Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 413/2016-T
Data da decisão: 2017-01-10  IRS  
Valor do pedido: € 4.894,07
Tema: IRS - União de facto. Identidade de domicílio fiscal. Artigo 14º do Código do IRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

PARTES

Requerente: A…, NF…, residente na Rua … nº … …– … Lisboa.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 20 de Julho de 2016, o Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      O Requerente pretende (em termos imediatos) a anulação da decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico nº … 2016 … pelo qual pretendeu anular a liquidação de IRS do ano de 2014 nº 2015…, no montante de 4 894,07 euros (objecto mediato do pedido).

c)      Liquidação que a AT levou a efeito em substituição da inicialmente concretizada face à entrega do Modelo 3 do IRS, em 31.05.2015 pelo Requerente e companheira, quanto ao ano de 2014, assinalando-se a opção “unidos de facto” com B… NF …, efectivando-se a anulação da liquidação inicial com o reembolso do valor entretanto regularizado, no valor de 1 893,15 euros.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

d)      O Requerente invoca a ilegalidade do acto de liquidação impugnado, assacando-lhe o vício de violação de lei por erro de direito da AT (desconformidade com as normas do artigo 14º do Código do IRS na redacção vigente à data dos factos).

e)      Uma vez que considera que deveria ser aceite a declaração de IRS apresentada com a opção pelo regime de tributação da condição de unido de facto, já que, nomeadamente é co-arrendatário com a sua companheira, no contrato locativo do imóvel sito na Rua do … nº … – …. em Lisboa, desde Setembro de 2011, contrato manifestado às Finanças pelo locador para efeitos de liquidação de imposto do selo, local que é domicílio fiscal da companheira desde 2011.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

f)       O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 17-08-2016.

g)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 29-09-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

h)      O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 17-10-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

i)       Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 17-10-2016 que aqui se dá por reproduzida.

j)       Logo em 18-10-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 23.11.2016, protestando juntar o PA, o que veio a fazer em 06.12.2016. Foram juntos dois ficheiros informatizados, um relativo à reclamação graciosa com 48 laudas e outro sobre ao recurso hierárquico com 28 laudas.

k)      Por despachos de 23.11.2016 e de 05.12.2016 o TAS questionou as partes sobre se prescindiam da reunião do artigo 18º do RJAT e bem assim de alegações.

l)       Em 04.12.2016 o Requerente apresentou um requerimento a que chamou de aclaração de exposição e elementos processuais e juntou 2 documentos. Quanto a esta junção foi a AT convidada a pronunciar-se, querendo, no exercício do princípio do contraditório, conforme primeira parte do despacho de 05.12.2016. Não exerceu a AT o direito de se pronunciar sobre o requerimento e documentos.

m)   Não se realizou, conforme acima descrito, a reunião de partes do artigo 18º do RJAT, nem as partes produziram alegações orais ou escritas, actos que as partes entenderem ser desnecessários.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

n)      Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica e capacidade judiciária, são partes legítimas e a AT está representada (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Dado o valor da utilidade económica aqui em causa de 4 894,07 euros, inferior ao dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância: 10 000,00 euros, o Requerente pode, como de resto levou à prática, nos termos do artigo 6º-1 do CPPT, intervir no processo sem estar representado por advogado.

o)      Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos do inciso j) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Igualmente quanto à tramitação processual subsequente o TAS seguiu o que resulta da posição expressa ou tácita das partes como se escreve nas alíneas k) a m) supra.

p)      Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto do Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 20.07.2016 e a notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico ter sido levada a efeito pelo ofício … de 16.05.2016, registo dos CTT de 19.05.2016.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE

 

q)      O Requerente discorda da liquidação de IRS do ano de 2014 que a AT levou a efeito, em substituição da inicialmente concretizada, face à entrega do Modelo 3 do IRS, em 31.05.2015 pelo Requerente e companheira, assinalando-se a opção “unidos de facto” com B… NF … .

