Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 616/2022-T
Data da decisão: 2023-08-25  IRC  
Valor do pedido: € 2.131.274,41
Tema: IRC - Menos-valias geradas por transmissão de partes sociais e por cessão de créditos. Artigo 51.º-C do CIRC – “participation exemption”. Artigo 23.º do CIRC - critério da indispensabilidade do gasto.
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SUMÁRIO

  1. O regime da participation exemption previsto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC apenas é aplicável à menos-valia suportada por um sujeito passivo de IRC com a transmissão onerosa de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano, sendo também necessário que, à data da transmissão, o sujeito passivo detenha uma participação não inferior a 10% do capital social ou dos direitos de voto da sociedade cujas participações são transmitidas.
  2. O artigo 11.º, n.º 3, da LGT (“Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”) contém uma regra interpretativa que tem sido utilizada pelos Tribunais Superiores para, havendo dúvida fundada sobre se uma norma fiscal recorre (i) a um conceito civilístico, ou a um conceito próprio de outro ramo do direito, ou (ii) a um conceito económico, ou a um conceito específico do direito fiscal, dar relevância a este último. Este princípio interpretativo não autoriza a AT a ignorar ou re-caracterizar as transações dos sujeitos passivos.
  3. As menos-valias constituem gastos para efeitos de IRC (cf. artigo 23.º, n.º 2, alínea l), do Código do IRC) e, enquanto gastos, apenas são dedutíveis ao lucro tributável se satisfizerem o critério da indispensabilidade aplicável aos restantes gastos (ínsito no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC).

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque e Dr. Henrique Fernando Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 27 de dezembro de 2022, acordam no seguinte:

I.  RELATÓRIO

A...– SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ...-..., freguesia de ... e ..., concelho de ..., ...-... Vila Nova de Gaia  (“Requerente”), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), conjugado com o disposto na alínea a) do artigo 99º, e na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT (aplicáveis ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), com vista à declaração da ilegalidade e anulação da (1) decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com n.º ...2022..., e da (2) liquidação adicional de IRC n.º 2021 ..., emitida a 6 de dezembro de 2021, referente ao exercício de 2017, juntamente com a demonstração de acerto de contas n.º 2021..., reconhecendo-se: 

  1. A aceitação, como gasto fiscal, a título individual, no período de tributação de 2017, do valor de € 2.131.274,41, resultando no apuramento de prejuízo fiscal, individual, no valor de € 1.323.051,49; e
  2. O apuramento de um prejuízo fiscal, no exercício de 2017, ao nível do RETGS do Grupo B..., no valor de € 1.909.473,32.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

O requerimento de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 14 de outubro de 2022, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 17 de outubro de 2022 e seguido a sua normal tramitação.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 9 de dezembro de 2022, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 27 de dezembro de 2022. Nesse mesmo dia, foi a Requerida notificada para apresentar Resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.

Em 2 de fevereiro de 2023, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, e juntando aos autos o processo administrativo no mesmo dia.

Em 6 de fevereiro de 2023, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral:

  1. Notifique-se a Requerente para, querendo, no prazo de 10 dias, apresentar requerimento em resposta à exceção suscitada pela Requerida na respetiva Resposta.
  2. Notifique-se as partes para, querendo, no prazo referido no ponto anterior, se pronunciarem sobre o valor da causa, mais concretamente, sobre se o mesmo corresponde, nos termos e para efeitos do artigo 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT e artigo 6.º do RCPAT), a (a) € 447.567,63, tal como indicado pela Requerente (valor da poupança fiscal, à taxa de 21%, decorrente da aceitação de gastos fiscais no valor de € 2.131.274,41), ou a (b) € 2.131.274,41 (valor das correções realizadas pelos SIT no sentido de rejeitar a dedutibilidade, na esfera da C..., no exercício de 2017, da menos-valia fiscal associada à alienação da participação e créditos associados à D... S.R.L.).
  3. Notifique-se as partes para, querendo, no prazo referido no ponto 1 supra, se pronunciarem sobre a necessidade da realização da reunião do artigo 18.º RJAT e de alegações finais escritas.

Em 14 de fevereiro de 2023, a Requerente exerceu o seu direito ao contraditório relativamente à exceção arguida pela Requerida na Resposta e ao valor da causa. Disse ainda a Requerente dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem assim como a apresentação de alegações escritas.

Em 23 de março de 2023, o Tribunal Arbitral Coletivo proferiu o seguinte Despacho Arbitral:

(1) Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), fixa-se ao processo o valor de € 2.131.274,41, que corresponde ao valor das correções realizadas pelos SIT no sentido de rejeitar a dedutibilidade, na esfera da C..., no exercício de 2017, da menos-valia fiscal associada à alienação da participação e créditos associados à D... S.R.L.

(2) À luz da jurisprudência refletida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-01-2019, processo n.º 62/18.4BCLSB, resultando da liquidação contestada (IRC 2017) um imposto a reembolsar à Requerente (€ 21.453,71), “a utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa”. Não é, pois, aplicável a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT (que determina que, quando se impugna uma liquidação de imposto, o valor do processo corresponde à importância cuja anulação se pretende), como também não é de considerar o valor da poupança fiscal, à taxa de 21%, decorrente da aceitação de gastos fiscais (€ 447.567,63).

(3) Considerando que as partes não requereram a produção de prova adicional, determina-se a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

(4) Notifique-se as partes para apresentarem alegações escritas finais no prazo simultâneo de 10 dias.

(5) Notifique-se as partes de que a decisão arbitral será proferida até ao final do prazo estabelecido no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.

(6) Considerando o valor da causa fixado no presente despacho (€ 2.131.274,41), notifique-se a Requerente para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do valor da taxa arbitral em falta (ou seja, € 24,327.00).

Em 29 de março de 2023, a Requerente procedeu ao pagamento da taxa arbitral subsequente nos termos deste despacho.

Em 17 de abril de 2023, a Requerida apresentou as suas alegações. A Requerente não apresentou alegações.

Por Despacho Arbitral de 26 de junho de 2023, o Tribunal prorrogou o prazo do artigo 21.º do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de facto e de direito.

II.  SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O PPA apresentado em 14 de outubro de 2022 é tempestivo porquanto apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar da data em que a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com n.º ...2022... (1 de setembro de 2022).

