Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2022-T
Data da decisão: 2023-06-23  IVA  
Valor do pedido: € 46.716,81
Tema: IVA – Município; Realização de operações desenvolvidas no âmbito dos poderes de autoridade; Sujeitos passivos mistos; Método da afetação real; Método do “pro rata”.
Versão em PDF

 

Sumário:

 

 

I - À face da Diretiva IVA, os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações. Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

II - De acordo com a jurisprudência do TJUE, para se determinar se uma atividade prosseguida pelo Estado ou por um organismo de direito público é desenvolvida no âmbito dos poderes de autoridade é necessário verificar se tal atividade é exercida no quadro de um regime jurídico próprio dos organismos de direito público ou se, pelo contrário, é exercida nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados.

III - Só as atividades ou operações que, compreendidas no quadro legal definidor das competências dos municípios, não possam também ser levadas a cabo por operadores económicos privados, isto é, só possam ser desenvolvidas por ente público, é que estão compreendidas no conceito de poder de autoridade para efeitos da Diretiva do IVA.

IV- A AT não pode pretender aplicar um "pro rata especifico" quando este não está definido e estabelecido na lei, sendo ilegal pretender aplicar um outro critério com o fundamento de que tal procedimento será o único que pode permitir garantir que não exista distorção significativa da tributação e, concomitantemente, garantir a observância do princípio da neutralidade do imposto.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:  

 

  1. Relatório

 

1.  Município de A, pessoa coletiva nº. …, com sede na Praça …, …, doravante designado por Requerente, apresentou, em 11 de abril de 2022, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º … de 4/5/2021, relativo ao período 2009T, que procedeu a correção ao valor do reembolso pedido (ato mediato) e a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada, que correspondeu ao procedimento nº … (objeto imediato), sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

 

2. Pede, ainda, o Requerente o reembolso das importâncias indevidamente não objeto do reembolso solicitado no valor total de € 46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 13 de abril de 2022, e posteriormente notificado à AT.

 

4. O Requerente  não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 3 de junho de 2022, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

5. Em 3 de junho de 2022, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 23 de junho de 2022.

 

7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida, em 14 de setembro de 2022, apresentou resposta na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).

 

8. Por despacho de 19 de dezembro de 2022 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

 

9. No mesmo despacho de 19 de dezembro de 2022, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.

 

10. As partes apresentaram alegações.

 

11. Por despachos de 17 de fevereiro de 2023 e de 20 de abril de 2023, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.

 

 

II. Saneamento

 

1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

4. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

5. O Tribunal é competente.

 

III. Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:

 

A) O Município A… é uma pessoa coletiva de direito público local, cuja atividade consiste na prossecução das suas atribuições municipais nas mais diversas áreas de atividade, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral desde 2010  (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

B) O Requerente solicitou um pedido de reembolso de IVA na declaração periódica referente ao 3º trimestre de 2020, pedido de reembolso nº …/0, no valor de Euro 130.000,00 (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

C) No seguimento do reembolso solicitado, o A… foi notificado da abertura de uma acção inspetiva, de âmbito parcial, tendo em vista averiguar a legitimidade do pedido de reembolso de IVA em apreço, levada a cabo pela Equipa … da Divisão dos SIT da Direção de Finanças de …, tendo por base a Ordem de Serviço n.º O1202…, com referência aos períodos de tributação de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

E) O Requerente foi notificado, através do Ofício nº 2021…, do respetivo Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, dos Serviços de Inspeção Tributária – Direção de Finanças de …, no qual a AT veio propor correções em sede de IVA, com referencia aos anos 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no montante total de Euro 51.81 9,78 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e Processo Admnistrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

F) O Requerente não exerceu o direito de audição dentro do prazo previsto para o efeito (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

G) O Requerente foi notificado, através do Oficio nº 2021…, por carta registada com aviso de recepção, do Relatório de Inspeção Tributaria, dos Serviços de Inspeção Tributária – Direção de Finanças de …, no qual a AT manteve na íntegra as correções em sede de IVA que haviam sido propostas no Projeto de RIT, e o consequente deferimento parcial do pedido de reembolso de IVA no valor de Euro 78.180,22 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e Processo Admnistrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

H) Em consequência, o Requerente foi notificado do deferimento parcial do pedido de reembolso, relativamente aos períodos de tributação de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no qual foram materializadas as correções de IVA efetuadas pela AT, no valor de Euro 51.819,78, resultando assim um valor a receber pelo Requerente de Euro 78.180,22 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e Processo Admnistrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

I) O Requerente foi notificado da liquidação de IVA n.º … de 4/5/2021, da Direção de Serviços do IVA (DLIVA), relativo ao período 2009T, que procedeu ao corte ao valor do reembolso pedido no valor de Euro 51.819,78 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e Processo Admnistrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

J) Em 4 de agosto de 202 l, o Requerente apresentou, através de carta registada com aviso de receção, Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças de …, contra a liquidação adicional de IVA referida em J) (Cfr. Processo Admnistrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

L) Na sequência da apresentação da reclamação graciosa, o Requerente recebeu, em 2 de dezembro de 2021, através do Ofício nº 2021…, notificação do Projeto de Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

M) O Requerente não exerceu o direito de audição dentro do prazo previsto para o efeito (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

N) Em 27 de dezembro de 2021, o Requerente foi notificado, através do via CTT, da Decisão Final de indeferimento da Reclamação Graciosa, no qual a AT manteve na íntegra, as correções em sede de IVA que haviam sido propostas no Projeto de Decisão acima mencionado (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

O) Em 11 de abril de 2022, o Requerente  apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

            Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

 

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

Os factos provados acima elencados baseiam-se nos documentos juntos pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, atrás identificados, cuja autenticidade não foi colocada em causa, no PA e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

 

 

3. Factos não provados

 

Não se provou que qualquer das atividades levadas a cabo pelo Requerente, em crise nos presentes autos, apenas sejam decorrentes do exercício das prerrogativas de uma autoridade ou ente público.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