r)       Entende que em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico provou, até antes da data de 31.12.2014, a sua identidade de domicílio fiscal com a sua companheira, durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto (nº 2 do artigo 1º da Lei 7/2001, de 11 de Maio e artigo 14º do Código do IRS);

s)      Uma vez que apresentou à AT um contrato de arrendamento evidenciando que é co-arrendatário, com a sua companheira, desde 16 de Setembro de 2011, do 1ºandar direito do prédio sito na Rua do…, nº…, em Lisboa, manifestado às Finanças pelo locador em 13.10.2011, entende ser prova suficiente de que ambos vivem em condições análogas às dos cônjuges;

t)       E apresentou ainda em Julho de 2014, além do contrato de arrendamento acima referido, uma cópia do recibo de renda do mês de Janeiro de 2014 (em seu nome na condição de inquilino), o teor de uma escritura realizada em 06.08.2010 no Cartório Notarial de … onde o Requerente e companheira constam como tendo a mesma residência (a do contrato de arrendamento), uma factura da … de 02.12.2011, o teor de um contrato de fornecimento de gás e uma carta de extinção de contrato de trabalho da empresa C…, Lda. de 16.03.2012, indicando todos estes documentos o endereço do Requerente que corresponde com a toponímia do prédio objecto da locação.

u)      Entende o Requerente, face aos documentos apresentados, que fez prova dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 14º do Código do IRS e do nº 2 do artigo 14º do Código do IRS, face à identidade de toponímia e número de polícia que evidenciam.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

v)      A posição da Requerida tem dois pontos de discordância face à leitura da lei defendida pelo Requerente.

w)    Numa primeira linha de dissonância refere: “Os sujeitos passivos em causa não tinham o mesmo domicílio fiscal no período de tributação em apreço, pelo que forçoso é concluir que não estão reunidos os requisitos exigidos na disposição legal supra mencionada por forma a ser possível considerar a opção pelo regime de “União de facto””. “ O Requerente, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT), não comunicou a alteração da sua residência fiscal à Requerida, pelo que essa alteração não lhe pode ser oponível”. “Apenas em 03-06-2015 é que o ora Requerente comunicou à Administração Tributária, o domicílio fiscal da Rua do…, n.º …-… direito, de acordo com o disposto no artigo 19.º, n.º 3 e 4 da Lei Geral Tributária (LGT)”.

x)      E acrescenta: “… o estatuto tributário da união de facto incorpora nos seus pressupostos aquisitivos o requisito formal de cumprimento tempestivo da obrigação declarativa de inscrição ou actualização do domicílio no Registo de Contribuintes, requisito que acresce à identidade de residência habitual, não se bastando com esta”.

y)      E conclui: “Assim sendo, quando não exista comunicação atempada ou não tenha mesmo existido comunicação, por parte de ambos ou de um dos membros da união de facto, da alteração do domicílio para efeitos de registo no número de contribuinte, deixa de se verificar o pressuposto formal aquisitivo do estatuto tributário das uniões de facto, previsto no artigo 14º do CIRS”.

z)      Numa segundo linha de discordância com o Requerente refere a AT: “… a documentação carreada aos autos: - Contrato de arrendamento; - Uma factura da … referente ao período de 20-09-2011 15-11-2011; - Uma comunicação de cessação de contrato de trabalho, datada de 16-03-2012 43, não logra provar nem permite criar a convicção firme que o Requerente e a Senhora B… viviam, nos anos de 2012, 2013 e 2014, em condições análogas às de cônjuges …”.  

aa)  E acrescenta: “Sublinhe-se que a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio não define união de facto, à semelhança do que sucedia já na Lei n.º 135/99, de 28 de agosto. Em todo o caso, a mesma caracteriza-se como a situação em que as pessoas vivem em comunhão de leito, mesa e habitação (tori, mensae et habitationes) como se fossem casadas, apenas com a diferença de que não o estão. Falta-lhes, pois, o vínculo formal do casamento.”

bb)  Refere: “Ainda assim, caso o … Tribunal venha a entender que se considera realizada a prova da união de facto, sempre se dirá, conforme supra exposto que não basta o preenchimento e respectiva prova dos requisitos da união de facto, sendo necessária a identidade de domicílio fiscal durante os dois anos anteriores e no período de tributação”.

cc)  Mas como o Requerente “… não comunicou a alteração de residência à AT” tal “… consubstancia uma violação do n.º 3 do artigo 19.º da LGT” uma vez que “estabelece o n.º 3 do Artigo 19º da LGT «É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária»” “e determina o n.º 4 que «É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.»”, conclui que “o domicílio fiscal relevante para efeitos de determinação do regime de tributação aplicável é o que consta da informação fiscal”

dd)  Acrescenta ainda: “No caso em apreço, para poder beneficiar do regime fiscal dos unidos de facto o Requerente deveria ter procedido à comunicação da alteração do seu domicílio fiscal no prazo legalmente estabelecido”. “Não o tendo efeito, aplica-se a cominação legal que é a de não poder beneficiar do regime de tributação dos unidos de facto”. “É este o entendimento que resulta da lei aplicável, limitando-se a Autoridade ao seu cumprimento de acordo e em cumprimento com o princípio da legalidade a que está vinculada”, “… entendimento … perfilhado no Acórdão de 22 de Janeiro de 2015 in proc. 6655/13 (Desembargadora Bárbara Tavares Teles)”.

ee)  Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação e as decisões adoptadas em sede de recurso hierárquico e de reclamação graciosa.