O processo não enferma de nulidades. A exceção suscitada pela Requerida na Resposta será decidida depois de apreciada a matéria de facto.

Do valor da causa

A liquidação adicional de IRC n.º 2021... resultou num montante a reembolsar à Requerente, não havendo uma “importância cuja anulação se pretende”, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT.

No PPA, a Requerente indicou, como valor da causa, € 447.567,63, correspondente à poupança fiscal, à taxa de 21%, decorrente da aceitação de gastos fiscais no valor de € 2.131.274,41, por entender ser aquele o valor que a Requerente deixaria de pagar, a título de imposto, caso o PPA fosse julgado integralmente procedente.

Contudo, a fórmula usada pela Requerente para determinar o valor da causa foi já expressamente rejeitada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 17 de janeiro de 2019, processo n.º 62/18.4BCLSB, e pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 14 de outubro de 2020, processo n.º 062/18.4BCLSB. Neste último Acórdão, pode ler-se o seguinte:

“a utilidade económica do pedido a não é aferível pelo valor que a recorrente encontrou mediante a aplicação de uma taxa ao montante das correcções impugnadas o qual sempre seria meramente hipotético porquanto não corresponde efectivamente a uma qualquer liquidação que lhe venha a ser efectuada no futuro, uma vez que as correcções que lhe foram efectuadas apenas tiveram reflexo na diminuição dos prejuízos fiscais declarados e eventualmente a reportar que podem, ou não, ser utilizados nos próximos anos/exercícios”.

Tal como resulta deste Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o valor da utilidade económica do pedido, para efeitos do artigo 10.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, é determinado nos termos do artigo 97.º-A do CPPT:

“o RJAT não congloba um critério de determinação do valor dos litígios visando os casos de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável, por não ser possível confinar a utilidade económica desses pedidos, sendo forçoso concluir que a menção ao valor dos litígios que é feita no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 visou conformar o valor dos litígios segundo as regras constantes do CPPT, mormente a ínsita na al. b) do art. 97º-A do CPPT da qual resulta que a atribuição ao valor da causa corresponde ao das correcções impugnadas.”

Seguindo também de perto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul supra identificado, o Tribunal Arbitral considera que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, “a utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa”.

Por Despacho Arbitral de 23 de março de 2023, o Tribunal Arbitral fixou ao processo o valor de € 2.131.274,41 (correspondente ao valor das correções realizadas pela AT e contestadas pela Requerente no PPA, o qual passaria a integrar a esfera de direitos da  C... caso a Requerente obtivesse ganho de causa), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), valor este que mantém na presente Decisão Arbitral.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos Provados

Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, este Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos:

Factos pertinentes à Requerente e ao Grupo B...

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português (com início de atividade em 1 de janeiro de 1985) que, em 2017, enquadrava-se no CAE 64202 – Atividades das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (cf. Relatório de Inspeção Tributária notificado à Requerente pelo Ofício n.º 2021..., de 29 de novembro de 2021, junto ao PPA como Documento 3, constando também do processo administrativo – “RIT”).
  2. A Requerente adquiriu a sociedade C..., S.A. (“C...”) em 23 de dezembro de 2008 (cf. RIT, facto não contestado pela Requerente).
  3. Em 1 de janeiro de 2013, a C... foi incluída no Grupo B...(do qual a Requerente era a sociedade dominante) para efeitos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC (“RETGS”) (cf. RIT, facto não contestado pela Requerente).
  4. Em 31 de dezembro de 2017, do Grupo B... tinha a seguinte composição:

 

(cf. RIT, e referido no artigo 3.º do PPA).

  1. Das declarações Modelo 22 do IRC apresentadas pela Requerente e pelas sociedades do Grupo B..., com referência ao exercício de 2017, retira-se o seguinte:

 

(cf. RIT, informação não contestada pela Requerente).

  1. Em 31 de dezembro de 2017, a Requerente era detida em 50% pela sociedade L... SGPS LDS (por sua vez detida em 99,8% por M...), e em 50% pela sociedade N... SGPS (por sua vez detida em 99,8% por O...) (cf. RIT, facto não contestado pela Requerente).
  2. Em 31 de dezembro de 2017, a C... era detida em 85% pela Requerente, em 7,5% pela L... SGPS, e em 7,5% pela N... SGPS (cf. RIT, facto não contestado pela Requerente).
  3. Em 31 de dezembro de 2017, M... e O... era administradores da Requerente e da C... (cf. RIT, facto não contestado pela Requerente).

Factos pertinentes à transmissão da participação social e à cedência de créditos na D...

  1. A C... iniciou atividade em 1 de janeiro de 1985, encontrando-se, em 2017, enquadrada no CAE 16291 – “Fabricação de outras obras de madeira” (cf. Relatório de Inspeção Tributária notificado à C... pelo Ofício n.º 20215..., de 15 de junho de 2021, junto ao PPA como Documento 7 - “RIT C...”).
  2. Em 24 de janeiro de 2008, a C... adquiriu 50% do capital social da sociedade D... SRL (“D...”) (183.610 ações), pelo valor de € 309.198,00 (cf. RIT, RIT C..., e cf. referido no artigo 11.º do PPA).
  3. A D... era uma sociedade de direito romeno, constituída em 18 de fevereiro de 1999, cuja atividade declarada era a fabricação de outras obras de madeira (cfr. RIT C..., facto não contestado pela Requerente).
  4. Em 12 de dezembro de 2016, a C... adquiriu à Requerente 20% do capital social da D... (73.444 ações), pelo valor de € 1.562.692,00, registando € 600.291,00 na conta de investimentos financeiros (conta 41110111 – Part. Capital-VA D...), e € 962.401,00 na conta de goodwill (conta 44100001 – Trespasse goodwill) (cf. Documento 4 junto ao PPA, RIT e RIT C...).
  5. Em 2017, a C... detinha as seguintes participações sociais:

 

(cf. RIT C..., facto não contestado pela Requerente).

  1. Entre 2009 e 2017, o capital próprio e o resultado líquido da D... variaram conforme demonstrado na seguinte tabela:

 

(cf. RIT C..., informação não contestada pela Requerente).

