Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 215/2023-T
Data da decisão: 2023-08-04  Selo  
Valor do pedido: € 5.000,00
Tema: IS – Ónus da Prova - Princípio da prevalência da substância sobre a forma; Incidência subjetiva do imposto.
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Sumário 

           I.    A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada.

         II.    Cabe à Autoridade Tributaria ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, e ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

       III.    Segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efetiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei, assim podendo limitar o contribuinte no que respeita ao grau da sua oneração fiscal e consubstanciando a aplicação de tal princípio a consagração da cláusula geral anti-abuso prevista no artº.  38, nº. 2, da L.G.T.

       IV.    Nos termos da Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a aquisição gratuita de bens, encontra-se sujeita a tributação, à taxa de 10%, considerando-se sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, ou seja, os respetivos beneficiários (al. b) do n.º 2 do art.º 2.º do CIS.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Paulo Ferreira Alves designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 06-06-2023, decide o seguinte:

 

  I.         Relatório

A..., com o número de identificação fiscal português ..., com domicílio fiscal sito na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente. 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário do Imposto do Selo com o n.º..., de 21-12-2021, no montante de 5.000,00€, bem como a anulação do indeferimento do pedido de reclamação graciosa n.º ...2022...deduzida contra este ato tributário.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

Em 28 de Março de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificada a AT. 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o ora árbitro para formar o Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 6 de junho de 2023. 

Em 6 de Junho de 2023, a Requerida foi notificada para apresentação da sua Resposta, não tendo apresentado resposta no prazo de 30 dias previsto no artigo 17.º do RJAT.

Por despacho de 30 de junho de 2023, a Requerida foi notificada para juntar aos autos o processo administrativo (“PA”), foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT,  e notificadas as partes para apresentarem alegações escritas, facultativas, no prazo simultâneo de 10 dias, bem como foi fixado o prazo para a prolação da decisão. As partes apresentaram alegações escritas no prazo concedido.

Posição da Requerente

A Requerente formula a sua pretensão arbitral da seguinte forma:

A.                A liquidação de Imposto do Selo aqui impugnada parece advir de uma pretensa transmissão gratuita de que seria beneficiário a Requerente, por via, aparentemente, de uma renúncia a tornas no contexto de uma partilha de património.

B.                A matéria coletável determinada pela Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT) cifrou-se em 50.000,00€.

C.                Deste valor tributável resultou uma coleta de € 5.000, para aplicação da verba 1 da TGIS, levando a ora Requerente, num exercício de adivinhação, a tentar perceber a que se refere a liquidação ora posta em crise.

D.                Existindo um manifesto vicio de falta de fundamentação que se arguí para todos os efeitos legais.

E.                Ora, por não concordar com a liquidação emitida pela AT, veio a ora Requerente apresentar o devido procedimento tributário de Reclamação Graciosa, com a finalidade de obter a anulação do acto reclamado.

F.                 Tais reclamações foram apresentadas nos SF ... e ..., em Sintra, entendendo-se que ambos os SF seriam competentes.

G.                O SF Sintra ..., numa primeira instância, deferiu a Reclamação Graciosa com o fundamento de inexistência de facto tributário.

H.                Sendo que o SF Sintra ... indeferiu a mesma.

I.           Posteriormente, já depois de ter deferido a Reclamação Graciosa apresentada, e de forma totalmente inexplicável, veio o SF Sintra ... proceder à revogação da sua decisão de indeferimento, declarando-se incompetente, e revogando a decisão que tinha tomado.

J.                  Ora, face a esta sucessão de "trapalhadas" não pode a ora Requerente conformar-se com o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo SF Sintra ..., que veio a julgar - se competente, pelo que vem, pela presente, impugnar essa decisão e o acto de liquidação que lhe subjaz, posto o que está a tempo e tem legitimidade.

K.                Desconhece-se em concreto que tipo de operação fez pressupor a emissão das liquidações do Imposto do Selo, ora reclamadas, mas desconfia-se que terão tido a sua base numa operação de partilha de património, tendo tal sido à posteriori confirmado pela AT em sede de apreciação da Reclamação Graciosa apresentada.