            IV. Matéria de Direito

 

1.  Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

1.1. Posições das Partes

 

Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente  alegou, em síntese, o seguinte:

 

            - que o Requerente “não deduz qualquer imposto incorrido na aquisição de bens e/ou serviços utilizados para a realização de operações não tributadas ou atividades não económicas, sendo o IVA que suporta na sua maioria um custo”;

 

            - que o Requrente “limitou-se a seguir o preceituado na legislação em vigor, tendo por base a interpretação da lei, bem como da jurisprudência nacional e comunitária a este respeito, por forma a garantir o cumprimento dos princípios basilares do imposto, nomeadamente o princípio da neutralidade fiscal”;

 

            - que o Requerente “presta serviços de ligação aos respetivos ramais, caso em que (…) se encontra a liquidar IVA sobre os montantes faturados, por entender que não estão reunidas as condições referidas no número 2 do artigo 2.º do Código do IVA, nomeadamente a condição de a não tributação das operações em causa não originar distorções de concorrência.”;

 

            - que o Requerente “definiu um critério objetivo (em concreto, a receita obtida com a atividade de saneamento)” e “o imposto incorrido na aquisição de recursos associados a prestação de serviços relacionados com o saneamento e parcialmente dedutível”;

 

            - que “Relativamente as deduções de IVA incluídas no campo 40 das declarações, a Requerente não aceita correções de IVA efetuadas pela AT no montante global de Euro 46.716,81, que resultam do somatório de correções relacionadas com alterações efetuadas pela AT ao cálculo do pro rata (Euro 16.080,63) e outras correções relacionadas com o facto de a AT ter considerado que determinadas despesas estavam relacionadas com atividades que não conferem direito a dedução (Euro 30.583,72)”;

 

            - que o Requerente “não deduziu todo o imposto incorrido, mas apenas uma percentagem do mesmo utilizando para o efeito um critério de afetação real objetivo, baseado no volume de negócios”;

 

- que “em face da atividade realizada pela Requerente, a determinação do imposto a deduzir encontra-se sujeito a um critério objetivo baseado no volume de negócios, por se acreditar que é o método que traduz com maior fiabilidade e razoabilidade a efetiva utilização destes recursos aplicados a atividades mistas, por forma a não se originarem distorções significativas na tributação”;

 

- Relativamente ao Gasó1eo, Saneamento, Eletricidade, Internet, Telefones e Telemóveis e Restantes Rubricas, que “Todas as despesas aqui em análise configuram (…)custos associados a atividades mistas e como tal dão lugar a dedução parcial do imposto incorrido a montante”;

 

- que “as despesas em apreço são recursos mistos utilizados pela Requerente em diversas áreas de atividade do A…, no âmbito das diversas atividades tributadas e não tributadas que realizou, com intuito empresarial e configurando despesas indispensáveis a prossecução da sua atividade, a manutenção da não aceitação da dedução deste imposto violaria, de forma clara e inequívoca, o princípio da neutralidade”;

 

- que relativamente “à dedução do imposto através do método do pro rata definido pela Requerente, a AT efetuou correções (…) resultantes da aplicação de uma percentagem de dedução inferior a calculada pelo A….

 

            - que o Requerente “procedeu ao apuramento da percentagem de dedução do IVA afeto aos recursos mistos tendo por base um critério objetivo baseado no volume de negócios”; 

 

            - que o Requerente “definiu um critério objetivo para a dedução do IVA associado aos recursos comuns  e (…) entende que o mesmo não enviesa o cálculo do imposto deduzido”; 

 

- que “não se vislumbra qualquer limitação quanto a escolha do critério objetivo a utilizar por parte do sujeito passivo para aferir a extensão do seu direito a dedução, tendo o legislador imposto apenas como condição para a sua aceitabilidade que se "tratem de critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito".”;

 

            - que “desde que o critério escolhido pelo sujeito passivo seja objetivo e permita determinar o grau de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, tal critério, conquanto obedeça às condições referidas, não pode ser rejeitado pela AT a não ser, como a própria letra da norma refere, que a AT venha a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação”;

 

- que “no cálculo do denominador da percentagem (final) de dedução, teve em conta todas as operações ativas (tributadas e não tributadas) que realiza, não se limitando, conforme afirma a AT, a incluir as operações efetuadas no âmbito da atividade económica”;

 

- que existem “verbas que devem ser desconsideradas do denominador do pro rata (por não representarem a contraprestação de quaisquer operações)”;

 

- Que cabe à “AT demonstrar os factos que sustentam o seu direito à liquidação, o que (…) não sucedeu na situação vertente.”;

 

- Que o Requrente tem direito a juros indemnizatórios.

 

Na sua resposta, a AT alegou, em síntese, o seguinte:

 

            -  que “a liquidação adicional em apreço, na parte controvertida, consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos, devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica”;

 

- que “a reclamante, para apurar a dedução do imposto, deve atuar de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 23º do CIVA, só podendo deduzir o IVA suportado para o exercício das suas atividade sujeitas e não isentas; sendo que o IVA das despesas relativas à prática de atividades não sujeitas a IVA e à prática de atividades sujeitas, mas isentas, não é dedutível”;

 

-  que se verificou “a existência de aquisições de bens e serviços que se destinaram à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, mas sim atividades que competem ao A…, no âmbito dos seus poderes de autoridade”;

 

- que “por não constituem aquisições suscetíveis de originar imposto dedutível, por se inserirem no âmbito de atividades relacionadas com equipamentos, ordenamento do território e urbanismo, energia e comunicações, educação, património e cultura, tempos livres e desporto, saúde, que competem ao A…, no âmbito dos seus poderes de autoridade, a reclamante aplicou indevidamente a percentagem de dedução prevista no nº 4 do artigo 23º do CIVA a bens e serviços específicos utilizados pelo sujeito passivo em operações não sujeitas ou isentas de imposto”;

 