  1. Em 21 de setembro de 2017, a C... alienou, pelo montante de € 70.00, 70% do capital da D... (257.054 ações) a três entidades: 55% a P... Holding (sociedade de direito sueco) (201.971 ações), por € 55; 10% a Q... (diretor da D...) (36.722 ações), por € 10; e 5% a R... (administradora da D...) (18.361 ações), por € 5 (cf. Documento 5 junto ao PPA, e RIT).
  2. Em 21 de setembro de 2017, a C... cedeu créditos que detinha sobre a D..., no valor de € 2.027.602,00 à P... Holding, pelo montante de € 1.459,000,00 (cf. Documento 6 junto ao PPA, e RIT).
  3. Por ocasião destas transações, a C... desreconheceu os saldos das contas de outros devedores, no total de € 284.542,45:

 

 (cf. RIT, informação não contestada pela Requerente).

  1. A C... registou num único lançamento contabilístico, designado de “Contrato Venda D...”, a alienação da participação na D..., a cedência de créditos na D..., e o desreconhecimento de créditos relativos a outros devedores (cf. RIT e RIT C..., facto não contestado pela Requerente).
  2. Nas demonstrações de resultados da C... dos exercícios de 2016 e 2017 constam os seguintes valores:

 

(cf. RIT C..., informação não contestada pela Requerente).

  1. Nos balanços da C...  dos exercícios de 2016 e 2017 constam os seguintes valores:

 

(cf. RIT C..., informação não contestada pela Requerente).

  1. Na declaração Modelo 22 do IRC do exercício de 2017 (declaração individual), a C... apurou e deduziu uma menos-valia de € 2.415.836,86 (campo 767 do quadro 07), a qual é constituída por:
  • Transmissão da participação de 70% na D...: (- € 1562.692,00);
  • Transmissão dos créditos da C... sobre a D...: (- € 568.602,41);
  • Desreconhecimento do saldo de outras contas de terceiros: (- € 284.542,45).

(cf. RIT e RIT C..., informação não contestada pela Requerente).

  1. A menos-valia contabilística (€ 3.494.665,58) e fiscal (€ 2.415.836,86) apurada pela C..., no período de 2017, foi calculada da seguinte forma:

 

(cf. RIT, informação não contestada pela Requerente).

Factos pertinentes aos procedimentos administrativos e arbitral

  1. Na sequência do procedimento inspetivo (interno e de âmbito parcial) à sociedade C..., ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019... (IRC 2017), a C... foi notificada do RIT C..., de acordo com o qual foi efetuada uma correção à matéria tributável da C... no valor de € 2.415.836,86, com os seguintes fundamentos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cf. Documento 7 junto ao PPA).

  1. Em 2019, foi realizado um procedimento de inspeção tributária (interno e de âmbito parcial) ao exercício de 2017 da Requerente, determinado pela Ordem de Serviço n.º OI2019..., dirigido ao controlo da aplicação do RETGS, no seguimento das correções efetuadas em ações inspetivas realizadas na esfera individual de sociedades que integram o Grupo B..., nomeadamente da C... (cf. RIT, facto não contestado pela Requerente).
  2. Na sequência deste procedimento de inspeção tributária, a Requerente foi notificada do RIT pelo Ofício n.º 20215..., de 29 de novembro de 2021, no qual se pode ler relativamente à transmissão de participações sociais pela C...:

 

 

 

 

 

(cf. RIT).

  1. Do RIT emitido na sequência deste procedimento inspetivo, e tendo em vista repercutir na esfera do Grupo B... a correção operada no apuramento do lucro tributável das sociedades individuais referidas, resultou o montante de € 2.455.530,55 a acrescer ao lucro tributável da Requerente, enquanto sociedade dominante, conforme demonstrado no quadro infra:

 

(cf. RIT, informação não contestada pela Requerente).

  1. Com base no lucro tributável corrigido de € 221.801,09, a derrama municipal agregada e a tributação autónoma agregada, ao nível do RETGS do Grupo B..., passaram a ascender a € 12.986.54 e € 21.003,40, respetivamente (cf. RIT, e referido no artigo 7.º do PPA).
  2. Na sequência do procedimento inspetivo que culminou no RIT, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2021 ..., emitida a 6 de dezembro de 2021, referente ao exercício de 2017, da qual resultou um montante a reembolsar de € 21.453,71 (cf. Documento 2 junto ao PPA).
  3. A Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra esta liquidação de IRC, contestado a correção à matéria tributável da C..., no montante de € 2.415.836,86, que foi autuada com n.º ...2022... (cf. Documento 1 junto ao PPA).
  4. Em 1 de setembro de 2022, foi a Requerente notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com n.º ...2022... (cf. Documento 1 junto ao PPA).
  5. Em 14 de outubro de 2022, a Requerente apresentou o PPA que culminou nos presentes autos.

 

§2. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para a Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

§3. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral, cuja convicção foi formada com base nos articulados e requerimentos apresentados pelas Partes, e nos documentos juntos pelas Partes no decorrer do presente processo arbitral.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC (aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), e consignar se a considera provada ou não provada, conforme o n.º 2 do artigo 123.º do CPPT (aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme o artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões decidendas

A Requerente não concorda com parte da correção à matéria tributável da C... (cujo lucro tributável ou prejuízo fiscal individualmente apurado e declarado integra o lucro tributável do Grupo B..., do qual a Requerente é a sociedade dominante) que resultou do procedimento de inspeção titulado pela Ordem de Serviço n.º OI 2019... (IRC 2017).

A AT procedeu a uma correção à matéria tributável da C... no montante total de € 2.415.836,86. No PPA, a Requerente aceitou a correção fiscal relativa ao desreconhecimento de créditos em outras contas de terceiros, no montante de € 284.542,45. A Requerente aceitou também que, no apuramento do montante da menos-valia resultante da alienação das participações sociais na D..., deveria ter sido tido em conta o valor de realização (€ 70,00).

No presente processo arbitral, a Requerente peticiona a anulação do montante de € 2.131.274,41, composto pelo (1) valor da menos-valia (€ 1.562.672,00) suportada pela C... com a alienação de participações sociais representativas de 20% do capital social da D..., em 21 de setembro de 2017 (adquiridas por 1.562.692,00 e alienadas por € 20,00), e pelo (2) valor da menos-valia (€ 568.602,41) suportada pela C... com a cedência de créditos na D..., em 21 de setembro de 2017 (com o valor contabilístico de € 2.027.602,41, transmitidos por € 1.459.000,00).