 

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

A questão de fundo em apreciação neste processo tem a ver com a verificação dos requisitos da união de facto, neste caso concreto, face à concreta prova produzida.

 

Está em causa, perante os factos que venham a considerar-se provados e sobretudo perante o juízo de valor que se deva adoptar face à prova documental apresentada pelo Requerente, verificar se os requisitos do artigo 14º do Código do IRS estão preenchidos à data de 31.12.2014 (quanto ao Requerente, uma vez que quanto à sua companheira essa questão não se coloca), a saber:

  • Se face ao regime da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio e perante a prova produzida pelo Requerente junto da AT, deve entender-se que A… (Requerente) e B… (sua companheira) viveram em condições análogas às dos cônjuges, há mais de 2 anos, contados antes de 31.12.2014.
  • Caso a resposta à questão anterior seja no sentido afirmativo, cumpre depois apurar se face ao regime do nº 2 do artigo 14º do CIRS (redacção então vigente) se verifica, perante a prova produzida pelo Requerente junto da AT “ … identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos

 

Ou seja, está em causa a verificação da legalidade da liquidação de IRS (conformidade com as normas legais acima referidas), na condição de não unidos de facto (como considerou a AT), do Requerente e da sua companheira, no que concerne aos rendimentos obtidos no ano de 2014.

 

Ter-se-á em atenção que os factos alegados pela AT na douta resposta – a que se alude em z) do Relatório supra – nos artigos 42º a 44º, não foram levados em conta na fundamentação das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, pelo que o Tribunal nem poderá debruçar-se sobre essa factualidade, entendida como “fundamentação” posterior da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (acto imediatamente impugnado pelo Requerente), ou seja, será irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

 

Haverá ainda que observar que o TAS só pode decidir segundo “o direito constituído” conforme nº 2 do artigo 2º do RJAT.

 

Nesta conformidade, terá que se ter em conta a existência de decisões judiciais do TCA Sul sobre a mesma questão de fundo, sob pena de se sujeitar esta decisão ao recurso do nº 2 do artigo 25º do RJAT (Acórdão do TCASul de 05-03-2015, processo 05655/12 – Relatora Desembargadora Cristina Flora; Acórdão do TCASul de 19.02.2015, processo 08313/14 – Relatora Desembargadora Anabela Russo).

 

Refira-se que o douto acórdão do TCASul de 22.01.2015, processo 6655/15 – Relatora Desembargadora Bárbara Tavares Teles, citado pela AT, vai no fundo no mesmo sentido dos acórdãos atrás referidos, apenas com a diferença quanto ao caso concreto aí referido:

  • Perante o quadro legal do regime jurídico que os Recorridos pretendem fazer valer, importa agora verificar se, através dos elementos probatórios trazidos aos autos, resultam provados os requisitos supra elencados, e exigidos na lei”.
  • Durante esses períodos - os 2 anos - não lograram provar a união de facto por dois anos consecutivos”;
  • Sendo assim, entende-se que perante a obrigação de comunicação de mudança de domicílio, sob pena de ineficácia da mesma, enquanto tal não for comunicado – conforme os n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, não é aplicável o estatuído no artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio - «pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.””

 

Ou seja, parece poder retirar-se da fundamentação da decisão que o que levou o TCA Sul a decidir como decidiu, foi o facto dos contribuintes não terem provado os “requisitos supra elencados e exigidos na lei”.

 

Ao admitir-se esta premissa de que “a união de facto pode ser provada por qualquer meio de prova legalmente admissível, nomeadamente por declaração emitida pela junta de freguesia competente, sendo que tal declaração deverá ser acompanhada por uma declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem nessas circunstancias há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles,

 

não parece curial que depois se deva concluir o contrário, ou seja, que a união de facto só é atendível, em termos fiscais, após ter sido comunicado o domicílio fiscal em identidade com o respectivo (a) companheiro (a) pela forma dos n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, parecendo pretender dizer-se que não existindo esta comunicação, não pode levar-se a efeito a prova da união de facto “por qualquer meio de prova legalmente admissível”, o que não parece ser sustentável.