L.                Efetivamente, no dia 15 de outubro de 2021, foi feito por Documento Particular Autenticado ("DPA") uma partilha de um imóvel no contexto de uma herança, e em que, na respetiva clausula sexta, os restantes herdeiros declararam que prescindiam das tornas.

M.               Sucede, no entanto, que tal ficou a dever-se a um lapso de escrita que traduziu, erroneamente, a vontade destes, pois na realidade pretendiam receber as tornas a que tinham direito par via da referida operação de partilha e isso veio efetivamente a ocorrer.

N.                Decorrido um mero mês após a assinatura do referido DPA, e apercebendo-se do erro que constava naquela declaração, apressaram-se a retificá-lo, o que fizeram no dia 23 de novembro de 2021, por novo DPA, operando-se uma retificação à clausula sexta do primeiro DPA onde se declarou que tinham recebido tornas.

O.                Diga-se, alias, que a retificação do primeiro DPA se fez muito antes da emissão de qualquer liquidação adicional de imposto do selo, não havendo qualquer relação entre uma coisa e a outra.

P.                 Ora, por se tratar de uma operação que não chegou a materializar-se na ordem jurídica, pois não existiu, desde logo, o facto tributário que se lhe pretende imputar, inexiste igualmente, tendo de ser anulado, e tal, curiosamente veio precisamente a ser confirmado pelo SF Sintra - ... - o acto tributário ora impugnado.

Q.                Defende a Requerente, que podendo as omissões e inexatidões em causa ser supridas ou retificadas a todo o tempo, e isso foi feito, não se encontra sedimentada na ordem jurídica o primeiro DPA feito no que se refere a referida clausula 6.º e, sendo assim, nada obsta a que, em situações como estas, em que, efetivamente inexiste qualquer facto tributário, seja anulada a Liquidação oficiosamente emitida pela AT, pois não existiu nenhuma transmissão gratuita.

R.                Da retificação do primeiro DPA, tem a AT, forçosamente, que retirar consequências tributarias, ao pretender não extrair eventuais implicações dessa retificação, a mesma incorre na prática de um acto ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito.

S.                 A Requerente cumpriu com o ónus da prova que lhe cabia, ao ter junto atempadamente toda a documentação, e tendo apresentando as necessárias explicações em sede de procedimento tributário, não sendo tal valorado pela AT.

T.                Termina a Requerente, a requerer que seja julgada provada e procedente a presente ação arbitral, e consequentemente, determinado o deferimento da Reclamação Graciosa apresentada e, bem assim, a anulação do ato de liquidação de Imposto de Selo com o n. ..., no valor de € 5 000, em virtude do erro sobre os pressupostos de facto e direito nos termos melhor expostos supra.

Posição da Requerida

A Requerida apresentou Resposta, sustentado o seguinte:

A.                Relativamente à alegada existência do vício de falta fundamentação do ato, importa referir que, a administração fiscal tem o dever de fundamentar os atos de liquidação, de acordo com o princípio consagrado no art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), materializado no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).

B.                O documento de cobrança aqui em análise, identificado com o n.º 2021..., referente à participação de ISTG..., contém a identificação do imposto em causa (Imposto do Selo relativo à transmissão gratuita - Doação), o montante devido (€5.000,00), a identificação do facto tributário (Doação), a identificação da verba em causa (Verba 1 - €50.000,00), bem como a matéria coletável (€50.000,00), as possibilidades de pagamento do imposto (Modalidade 1 – Pronto pagamento, usufruindo do desconto previsto no art.º 45.º do CIS; ou Modalidade 2 – Pagamento em prestações, nos termos do art.º 45.º do CIS) e o prazo para efetuar o pagamento a pronto (2022-03-31).

C.                Ou seja, na demonstração da liquidação, estavam presentes todos os elementos que permitiam ao contribuinte analisar e, eventualmente, opor-se ou questionar os seus fundamentos e contabilização.

D.                Da análise ao referido Documento de Cobrança n.º 2021..., retira-se que, os fundamentos do ato tributário estavam expressa e proficuamente plasmados naquele, permitindo ao sujeito passivo apreender, de forma clara, suficiente e congruente, tanto o processo lógico que conduziu ao apuramento da matéria tributável e do tributo, como as operações de qualificação e quantificação do facto tributário.