Com base na correção à matéria tributável da C... supra referida (no montante total de € 2.415.836,86), a AT corrigiu a matéria tributável do Grupo B... referente ao exercício de 2017 e emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., juntamente com a demonstração de acerto de contas n.º 2021..., da qual resultou imposto a reembolsar à Requerente no montante de € 21.453,71.

À luz do princípio da proibição da fundamentação a posteriori dos atos tributários, o Tribunal Arbitral apreciará e decidirá a legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2021...  (objeto mediato do PPA) à luz dos fundamentos contidos no RIT e no RIT C..., ou seja, com base nos relatórios de inspeção que precederam a referida liquidação de imposto.

Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).

O mesmo princípio havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:

“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17).

“A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15).

O mesmo entendimento encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 2 de fevereiro de 2015, processo n.º 628/2014-T; de 11 de janeiro de 2021, processo n.º 411/2020-T; de 21 de janeiro de 2021, processo n.º 865/2019-T; de 25 de janeiro de 2021, processo n.º 851/2019-T; de 7 de setembro de 2021, processo n.º 646/2020-T; de 21 de fevereiro de 2022, processo n.º 440/2021-T; de 26 de julho de 2022, processo n.º 587/2021-T; de 9 de fevereiro de 2023, processo n.º 610/2022-T; de 29 de maio de 2023, processo n.º 762/2022-T.

In casu, o princípio da proibição da fundamentação a posteriori impede o Tribunal Arbitral de apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2021..., emitida a 6 de dezembro de 2021, com referência à fundamentação que consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com n.º ...2022..., ou da Resposta da AT ao PPA apresentado pela Requerente, que não conste também da fundamentação dos relatórios de inspeção tributária (RIT e RIT C...) que estiveram na origem da referida liquidação de IRC.

A Requerida suscitou, no PPA, a exceção (dilatória) da incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação da AT à prática de atos de apuramento de prejuízos fiscais, exceção esta suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da causa e de dar lugar à absolvição da instância (cf. artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea a), do CPC), pelo que Tribunal apreciará este vício em primeiro lugar (cf. artigo 608.º, n.º 1, do CPC).

§2. Exceção dilatória: Da incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação da AT à prática de atos de apuramento de prejuízos fiscais

Posição da Requerida

A competência dos tribunais arbitrais é circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que estejam abrangidas pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. É manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de apuramento de um prejuízo fiscal, ao nível do RETGS, no valor de € 1.909.473,32 (quantificado pela Requerente).

Posição da Requerente

A Requerente concorda, quanto a esta questão, com a Requerida, uma vez que o pedido imediato da Requerente não é o apuramento dos prejuízos fiscais, mas a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa proferido no âmbito do processo n.º ...2022..., e a anulação parcial da liquidação adicional de IRC do exercício de 2017, com o n.º 2021..., emitida a 6 de dezembro de 2021, assim como da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2021... . O Tribunal Arbitral tem competência para apreciar e decidir estes pedidos de anulação.

O apuramento de um prejuízo fiscal é uma mera consequência dos pedidos da Requerente, ou seja, uma mera consequência da anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e da anulação parcial da liquidação adicional de IRC peticionadas pela Requerente, não sendo necessário que o Tribunal Arbitral efetue os cálculos referentes ao prejuízo fiscal.

Apreciação do Tribunal

No PPA, a Requerente deixa claro que a sua pretensão tem por objeto uma liquidação de IRC e uma decisão de indeferimento de reclamação graciosa. Contudo, na formulação do pedido, a Requerente requereu não apenas a anulação destes atos, mas também o “apuramento de um prejuízo fiscal, no exercício de 2017, ao nível do RETGS do Grupo B..., no valor de € 1.909.473,32”.

Com efeito, tal como reconhecido por ambas as Partes, a competência dos Tribunais Arbitrais em matéria tributária compreende pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade e anulação de atos de liquidação de tributos e de atos de indeferimento de reclamações graciosas, mas inexiste qualquer base legal que permita aos Tribunais Arbitrais apurar o montante de prejuízos fiscais, ainda que tal cômputo não seja mais do que uma consequência, ao nível de execução de julgados, da declaração de ilegalidade e anulação dos atos contestados. No mesmo sentido, ver a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 587/2014-T, de 15 de janeiro de 2015.

Conclui-se, assim, que a condenação da AT no reconhecimento de prejuízos fiscais se encontra excluída do âmbito da competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral julga procedente a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria (invocada pela AT), declarando-se, em consequência, o Tribunal Arbitral absolutamente incompetente para conhecer da parte do pedido formulado pela Requerente relativo ao “apuramento de um prejuízo fiscal”, com a consequente absolvição parcial da instância em relação à AT, à face do disposto no artigo 89.º, n.º 2, e n.º 4, alínea a), do CPTA. e dos artigos 278.º e 577.º do CPC (por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT).

Por último, cabe notar que a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar um dos pedidos contido no PPA, havendo outros para os quais este Tribunal Arbitral seja competente (designadamente, pedidos de anulação de liquidação e de ato de indeferimento de reclamação graciosa), apenas tem como consequência que o pedido para o qual o Tribunal Arbitral é incompetente se considere “sem efeito”, como se infere do que, embora a outro propósito, se refere no n.º 4 do artigo 186.º do CPC, ao aludir a situações em que “um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal”.

Veja-se, neste sentido, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0242/09 (de 8 de julho de 2009), onde se conclui, precisamente, que:

“No que se refere à impossibilidade de cumulação de pedidos (...), dever-se-ia determinar não o indeferimento liminar da petição mas o prosseguimento do processo para conhecimento da ilegalidade da liquidação, por ser esse pedido compatível com a forma de processo utilizada [cfr. o artigo 193.º, n.º 4 do CPC; neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e Comentado, vol. II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 116 (nota 17 ao art. 165.º do CPPT) e o Acórdão deste Tribunal de 11 de Fevereiro de 2008 (rec. 875/08)]”.

Assim sendo, não obstante a procedência da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral quanto ao pedido de apuramento do prejuízo fiscal, não fica prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos contidos no PPA.