- que o Requerente “ao excluir os montantes associados à receita com impostos, transferências para pagamento de salários e outros fundos provenientes do Orçamento do Estado do denominador, da fração de cálculo da percentagem de dedução relativamente aos bens e serviços de utilização mista e ao não definir, um critério objetivo, que permita efetuar o cálculo do imposto não dedutível segundo o método da afetação real prevista no nº 2 do artigo 23º do CIVA, está a deduzir imposto que não tem direito a deduzir relativamente aos bens de utilização mista.”; 

 

- que “atenta a ausência de método objetivo que refletisse a intensidade de uso dos bens e serviços nas diversas operações, foram efetuadas correções à dedução de imposto, tendo sido utilizado um critério objetivo que permitiu apurar o grau de utilização dos bens e serviços mistos que corresponde à determinação de um rácio ou proporção, em que no numerador contém o montante das operações decorrentes do exercício de uma atividade não económica e no denominador a totalidade da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo.”;

 

 

1.2 Apreciação das questões suscitadas pelo Requerente  relativamente à legalidade da liquidação de IVA contestada

 

As questões suscitadad pelo Requerente e os argumentos trazidos aos autos centram-se sobretudo em duas questões:

 

- saber se o Requerente, no conjunto de aquisições de bens e serviços objeto de incidência do coeficiente de dedução (pro rata) aplicado, existem inputs que, pelas suas características e destino, não foram afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, mas apenas afetos à realização de operações que não conferem o direito à dedução, especialmente as desenvolvidas no âmbito dos poderes de autoridade, portanto, não suscetíveis de facultarem o direito à dedução (parcial ou total) do imposto neles contido. Estão aqui em causa, concretamente, aquisições para “produção festival do pão realizado no dia 11 de setembro de 2016 em …”; Serviço de aluguer de tendas – “… Feira do Fumeiro”; Ampliação da rede de saneamento; - Elaboração projetos ETAR; Equipamento de topografia; Espetáculo com o Humorista B….

 

- saber se o Requerente, no cálculo do imposto dedutível, poderia ter utilizado, como utilizou, o método da afetação real, nas operações tributadas com direito à dedução, dedução 100% e o método do pro rata, nas operações “mistas”, dedução em % em função do método utilizado, e da forma como os utilizou.

 

Relativamente à primeira questão, considera a AT ter verificado a existência de aquisições de bens e serviços que se destinaram à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, mas sim atividades que competem ao A…, no âmbito dos seus poderes de autoridade, tais como: - Aquisições para “produção festival do pão realizado no dia 11 de setembro de 2016 em …”; - Serviço de aluguer de tendas – “… Feira do Fumeiro”; - Ampliação da rede de saneamento; - Elaboração projetos ETAR; - Equipamento de topografia; - Espetáculo com o Humorista B….

 

E, segundo a AT, por “não constituem aquisições suscetíveis de originar imposto dedutível, por se inserirem no âmbito de atividades relacionadas com equipamentos, ordenamento do território e urbanismo, energia e comunicações, educação, património e cultura, tempos livres e desporto, saúde, que competem ao A…, no âmbito dos seus poderes de autoridade, a reclamante aplicou indevidamente a percentagem de dedução prevista no nº 4 do artigo 23º do CIVA a bens e serviços específicos utilizados pelo sujeito passivo em operações não sujeitas ou isentas de imposto”.

 

Segundo o Requerente, na prossecução das suas atribuições, o mesmo realiza um vasto conjunto de operações inseridas no âmbito dos seus poderes de autoridade  (e.g. fixação de sinais de trânsito, loteamento de obras), as quais são excluídas da sujeição a IVA, em virtude de o A… não atuar na qualidade de sujeito passivo do imposto, ao abrigo do disposto no numero 2 do artigo 2.º do C6digo do IVA.

 

Todavia, ainda segundo o Requerente, este realiza também um conjunto de operações, quer sejam transmissões de bens, quer sejam prestações de serviços, que não se encontram enquadradas no âmbito dos seus poderes de autoridade, estando, por isso, sujeitas a IVA nos termos gerais do Código deste imposto (ainda que parte dessa atividade possa estar isenta daquele imposto).

 

Esta questão já foi objeto de análise e decisão no âmbito dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, concretamente a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 193/2021-T, de 13/12/2021 (www.caad.pt), que o Tribunal não pode deixar de acompanhar e que tem plena aplicação nos fatos em análise.

 

Com efeito, o artº 2º do Código do IVA (CIVA) dá-nos a definição de sujeito passivo (na parte que aqui nos interessa) - n.º 1 - são sujeitos passivos de IVA: “a) As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC);…”.

 

Trata-se, sem dúvida, de uma noção especialmente abrangente que transpõe a disposição do artº 9º da Diretiva IVA, e que determina que sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, singular ou coletiva, qualquer que seja o seu estatuto ou forma jurídica, incluindo entidades desprovidas de personalidade jurídica nos termos do direito civil, desde que essas pessoas exerçam de modo independente uma atividade económica, composta por operações tributáveis, qualquer que seja a sua particular natureza, o fim ou o resultado dessa atividade.

 

A adoção deste conceito abrangente de atividade económica no artigo 9.º da Diretiva IVA, implica que a qualificação como sujeito passivo seja independente da natureza privada ou pública da pessoa ou entidade que exerce essa atividade (vd. Clotilde Palma, “As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: Uma Ruptura no Princípio da Neutralidade”, coimbra, Almedina, 2015).

 

Este facto explica porque é que, em regra, não se verificando a delimitação negativa da incidência, o Estado e as demais entidades públicas são sujeitos passivos de IVA.

 

Assim, de acordo com as regras do IVA na União Europeia, um sujeito passivo será qualquer pessoa que exerça uma atividade económica independentemente do respetivo estatuto privado ou público.