E.                No caso sub judice, perfazendo o acervo de bens a partilhar o montante de €150.000,00 e tendo sido determinado que, à primeira outorgante, era adjudicado o valor de €150.000,00, quando a quota-parte a que tinha direito era de €50.000,00, vemos que, esta recebeu a mais do que o seu direito a importância de €100.000,00 (€50.000,00 + €50.000,00).

F.                 Tendo os dois outros partilhantes prescindido de tornas, a Requerente recebeu duas transmissões gratuitas, uma de B... e outra de C... .

G.                Termina a Requerida, peticionando que deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

H.                Ora, é a transmissão gratuita efetuada por – C...-, no valor de €50.000,00, que está sub judice.

I.          Nos termos da Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a aquisição gratuita de bens, encontra-se sujeita a tributação, à taxa de 10%, considerando-se sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, ou seja, os respetivos beneficiários (al. b) do n.º 2 do art.º 2.º do CIS).

J.                  No caso concreto, segundo alega a Requerente, em 2021-11-23, os mesmos outorgantes celebraram um novo documento particular autenticado (DPA), de retificação do contrato de partilha, referindo-se ao primeiro DPA,  perante D..., para correção do “erro que constava naquela declaração”. 

K.                A “retificação” operar-se-ia à cláusula sexta do primeiro DPA, assim, onde se declarava “A segunda e Terceiro contratantes declaram que prescindem das tornas apuradas a seu favor.”, passaria a constar “Os ora Segundo e Terceiro contratantes, declaram que já receberam as tornas apuradas a seu favor e o pagamento foi efetuado da seguinte forma (…)”.

L.                Contudo, o preenchimento do Modelo 1 do ISTG remetida via e-mail, em 2021-10-27, ao SF de Sintra ..., não se encontrava de acordo com o ato praticado, pelo que, havendo lugar a liquidação de IMT e IS, com base no documento oficial a que teve acesso, foi instaurado oficiosamente, nos termos do art.º 23.º do CIMT, o processo de ISTG a que foi atribuído o n.º de Participação ... .

M.               Esta Participação, submetida em 2021-11-23, foi remetida para D... (Requerente das liquidações) conjuntamente com as liquidações dos impostos devidos.

N.                Daqui se evidencia que, ao contrário do alegado pela Requerente, a retificação do contrato de partilha, teve lugar logo após a Requerente ter tomado conhecimento dos impostos que teria de liquidar e pagar, pelo que, não corresponde à verdade que a retificação do primeiro DPA se tenha feito muito antes da emissão de qualquer liquidação de IS.

O.                A liquidação foi promovida oficiosamente, nos termos do art.º 33.º do CIS, em 2021-12-06, no entanto, a Requerente já havia tomado conhecimento de que tais impostos seriam devidos, através do e-mail enviado em 2021-10-27.

P.                 No caso em apreço, é extremamente simples, claro e inequívoco o sentido do contrato de partilha celebrada em 2021-10-15, através de documento particular autenticado, não suscitando quaisquer dúvidas a quem proceda à sua leitura.

Q.                Não obstante, os outorgantes sustentam a sua retificação no facto de “por lapso”, a segunda e o terceiro contratantes terem prescindido das suas tornas, isto é, por estar em causa um erro material, uma divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria ter escrito. Ou seja, um erro na declaração, não correspondendo a vontade declarada à vontade real dos autores.

R.                E mesmo que se tenha qualificado de “retificação” o contrato celebrado em 2021-11-23, por documento particular autenticado, esta qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo que em documento autenticado, não vincula a administração tributária, tal como resulta do n.º 4 do art.º 36.º da Lei Geral Tributária (LGT).

S.                 O erro relevante, para efeitos fiscais, é apenas o erro de cálculo ou de escrita, que resulta evidente e inequívoco da leitura do documento que se visa retificar. 

T.                Dito de outra forma, se do próprio texto do documento resultar de forma evidente e inequívoca a intenção que lhe subjaz, então, do mesmo modo se assomará evidente e de forma inequívoca a existência de qualquer erro de cálculo ou de escrita, que vá bulir com aquela intenção, desvirtuando-a. 