 

§3. Das menos-valias apuradas e declaradas pela C..., no exercício de 2017, em resultado da alienação das participações sociais e da cessão de créditos na D...

Legislação relevante (em vigor à data dos factos)

No artigo 23.º, n.ºs 1 a 3, do Código do IRC, com relevo para a decisão, pode ler-se:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(...)

(l) Menos-valias realizadas;

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

O artigo 51.º-C, n.ºs 1 e 2, do Código do IRC dispõem o seguinte:

“1 - Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável às mais e menos-valias realizadas com a transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais aí referidas, designadamente prestações suplementares.”

No artigo 51.º do Código do IRC, na parte relevante, pode ler-se o seguinte:

“1 - Os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas; (Redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março);

c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º;

d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;

e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

2 - O requisito previsto na alínea d) do número anterior é dispensado quando se verifique o cumprimento cumulativo das condições previstas no n.º 6 do artigo 66.º.”

Síntese da posição da Requerida no RIT e no RIT C...

A menos-valia alegadamente suportada pela C... com a transmissão da respetiva participação na D..., em 21 de setembro de 2017, não concorre para a determinação do lucro tributável da C... do exercício de 2017, visto que, a essa data (21 de setembro de 2017), a participação da C... na D... era já superior a 10% há mais de um ano (a C... adquiriu 50% do capital social da D... em 24 de janeiro de 2008). Para efeitos do artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC (que exclui certas mais-valias e menos-valias do apuramento do lucro tributável), não é relevante que a C... tenha adquirido 20% do capital social da D... em 12 de dezembro de 2016. Daqui se retira que a totalidade da menos-valia sofrida pela C...  por ocasião da alienação de 70% do capital social da D... está sujeita ao disposto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC, não concorrendo a mesma para o lucro tributável da C... do exercício de 2017.

Do artigo 11.º, n.º 3, da LGT extrai-se o princípio do primado da substância sobre a forma. O acordo de cessão de créditos entre a C... e P... integra e não pode ser dissociado do negócio da transmissão de 70% do capital social da D... (ambos foram executados na mesma data e existem referências cruzadas entre os contratos), formando ambas as transações o mesmo negócio (tal como reconhecido pelo sujeito passivo). Acresce que o preço do negócio foi definido tendo em conta, em conjunto, a cedência das participações sociais e dos créditos na D..., com o correspondente desreconhecimento na contabilidade de todos os ativos e passivos com a mesma relacionados. Assim sendo, qualquer menos-valia decorrente da dita cessão de créditos não releva igualmente para efeitos fiscais, nos termos dos artigo 51.º-C, n.ºs 1 e 2, do Código do IRC.

A não ser assim, uma vez que, da cessão dos referidos créditos não resulta que os mesmos tenham sido “incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, conforme está estipulado na regra geral de aceitação de gastos fiscais, prevista no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, não será passível de aceitação fiscal a perda que decorre de tal cessão de créditos. O único motivo que o sujeito passivo indicou para a prática de um preço de venda muito inferior ao respetivo valor contabilístico foi o facto de o preço ter sido acordado entre partes independentes, não tendo apresentado factos ou argumentos nem justificação válida para a consideração fiscal da perda incorrida e registada contabilisticamente.

Além do mais, a referida perda nem sequer poderia ser aceite como gasto fiscal dedutível por não cumprir qualquer dos requisitos previstos nas diversas alíneas do artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

Síntese da posição da Requerente

Relativamente à cedência das participações sociais da C... na D..., em 21 de setembro de 2017, o requisito temporal de detenção de 20% das participações sociais da D... (adquiridas em 12 de dezembro de 2016) por mais de um ano não se encontrava preenchido (não sendo aplicável o disposto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC). Assim sendo, a menos-valia decorrente da alienação de participações sociais representativas de 20% do capital social da D... (€ 1.562.672,00) é relevante para efeitos fiscais, tendo sido corretamente deduzida na declaração Modelo 22 do IRC da C... .

As participações sociais representativas de 50% do capital social da D... (adquiridas em 2008) não foram consideradas no apuramento da menos-valia em apreço, por se encontrar verificado, em relação às mesmas, o requisito temporal exigido pelo artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC. Por outras palavras, a menos-valia decorrente da alienação destas participações sociais não concorre para o lucro tributável.

O valor de realização previsto no contrato de alienação (€ 70,00) deverá ser distribuído de forma proporcional entre as partes sociais adquiridas em 2008 e 2016, pelo que a menos-valia fiscal deverá ascender a € 1.562.672, tal como demonstrado na tabela infra:

 

No que concerne à cessão de créditos operacionais detidos sobre a D..., pela C... à P..., a mesma não está incorporada na venda das partes sociais da D..., desde logo, porque, por um lado, existem valores contratualmente fixados para a alienação da participação e para a cessão de créditos; por outro, porque existe um contrato específico para a cessão de créditos. Não obstante o facto de a operação de alienação das partes sociais na D... estar relacionada com a alienação de créditos sobre a D..., o tratamento fiscal não deve ser uniformizado tal como pretendido pela AT.

Há ainda que ressalvar que a cessão de créditos em apreço teve subjacente créditos que não configuraram “instrumentos de capital próprio”, dado que se tratam de créditos operacionais, não podendo beneficiar do regime previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC, em função do mencionado no respetivo n.º 2.

Aliás, o tratamento fiscal concebido pela C... aquando da entrega da Modelo 22 de 2017, encontra-se em linha com o emanado pela AT no âmbito da ficha doutrinária referente ao processo n.º 2018 003942, onde a AT refere o enquadramento de uma operação de cessão de créditos ao abrigo dos artigos 46.º e seguintes do Código do IRC: “Em sede de IRC, os ganhos realizados ou as perdas sofridas com a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do artigo 18.º, são considerados como mais-valias ou menos-valias. Temos, assim, que as transmissões onerosas de créditos se encontram abrangidas pelo regime das mais-valias e menos-valias, estabelecido no artigo 46.º do Código do IRC, neste caso em concreto, pela alínea b) do n.º 1”.