 

Como se refere na decisão arbitral acima referida “O conceito de atividade económica empregue pelo legislador é, assim, determinante para a qualificação de uma entidade como sujeito passivo do IVA. “…A qualidade de sujeito passivo adquire-se através da realização das operações que, antes de serem decompostas em transmissões de bens e prestações de serviços, têm que dar corpo a uma qualquer atividade económica. O exercício de uma atividade económica constitui, portanto, o pressuposto em que assenta toda a incidência subjetiva e objetiva do IVA. Nenhuma pessoa pode ser sujeito passivo se não levar a cabo uma atividade económica, nem quando esta falte podemos estar em face de transmissões de bens ou prestações de serviços tributáveis.  

 

O conceito de atividade económica empregue pelo legislador é, assim, determinante para a qualificação de uma entidade como sujeito passivo do IVA. Para qualificarmos uma determinada entidade como tal, é necessário que se verifique o exercício de uma atividade económica, de forma independente e habitual (como regra geral, dado que se prevê, expressamente, a aquisição de tal qualidade pela prática de atos ocasionais), independentemente do fim ou resultado económico dessa atividade económica (irrelevância do fim ou resultado da atividade económica).”.  

 

Seguindo de perto o ensinamento da Professora Clotilde Palma, ob. cit., e mencionada decisão arbitral “…o conceito de atividade económica é utilizado no artigo 9.º da Diretiva IVA apenas com o objetivo de identificar os sujeitos passivos do imposto. Serão sujeitos passivos do imposto, em regra, as entidades que, de uma forma habitual e de uma forma independente, realizem atividades económicas. O facto de a operação ser efetuada no exercício de uma atividade económica poderá ser um indício da respetiva suscetibilidade para ser tributável, mas importa ter em consideração separadamente os requisitos concretos das operações tributáveis. A realização de uma atividade económica não implica necessariamente a realização de operações tributáveis. (…).”

 

Igualmente para a questão quanto a quem é sujeito passivo, devemos atentar no artº 13º da Diretiva IVA que diz: “1. Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações. Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas. Em qualquer caso, os organismos de direito público são considerados sujeitos passivos no que se refere às atividades referidas no Anexo I, na medida em que estas não sejam insignificantes.”

2. Os Estados-Membros podem considerar como atividades de autoridades públicas as atividades realizadas pelos organismos de direito público, quando estejam isentas por força do disposto nos artigos 132.º, 135.º, 136.º e 371.º, nos artigos 374.º a 377.º, no artigo 378.º, n.º 2, no artigo 379.º, n.º 2 e nos artigos 380.º a 390.º-C”.

 

Cumpre aqui referir à interpretação que a Professora Clotilde Palma faz na obra citada deste preceito para a matéria deste pedido arbitral: “…Esta norma da Diretiva IVA mantém «um princípio geral de sujeição ao IVA das atividades económicas prosseguidas pelas entidades públicas, uma regra de não sujeição e duas exceções a esta regra que reintroduzem a regra geral de sujeição. Neste contexto, o artigo 13.º da Diretiva IVA estabelece um regime diferenciado no que respeita aos casos em que o Estado deve ser considerado sujeito passivo. O primeiro parágrafo do n.º 1 do artigo 13.º da Diretiva exclui da tributação geral as entidades públicas, ainda que exercendo uma atividade económica na aceção do respetivo artigo 9.º. Neste sentido, o exercício da autoridade pública é equiparado à atuação de um consumidor privado. Todavia, nos termos do segundo parágrafo da aludida norma, o Estado e os organismos de direito público são considerados sujeitos passivos, em derrogação do primeiro parágrafo, caso a sua não sujeição a tributação possa conduzir a distorções de concorrência significativas. A ideia subjacente à referida disposição parece consistir na possibilidade de determinados organismos públicos – mesmo que realizem as respetivas operações no âmbito do seu poder de autoridade – entrarem em concorrência com as operações realizadas por operadores privados. Visa, por conseguinte, assegurar a neutralidade fiscal. Por último, nos termos do terceiro parágrafo, as entidades públicas são sempre consideradas sujeitos passivos, designadamente no que se refere a determinadas atividades enumeradas no Anexo I, desde que não sejam exercidas de forma não insignificante, pretendendo-se, igualmente, assegurar a neutralidade fiscal. Os diferentes parágrafos do artigo 13.º da Diretiva IVA são, por conseguinte, estreitamente conexos. Assim, a aplicação do segundo parágrafo desta disposição pressupõe que se esteja abrangido pelo âmbito de aplicação do primeiro parágrafo».

 

O legislador nacional transpôs esta matéria para o art 2º do CIVA que, no que aqui importa, estabelece:

“2. O Estado e demais pessoas coletivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência.”

“ 3. O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público referidas no número anterior são, em qualquer caso, sujeitos passivos do imposto quando exerçam algumas das seguintes atividades e pelas operações tributáveis delas decorrentes, salvo quando se verifique que as exercem de forma não significativa: (…)”

“4. Para efeitos dos n.ºs 2 e 3 do presente artigo, o Ministro das Finanças define, caso a caso, as atividades suscetíveis de originar distorções de concorrência ou aquelas que são exercidas de forma não significativa.”

 

            Assim sendo, a não sujeição prevista nas referidas disposições necessita para ocorrer da verificação de duas condições: que as operações sejam realizadas por um Estado ou por um organismo público e que as operações sejam realizadas no exercício de poderes de autoridade.

 

Sendo o Requerente efetivamente uma pessoa coletiva de direito público enquadrável nas referidas  normas, que realiza operações no exercício dos seus poderes de autoridade e outras que não são desenvolvidas nessa qualidade e que podem entrar em concorrência com o setor privado, torna-se necessário resolver a divergência de entendimentos sobre o âmbito do exercício destes poderes de autoridade.

 

Por conseguinte, as primeiras que estão obviamente fora da regra de incidência em sede de IVA como prevê a Diretiva, são “não operações”, enquanto as segundas seguem a regra geral de atos sujeitos a tributação.

 

O entendimento do Tribunal é a de que a Diretiva usa a designação de poderes de autoridade em sentido amplo, o que abrange ambos os tipos de operações, mas não estabelece em concreto a forma de distinguir entre operações sujeitas e operações não sujeitas.

