser obtidos em Portugal.

(m) Não obstante não ser relevante a Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, para a correção em apreço, dada a existência de normativo fiscal que dispõe de qual a prova de (não) residência a apresentar, no entanto, cabe tecer o seguinte raciocínio: se a referida lei exigia que houvesse elementos que comprovassem o endereço completo quer da “residência permanente” quer do “domicilio fiscal”, por serem diferentes, cabia ao Requerente exigir aos seus clientes que comprovassem, que o endereço era comum à residência permanente e ao domicilio fiscal, apresentando a respetiva prova – que no caso do domicilio fiscal só poderia ser uma declaração da respetiva Autoridade Tributária, que não existe.

(n)  Socorrendo-nos da referida Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, no seu artigo 40.º, n.º 3, é referido que aquela informação deve ser atualizada no mínimo num prazo de 5 anos.

(o)  Ora, desta forma, as faturas de telecomunicações emitidas em 2006 (que são apresentadas como prova de domicílio fiscal, em 2018, de dois dos três clientes do Requerente) utilizadas pelo Requerente como prova de não residência em Portugal, para efeitos da não tributação dos rendimentos obtidos, estão de longe de ter cumprido as exigências legais impostas à atividade do Requerente, previstas na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.

(p)  Nestes termos, ficou demonstrado que o Requerente não tinha prova da não residência em Portugal dos seus clientes em apreço, que lhe permitisse, na qualidade de substituto tributário, não tributar os rendimentos obtidos em Portugal, nos termos exigidos no artigo 15.º do CIRS sob a forma de retenção na fonte, por aplicação do artigo 71.º do CIRC.

Da falta de fundamentação

(q)  É incontroverso, atenta a jurisprudência maioritária, que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra.

(r)   O Requerente foi validamente notificado do Relatório de Inspeção Tributária: os elementos que constam do procedimento de inspeção permitem identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor total das correções, dando a conhecer ao Requerente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, esclarecendo o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro.

(s)   Da leitura do PPA resulta que o Requerente não demonstrou ter qualquer dificuldade em entender e apreender o itinerário cognoscitivo percorrido pelos serviços de inspeção, tendo formulado um juízo crítico sobre o entendimento que fundamenta as correções.

Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

(t)    Tendo ficado demonstrado que o Requerente deixou de tributar o rendimento obtido pelos seus clientes, na qualidade de substituto tributário, e cabendo-lhe a si a obrigação de entregar/pagar o respetivo imposto ao Estado (n.º 1 do artigo 28.º da LGT), os juros compensatórios são devidos nos termos do n.º 1 do artigo 35.º da LGT.

Da indemnização por garantia indevidamente prestada

(u)  O direito ao pagamento da indeminização por prestação indevida de garantia depende do preenchimento dos requisitos constantes do artigo 53.º da LGT, nomeadamente que o Tribunal determine a existência de erro no ato de liquidação, e que tal erro seja imputável aos serviços da Requerida.

(v)  Por tudo quanto supra se expôs, entende-se não enfermarem os atos de liquidação contestados de qualquer vício que deva ditar a sua anulação, não havendo lugar, portanto, à indemnização por garantia indevidamente prestada.

Nas alegações finais escritas, o Requerente reiterou a sua posição vertida no PPA, e juntou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do ... no processo n.º .../16.0....

 

III.    SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atendo o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O PPA apresentado em 07-06-2022 é tempestivo, porquanto foi apresentado no prazo de 90 dias referido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias notificadas, ou seja, a partir do dia 09-03-2022 (conforme resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT).

Ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral referido no artigo 16.º, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral admite o requerimento apresentado pelo Requerente em 23-03-2023, no qual é indicado o mês em que o Colaborador X iniciou funções no Banco B... Angola. Ao abrigo do mesmo princípio, o Tribunal Arbitral não admite o documento juntos às alegações do Requerente (cópia da decisão de Tribunal Administrativo e Fiscal do ... no processo n.º .../16.0...), na medida em que o mesmo não tem relação direta com a factualidade relevante no caso sub judice.