U.                Do cotejo do documento particular autenticado de partilha nada mais se retira do que a vontade inequívoca de renúncia a tornas, e do documento particular autenticado de retificação da partilha uma mudança de intenção ou vontade, a qual não pode conduzir no plano fiscal ao efeito pretendido pela Requerente. 

V.                Além de que, a prova plena dos documentos autênticos/ autenticados limita-se à materialidade das afirmações atestadas, mas não abrange a sinceridade, a veracidade ou validade das declarações emitidas pelas partes, que não está abrangida pela força probatória plena.

W.              Por fim e ao encontro deste entendimento, importa ainda salientar o seguinte:  Para prova da veracidade do conteúdo do documento de retificação, a Requerente juntou o documento particular autenticado de retificação da escritura de partilha, e consta da cláusula sexta, que os interessados declaram que no dia 15/10/2021, receberam as tornas, mediante transferências da conta bancária de A... para as contas bancárias em nome de C... e B... .

X.                Porém, não foi junto qualquer documento bancário comprovativo dessas mesmas transferências e que estas foram coevas e conexas com a partilha, sendo certo que o documento particular autenticado de retificação da partilha, como é amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, muito embora prove a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador (art.º 371º, nº 1, 2ª parte, do CCiv.), não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.

Y.                Face ao exposto, resulta evidenciado que a celebração do contrato de retificação de partilhas aqui em análise, não conduz à anulação da liquidação de IS - verba 1.2 da TGIS, respeitante ao contrato de partilha, realizado em 2021-10-15.

Z.                Improcedendo, assim, todos os vícios assacados à atuação administrativa, devendo manter-se liquidação de IS – Verba 1.2 da TGIS n.º ... que veio substituir o ato de liquidação de ISTG n.º ..., entretanto anulado.

AA.           Termina a Requerida, peticionando a improcedência do pedido, com as devidas consequências legais.

II.               Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar do indeferimento expresso do pedido de reclamação graciosa deduzida contra o ato tributário impugnado, apresentado em 17 de dezembro de 2021 e foi a Requerente notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em 17 de janeiro de 2023.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa. 

 

III.             Fundamentação de Facto

1.                 Factos  Provados

A.                Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam por provados:

B.                A Requerente foi notificada do documento de cobrança n.º 2021..., referente à participação de ISTG..., no montante devido (€5.000,00), e com o prazo para efetuar o pagamento, em 31-03-2022.

C.                A Requerente apresentou reclamação graciosa, junto dos Serviços de Finanças Sintra ... e  ... Cf.doc 2 da PPA.

D.                O SF Sintra ..., numa primeira instância, deferiu a Reclamação Graciosa com o seguinte fundamento:

doc.5 da PPA.

E.                O SF Sintra ..., indeferiu a reclamação, com o seguinte fundamento: 

F.                 Posteriormente o SF Sintra ..., veio a revogar a decisão com o seguinte fundamento:

Cf. Doc 6 do PPA.

G.                No dia 15 de outubro de 2021, por meio de Documento Particular Autenticado ("DPA"), foi celebrado um contrato de Partilha de um imóvel, no contexto de uma herança, em que, consta como partes:

H.                Mais resulta do documento as seguintes cláusulas:

Cf. Doc. 7 da PPA.

I.     No dia 23 de novembro de 2021, por meio de novo Documento Particular Autenticado, os mesmos intervenientes celebraram uma retificação ao Documento Particular Autenticado de 15 de outubro de 2021, de onde resulta, de relevo, o seguinte:

Cf. Doc 8.

2.           Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão a proferir. 

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

IV.             Do Mérito 

O PPA tem por objeto a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo. 

A Requerente, alega vicio de falta de fundamentação, bem como alega que a operação não se chegou a materializar na ordem jurídica, pois não existiu, desde logo, o facto tributário que se lhe pretende imputar, estando a liquidação ilegal por inexistência de facto tributário.

A Requerida, contra-alegou, da análise ao referido Documento de Cobrança n.º 2021..., retira-se que, os fundamentos do ato tributário estavam expressa e proficuamente plasmados naquele, permitindo ao sujeito passivo apreender, de forma clara, suficiente e congruente, tanto o processo lógico que conduziu ao apuramento da matéria tributável e do tributo, como as operações de qualificação e quantificação do facto tributário.

A matéria de facto está fixada e provada, razão pela qual vamos agora determinar o direito aplicável aos factos controvertidos, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, aos vícios cuja procedência determine uma mais estável e eficaz tutela dos interesses dos Requerentes, quanto ao vicio de falta de fundamentação, e quanto ao vício de lei por erro sobre os pressupostos do direito de liquidação por inexistência de facto tributário.

Sobre a questão do vicio de falta de fundamentação, é por demais evidente que a Administração Tributária, tem o dever de fundamentar os atos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77. º  da LGT.

Resulta dos nº 1 e 2 do artigo 77º da LGT que : “1-A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

Sobre esta questão decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 01674/13, de 03-12-2014, que: "A fundamentação a que se refere este normativo legal terá, pois, de assentar em razões de facto e de direito que suportem formalmente a decisão administrativa.

E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do ato, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato. E, por isso, a insuficiência, a obscuridade e a contradição da motivação equivalem a falta de fundamentação (art. 125º nº 2 do CPA), por impedirem uma cabal apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticar o ato com o sentido decisório que lhe conferiu.

No que se refere à fundamentação de direito, a jurisprudência deste Tribunal tem decidido que para que a mesma se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o ato fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico. Como se dá nota no acórdão do Pleno desta Secção de 25/03/93, no proc. nº 27387, o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram."

Resulta do exposto, que para a fundamentação exigida pelo disposto no artigo 77 º da LGT, é absolutamente fundamental que os atos praticados contenham elementos suficientes para compreender os aspetos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro – vide a título de exemplo os acórdãos do STA, processos n.ºs 065/09, de 15 de abril de 2009, e 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006.  

JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE considera que a insuficiência da fundamentação conduz a um vício de forma equivalente à falta de fundamentação, quando for manifesta – cf. O Dever da Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Coleção Teses, 2003, Almedina, pp. 232-239. 

A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0512/17, de 14 de março de 2018, 42180, de 20 de novembro de 2002, e 46796, de 14 de março de 2001.

Retomando os presentes autos, e atendendo ao anteriormente exposto, não merece duvidas que a liquidação efetuada, preenche os requisitos da fundamentação, passa o “teste” do destinatário normal, o bonus pater familiae, de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil, porquanto o ato de liquidação aqui em analise, designadamente o documento de cobrança n.º 2021..., referente à participação de ISTG ...,  contém a identificação do imposto em causa - Imposto do Selo, o montante de imposto devido €5.000,00,  a identificação do facto tributário – Doação -,  a verba aplicável -Verba 1 -€50.000,00, bem como a matéria coletável €50.000,00.

Dos documentos submetidos pela Requerente à AT, em especial, o Documento Particular Autenticado, datado de 15 de Outubro de 2021, bem como o documento de cobrança, permite seguir o caminho que resultou na ora liquidação por aplicação da verba 1 da TGIS, permitindo ao sujeito passivo compreender, de forma clara e suficiente, tanto o processo lógico que conduziu ao apuramento da matéria tributável e do tributo, como as operações de qualificação e quantificação do facto tributário, motivos suficientes para se decidir pela inexistência de vicio de falta de fundamentação.

Passemos de seguida à análise do alegado segundo vicio, a inexistência de facto tributário e ilegalidade da aplicação da Verba do 1 do Imposto do Selo.

Assim, e conforme resulta da factualidade assente, a Requerente em 15 de outubro de 2021 por Documento Particular Autenticado, celebrou um contrato de partilha de um imóvel no âmbito de uma herança, onde fez constar na clausula sexta, que “os ora Segunda e Terceiro contratantes declaram que prescindem de tornas apuradas a seu favor “. Seguidamente, em 23 de novembro de 2021, pelo mesmo meio de Documento Particular Autenticado, foi retificado o contrato de partilha, em concreto a clausula sexta, passando a constar que ”os ora Segundo e Terceiro contratante, declaram que já receberam as tornas apuradas a seu favor e que o pagamento foi efetuado da seguinte forma (…)”. Esta retificação encontra-se motivada pela existência de lapso constante no documento de 15 de outubro de 2021.

Assim, face à factualidade em análise nos presentes autos, é útil delimitar as questões quanto ao vicio elencado. Em primeiro lugar, determinar qual o facto tributário existente, se a renuncia a tornas, ou o recebimento de tornas, e determinado o facto tributário, compete em segundo lugar, apurar se a Requerente é sujeito passivo do imposto e se o mesmo é gerador do imposto, com base na aplicação do regime jurídico-fiscal do Imposto do Selo, na qual se baseou a ora liquidação.

Cumpre decidir.

Ora a Requerente, alegou, que por lapso no DPA de 15 de outubro de 2021, declarou prescindir de tornas, lapso que supriu por retificação no DPA celebrado em 23 de novembro de 2021, aí declarou que já receberam as tornas apuradas a seu favor e que o pagamento foi efetuado, permitindo assim concluir que deixou de existir o facto gerador do imposto. 

A Requerida, entendeu que a retificação feita não vincula a administração tributária, e que o documento junto não é “de per si” suficiente, em ordem a fazer prova clara, precisa e convincente, dos factos alegados, conforme se lhe impunha.

Vejamos de seguida a moldura jurídico-fiscal que rege o ónus da prova:

Ora resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado." 

Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de maio de 2015).

Com base no exposto, à Requerente cabe o ónus da prova em como não prescindiu das tornas. Parece evidente, inclusive tendo presente a presunção de veracidade que rege as declarações do sujeito passivo e do tipo de documento em questão, que compete ao sujeito passivo a prova, uma vez que é ele quem invoca, e como tal cabe-lhe demonstrar os elementos que constituem a sua pretensão. Desse modo, a Requerente, para sustentar a sua pretensão, juntou dois documentos particulares autenticados. Ora os documentos particulares autenticados, nos termos n.º 1 do 371.º do CC, fazem prova plena dos factos a que se referem, “1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.”Contudo, o n.º 2 do mesmo normativo também nos diz que “Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória., deixando a apreciação para o julgador.”

Retomando os presentes autos, é por demais evidente que foram juntos dois documentos particulares autenticados, celebrados pelos mesmos intervenientes, em que o segundo constitui uma retificação a um lapso cometido no primeiro, constituindo ambos prova plena. Com isto em mente, à AT, porque o alega, cabe demonstrar que a operação subjacente constituiu uma renúncia a tornas pelo sujeito passivo. Sucede que dos autos, não consta qualquer meio de prova que afaste a veracidade dos ditos documentos, ou mesmo que suporte a pretensão da AT de existência de renuncia a tornas.

Por outro lado, há ainda que apreciar, a questão, à luz do princípio da prevalência da substância sobre a forma, face aos princípios elencados, é unicamente a substância dos mesmos e da operação efetivamente realizada, se estamos perante uma renúncia a tornas, ou, tornas.

Segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efetiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei, assim podendo limitar o contribuinte no que respeita ao grau da sua oneração fiscal e consubstanciando a aplicação de tal princípio a consagração da cláusula geral anti-abuso prevista no artº.38, nº.2, da L.G.T. (637/09.2BELRS Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul). Ora, dos autos, resulta, que a operação subjacente, titulada por dois documentos autenticados em que o segundo retifica o primeiro,  constitui uma realização de tornas. 

Ainda se referia que a questão da validade da retificação feita a um documento particular autenticado, alegada pela AT, nem se chega a colocar, porque o que revela é a operação subjacente.

Conclui-se que ficou demonstrado que a operação subjacente foi um recebimento de tornas e não uma renuncia a tornas, sendo este o facto tributário que se deve apreciar à luz do Imposto do Selo.

Passemos assim, a segunda questão elencada, determinar se as tornas são um facto gerador do imposto com base na aplicação do regime jurídico-fiscal do Imposto do Selo e quem é o sujeito passivo deste imposto, no qual se baseou a ora liquidação.

Ora perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, torna-se necessário a apreciação de direito sobre as tornas. Assim sobre o regime jurídico aplicável as tornas, estipula artigo 1 do Código do Imposto do Selo, o seguinte:

Artigo 1.º

Incidência objectiva

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. (Redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro)

2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.

3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:

a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;

b) Bens móveis sujeitos a registo, matrícula ou inscrição;

c) Participações sociais, valores mobiliários e direitos de crédito associados, ainda que transmitidos autonomamente, títulos e certificados da dívida pública, bem como valores monetários, ainda que objecto de depósito em contas bancárias; 

d) Estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas;

e) Direitos de propriedade industrial, direitos de autor e direitos conexos;

f) Direitos de crédito dos sócios sobre prestações pecuniárias não comerciais associadas à participação social, independentemente da designação, natureza ou forma do acto constitutivo ou modificativo, designadamente suprimentos, empréstimos, prestações suplementares de capital e prestações acessórias pecuniárias, bem como quaisquer outros adiantamentos ou abonos à sociedade;

g) Aquisição derivada de invalidade, distrate, renúncia ou desistência, resolução, ou revogação da doação entre vivos com ou sem reserva de usufruto, salvo nos casos previstos nos artigos 970.º e 1765.º do Código Civil, relativamente aos bens e direitos enunciados nas alíneas antecedentes.

h) Os valores distribuídos em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias a sujeitos passivos que não as constituíram. (

4 - São consideradas simultaneamente como aquisições a título oneroso e gratuito as constantes do artigo 3.º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

5 - Para efeitos da verba 1.2 da tabela geral, não são sujeitas a imposto do selo as seguintes transmissões gratuitas: 

a) O abono de família em dívida à morte do titular, os créditos provenientes de seguros de vida e as pensões e subsídios atribuídos, ainda que a título de subsídio por morte, por sistemas de segurança social; 

b) De valores aplicados em fundos de poupança-reforma, fundos de poupança-educação, fundos de poupança-reforma-educação, fundos de poupança-ações, fundos de pensões, fundos de investimento mobiliário e imobiliário ou sociedades de investimento mobiliário e imobiliário; 

c) Donativos efectuados nos termos da Lei do Mecenato;

d) Donativos conforme os usos sociais, de bens ou valores não incluídos nas alíneas anteriores, até ao montante de (euro) 500;

e) Transmissões a favor de sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que dele isentas;

f) Bens de uso pessoal ou doméstico.

(…)

Diz nos o n.º2 do artigo 2.º do mesmo código:

1 - São sujeitos passivos do imposto:

2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:

a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça-de-casal, e pelos legatários;

b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários.

O n.º 3 deste normativo, não prevê expressamente o termo tornas, contudo, a expressão utlizada pelo Legislador de “designadamente”, não assume um carater fechado, abrangendo assim outras transmissões gratuitas. As tornas, constituem uma transmissão gratuita, estando assim abrangidas pelo n.º 3 do artigo 1 do CIS.

Quanto à taxa a aplicar, socorremo-nos da verba 1.2. do Código de Imposto do Selo, que estabelece a taxa de 10% aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor.

Conclui-se que nos termos da Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a aquisição gratuita de bens, encontra-se sujeita a tributação, à taxa de 10%, considerando-se sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, ou seja, os respetivos beneficiários (al. b) do n.º 2 do art.º 2.º do CIS.

Não sendo a Requerente o beneficiário da transmissão, conclui-se a Requerente não é o sujeito passivo deste imposto, uma vez que não foi a si transmitida a torna, resultando na ilegalidade da ora liquidação.

Termos em que é procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, da liquidação de IS, com a consequente restituição do imposto pago (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigo 100.º da LGT, este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

 

V.                Decisão

De harmonia com o supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

a)                 Anular a liquidação de IS, no valor de € 5.000,00;

b)                 Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

VI.         Valor do Processo 

  Fixa-se ao processo o valor de € 5.000 (cinco mil euros), indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

VII.       Custas

  Custas no montante de € 612,00 (euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

Lisboa, 4 de Agosto de 2023

O árbitro,

 

 

 

Paulo Ferreira Alves