A C... apurou, nos termos dos artigos 46.º e seguintes do Código do IRC, uma menos-valia fiscal no valor de € 568.602,41, conforme se demonstra na tabela infra:

 

Acresce que, se a C... optou, em 2017, por alienar os créditos detidos sobre a D..., tal decorreu de uma ponderada decisão de gestão que se encontrava nos melhores interesses da C... e, por isso, em linha com o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. No caso em concreto, a alienação de créditos no contexto em que ocorreu foi exatamente a forma de visar a redução de perdas com estes créditos, pois seria claro que a alienação de estes créditos, por exemplo, a uma instituição financeira, poderia revelar-se um negócio menos atrativo, pelo que o comportamento da Requerente visou bons princípios de gestão e maximização do lucro, não tendo qualquer cabimento o artigo 23.º do Código do IRC.

Apreciação do Tribunal quanto à alienação das participações sociais na D...

As partes contendem sobre se a menos-valia alegadamente suportada pela C... com a transmissão das respetivas participações sociais na D... (em 21 de setembro de 2017) concorre para a determinação do lucro tributável da C... do exercício de 2017, à luz do disposto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC.

Considerando a posição das partes, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar e determinar o seguinte:

  • Se o regime da participation exemption previsto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC é aplicável à totalidade da menos-valia suportada por um sujeito passivo de IRC em virtude de uma transmissão onerosa de partes sociais, bastando para o efeito que, à data da transmissão, o sujeito passivo (a) detenha uma participação não inferior a 10% do capital social ou dos direitos de voto da sociedade cujas participações são transmitidas, e (b) detenha tal participação ininterruptamente por um período não inferior a um ano?

No RIT e no RIT C..., a AT argumenta que, à data da transmissão das participações sociais na D... (21 de setembro de 2017), a C... já detinha uma participação não inferior a 10% do capital social da D... por um período não inferior a um ano (em 24 de janeiro de 2008, a C... tinha adquirido 50% do capital social da D...), pelo que o regime contido no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC é aplicável à totalidade da menos-valia suportada pela C... com a transmissão de partes sociais que ocorreu em 21 de setembro de 2017.

  • Se o regime da participation exemption previsto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC apenas é aplicável à menos-valia suportada por um sujeito passivo de IRC com a transmissão onerosa de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano, sendo também necessário que, à data da transmissão, o sujeito passivo de IRC detenha uma participação não inferior a 10% do capital social ou dos direitos de voto da sociedade cujas participações são transmitidas?

Defende a Requerente que, no momento da transmissão (21 de setembro de 2017), o requisito temporal exigido pelo artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC não se encontrava cumprido relativamente às partes sociais representativas de 20% no capital social da D..., que foram adquiridas em 12 de dezembro de 2016. Assim sendo, a menos-valia fiscal de € 1.562.672,00 concorre para o resultado fiscal da C... .

Considerando que a letra do artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC é clara no sentido de que “as (...) menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa (...) de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a um ano” não concorrem para o lucro tributável do sujeito passivo em sede de IRC, temos que assiste razão à Requerente quanto a esta questão.

Note-se que este entendimento foi também adotado na Decisão Arbitral n.º 436/2019-T, de 16 de dezembro de 2019, na qual, para efeitos do artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC, o Tribunal Arbitral identificou as ações que haviam sido adquiridas há menos de um ano (a contar da data da transmissão), e determinou que as mais-valias/menos-valias correspondentes a estas ações se encontravam fora do âmbito de aplicação do referido preceito (concorrendo para o lucro tributável do sujeito passivo). Esta interpretação implicou (1) distinguir partes sociais que são adquiridas há mais de um ano (a contar da data da transmissão), que ficam sujeitas ao disposto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC (as respetivas mais-valias/menos-valias não concorrem para o lucro tributável), e as partes sociais que são adquiridas há menos de um ano, que não são abrangidas por este regime da participation exemption (as respetivas mais-valias/menos-valias concorrem para o lucro tributável), e (2) calcular a mais-valia/menos-valia correspondente às partes sociais que são adquiridas há menos de um ano (repita-se: não abrangidas pelo regime da participation exemption contido no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC), às quais se aplicam as regras dos artigos 46.º e 47.º do Código do IRC.

Do exposto supra resulta que a AT incorreu em erro de direito (1) ao interpretar o artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC no sentido de que, para a totalidade da menos-valia associada à alienação de partes sociais não relevar para o lucro tributável, basta que a sociedade alienante detenha, à data da alienação, uma participação não inferior a 10% no capital social da sociedade cujas participações são alienadas, por um período ininterrupto não inferior a um ano, e (2) ao concluir que a totalidade da menos-valia suportada pela C... com a alienação das partes sociais na D... seria abrangida pelo artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC, desconsiderando que, à data da referida alienação (21 de setembro de 2017), 20% de tais partes sociais haviam sido adquiridas há menos de um ano (12 de dezembro de 2016).

Errou também a AT quando, para efeitos de calcular a menos-valia abrangida pelo artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC, considerou o valor recebido pela C... em virtude da cessão de créditos como parte do valor recebido pela C... em virtude da cessão de partes sociais. Senão vejamos.

É verdade que, no decorrer do procedimento inspetivo, a Requerente referiu que o reduzido valor de realização da transmissão das participações sociais deveu-se ao facto de a cessão do créditos estar incluída no mesmo negócio: “a segregação no que respeita ao valor de realização entre os créditos e participação prevista no contrato, resulta de critérios negociais entre partes não relacionadas, ou seja, primeiramente foi definido o valor de realização associado aos créditos e só depois o valor da participação, dado que os créditos terão necessariamente uma probabilidade recuperabilidade bastante mais significativa do que o investimento realizado na participação.”

Todavia, estão em causa dois contratos independentes, cuja consideração conjunta (como “negócio global”) para efeitos fiscais, carece de base legal específica (não bastando à AT invocar os movimentos contabilísticos efetuados pela C..., ou uma explicação mais ou menos convincente oferecida pela Requerente no decorrer do procedimento inspetivo).

A Requerida faz referência ao artigo 11.º, n.º 3, da LGT (“Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”), que contém uma regra interpretativa que tem sido utilizada pelos Tribunais Superiores para, havendo dúvida fundada sobre se uma norma fiscal recorre (i) a um conceito civilístico, ou a um conceito próprio de outro ramo do direito, ou (ii) a um conceito económico, ou a um conceito específico do direito fiscal, dar relevância a este último (v. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de março de 2003, processo n.º 01721/02; de 28 de maio de 2003, processo n.º 01968/02; de 24 de março de 2010, processo n.º 01241/09; de 23 de janeiro de 2013, processo n.º 01061/11).