O processo não enferma de nulidades. Não foram suscitadas exceções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

IV.  MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

(a)  O Requerente é uma instituição de crédito que exerce, principalmente, a atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (cf. alegado no artigo 5.º do PPA e não contestado pela Requerida).

(b)  Em 2017, 2018 e 2019, o Requerente detinha uma participação de 48,087% no Banco B… Angola (cf. referido nos artigos 30.º e 47.º do PPA, nos artigos 15.º e 23.º da Resposta, e no ponto 4 do requerimento superveniente apresentado pelo Requerente em 23-03-2023).

(c)  O colaborador do Requerente com o NIF … (designado por “Colaborador X”) cessou o vínculo contratual com o Requerente em 30-11-2017, tendo-lhe sido atribuída uma compensação no montante total de € 1.283.610,16 (cf. referido pelo Requerente no artigo 9.º das suas alegações, e não contestado pela Requerida).

(d)  O cujo pagamento desta compensação foi efetuado de forma parcelar: em cada um dos anos de 2017, 2018 e 2019, o Colaborador X recebeu o montante de € 329.374,64 sujeito a retenção na fonte em sede de IRS, e o montante de € 98.562,08 isento de retenção na fonte (cf. referido pelo Requerente no artigo 10.º das suas alegações, e não contestado pela Requerida).

(e)  Em 20-01-2018, o Requerente pagou ao Colaborador X o montante de € 98.562,08 sem efetuar qualquer retenção na fonte (cf. artigo 15.º da Resposta, artigo 15.º das alegações do Requerente, e ponto 5 do requerimento superveniente apresentado pelo Requerente em 23-03-2023).

(f)   O Colaborador X iniciou funções no Banco B... Angola, como membro da Comissão Executiva e do Conselho de Administração, em abril de 2018 (cf. artigo 15.º da Resposta, e ponto 4 do requerimento superveniente apresentado pelo Requerente em 23-03-2023).

(g)  Em 2018, o Requerente colocou juros ou rendimentos de aplicações de capitais à disposição de três clientes: o cliente com o NIF … recebeu € 62.007,30 (“Cliente A”), o cliente com o NIF … recebeu € 26.484,44 (“Cliente B”), o cliente com o NIF … recebeu € 44.948,59 (“Cliente C”) (cf. alegado no artigo 101.º do PPA).

(h)  O Requerente foi sujeito a um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2020…, de 31-12-2020, que incidiu sobre o período de tributação de 2018 (cf. alegado nos artigos 6.º do PPA e 4.º da Resposta).

(i)   Em resultado deste procedimento de inspeção foram propostas correções de imposto em falta em sede de retenções na fonte de IRS (cf. alegado no artigo 5.º da Resposta).

(j)   Por Ofício n.º … de 25-11-2021, o Requerente foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária para exercer o direito de audição, o que optou por não fazer (cf. alegado nos artigos 7.º do PPA e 7.º da Resposta).

(k)  Por Ofício n.º ... de 28-12-2021, o Requerente foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária, do qual resultaram, entre outras, as seguintes correções à matéria coletável (cf. alegado no artigo 8.º do PPA):

Graphical user interface, table

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(l)   No Relatório de Inspeção Tributária pode ler-se o seguinte (cf. documento 2 junto ao PPA):

Table

Description automatically generated

(m)Deste Relatório de Inspeção Tributária originou a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2022 ... e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2022 ... a 2022 ..., referentes ao exercício de 2018, através da demonstração de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2022 ..., nos termos da qual o Requerente deveria efetuar o pagamento de € 71.008,99 até ao dia 09-03-2022 (cf. documento 1 junto ao PPA).

(n)  O processo de execução fiscal n.º ...2022..., instaurado com referência a estes atos tributários, foi suspenso na sequência da apresentação da garantia bancária n.º GAR/…, no montante de € 90.162,24 (cf. documento 3 junto ao PPA).

(o)  O Requerente apresentou o PPA no dia 07-06-2022.