 

Sem prejuízo, a jurisprudência do TJUE permite-nos concluir que para que “opere a norma de não sujeição nele prevista se devem encontrar preenchidas, cumulativamente, duas condições: as atividades em causa serem prosseguidas por um organismo público e o seu exercício ser efetuado na qualidade autoridade pública.  

 

Resulta de jurisprudência já assente do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), sendo igualmente ato claro, que as atividades exercidas na qualidade de autoridades públicas são as desenvolvidas diretamente pelos organismos de direito público no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, com exclusão das que exerçam nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados [Acórdãos de 17 de Outubro de 1989, Caso Comune di Carpaneto Piacentino I, Procs. apensos 231/87 e 129/88, (…), n.º 16, de 15 de Maio de 1990, Caso Comune di Carpaneto II, Proc. C-4/89, (…), n.º 8, e de 6 de Fevereiro de 1997, Caso Marktgemeinde Welden, Proc. C-247/95, (…), n.º 17.].  

 

Como bem se refere na decisão arbitral atrás referida “O TJUE tem vindo, pois, a traçar as seguintes diretrizes: por um lado, para se determinar se uma atividade prosseguida pelo Estado ou por um organismo de direito público é desenvolvida no âmbito dos poderes de autoridade é necessário verificar se tal atividade é exercida no quadro de um regime jurídico próprio dos organismos de direito público ou se, pelo contrário, é exercida nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados; e, por outro lado, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais a verificação das condições do exercício dessa atividade.”

 

O STA já proferiu, entre outros, os seguintes arestos sobre esta matéria: - Acórdão de 20.09.2000, processo n.º 021091: «Para efeitos do art. 2.º, n.º 2, do CIVA e do art. 4.º, n.º 5, da 6.ª Diretiva IVA, entende-se por serviço praticado no exercício dos poderes de autoridade ou na qualidade de autoridade pública aquele serviço que releva da missão específica da autoridade pública, no quadro de um regime de direito público e com exclusão das atividades exercidas nas mesmas condições jurídicas dos operadores económicos privados»; - Acórdão de 10.12.2003, processo n.º 022676: «Para efeitos do disposto no art. 2.º, n.º 2, do CIVA, entende-se por exercício de poderes de autoridade a atividade de um organismo público no exercício de funções efetuadas na qualidade de autoridade pública; - Acórdão de 22. 07.11.2012, processo n.º 025/12: «Para efeitos da delimitação negativa da incidência do IVA, prevista no artigo 13.º da Directiva e no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, é imperioso conhecer se a pessoa colectiva pública actuou na qualidade de autoridade pública, submetida a um regime substantivo de direito público, ou se praticou um acto de direito privado, desprovida da sua posição de supremacia».

 

Como bem refere a Professora Clotilde Palma, “Com efeito, antes de mais, para que uma operação praticada pelo Estado e demais pessoas coletivas de direito público se encontre sujeita a IVA, é necessário, por um lado, que seja efetuada no exercício da respetiva atividade económica nos termos da Diretiva IVA (existindo, consequentemente, uma operação sujeita a IVA em conformidade com as respetivas regras de incidência objetiva), e, por outro lado, que não se verifique no caso concreto a delimitação negativa de incidência. Isto é, existem uma série de operações relativamente às quais, (…), por não se enquadrarem no conceito de atividade económica, será inútil analisar o enquadramento da atuação da entidade face ao disposto no artigo 13.º da Diretiva IVA. Em tais circunstâncias não estamos sequer perante uma operação sujeita a IVA, por não se enquadrar, ab initio, nas regras de incidência objetiva do imposto. Com efeito, apurar se existe ou não o exercício de uma atividade económica por parte do organismo público é uma questão prévia essencial à análise da delimitação negativa da incidência”. (ob. cit).

 

Esta qualidade de autoridade pública dá-se ou verifica-se quando o organismo público atua no âmbito de um regime de direito público e utiliza prerrogativas de autoridade pública - Acórdão de 07.11.2012, processo n.º 025/12: «Para efeitos da delimitação negativa da incidência do IVA, prevista no artigo 13.º da Diretiva e no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, é imperioso conhecer se a pessoa coletiva pública atuou na qualidade de autoridade pública, submetida a um regime substantivo de direito público, ou se praticou um ato de direito privado, desprovida da sua posição de supremacia».

 

Portanto, “para que uma operação praticada pelo Município, enquanto pessoa coletiva de direito público, se encontre sujeita a IVA, é necessário que ela seja realizada no exercício da respetiva atividade económica desse município, como prevê a Diretiva IVA e, por outro lado, que não se verifique no caso concreto a delimitação negativa de incidência, isto é, se trate de operações que na disposição da Diretiva não se enquadram no conceito de atividade económica. Resulta, assim, do que vimos expondo, que o Requerente enquanto pessoa coletiva de direito público é sujeito passivo de IVA, dividindo-se a respetiva atividade em três categorias de operações que pratica quanto ao respetivo enquadramento: não tributadas, tributadas e isentas.” (decisão arbitral atrás referida).

 

A questão a decidir é a que se destina a esclarecer se as operações que a AT considerada como sendo operações decorrentes do exercício dos poderes de autoridade pública conferidos por lei ao Município para efeitos de IVA.

 

Parece-nos pacífico que essas operações poderiam ser levadas a cabo entidades de natureza privada e os fins visados seriam exatamente os mesmos e, nestes termos, não pode deixar de se considerar como uma atividade económica.

 

A natureza das operações aqui em causa permite-nos concluir que as mesmas, em si, não resultam necessariamente do exercício de um poder público, entendido no sentido de que só o A… pode levar a cabo a realização dos mesmos.

 

Portanto, o Tribunal tem dificuldade em admitir que estas atividades económicas possas ser consideradas como sendo apenas decorrentes do exercício das prerrogativas de uma autoridade ou ente público, uma vez que não surgem de uma característica ou possibilidade de desenvolvimento exclusivo dos poderes públicos, sendo que os agentes económicos privados desenvolvem igualmente tais atividade.