Todavia, este princípio interpretativo não permite à AT ignorar ou re-caracterizar as transações dos sujeitos passivos. Para emitir uma liquidação com base numa prática abusiva, a AT poderia ter lançado mão da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, que lhe permite “desconsiderar os efeitos fiscais resultantes de operações sem fundamento económico, artificialmente construídas com propósitos essenciais de elisão fiscal”, observado o procedimento estatuído no artigo 63.º do CPPT (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo n.º 2925/04.5BELSB, de 30 de setembro de 2020). Aliás, este instrumento já tem sido utilizado pela AT para desconsiderar menos-valias (v. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de outubro de 2022, processo n.º 2557/08.9BCLSB). Mas, no caso sub judice, a AT não recorreu ao artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Considerando a transmissão das participações sociais da D... individualmente (sem conexão com a cessão de créditos), a AT poderia ter alegado que a menos-valia não observou o critério da indispensabilidade ínsito no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, no qual se pode ler: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.” Vejamos.

As menos-valias realizadas constituem gastos para efeitos de IRC (cf. artigo 23.º, n.º 2, alínea l), do Código do IRC) e, enquanto gastos, apenas são dedutíveis ao lucro tributável se satisfizerem o critério da indispensabilidade aplicável aos restantes gastos. Tal como referido no Acórdão do Doutro Supremo Tribunal Administrativo de 27 de junho de 2018, processo n.º 01402/17, “E que o facto de as menos valias realizadas fazerem parte do elenco exemplificativo dos custos fiscais elegíveis não as subtrai ao teste da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, que o corpo do artigo proclama como regra geral.”

A este propósito, interessa salientar que, por regra, as medidas de gestão ficam fora do controlo da AT, e que “a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade” (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de junho de 2017, processo n.º 0627/16; de 27 de junho de 2018, processo n.º 01402/17). Excecionalmente, a AT pode sustentar (fundadamente) que os gastos “não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios” (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de junho de 2017, processo n.º 0627/16; de 27 de junho de 2018, processo n.º 01402/17), recaindo sobre o contribuinte o ónus de remover essas dúvidas (fundadas).

Tal como referido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 16 de abril de 2015, processo n.º 00094/02-Porto, “quer a jurisprudência, quer a doutrina, têm vido a entender que o conceito legal de indispensabilidade não exige mais do que a comprovação do interesse empresarial do gasto, dito de outro modo, que nele se incorra com orientação e motivação empresarial”. Se, pelo contrário, os gastos foram suportados com o objetivo de beneficiar terceiros, o requisito da indispensabilidade afasta a dedutibilidade dos mesmos. Tal como observado pelo Professor Rui Duarte Morais, “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável” (in Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87).

Especificamente em relação a menos-valias geradas por transmissões de partes sociais, veio o Supremo Tribunal Administrativo dizer o seguinte:

“Não pode a AT desconsiderar na formação do lucro tributável a menos-valia resultante da venda de participações sociais duma sociedade que se dedica à mesma actividade do sujeito passivo, se não põe em causa que a aquisição e venda dessas participações se insere no escopo societário e se não põe em causa a realidade dos preços de aquisição e de venda nem a sua conformidade aos valores de mercado. Não pode, designadamente, desconsiderar essa menos-valia com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes dessa menos-valia” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de junho de 2017, processo n.º 0627/16).

Daqui se retira que, in casu, para efeitos do critério da indispensabilidade ínsito no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, a AT poderia ter questionado se a transmissão das participações sociais na D... foi realizada no interesse da C... (ou no interesse de terceiros), ou se o valor de realização (€ 70,00) é conforme aos valores de mercado. A 31 de dezembro de 2016, o valor contabilístico das participações sociais alienadas pela C... (representativas de 70% do capital social da D...) era € 1.775.270,33 (€ 2.536.100,47 x 70%). A 31 de dezembro de 2017, este valor aumentou para € 2.022.331,54 (€ 2.889.045,06 x 70%). Conclui-se, assim, que o valor de realização de € 70,00 é simbólico quando considerado o valor contabilístico das partes sociais transmitidas.

O preço de realização de € 70,00 é também simbólico quando considerado o valor de aquisição das partes sociais alienadas pela C... em setembro de 2017: € 1.871.890,00. No decorrer do procedimento inspetivo, do procedimento de reclamação graciosa e do processo arbitral, a Requerente não avançou qualquer fundamento, quer racional, quer económico, para que a alienação das partes sociais na D... tenha sido efetuada por um valor tão diminuto vis-a-vis o valor de aquisição e o valor contabilístico das mesmas.

Sublinhe-se que, em 2016, a D... teve um resultado líquido negativo (- € 276.080,10), mas os capitais próprios permaneceram elevados (€ 2.536.100,47). Já em 2017, o resultado líquido do exercício foi positivo (€ 8.133,11), e os capitais próprios aumentaram para € 2.889.045,06.

Quanto ao interesse da C... na transmissão das partes sociais na D... por € 70,00, note-se que o impacto desta transação na situação financeira e patrimonial da C... foi claramente negativo, sendo a referida transmissão a principal causa para o resultado líquido de exercício da C... passar de valores francamente positivos, em 31 de dezembro de 2016 (€ 1.020.491,10) para valores francamente negativos, em 31 de dezembro de 2017 (- € 2.483.729,34).

A liberdade e autonomia de gestão da C... não impedia a AT de a questionar sobre todos estes valores. Contudo, não tendo a AT questionado a indispensabilidade da menos-valia em apreço à luz do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, nem tendo a AT fundado a desconsideração da mesma numa norma anti-abuso (e.g., na cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT), não pode o Tribunal Arbitral corrigir a fundamentação contextual / contemporânea da liquidação adicional de IRC n.º 2021 8010007642. Tal como resulta da jurisprudência citada supra, a fundamentação dos atos de liquidação a posteriori não é admissível.

Pelo exposto supra, não resta ao Tribunal Arbitral senão reconhecer à C... o direito de deduzir a menos-valia gerada pela alienação de 20% das partes sociais na D..., por a mesma não se encontrar abrangida pelo artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC.

Esta menos-valia corresponde à diferença entre “o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A” (cf. artigo 46.º, n.º 2, do Código do IRC).

In casu, tal como defendido pela Requerente, a menos-valia suportada pela C... em virtude da alienação de 20% das participações sociais na D..., em 21 de setembro de 2017, foi de € 1.562.672,00, que corresponde à diferença entre o valor de realização de € 20,00 (€ 70,00 x 28,57%) e o valor de aquisição de € 1.562.692,00.

Nestes termos e com estes fundamentos, o Tribunal Arbitral declara ilegal e anula parcialmente a correção à matéria tributável da C... do exercício de 2017, na parte relativa à desconsideração da menos-valia gerada pela alienação de 20% das partes sociais na D..., em 21 de setembro de 2017, no montante de € 1.562.672,00.

Apreciação do Tribunal quanto à cessão de créditos na D...

Por motivos de clareza, importa começar por referir que créditos operacionais não constituem nem “instrumentos de capital próprio” (definido na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 – “Instrumentos Financeiros”, parágrafo 5, como contratos que evidenciem “um interesse residual nos activos de uma entidade após dedução de todos os seus passivos”) para efeitos do artigo 51.º-C, n.º 2, do Código do IRC, nem “ativos fixos tangíveis”, “ativos intangíveis”, “ativos biológicos não consumíveis” ou “propriedades de investimento”, para efeitos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC. Note-se, a este respeito, que “ativo intangível” constitui um “ativo não monetário identificável sem substância física”, não se confundindo com “ativos monetários”, ou seja, “dinheiros detidos e ativos a ser recebidos em quantias fixadas ou determináveis em dinheiro” (cf. Norma Contabilística e de Relato Financeiro 6 – “Activos Intangíveis”, parágrafo 8). Todavia, créditos operacionais integram o conceito de “instrumentos financeiro” (definido na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 – “Instrumentos Financeiros”, parágrafo 5, como “contrato que dá origem a um activo financeiro numa entidade e a um passivo financeiro ou instrumento de capital próprio noutra entidade”).

Não restam dúvidas que uma cessão de créditos operacionais, individualmente considerada, (1) não poderá beneficiar do disposto no artigo 51.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRC, e (2) poderá gerar uma mais-valia tributável, ou uma menos-valia dedutível ao lucro tributável, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC.

No que respeita a menos-valias apuradas em virtude de cessões de créditos, para serem dedutíveis ao lucro tributável como gasto (ao abrigo do artigo 23.º, n.º 2, alínea l), do Código do IRC), as mesmas têm de observar os requisitos gerais de dedutibilidade dos gastos, designadamente, o requisito da indispensabilidade do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC (Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de junho de 2018, processo n.º 01402/17; Decisão Arbitral de 6 de abril de 2019, processo n.º 410/2018-T).

Tal como referido supra, a liberdade e autonomia de gestão da C... não impede a AT de a questionar relativamente (a) ao interesse empresarial da C... em ceder créditos sobre a D... (uma sociedade solvente) com o valor nominal de € 2.027.602,41, por € 1.459.000,00, sofrendo uma perda substancial, no montante de € 568.602,41, ou (b) às motivações subjacentes a esta transação.

In casu, a Requerente invocou que o valor de realização da cessão de créditos sobre a D... foi acordado por partes independentes (não relacionadas), e que era do interesse da C...  ceder os créditos a uma entidade não financeira. Esta explicação, para além de não comprovada factualmente, não é convincente, ou credível, para o Tribunal Arbitral. Na realidade, a C... executou duas operações (alienação de participações sociais e cessão de créditos) geradoras de menos-valias (que deduziu ao lucro tributável do exercício de 2017), em relação às quais não é clara a identidade do titular do interesse empresarial (se a C..., se terceiros), como não são claras as motivações subjacentes às mesmas.

Pelo exposto, e considerando as circunstâncias em que a cessão de créditos foi realizada, o Tribunal Arbitral tem como fundadas as dúvidas suscitadas pela AT quanto à indispensabilidade da menos-valia gerada por esta transação, à luz do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC. Por sua vez, a Requerente não avançou, como lhe competia, uma explicação credível para os termos em que a cessão de créditos foi negociada e ocorreu, designadamente, para o facto de a C... ter cedido os créditos que detinha sobre a D... por um valor substancialmente inferior (€ 1.459.000,00) ao respetivo valor nominal (€ 2.027.602,41). Não há qualquer indício, por exemplo, de que a D... fosse uma sociedade insolvente, ou que os créditos em causa fossem incobráveis.

Nestes termos e com estes fundamentos, o Tribunal Arbitral determina a manutenção (parcial) na ordem jurídica da correção à matéria tributável da C... do exercício de 2017, na parte relativa à desconsideração da menos-valia gerada pela cessão de créditos na D..., em 21 de setembro de 2017, no montante de € 568.602,41, improcedendo o PPA quanto a esta parte.

Como consequência do disposto pelo Tribunal Arbitral relativamente à correção à matéria tributável da C... do exercício de 2017 que deu origem à liquidação adicional de IRC n.º 2021..., de 6 de dezembro de 2021, declara-se ilegal e anula-se:

  1. A liquidação adicional de IRC n.º 2021..., juntamente com a demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na parte relativa à menos-valia gerada pela alienação de partes sociais na D..., no montante de € 1.562.672,00;
  2. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com n.º ...2022..., na parte relativa à menos-valia gerada pela alienação de partes sociais na D... .

V.  DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar o pedido de pronúncia arbitral parcialmente procedente e, em consequência, declarar ilegal e anular:

  1. A liquidação adicional de IRC n.º 2021 ..., juntamente com a demonstração de acerto de contas n.º 2021..., na parte relativa à menos-valia gerada pela alienação de partes sociais na D..., no montante de € 1.562.672,00;
  2. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com n.º ...2022..., na parte relativa à menos-valia gerada pela alienação de partes sociais na D... .

 

VI.  VALOR DO PROCESSO

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, do CPPT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.131.274,41.

 

VII.  CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em 27.846,00, ficando € 7.429,31 a cargo da Requerente, e € 20.416,69 a cargo da Requerida, em proporção do respetivo decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de agosto de 2023

Os Árbitros,

 

Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente)

Gonçalo Marquês de Menezes Estanque

 

Henrique Fernando Rodrigues