 

A questão da ineficácia perante a AT da não comunicação do domicílio fiscal em identidade dos companheiros unidos de facto, pode levar a que a liquidação seja feita como não unidos de facto e obrigará os contribuintes, caso queiram inverter essa situação, a impugnar a liquidação e provar no procedimento gracioso ou contencioso subsequente os elementos do referido estado pessoal.

 

O regime estatuído no artigo 14º do Código do IRS, pode ser aplicado no caso de existir a comunicação prévia do domicílio fiscal (o que fará presumir a identidade de domicílios com a pessoa que também o tenha feito) e ainda no caso dos contribuintes provarem os elementos exigíveis da união de facto por qualquer meio de prova legalmente admissível (requisitos da lei civil e da lei fiscal), se não tiverem cumprido a obrigação de alteração de domicílio.

 

 

III.             MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, de resto não contestados pelas partes, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

 

1)                 Desde 2011 que B…, NIF…, tem morada na Rua … nº … –.... em Lisboa - conforme parte final ponto 5 da terceira folha do Anexo I junto com o pedido de pronúncia e ponto 5 da folha 37 do PA sobre a reclamação graciosa.

2)                 Com data de 03.07.2014 o Requerente e B… enviaram uma carta dirigida ao Chefe do SF de Lisboa –…, sob a epígrafe “resposta à vossa carta GI-… – IRS 2013: identificação J…/… – prova de união de facto”, onde invocam ter domicílio fiscal em comum, juntando cópia do contrato de arrendamento do andar referido em 1); cópia do último recibo de renda de 2013 do andar indicado em 1); cópia de uma escritura pública de 06.08.2010, celebrada no Cartório Notarial da … onde consta terem a morada referida em 1); uma factura de electricidade emitida em nome do Requerente com a morada referida em 1); um contrato de fornecimento de gás celebrado pelo Requerente e quanto ao andar referido em 1) e uma cópia de uma carta com data de 16.03.2012 dirigida pela empresa C… Lda. ao Requerente para a morada indicada em 1) – conforme anexo IV junto pelo Requerente em anexo ao pedido de pronúncia e face à ausência de impugnação (quanto ao envio pelo Requerente e recepção desta carta e documentação pelo Serviço de Finanças) por parte da AT.

3)                 O Requerente entregou aos 31-05-2015 a declaração Modelo 3 de IRS do exercício de 2014, assinalando a opção de “unidos de facto” juntamente com B…, NIF…, autenticada por ambos os contribuintes, declaração que produziu uma liquidação de IRS a pagar de 1 893,15 euros eu foi regularizado em prestações – conforme ponto 1 e parte final do ponto 2 da terceira folha do Anexo I junto com o pedido de pronúncia e ponto 1 e parte final do ponto 2 da folha 37 do PA sobre a reclamação graciosa.

4)                 Em 03-06-2015 o Requerente comunicou à Administração Tributária que tinha o domicílio fiscal na Rua do … nº …-… em Lisboa - conforme ponto 8 da quarta folha do Anexo I junto com o pedido de pronúncia e ponto 8 da folha 38 do PA sobre a reclamação graciosa.

5)                 Em 04.07.2015 a Requerida, com referência à declaração referida em 3), considerou que existiam “divergências relativamente ao regime de união de facto” e notificou o Requerente para apresentar os “respectivos documentos comprovativos dos elementos declarados”, uma vez que “do print extraído do Sistema Informático de Gestão de Divergências” os domicílios do Requerente e de B… não coincidiam - conforme ponto 2 da terceira folha do Anexo I junto com o pedido de pronúncia e ponto 2 da folha 37 do PA sobre a reclamação graciosa.

6)                 Em 07.09.2015 a AT procedeu à eliminação oficiosa da declaração referida em 3) e emitiu uma “declaração oficiosa de eliminação” – conforme folhas 7 a 19 do PA sobre a reclamação graciosa e ponto 3 da terceira folha do Anexo I junto com o pedido de pronúncia e ponto 3 da folha 37 do PA sobre a reclamação graciosa.

7)                 Em 11-09-2015 a AT anulou a liquidação inicial, operando-se o reembolso do valor entretanto regularizado, no valor de 1 893,15 euros, tendo sido emitida a liquidação ora reclamada com imposto a pagar na importância de 4 894,07 euros – conforme parte final do ponto 4 da terceira folha do Anexo I junto com o pedido de pronúncia e parte final do ponto 4 da folha 37 do PA sobre a reclamação graciosa.