 

Nem se pode afirmar que estas operações não têm natureza económica e que estão fora do âmbito de uma atividade comercial (atividade económica) dado que se elas forem realizadas por uma entidade privada, as mesmas terão necessariamente a natureza de atividade económica sujeita a tributação em sede de IVA, nos termos gerais. Estas atividades não são exclusivas dos municípios e podem ser desenvolvidas por outras entidades públicas ou privadas.

 

Aliás, este entendimento decorre do que foi decidido, a título de mero exemplo, no Ac.do STA nº 21091, de 20/09/2000, “Para efeitos do artº 2º, nº 2, do CIVA e do artº 4º, nº 5º, da DIVA, “…entende-se por serviço praticado no exercício dos poderes de autoridade ou na qualidade de autoridade pública aquele serviço que releva de missão específica da autoridade pública, no quadro de um regime jurídico e com exclusão de atividades exercidas nas mesmas condições jurídicas dos operadores económicos privados…”.

 

Ou seja, o STA considera que só as atividades ou operações que, compreendidas no quadro legal definidor das competências dos municípios, não possam também ser levadas a cabo por operadores económicos privados; só aquelas que apenas possam ser desenvolvidas por ente público é que estão compreendidas no conceito de poder de autoridade para efeitos da Diretiva do IVA.

 

Convém desde já referir, que o Tribunal não teve oportunidade de analisar em detalhe as faturas e os contratos associados relativas às operações aqui em questão.

 

Com efeito, a AT, ao juntar aos autos o processo administrativo, limitou-se a apresentar, entre outras peças processuais, o relatório do RIT, com a mera colocação de listagens das operações que desconsiderou, impedindo o Tribunal de proceder a uma análise mais cuidada e detalhada das operações em questão.  

 

Tal fato não pode deixar de ser valorado contra a posição da AT, desde logo atendendo às regras do ónus da prova.

 

De qualquer forma, mesmo que existisse dúvida, estar-se-ia, perante uma situação de «fundada dúvida», que deve ser processualmente valorada a favor do Requerente e não contra ele, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.

 

Sem necessidade de mais considerações, procede assim, neste ponto, na íntegra, o pedido do Requerente.

 

Quanto à questão de saber se o Requerente, no cálculo do imposto dedutível, poderia ter utilizado, como utilizou, o método da afetação real, nas operações tributadas com direito à dedução, dedução 100% e o método do pro rata, nas operações “mistas”, dedução em % em função do método utilizado, e da forma como os utilizou, o que abrange todas as correções efetuadas pela AT e contestadas nestes autos.

 

Como decorre da matéria de fato dada como provada, o Requerente realiza um conjunto de operações, quer sejam transmissões de bens, quer sejam prestações de serviços, que não se encontram enquadradas no âmbito dos seus poderes de autoridade, estando, por isso, sujeitas a IVA nos termos gerais do CIVA.

 

A liquidação adicional emitida pelo valor de € 51.819,78 traduziu o indeferimento parcial daquele pedido de reembolso, no montante de € 130.000,00 para o montante deferido de € 78.180,22, resultando, por conseguinte, na diminuição do crédito de imposto apurado pelo Requerente na aludida declaração periódica.

 

Ao abrigo da atrás referida ordem de serviço, a AT inspecionou os períodos de tributação de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 e promoveu correcções, que se traduziram no deferimento parcial do pedido de reembolso, no montante de € 51.819,78, por ter concluído existir excesso a reportar naqueles períodos de imposto que não era devido.

 

O Requerente aceitou algumas correcções, tendo impugnando as restantes no montante de € 46.716,81, pedindo a anulação parcial da liquidação controvertida neste montante, com fundamento em vício de violação de lei por erro da AT na aplicação do direito aos factos.

 

A Requerida entende que a liquidação adicional em apreço, na aqui parte controvertida, consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos, devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica.

 

Em resumo, enquanto autarquia local efetua:

 

- Operações no âmbito dos seus poderes de autoridade local pelas quais não é sujeito passivo de imposto, por força do nº 2 do artigo 2º do CIVA;

 

- Operações fora do âmbito dos poderes de autoridade ou em concorrência com outros sujeitos passivos de imposto, sujeitas a imposto nos termos do artigo 1º do CIVA, mas isentas nos termos do artigo 9º do mesmo diploma e como tal, não conferem o direito à dedução do imposto suportado a montante;

 

- Operações fora do âmbito dos poderes de autoridade ou em concorrência com outros sujeitos passivos de imposto, sujeitas a imposto nos termos do artigo 1º do CIVA e dele não isentas, podendo deduzir o IVA suportado para a realização das mesmas.

 

O Requerente, no cálculo do imposto dedutível, utilizou os seguintes métodos: o método da afetação real, nas operações tributadas com direito à dedução, dedução 100% e o método do pro rata, nas operações “mistas”, dedução em % em função do método utilizado.

 

Para efeitos de determinação do IVA a entregar ao Estado, o Requerente utiliza os métodos de afetação real e do “prorata”, previstos no artigo 23º do CIVA.

 

Só o imposto suportado pelo A…, na qualidade de sujeito passivo de IVA e relativo a operações sujeitas e não isentas, e apoiado nos documentos a que se refere o artigo 19º nº 2 do CIVA, em princípio, confere, direito à dedução nos termos do artigo 20º do CIVA, pois é nestes artigos, o 19º e 20º do CIVA, que estão vertidos os princípios básicos do direito à dedução.

 

Os artigos 168.º, 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11- 2006, estabelecem o seguinte:

 

- Artigo 168.º: “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes: a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º; c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.o, n.º 1, alínea b), subalínea i); d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º; e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.”

 

- Artigo 173.º “1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. 2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes: a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores; b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores; c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços; d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas; e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;“

 

- Artigo 174.º “1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução. Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º. 2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes: a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa; b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras; c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias. 3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.”