§2. Factos não provados 

Não se considera provado o seguinte facto com relevância para o conhecimento da causa: os Clientes A, B, e C do Requerente eram não residentes em território português em 2018.

 

§3. Fundamentação da matéria de facto

            Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

            Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação. 

Os factos elencados supra foram dados como provados e não provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA. A Requerida não remeteu o processo administrativo. Na convicção do Tribunal, uma fatura de telecomunicações de uma operadora do Brasil, datada de 13-02-2006 (junta ao PPA como documento 4) não constitui prova idónea, credível e suficiente de que os Clientes A e B tinham residência fiscal no Brasil em 2018, assim como um certificado de residência na Venezuela emitido em 2015 (junto ao PPA como documento 5) não constitui prova idónea, credível e suficiente de que o Cliente C tinha residência fiscal neste país em 2018.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

V.    MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões a decidir

            Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como provada, as questões a decidir são as seguintes:

1)    Se o Requerente se encontrava obrigado, nos termos dos artigos 2.º, n.º 4, alínea b), e 71.º, n.º 4, alínea a), do CIRS, a reter na fonte 25% do montante total da compensação atribuída a colaborador (não residente) pela cessação de contrato individual de trabalho, quando o mesmo colaborador estabeleceu um novo vínculo profissional com uma entidade participada pelo Requerente nos 24 meses seguintes à cessação do contrato que originou a referida compensação?

2)    Se, para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte que resulta dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS (relativa a rendimentos de capitais de fonte estrangeira colocados à disposição de residentes em território português por intermediários), ao Requerente era exigido apresentar certificados de residência como prova de que os clientes a favor dos quais colocou à disposição rendimentos de capitais de fonte estrangeira eram residentes no estrangeiro?

3)    Da falta de fundamentação dos atos de liquidação contestados.

4)    Dos juros compensatórios.

5)    Da indemnização por garantia indevidamente prestada pelo Requerente no âmbito de processo de execução fiscal.

Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).

O mesmo princípio havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:

“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17).

“A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15).

O mesmo entendimento encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 02-02-2015, processo n.º 628/2014-T; de 11-01-2021, processo n.º 411/2020-T; de 21-01-2021, processo n.º 865/2019-T; de 25-01-2021, processo n.º 851/2019-T; de 07-09-2021, processo n.º 646/2020-T; de 21-02-2022, processo n.º 440/2021-T.

À luz desta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e arbitral, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar a legalidade dos atos tributários contestados à luz do contexto e conteúdo do Relatório do Inspeção Tributária notificado ao Requerente pelo Ofício n.º ... de 28-12-2021, já que foi com base neste Relatório que foram emitidos os atos tributários contestados.

§2. Da compensação atribuída pela cessação de contrato individual de trabalho

O artigo 2.º do CIRS (“Rendimentos da categoria A”), na parte relevante, dispõe o seguinte:

1 - Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:

a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado

(…)

4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

a) Pela sua totalidade, na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

(...)

10 - Considera-se entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que, nos termos deste artigo, constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respetiva localização geográfica.” (sublinhado nosso)

            O n.º 10 do artigo 2.º do CIRS resulta da reforma levada avante pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que adota medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais. Na versão anterior a 2000, o n.º 4 do artigo 2.º do CIRS dispunha o seguinte:

“Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1ou se verifique a cessação das funções de gestor, administrador ou gerente de pessoa colectiva, as importâncias recebidas a qualquer titulo ficam sempre sujeitas a tributação na parte que exceda o valor da remuneração correspondente a um mês e meio multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, salvo quando nos 12 meses seguintes seja criado novo vinculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, ou outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.” (sublinhado nosso)

As partes contendem sobre se o conceito de “a mesma entidade” contido na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, na redação em vigor em 2018, abrange uma sociedade participada pela entidade que atribuiu a compensação pela cessação de contrato individual de trabalho, nos termos do n.º 10 do mesmo artigo. No Relatório de Inspeção Tributária, a AT invocou a letra da lei e jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo para concluir que o conceito de “entidade” mencionado na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS abrange as sociedades com as quais o Requerente tem uma “relação de grupo, domínio ou simples participação”. Por sua vez, o Requerente defende que o conceito de “a mesma entidade” contido na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS é diferente do conceito de “entidade patronal” contido no n.º 10 do artigo 2.º do CIRS. 

A jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo suporta a posição contida no Relatório de Inspeção Tributária. No Acórdão proferido em 09-03-2016, processo n.º 0449/15, pode ler-se que o n.º 4 do artigo 2.º do CIRS “estabelece uma delimitação negativa de incidência relativamente a indemnizações por extinção do contrato de trabalho ou por cessação do exercício de funções de membros dos órgãos sociais, com um limite máximo, condicionada a jusante por factos que determinam a sua não aplicação, nomeadamente o facto de nos 24 meses seguintes ter sido criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade ou outra entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, independentemente da respectiva localização geográfica.” 

Tal como referido pelo Douto Tribunal no mesmo Acórdão, os n.ºs 4 e 10 do artigo 2.º do CIRS contêm uma cláusula anti-abuso que visa prevenir a manipulação de formas jurídicas pelos contribuintes (e.g., rescisão de contratos por trabalhadores a troco de uma indemnização não tributável, que depois passam a ser prestadores de serviços da sua antiga entidade patronal; rescisão de contratos por despedimento, recebendo os trabalhadores uma indemnização não tributável, que depois celebram novo contrato com outra sociedade do mesmo grupo). No mesmo sentido: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2016, processo n.º 0517/16; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-02-2016, processo n.º 0126/15.

Não se descortinam motivos para divergir da jurisprudência exposta, atenta a identidade da matéria de facto e da questão jurídica, e à luz do dever de interpretação e aplicação uniformes do Direito, consagrado no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil. Ao contrário do que defende o Requerente, o facto de a atual redação do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS não aludir a “outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação” não significa que o legislador pretendeu afastar tal equiparação. A equiparação contida no n.º 4 do artigo 2.º do CIRS antes da entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, passou simplesmente a ser incluída no n.º 10 do artigo 2.º do CIRS após a entrada em vigor da dita Lei (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-03-2016, processo n.º 0449/15).

No caso sub judice resulta do probatório que o Colaborador X era trabalhador do Requerente em 2017, tendo cessado esse vínculo laboral em 30-11-2017 e recebido uma compensação pela cessação do contrato individual de trabalho em 2017, 2018 e 2019. Em abril de 2018 (ou seja, antes de decorridos 24 meses sobre a cessação do contrato de trabalho em apreço), o Colaborador X iniciou novo vínculo profissional com o Banco B... Angola, ou seja, com uma entidade participada do Requerente. 

Por não se encontrarem reunidos os pressupostos para a exclusão de tributação contida na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, encontrava-se o Requerente obrigado a reter na fonte e a entregar nos cofres do Estado 25% de € 98.562,08 (ou seja, € 24,640.52), nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 71.º do CIRS.

Por último, cumpre notar que o alegado desconhecimento por parte do Requerente do novo vínculo profissional do Colaborador X com o Banco B... Angola não é relevante para efeito da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS. Se fosse suficiente alegar desconhecimento do novo vínculo profissional para afastar a aplicação da cláusula anti-abuso contida na parte final da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, esta cláusula anti-abuso perderia qualquer eficácia já que bastaria ao sujeito passivo alegar desconhecimento do novo vínculo contratual para afastar a sua aplicação. Acresce que seria impossível em muitos casos à AT provar que o sujeito passivo tinha efetivamente conhecimento do novo vínculo profissional. 

Isto significa que o Requerente se encontra obrigado a entregar nos cofres do Estado o montante de € 24,640.52, quer tenha efetuado a retenção na fonte devida quando pagou a compensação ao Colaborador X, quer não tenha efetuado tal retenção na fonte (por desconhecimento do novo vínculo contratual entre o Colaborador X e o Banco B... Angola, ou por outro motivo). 

Nestes termos, o Tribunal determina a manutenção na ordem jurídica dos atos tributários contestados, na parte relativa à tributação da compensação pela cessação de contrato individual de trabalho atribuída ao Colaborador X, no montante de € 24,640.52.

 

§3. Dos rendimentos de capitais de fonte estrangeira pagos a três clientes em 2018

         Os rendimentos de capitais devidos por entidades que não têm residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional constituem rendimentos de fonte estrangeira (cf. artigo 18.º, n.º 1, alínea g), do CIRS, a contrario). Em 2018, os Clientes A, B e C do Requerente detinham (indiretamente) valores mobiliários em entidades não residentes em Portugal e eram os beneficiários efetivos dos respetivos rendimentos, atuando o Requerente como mero intermediário e em representação dos referidos Clientes. Nesta capacidade, o Requerente é obrigado a reter na fonte 28% dos rendimentos pagos ou colocados à disposição de residentes em território português (cf. artigos 71.º, n.º 1, alínea b), 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS). Não há qualquer obrigação de retenção na fonte quando os titulares dos rendimentos não são residentes em Portugal para efeitos fiscais.

O Requerente não efetuou qualquer retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais colocados à disposição dos Clientes A, B e C em 2018. Todavia, nesse ano, estes Clientes constavam na base de dados da AT como residentes em território nacional. Durante o procedimento de inspeção, em resposta a pedido da AT, o Requerente apresentou uma fatura de telecomunicações de uma operadora do Brasil, datada de 2006, como prova de residência dos Clientes A e B nesse país em 2018, e um certificado de residência na Venezuela de 2015 como prova de residência do Cliente C neste país em 2018. 

No Relatório de Inspeção Tributária, a AT concluiu que estes documentos não constituem prova válida da não residência dos Clientes A, B e C em território nacional, e que cabia ao Requerente o ónus da prova deste facto (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT).

Pode ler-se no Relatório de Inspeção Tributária que não existe um “normativo especialmente previsto quanto ao tipo de documento e qual a informação que deve conter, exclusivamente com a finalidade de confirmar a residência”. Assim, a AT entendeu que a prova da não residência dos Clientes A, B e C em território nacional poderia ser realizada através da apresentação do Modelo 21-RFI certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, ou acompanhado por certificado de residência emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência. Isto porque tais documentos são exigidos ao abrigo do artigo 101.º-C do CIRS (aplicável a rendimentos de fonte portuguesa auferidos por não residentes) e do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, que aprova o Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos da Dívida (aplicável a rendimentos de capitais e mais-valias de fonte portuguesa obtidos por não residentes em território português). A AT rejeitou as provas apresentadas pelo Requerente por a fatura de telecomunicações de uma operadora do Brasil não estar elencada nestas disposições, e o certificado de residência ter mais de três anos. 

Conclui a AT que o Requerente deveria ter retido na fonte o montante de € 37.363,29 sobre os rendimentos que colocou à disposição dos Clientes A, B e C (cf. artigos 71.º, n.º 1, e 101.º, n.º 1, do CIRS). Não o tendo feito, é da sua responsabilidade a entrega do referido montante nos cofres do Estado, na qualidade de substituto tributário (cf. artigo 21.º do CIRS).

Cumpre decidir.

É verdade que o Requerente, enquanto substituto tributário, é o devedor principal do imposto em falta (cf. artigo 21.º do CIRS) e o principal responsável pela importância não entregue nos cofres do Estado (cf. artigo 28.º, n.º 3, da LGT). Relativamente a rendimentos de capitais de fonte estrangeira, o Requerente apenas fica dispensado de proceder à retenção na fonte prevista nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS, se os beneficiários desses rendimentos não forem residentes fiscais em território português. Cabe assim ao Requerente averiguar, de forma diligente, a residência fiscal dos clientes a quem paga, na qualidade de intermediário financeiro, rendimentos de capitais. 

De facto, para efeito da obrigação prevista nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS, não basta ao Requerente alegar que não conhece, nem tem meios de conhecer, a residência fiscal dos seus clientes. Até porque o Requerente pode sempre, antes de colocar rendimentos de capitais de fonte estrangeira à disposição dos seus clientes, solicitar aos mesmos documentos que comprovem a sua residência fiscal.

No caso sub judice, o Tribunal entende que uma fatura de telecomunicações de uma operadora do Brasil de 2006, e um certificado de residência na Venezuela de 2015, não constituem prova idónea, credível e suficiente de que os Clientes A, B e C tivessem residência fiscal nesses países em 2018. Não porque seja exigida prova especial (e.g., certificado de residência) mas porque efetivamente não se tratam de provas idóneas e credíveis: em que medida é que o facto de um individuo ser residente num determinado país em 2018 poderá ser provado por uma fatura emitida 12 anos antes (em 2006)? E por um certificado de residência emitido 3 anos antes (em 2015)?

Mas esta não foi o fundamento para a AT recusar a prova oferecida pelo Requerente no decorrer do procedimento de inspeção tributária. A AT assumiu que os meios de prova exigidos no artigo 101.º-C do CIRS, ou no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro (certificado de residência), seriam exigíveis no âmbito dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS. 

Ora, tal como reconhecido pela AT, no âmbito destes preceitos, não existe um “normativo especialmente previsto quanto ao tipo de documento e qual a informação que deve conter, exclusivamente com a finalidade de confirmar a residência”. Não existindo tal normativo, não pode a AT, por analogia, exigir os documentos previstos em normativos aplicáveis a casos diversos (como são o artigo 101.º-C do CIRS ou o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro). Na verdade, não existindo tal normativo, entramos no domínio da prova livre, sendo apenas exigível ao substituto tributário justificar a não retenção na fonte sobre rendimentos de capitais de fonte estrangeira através da apresentação de prova idónea, credível e suficiente da residência fiscal no estrangeiro dos titulares dos rendimentos.

Da leitura do Relatório de Inspeção Tributária resulta claro que a AT errou nos pressupostos de direito quando exigiu ao Requerente certificados de residência relativamente aos Clientes A, B e C. Ao invés, deveria a AT ter exigido apenas prova idónea, credível e suficiente de que os Clientes A, B e C eram residentes no estrangeiro em 2018. Tal como referido supra, a legalidade dos atos tributários contestados é aferida em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato (in casu, em face da fundamentação contida no Relatório de Inspeção Tributária que deu causa à emissão dos atos tributários contestados).

Em consequência, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula os atos tributários contestados, na parte relativa aos rendimentos de capitais de fonte estrangeira colocados à disposição dos Clientes A, B e C, no montante de € 37.363,29.

 

§4. Da falta de fundamentação dos atos de liquidação contestados

O Requerente invocou o vício de falta de fundamentação dos atos tributários contestados na parte que foi declarada ilegal e anulada pelo Tribunal Arbitral no ponto anterior, pelo que fica prejudicado o conhecimento e apreciação deste vício, por inútil.

 

§5. Da legalidade dos juros compensatórios

            O Requerente alega que não consta das liquidações de juros compensatórios contestadas qualquer menção aos motivos pelos quais tais juros foram liquidados, assim como não são demonstrados e provados os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios. Conclui o Requerente que as liquidações de juros compensatórios contestadas sofrem de vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei, atendo o artigo 35.º, n.º 1, da LGT.

            O Douto Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se recentemente sobre a falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios, bem como sobre o requisito da culpabilidade do sujeito passivo no retardamento da liquidação ínsito no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, no Acórdão de 02-02-2022, processo n.º 0671/18.1BELLE, no qual se pode ler:

“De acordo com o disposto no artigo 91.º do Código do IRS “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”.

Dispõe, por sua vez, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Nesta sequência, os Recorrentes defendem que em nenhum momento no âmbito do procedimento de liquidação em causa, a AT demonstrou os pressupostos legais de que depende a liquidação de Juros Compensatórios, previstos no artigo 35.º da LGT, que prevê adicionalmente o período pelo qual os mesmos são devidos e a respectiva taxa, limitando-se a exigir, de forma automática o indicado valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respectiva liquidação, inquinando, assim, os actos tributários de liquidação de juros compensatórios impugnados, de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 91.º do Código do IRS e 35.º, n.º 1, da LGT e, bem assim, de vício de forma por falta de fundamentação.

Será assim?

(...)

É que a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo, a qual resulta comprovada nos autos pelo que, estando verificados os pressupostos de que a lei (artº 35º da LGT) faz depender o direito do Estado a liquidar juros compensatórios, não devem os mesmos ser anulados.

Na verdade, estando demonstrada a legalidade das correcções, o atraso das liquidações é claramente imputável ao impugnante ao não imputar os proveitos ao exercício em causa pelo que tais juros são devidos por forma a completar a indemnização devida, compensando o Estado do ganho perdido até ter alcançado a reintegração do seu crédito.

Sempre que a liquidação do imposto só possa ser efectuada com a colaboração do contribuinte, deve este apresentar, no prazo previsto na lei, a declaração ou documento necessários para que a referida liquidação possa ser operada.

Não fazendo o contribuinte a entrega ou apresentação, designadamente porque entende que não tem essa obrigação declarativa, ou fazendo-a mas contendo deficiências, fica sujeito, aquando liquidar o imposto, a juros compensatórios, que são devidos quando o atraso da liquidação for imputável ao contribuinte.

Já o Conselheiro Rodrigues Pardal, in «Questões de Processo Fiscal» - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, págs. 19 e ss, luminosamente ensinava que «Os juros compensatórios aparecem como um agravamento "ex-lege" proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.

Fundamentam-se no princípio geral de que a utilização de um capital ou de uma coisa frutífera alheia obriga o utente ao pagamento de uma quantia correspondente ao tempo do respectivo gozo. Trata-se de uma «indemnização» pelo dano resultante do atraso da liquidação (cfr. artº 562º do Cód. Civil).» (...)

Os juros compensatórios integram mais um caso de cláusula penal legal- «sopratassa», dos italianos (artº 5º da Lei de 7 de Janeiro de 1929, nº 4) - tendo a mesma natureza que a obrigação de imposto, liquidando-se conjuntamente com a obrigação principal.»

E segundo a jurisprudência Uniforme do S.T.A. (vide, por todos, o Acórdão supra transcrito), são três os requisitos da existência de juros compensatórios, a saber:- (i) retardamento da respectiva liquidação base; (ii) do imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.

Trata-se, pois, de uma obrigação com carácter indemnizatório, com equivalente no direito privado na responsabilidade pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação (artº 798º CCivil).

(...)

Diga-se ainda que, para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto, sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, como se refere no Acórdão do S.T.A. de 18-02-1998, Proc. nº 22325.

Ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do S.T.A., consagrada, entre outros, no acórdão de 11-10-2011, Proc. nº 04163/10, www.dgsi.pt, a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”.

(...)

Nesta sequência, e quanto à matéria da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tal como se aponta na decisão recorrida, a jurisprudência deste Supremo Tribunal refere que “[e]stá cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros” - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 2016, Proc. nº 0805/15, www.dgsi.pt.”

            Tal como se pode ler neste Acórdão, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, são três os requisitos da existência de juros compensatórios: (1) retardamento da liquidação base; (2) de imposto devido; e (3) por facto imputável ao contribuinte. 

Tendo sido declarada ilegal e anulada a liquidação base contestada, na parte relativa aos rendimentos de capitais colocados à disposição pelo Requerente aos Clientes A, B e C, no montante de € 37.363,29, são também anulados os juros compensatórios calculados sobre este montante. Isto porque estes juros compensatórios não foram liquidados com referência a um “imposto devido” pelo Requerente.

Relativamente à parte da liquidação de imposto base que se mantém na ordem jurídica, no valor de € 24.640,52, conclui-se que estão verificados os três pressupostos do artigo 35.º, n.º 1, da LGT supra referidos. O facto de o Requerente não ter entregue nos cofres do Estado o montante de imposto devido com referência à compensação atribuída ao Colaborador X em janeiro de 2018 levou à necessidade de ser a AT a emitir posteriormente uma liquidação relativa a essa compensação. É evidente que o retardamento da liquidação do imposto devido, no valor de € 24.640,52, ocorreu assim por facto imputável ao Requerente. 

É também evidente que a conduta do Requerente é censurável, se não a título de dolo, pelo menos a título de negligência: ao não diligenciar no sentido de averiguar se o Colaborador X planeava iniciar um novo vínculo profissional com uma entidade com a qual tinha uma relação de grupo, domínio ou de simples participação, o Requerente não foi diligente no sentido de cumprir com a sua obrigação de substituto tributário decorrente dos artigos 2.º, n.º 4, alínea b) e 71.º, n.º 4, alínea a), do CIRS. Na verdade, não há qualquer indício de que o Requerente tenha atuado com a diligência normal no cumprimento desta obrigação fiscal.

Acresce que a demonstração da liquidação de juros compensatórios junta aos autos contém todos os elementos necessários à sua perceção, designadamente o valor do imposto sobre que incidem os juros (valor base), o período temporal em que os juros são aplicáveis, a taxa e o valor apurado.

À luz de todas estas considerações, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula os juros compensatórios calculados sobre o montante de € 37.363,29.

§6. Da indemnização por garantia prestada pelo Requerente no âmbito de processo de execução fiscal

O Requerente prestou uma garantia bancária no valor de € 90.162,249 para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2022... (instaurado com referência aos atos tributários contestados), e pretende ser indemnizado pelos prejuízos resultantes da prestação da mesma garantia, sem dependência do prazo pelo qual esta se mantenha, nos termos do artigo 53.º da LGT. Estabelece este artigo o seguinte:

“1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

Dos n.ºs 1 e 2 deste artigo resulta que os sujeitos passivos podem ser parcialmente indemnizados pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária, i.e., indemnizados em proporção do vencimento em impugnação judicial (ou em processo arbitral) que tenha como objeto a dívida garantida. 

No caso sub judice, o PPA apresentado pelo Requerente é julgado procedente no valor de € 37.363,29 (acrescido dos juros compensatórios liquidados sobre este valor), por erro imputável aos serviços na emissão dos atos tributários contestados, e improcedente no valor de € 24.640,52 (acrescido dos juros compensatórios liquidados sobre este valor). Isto significa que, atendendo aos valores da liquidação de imposto base, o Requerente obteve vencimento em 60% do seu pedido. 

Não dispondo de elementos adicionais que permitam determinar o montante exato da indemnização, o Tribunal determina que esta seja fixada em 60% dos prejuízos que comprovadamente resultaram da prestação da garantia bancária em apreço.

 

VI.  DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

(i)     Declarar ilegal e anular parcialmente a liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2022 ... e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2022 ... a 2022 ..., referentes ao exercício de 2018, e a demonstração de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2022 ..., na parte relativa aos rendimentos de capitais colocados à disposição pelo Requerente aos Clientes A, B e C, no montante de € 37.363,29, e aos juros compensatórios calculados sobre este montante. 

(ii)    Condenar a Requerida a indemnizar o Requerente em 60% dos prejuízos que comprovadamente resultaram da garantia bancária prestada para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2022....

VII.      VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 71.008,99, correspondente ao valor contestado pelo Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).

VIII.  CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 2.448,00, ficando a cargo do Requente o montante de € 979.20 (40%) e da Requerida o montante de € 1,468.80 (60%), em razão do decaimento.

Notifique-se.

Lisboa, 15 de junho de 2023

 

A Presidente do Tribunal Arbitral,

 

Rita Correia da Cunha

 

O Árbitro Adjunto,

 

Paulo Lourenço 

 

O Árbitro Adjunto,

 

Ana Teixeira de Sousa