8)                 Em 28.03.2016 o Requerente entregou à AT uma reclamação graciosa contra a liquidação referida na alínea anterior, que tomou o nº…, e em sede de audição prévia invocou a existência do contrato de locação referido em 2), reclamação que lhe foi indeferida por despacho do Chefe de SF de Lisboa –… de 18.04.2016 – Conforme folhas 1 a 3 e 36 a 44 do PA sobre a reclamação graciosa.

9)                 Em 13.05.2016 o Requerente entregou à AT um recurso hierárquico contra a decisão referida na alínea anterior, que tomou o nº … 2016 …, juntando novamente o contrato de arrendamento referido em 2), que veio a ser indeferido por despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa de 09.06.2016 – conforme PA sobre o recurso hierárquico.

10)             Em 20-07-2016 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

11)             Pelo menos em Dezembro de 2016 constava do Sistema de Gestão e de Registos de Contribuintes uma indicação de “relações intersujeitos passivos”-”relações activas” -“lista das relações que mantém com outros sujeitos passivos” o seguinte: Tipo de relação: “é sujeito passivo A””NF…””Nome B…””Data início 2012-01-01” – conforme lauda 4 do documento registado pelo Requerente em 04.12.2016 no SGP do CAAD.

 

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

Como resulta da matéria de facto provada, que é aceite por ambas as partes, segundo as posições assumidas expressa ou implicitamente neste processo, a dissonância entre o Requerente e a AT remonta ao IRS de 2013. Ou seja, já em 2014, quanto à liquidação do IRS de 2013, as partes não estavam em sintonia quanto à questão de fundo em discussão neste processo: se existia ou não união de facto entre o Requerente e B…, NIF …, que como se provou tem o seu domicílio fiscal, devidamente inscrito no cadastro de contribuintes, desde 2011, na Rua do … nº…–... em Lisboa.

 

E de facto, o Requerente e a sua companheira apresentaram um conjunto de documentos, em 2014, tendentes a convencer a AT do seu estatuto de vida em comum, como se fossem casados, como resulta do que se provou em 2) da matéria de facto assente.

 

Desde já se diga que que se configura que será na falta de apreciação crítica, de valoração crítica, por parte da AT, deste acervo documental, que reside o cerne do dissídio entre as partes. Ou seja, nunca a AT se pronunciou (pelo menos isso não consta do processo) sobre este acervo documental e ainda sobre outros factos do seu conhecimento oficioso susceptíveis de instruir, de fundamentar, uma decisão criteriosa (princípio do inquisitório), como o seja, v.g. a conta bancária indicada na declaração Modelo 3 do IRS para os reembolsos de IRS (apurar apenas se está em nome de ambos os pretensos unidos de facto, qual a morada de ambos que aí consta e quando foi aberta).

 

É que, como doutamente se refere na Resposta da AT, o que interessa apurar é a verdade material quanto à “situação em que as pessoas vivem em comunhão de leito, mesa e habitação (tori, mensae et habitationes) como se fossem casadas, apenas com a diferença de que não o estão”.

 

Nos artigos 14º e 15º da douta resposta, a AT, no fundo, defende que a prova da “identidade do domicílio fiscal há mais de 2 anos e durante o período de tributação” só pode fazer-se através do prévio cumprimento da obrigação acessória a que se aludem nos números 3 e 4 do artigo 19º da LGT.

 

O cumprimento desta obrigação acessória seria assim como que uma conditio sine qua non, uma presunção inilidível ou uma formalidade “ad substantiam”.

 

Mas não parece ser essa a melhor leitura da lei face ao decidido no Acórdão do TCASul de 05-03-2015, processo 05655/12 – Relatora Desembargadora Cristina Flora e no Acórdão do TCASul de 19.02.2015, processo 08313/14 – Relatora Desembargadora Anabela Russo.

 

Nesta linha de leitura da lei parece que a obrigação declarativa a que se alude nos números 3 e 4 do artigo 19º da LGT constitui uma formalidade “ad probationem”, ou seja, a falta do seu cumprimento atempado, pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis, não colhendo a alegação de que esta obrigação fiscal declarativa tem um qualquer valor qualificado (como se refere no artigo 31º da douta resposta da AT).

 

Não se acolhe, também, a alegação de que o normativo do artigo 14º do Código do IRS seja uma norma de “incidência pessoal” ou “incidência tributária”, para se concluir que não se lhe pode aí encontrar uma eventual presunção legal.

 

Quanto à questão de fundo

 

Por razões de harmonização das decisões, citamos o que foi escrito na decisão arbitral adoptada no Processo CAAD 713/2015-T a propósito de uma situação idêntica:

 

“O artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, define a união de facto como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”, cuja prova, na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, é feita “por qualquer meio legalmente admissível”, conforme o disposto no artigo 2.º - A, n.º 1, do mesmo diploma legal, determinando o n.º 2 do mencionado artigo que, “No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles”.

 

De entre os direitos reconhecidos às pessoas que vivam em união de facto, conta-se o previsto na alínea d) do n.º 1 da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na redação em vigor, de beneficiarem da “d) Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens”.

 

A opção pela aplicação do regime de tributação do rendimento, nas mencionadas condições, dependia, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, de dois requisitos: (i) “da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação” e “da assinatura, por ambos, da respetiva declaração de rendimentos”.

 

No que respeita à identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos pelo período de dois anos e durante o período de tributação (o ano da entrega da declaração de rendimentos, com base na qual é, em regra, efetuada a liquidação do imposto respeitante ao facto tributário produzido no ano civil anterior), tem a jurisprudência, maioritariamente entendido que “O conceito de domicílio fiscal vem definido na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º, n.º 1 da LGT, e deste modo, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo, no caso das pessoas singulares, é o local da residência habitual”; “A falta de comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária é uma questão de eficácia da mudança, da sua produção de efeitos perante a AT, que não afecta a substância, e nem sequer integra, o conceito legal de domicílio fiscal previsto no n.º 1 do art. 19.º da LGT”; “Para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 14.º do CIRS, verifica-se identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos quando estes tenham a mesma residência habitual [provada], independentemente do cumprimento da comunicação prevista do n.º 3 do art. 19.º da LGT”; “A ausência daquela comunicação relevará para efeitos de prova do domicílio fiscal, que caberá aos sujeitos passivos, face a ineficácia da mudança de domicílio que resulta do disposto do n.º 4 do art. 19.º da LGT” e que “Vivendo duas pessoas, independentemente do sexo, em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na mesma residência habitual [prova que cabe aos sujeitos passivos, no caso de incumprimento obrigação de comunicação prevista no n.º 3 do art. 19.º da LGT] verifica-se a identidade de domicílio fiscal prevista no disposto n.º 2 do art. 14.º do CIRS” –  cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 5/03/2015, processo n.º 05655/12.

 

Também o Provedor de Justiça, na Recomendação n.º 1/A//2013, dirigida ao Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito do processo R- 1266/10 (A2), entendeu que se “a comunicação de qualquer alteração do domicílio fiscal se reporta exclusivamente ao âmbito formal da relação jurídico-tributária, impor-se-á a conclusão de que não poderá a falta daquela comunicação ter efeitos materiais sobre a situação dos sujeitos passivos, como sejam os de impedir a aplicação de um determinado regime legal de tributação”, que “O artigo 14.º do Código do IRS, enquanto norma de incidência pessoal, contém no seu n.º 2 a presunção de que, não tendo os sujeitos passivos o domicílio fiscal comum pelo período ali mencionado, não podem ser considerados como unidos de facto, para efeitos de aplicação de um regime de tributação que lhes pode ser mais vantajoso e pelo qual podem optar, na declaração de rendimentos. Tratando-se de uma presunção contida em norma de incidência, poderá (deverá poder) a mesma ser ilidida” e que “a concretização do princípio da legalidade pela administração tributária determina uma interpretação principialista das normas, ou seja, uma interpretação das normas, em especial das normas de incidência, segundo os princípios básicos da Constituição Fiscal, o que implica, quanto à situação de que se vem a tratar, a harmonização das disposições legais contidas nos artigos 14.º, n.º 2, do Código do IRS, 19.º, da LGT, 43.º, do CPPT e 117.º, n.º 4, do RGIT, o que terá necessariamente que passar pela aceitação de prova da coabitação dos unidos de facto durante mais de dois anos, por outros meios, que não apenas pela identidade de domicílio fiscal. Embora o domicílio fiscal comum possa prefigurar meio de prova qualificada, esta, no entanto, não poderá ser a exclusiva, pelos motivos já apontados””.

 

E porque este TAS adere a esta leitura da lei, tal como se aderiu na decisão arbitral adoptada no Processo CAAD 713/2015-T, também aqui, citando esta decisão “… impõe-se apurar se, no caso concreto, o Requerente produziu prova suficiente da verificação dos pressupostos da união de facto, a fim de poder beneficiar do regime de tributação do rendimento, nas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens”.

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 74.º, da LGT, “1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que cabe, neste caso concreto, ao Requerente, provar que, apesar de não ter tido domicílio fiscal comum durante o período fiscalmente relevante, em termos de Sistema de Gestão e de Registos de Contribuintes, que durante o ano de 2012 a 2014 e até 03-06-2015 – data em que o Requerente comunicou à Administração Tributária que tinha o domicílio fiscal na Rua … nº …-... em Lisboa - viveu em união de facto com B… .

 

A prova documental apresentada pelo Requerente consta da alínea 2) da matéria assente, a saber:

 

  • Cópia do contrato de arrendamento do andar sito na Rua … nº … –... em Lisboa, onde consta o Requerente como co-arrendatário juntamente com B…, contrato este celebrado em 16.09.2011;
  • Cópia do recibo de renda de 2013 (vencida em Dezembro de 2013 e quanto a Janeiro de 2014) do andar sito Rua do … nº…–... em Lisboa;
  • Cópia de uma escritura pública de 06.08.2010, celebrada no Cartório Notarial da … onde consta que o Requerente e B… têm morada na Rua do … nº … –.... em Lisboa;
  • Cópia de uma factura de electricidade emitida em nome do Requerente com a morada Rua do … nº … –… em Lisboa e data limite de pagamento de 2011.12.02;
  • O teor de um contrato de fornecimento de gás celebrado pelo Requerente e quanto ao andar sito na Rua do … nº … –... em Lisboa, sem data;
  • Uma cópia de uma carta com data de 16.03.2012 dirigida pela empresa C… Lda. ao Requerente para a morada correspondente ao andar sito na Rua do … nº … –... em Lisboa.

 

Afigura-se-nos que este conjunto de documentos, apresentados à AT – SF de Lisboa-… em Julho de 2014, quanto ao IRS de 2013, permitiam logo em 2015, pelo menos, motivar uma instrução do processo em sede de processo de divergências do IRS de 2014 a que se alude em 5) da matéria assente.

 

Tal não foi levado a efeito, quer no âmbito desse procedimento, quer em sede de reclamação graciosa, ou em sede de recurso hierárquico. Com efeito, a AT entendeu que a união de facto não pode considerar-se para quem não tenha durante 2 anos e durante o período de tributação, face aos registos cadastrais no Sistema de Gestão e de Registos de Contribuintes, a mesma identidade de domicílio fiscal. Ou seja, não considerou sequer a hipótese de que este desiderato pudesse ser objecto de prova através de outro meio que não o da alteração do domicílio fiscal prevista nos nºs 3 e 4 do artigo 19º da LGT.

 

A título de exemplo afigura-se-nos que poderiam ser objecto de instrução, caso se entendesse que este conjunto de documentos não era suficiente para provar os requisitos do nº 2 do artigo 1º da Lei 7/2001, de 11 de Maio e os do nº 2 do 14º do Código do IRS:

 

  1. Pela data constante da escritura de 06.08.2010 em confronto com a data em que o contrato de arrendamento foi celebrado (em 16.09.2011), é até plausível que antes deste contrato de arrendamento tenha existido outro anterior, o que pode significar que o Requerente já vivia na Rua … nº … – ... em Lisboa, antes da celebração deste contrato. Se dúvidas existem de que o Requerente não vive no local arrendado (e desde quando) seria curial que a AT suscitasse ao senhorio e/ou ao Requerente a colaboração sobre o esclarecimento destes factos (princípio do inquisitório e da colaboração).

2.      Sabendo-se que o domicílio fiscal é um dos elementos que as entidades patronais que pagam rendimentos do trabalho dependente possuem para efeitos do cumprimento das obrigações previstas no nº 2 do artigo 99º do CIRS e alínea b) do nº 1 do artigo 119º do CIRS, seria de suscitar, caso surgissem dúvidas sobre a morada constante da carta com data de 16.03.2012 dirigida pela empresa C… Lda. ao Requerente para a morada correspondente ao andar sito na Rua … nº … –... em Lisboa, que fosse feita a confirmação face aos ficheiros da empresa e desde que data.

  1. Na declaração de rendimentos o Requerente e a companheira indicam uma conta bancária para o reembolso de IRS. Ora, se dúvidas existissem relativamente à prova dos documentos juntos de que não seriam suficientes para demonstrar que o Requerente e a companheira, além da partilha da mesma habitação, não viviam em comunhão de leito, mesa e habitação, seria de suscitar ao interessado prova apenas da contitularidade da conta, da data da sua abertura e do endereço constante do contrato de depósito bancário.

 

Quer isto significar que tratando-se de documentos particulares (sobretudo o contrato de arrendamento que foi manifestado nas Finanças, o recibo de renda e a carta de despedimento do Requerente de uma empresa) que foram apresentados à AT em Julho de 2014 – que neste processo não contestou ter recebido – muito antes da apresentação pelo Requerente e companheira, invocando a sua união de facto, da Declaração de IRS de 2014 em 2015 e muito antes da liquidação de IRS ser levada a afeito, bem como da abertura do procedimento de divergências; os mesmos têm a força probatória que lhes é conferida nos termos do nº 1 do artigo 376º do CC, uma vez que a assinatura dos mesmos não foi colocada em crise, nem foi contestada a sua genuína reprodução dos originais.

 

Que melhor prova documental se poderá apresentar para se provar uma vida em comum entre duas pessoas (comunhão de leito, mesa e habitação) para além de um contrato de arrendamento que se destina “exclusivamente a habitação dos arrendatários” ou de uma escritura de compra de habitação própria dos adquirentes em compropriedade dos unidos de facto, secundada com os contratos relativos ao fornecimento de serviços na habitação?

 

No caso, o contrato locativo foi manifestado às Finanças 13.10.2011 para efeitos de pagamento do imposto do selo e foi entregue, certamente, uma cópia.

 

Ora, perante este quadro factual, há que concluir que o Requerente fez prova suficiente de que vive com a sua companheira B…, na Rua do … nº … ... …-… em Lisboa, desde, pelo menos, a celebração do contrato de arrendamento, em 16.09.2011, uma vez que este documento apresentado à AT, quer pelo senhorio, quer pelo Requerente, não foi colocado em causa na dimensão da sua força probatória (artigo 376º-1 do CC). O fim do contrato é, percute-se, “habitação exclusiva dos arrendatários”.

 

Não foi questionado o requisito da assinatura de uma única declaração Modelo 3 pelo Requerente e por B…, pelo que se considera preenchido este requisito com a apresentação em conjunto da declaração de Modelo 3 do IRS.

 

Ou seja, provou o Requerente, perante a AT, pelos documentos que enviou por carta com data de 03 de Julho de 2014 (sobretudo através do contrato de arrendamento que também juntou nos procedimentos graciosos e neste processo) que desde 16.09.2011 tem, de facto, identidade de domicílio fiscal com B… e provou também que entre ambos existe uma situação jurídica análoga às dos cônjuges há mais de dois anos, o que se retira necessariamente dos documentos apresentados.

 

Por outras palavras, provou-se que o Requerente e B… entre 2012 a 2014 e até 03-06-2015 – data em que o Requerente comunicou à Administração Tributária que tinha o domicílio fiscal na Rua … nº …-... em Lisboa - viveram em união de facto.

 

Os demais documentos apresentados, para além do contrato de arrendamento, conferem a este contrato uma credibilidade acrescida, uma vez que quem é arrendatário tem depois que firmar contratos de fornecimento de luz e gás.

 

Não tendo a AT colocado em causa estes documentos em sede de procedimento de divergências, de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, não tendo procedido ainda a actos de instrução, caso tivesse dúvidas, que confirmassem ou infirmassem os elementos neles contidos e a sua dimensão probatória em termos comuns, não vemos como possa agora impugnar-se o seu efeito (artigos 42º e 43º da douta resposta) tendo em conta que no acto imediatamente impugnado: a decisão que indeferiu o recurso hierárquico, não apreciou esta temática, não devendo agora considerar-se esta fundamentação “a posteriori”.

 

Nesta linha de pensamento e de avaliação da prova, procede o pedido de pronúncia.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

 

  • Julga-se procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico nº … 2016 … pelo qual se pretende anular a liquidação de IRS do ano de 2014 nº 2015 …, no montante de 4 894,07 euros;
  • Anula-se a decisão e consequentemente anula-se a liquidação, por estarem em desconformidade com as normas contidas no nº 2 do artigo 1º da Lei 7/2001 de 11 de Maio e no nºs 1 e 2 do artigo 14º do Código do IRS, na versão então em vigor, na leitura da lei acima propugnada.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 4 894,07 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2017

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

(Augusto Vieira)

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.