 

Os artigos 16.º, 19.º, 20.º e 23.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que está em causa no presente processo:

 

- Artigo 16.º Valor tributável nas operações internas – “1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro. 2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é: (...)

 

- Artigo 19.º Direito à dedução – “1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

 

- Artigo 20.º Operações que conferem o direito à dedução – “1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

- Artigo 23.º Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista – “1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo: a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2; b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução. 2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação. 3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação. 4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”

 

Nos anos em análise, o Requerente diz ter utilizado primordialmente o método de imputação direta, isto é, deduziu integralmente o imposto afeto a atividades que conferem o direito a dedução e, não deduziu o IVA incorrido na aquisição de bens e/ou serviços utilizados para a realização de operações não tributadas ou atividades não económicas.

 

Por seu turno, a título residual, a Requerente alega ter deduzido o IVA incorrido com a aquisição dos bens e serviços comuns a toda a sua atividade através de uma proporção que tem por base o volume de negócios - método de dedução pro rata.

 

Adicionalmente, relativamente ao ano de 2016, a Requerente definiu um critério, que considera objetivo, tendo em vista deduzir o IVA relativo aos recursos utilizados simultaneamente em atividades que não conferem e atividades que conferem direito a dedução do IVA, ambas associadas ao saneamento.

 

 O artigo 21º do CIVA, contempla expressamente as situações, em que atentas as suas especificidades, o legislador excluiu o direito à dedução.

 

O artigo 23º do CIVA, contempla os métodos de dedução, a utilizar pelo sujeito passivo, que no exercício da sua atividade, efetue operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20º do CIVA, relativamente a inputs mistos, isto é, bens e serviços que são utilizados simultaneamente em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.

 

O Requerente é um sujeito passivo misto, pois é um município que, além de desenvolver actividade tributada e não isenta, realiza também operações isentas.

 

Relativamente aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações económicas com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações [artigos 173.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n 1, alínea b] do CIVA).

 

Essa proporção ou pro rata de dedução é determinada por uma fracção que inclui «no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução» e «no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução» [ artigo 174.º, n. 1, alíneas a] e b), da Directiva n.º 2006/112/CE.

 

Estas regras da determinação do pro rata de dedução relativamente a actividades económicas podem ser afastadas nas situações previstas no n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, em que se inclui «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

 

A este respeito, o Requerente alega ter definido um critério objetivo para a dedução do IVA associado aos recursos comuns que, nas suas palavras, “não enviesa o cálculo do imposto deduzido”.

 

Alega ainda o Requerente que a AT se limita a transcrever as respostas/esclarecimentos dados, em sede de inspeção, bem como a legislação em vigor, mas nunca demonstra de forma inequívoca porque entende que o critério definido pelo Município está, segundo a própria AT, errado.

 

Como o Requerente se esforçou demonstrar, e conseguiu-o, o entendimento da AT não encontra o mínimo de acolhimento na letra da lei, uma vez que dos números l e 2 do artigo 23.º do CIVA não se vislumbra qualquer limitação quanto a escolha do critério objetivo a utilizar por parte do sujeito passivo para aferir a extensão do seu direito a dedução, tendo o legislador imposto apenas como condição para a sua aceitabilidade que se "tratem de critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito".

 

Com efeito, desde que o critério escolhido pelo sujeito passivo seja objetivo e permita determinar o grau de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, tal critério, conquanto obedeça às condições referidas, não pode ser rejeitado pela AT a não ser, como a própria letra da norma refere, que a AT venha a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

 

Todavia, na situação em análise nos presentes vautos, a AT não logrou demonstrar tal facto, o que lhe competia, tendo-se limitado, como bem refere o Requerente, a referir que o A… não poderia proceder a utilização do método do cálculo da percentagem de dedução para apurar o montante do imposto a deduzir em recursos simultaneamente afetos à atividade tributada e atividade não sujeita a IVA, olvidando que o critério baseado no volume de negócios, aplicado pelo Requerente, é um critério objetivo e funcional para demonstrar o grau de utilização dos recursos, não tendo sido, em qualquer momento, a sua utilização vedada pelo legislador.

 

            Diversamente, o Requerente demonstrou que o critério que utilizou para deduzir o imposto dos recursos mistos e um critério fiável e razoável que reflete a efetiva utilização daqueles recursos.

 

O referido critério do volume de negócios é, como bem refere o Requerente, facilmente sindicável pela AT, e reflete a efetiva utilização daquele tipo de recursos.

 

Afigura-se ser claro que o Requerente tem razão, quanto à falta de suporte legal, à face da legislação aplicável.

 

Também não colhe o entendimento da AT de que o Requerente, ao excluir os montantes associados à receita com impostos, transferências para pagamento de salários e outros fundos provenientes do Orçamento do Estado do denominador, da fração de cálculo da percentagem de dedução relativamente aos bens e serviços de utilização mista, está a deduzir imposto que não tem direito a deduzir relativamente aos bens de utilização mista. 

 

Como o Requerente mais uma vez se esforçou por demonstrar, e conseguiu-o, as correções efetuadas pela AT, neste âmbito, resultam do recálculo da percentagem de dedução utilizada pelo Município, através da inclusão de todos os proveitos obtidos pelo Requerente no denominador da fração, independentemente da sua origem (atividade económica e atividade não económica), fazendo com que tal percentagem seja manifestamente inferior a que havia sido apurada pelo A….

 

Sendo que, no cálculo do denominador da percentagem (final) de dedução, o Requerente teve em conta todas as operações ativas (tributadas e não tributadas) que realizou, não se limitando, conforme erroneamente afirma a AT, a incluir as operações efetuadas no âmbito das atividades económicas.

 

O Tribunal entende que a percentagem apurada pela AT não é de aceitar, tendo em conta que, em conformidade com a lei, é e justificável que se desconsiderem algumas verbas no cálculo do denominador da percentagem de dedução, considerando a natureza das mesmas.

 

E igualmente entende o Tribunal que, no caso das transferências de fundos provenientes do Orçamento de Estado, os respetivos montantes não correspondem também a contraprestações destinadas a remunerar quaisquer operações realizadas pelas autarquias, pelo que estas receitas não devem influenciar o direito a dedução dos bens de utilização "mista”.

 

Até porque o nº 4 do artigo 23º do CIVA, apenas prevê que no denominador da fração a utilizar para cálculo do pro rata só possa ser incluído "o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do número 1 do artigo 2.º, bem coma as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento ".

 

A AT não pode pretender aplicar um "pro rata especifico" quando este não está definido e estabelecido na lei, sendo ilegal pretender aplicar um critério em tudo semelhante ao que constava do Oficio-Circulado nº 6 I 137, com o fundamento de que tal procedimento será o único que pode permitir garantir que não exista distorção significativa da tributação e, concomitantemente, garantir a observância do princípio da neutralidade do imposto.

 

Como foi decidido no âmbito do processo nº 440/2020-T, e com o qual se concorda, "[p]retender aplicar um pro rata especifico sem cobertura legal, porquanto, o mesmo não tem previsto expressa na lei, e absolutamente ilegal" na medida em que o mesmo "não tem  consagração legal e, nesta medida, a luz da norma do nº4 do artigo 23º do Código do IVA, no denominador da fração para cálculo do pro rata para efeitos de dedução do IVA suportado na aquisição de bens ou serviços de utilização mista, não podem ser incluídos valores relativos as transferências orçamentais, impostos, taxas e outras receitas de igual índole ou natureza".

 

Assim, não se pode considerar demonstrado que, na situação em apreço, a determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela AT.

 

O ónus da prova da existência das distorções de tributação recai sobre a AT, como decorre do n.º 1 do artigo 74.º da LGT que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» e a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstrou que, no caso concreto, se verifiquem as invocadas «distorções significativas da tributação»

 

Como se atrás referiu, o Tribunal não teve oportunidade de analisar em detalhe as faturas e os contratos associados relativas às operações aqui em questão.

 

Com efeito, a AT, ao juntar aos autos o processo administrativo, limitou-se a apresentar, entre outras peças processuais, o relatório do RIT, com a mera colocação de listagens das operações que desconsiderou, o que impede o Tribunal de proceder a uma análise mais cuidada e detalhada das operações em questão. 

 

Tal fato não pode deixar de ser valorado contra a posição da AT, desde logo atendendo às regras do ónus da prova.

 

De qualquer forma, mesmo que existisse dúvida, estar-se-ia, perante uma situação de «fundada dúvida», que deve ser processualmente valorada a favor do Requerente e não contra ele, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.

 

Sem necessidade de mais considerações, procede assim, neste ponto, na íntegra, o pedido do Requerente, relativamente a todas as correções efetuadas pela AT no RIT contestadas pelo Requerente nos presentes autos.

 

Conclui-se, assim, ser manifestamente ilegal e errónea a interpretação da Requerida das atrás referidas disposições do CIVA, enfermando o ato de liquidação em causa de erro nos pressupostos de fato e de direito.

 

Este vício justifica a anulação parcial da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

O indeferimento expresso da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, já que se mantém a liquidação, com os fundamentos que constam da decisão de indeferimento.

 

Deste modo, procede, assim, na íntegra, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, sendo ilegal o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º … de 4/5/2021, relativo ao período 2009T, na parte em procedeu à correção ao valor do reembolso pedido (corte ao valor do reembolso pedido), no montante €  46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), devendo, como tal, ser parcialmente anulados, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.  

 

 

1.3. Pedido de restituição da quantia indevidamente não reembolsada e juros indemnizatórios

 

O Requerente formula pedido de restituição das quantia não reembolsada de €  46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), e consequentemente arrecadada pela AT em excesso, bem como do pagamento de juros indemnizatórios.

 

              A Requerida limita-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, a Requerida absolvida de todos os pedidos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias devidas, indevidamente não reembolsadas e arrecadadas pela AT, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente não reembolsados e, como tal, arrecadados pela AT, e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º … de 4/5/2021, relativo ao período 2009T, que procedeu à correção ao valor do reembolso pedido, no montante € 46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), o qual deveria ter sido reembolsado ao Requerente por ser um crédito a seu favor em resultado das regras de funcionamento do IVA (método do crédito de imposto).

 

Por isso, o Requerente  têm o direito de ser reembolsados da quantia indevidamente não reembolsada, e como tal arrecadada pela AT, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia € 46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos).

 

A ilegalidade desta liquidação é imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei, em erro nos pressupostos de fato e de direito.

 

Como se viu, resultou do atos tributário impugnado a restituição de um valor de imposto inferior ao que seria devido sem o cometimento das ilegalidades apontadas.

 

Consequentemente, enfermando a liquidação impugnada de vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito imputável à AT, e não tendo o montante do imposto contestado sido devolvido, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 22º, nº 8 do CIVA, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Neste mesmo sentido, vide, igualmente, a título exemplificativo, a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 193/2021-T, de 13/12/2021 (www.caad.pt).

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que foi indeferido o pedido de reembolso feito pelo Requerente até à data de emissão do reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V. Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e a consequente anulação parcial do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º … de 4/5/2021, relativo ao período 2009T, que procedeu à correção ao valor do reembolso pedido (corte ao valor do reembolso pedido), no montante €  46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos);

 

  1. Anular a decisão de indeferimento expresso do procedimento de reclamação graciosa n.º …, que manteve a liquidação na parte contestada;

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso da quantia de €  46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos)  indevidamente não reembolsada;

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do Requerente, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente  a quantia que for liquidada em execução da presente decisão arbitral, a contar sobre o valor do imposto a restituir, desde a data em que foi indeferido o pedido de reembolso até à data de emissão do reembolso, à taxa legal;

 

  1. Condenar a AT nas custas do processo nos termos do decidido em VII.

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 46.716,81 (quarenta e seis mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), atribuído pelo Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 23 de junho de 2023

 

O Árbitro,

 

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado