Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 175/2016-T
Data da decisão: 2024-02-07  IRC IVA  
Valor do pedido: € 113.083,18
Tema: IVA e IRC – Exercício de 2009 – Não dedutibilidade (arts 23º, do CIRC e 19º-3, do CIVA - Recurso extraordinário de revisão do acórdão: o fundamento previsto no artigo 696º, al. f), do CPC – Decisão arbitral (em anexo).
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Despacho Colegial

 

A - Breve síntese da situação do processo

 

  1. Nestes autos, em são, respetivamente, Requerente e Requerida,  A..., Lda e a Autoridade Tributária e Aduaneira,  pelos  árbitros,  Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Professor Doutor Carlos Lobo (ulteriormente substituído, por renúncia, pelo   Senhor Dr Jorge Carita) e Professor Doutor Diogo Feio (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, regularmente constituído em 28-6-2016, foi notificado às partes e transitou em julgado  o acórdão proferido em 20-3-2017[1],  que, julgando totalmente improcedentes  os pedidos de anulação de diversas liquidações adicionais de IRC, IVA e juros manteve na ordem jurídica os respetivos atos tributários bem como o ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico também objeto de impugnação arbitral.
  2. Após arquivamento do processo, veio a demandante interpor recurso, extraordinário, de revisão do sobredito acórdão arbitral fundando-se essencialmente em alegada incompatibilidade deste acórdão com decisões, transitadas também em julgado, em que terá sido parte e onde obteve decisão de anulação do IVA do ano de 2008 (Proc nº 254/2015-T) e do IRC também de 2008 (Proc nº 3781/15.3BELBRS, do Tribunal Tributário de Lisboa).
  3. A sobredita situação, na douta perspetiva da ora recorrente, constituiria fundamento para revisão de sentença (no caso, o acórdão arbitral revidendo proferido por este Tribunal) nos termos do artigo 293º, do CPPT, por preenchimento dos pressupostos previstos nas alíneas c) e f), do artigo 696º, do CPC.
  4. Recebida a comunicação da interposição deste recurso extraordinário, foi proferido o seguinte despacho: “Por ter sido comunicada pelo CAAD a interposição pela ora Recorrente, A..., Lda., de recurso extraordinário de revisão do acórdão, transitado em julgado, proferido em 20 de março de 2017, pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído pelos árbitros José Poças Falcão (Presidente), Carlos Lobo e Diogo Feio (Árbitros Adjuntos), decide-se:

a) Declarar reconstituído o sobredito Tribunal e
b)Determinar a notificação da ora Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, para exercer o contraditório, no prazo de 15 (quinze) dias, relativamente aos requerimentos de interposição do recurso apresentados em 31-7-2023 e 18-8-2023.

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência do sobredito despacho, opôs-se à admissão do recurso porque, citando,  “(...) manifestamente não se encontram reunidos, no caso vertente, os pressupostos processuais do recurso de revisão de sentença (...)”

 

B - Os fundamento para o recurso extraordinário de revisão

 

  1. É sabido e dispensamo-nos de grandes dissertações ou alongamentos na respetiva fundamentação, que a decisão do Tribunal sobre o mérito da causa, após trânsito em julgado, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados, em geral, pelos artigos 580º e 581º, do CPC, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º, do mesmo CPC.
  2. Estes últimos artigos (696º a 702º) constituem a base legal e/ou processual para a interposição de recurso, extraordinário, de revisão da decisão transitada, apesar de tudo sempre sujeito a prazo (em regra, a interposição deve ocorrer antes de transcorridos mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão - cf artigo 697º-2, do CPC).
  3. Pode afirmar-se que este recurso, extraordinário,  serve essencialmente para repor a justiça nos casos em que surjam factos ou situações, supervenientes ao trânsito, que ponham clamorosamente em causa a justiça da decisão e que justifiquem, de algum modo, que seja imperativa a afetação, sempre de forma o mais possível equilibrada,  dos valores fundamentais da certeza e da segurança jurídicas[2].
  4. O Código de Procedimento e Processo Tributário (cf artigo 293º do CPPT), tal como todos os regimes processuais dos demais ramos do Direito, admitem o recurso de revisão, desde que interposto até quatro anos após trânsito da decisão revidenda e no prazo de 30 dias a contar do conhecimento dos factos ou circunstâncias que lhe servem de fundamento.
  5. Relativamente à arbitragem tributária não há certamente qualquer razão válida para a inaplicabilidade do sobredito regime de revisão ainda que, nesta sede, tenha consagração o princípio da irrecorribilidade das decisões arbitrais ou da restrição dos recursos [cfr artigo 124º-4/h), da Lei nº 3-B/2010, através da qual a Assembleia da República concedeu ao Governo a autorização legislativa em que este se baseou para aprovar o Dec-Lei nº 10/2011 (Regime de Arbitragem Tributária ou, abreviadamente, RJAT].
  6. E qual deverá ser então o regime de recursos de revisão das decisões arbitrais em matéria tributária?
  7. A resposta a esta questão não poderá ser outra se não a que resulta da situação de caso omisso, ou seja, a aplicação do regime previsto no artigo 293º, do CPPT, que é a norma subsidiariamente aplicável por força do artigo 29º-1, do RJAT.
  8. Concluindo-se assim pela admissibilidade de recurso de revisão da decisão arbitral tributária, importa apurar se o fundamento ora invocado pela recorrente estará ou não preenchido, considerando serem patentes e não suscetíveis de discussão pelas partes,  quer o trânsito em julgado, quer a interposição no limite de quatro anos previsto no citado artigo 293º, do CPPT (aplicável, como se viu, subsidiariamente), na redação dada pela Lei nº 118/2019), quer ainda a competência do Tribunal Arbitral, ora reconstituído, para admitir (ou não) o recurso

Vejamos então.

  1. Adiante-se, desde logo, que, conforme desde há muito tem sido repetidamente afirmado pela Jurisprudência (Cfr, inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7-6-1995, recurso nº 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 1997, pgs. 36-40 e Ac do  STA – 2ª Secção, de 23-4-1997, in  DR - Apêncide  de 9-10-1997, p. 1094) não tem o Tribunal, na fundamentação da decisão, o dever de dissecar e/ou analisar os argumentos aduzidos pelas partes mas tem apenas e  tão somente o dever de decidir a questão jurídica suscitada  e fundamentar a sua decisão
  2. Funda-se este  recurso extraordinário nas alíneas c) e f), do artigo 696º, do CPC[3], aplicável subsidiariamente, como se viu, à arbitragem tributária [cfr ainda artigo 2º-e), do CPPT].
  3. Resulta desta norma a admissibilidade do recurso de revisão quando a decisão transitada em julgado “seja inconciliável com a decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”  ou quando “ se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso (...) e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida (grifado ou negrito nosso).
  4. Será então, como é o caso segundo os fundamentos do recurso, que uma decisão do TJUE (Proc nº C-642/11, de 21-1-20113), proferida em sede ou processo de reenvio prejudicial invocada incidentalmente ou de forma inócua por um Tribunal Tributário de 1ª Instância (Proc 3781/15.3BELRS) relativo a litígio em que o respetivo objeto possa ter contornos idênticos à questão que foi decidida na presente causa arbitral, por conduzir ou ter conduzido a solução diversa, constitui fundamento para a ora peticionada revisão?
  5. Adiante-se desde já, decidida e claramente, ser negativa a resposta.
  6. Na verdade e em primeiro lugar, no processo de reenvio prejudicial[4] para o TJUE incidentalmente invocada, não está em causa a apreciação do mérito de qualquer causa mas tão só e apenas o sentido interpretativo do direito europeu, no caso, a Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006 (a denominada “Diretiva IVA”)[5].
  7. Assinale-se ou lembre-se que o recurso prejudicial para o TJUE tem como objeto a colocação ao TJUE por um Tribunal da ordem jurídica nacional,  de uma questão ou várias questões com vista a resposta ou respostas por essa instância judicial europeia visando permitir ao Tribunal nacional a prolação de decisão conforme ao Direito da União Europeia na interpretação vinculativa que lhe for dada pelo TJUE.
  8. A decisão a proferir ou proferida pelo TJUE no âmbito de processo de reenvio prejudicial, não visa assim e  claramente  revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais - Cfr, neste sentido, v. g., o Acórdão da Relação de Lisboa, no processo nº 1832/16.9T8LSB.L2/6ª Secção, in www.dgsi.pt.
  9. Por conseguinte, não será correto falar-se, na circunstância, de “decisão definitiva de instância internacional de recurso”.
  10. Por outro lado ainda, não preenche o requisito de revisão ora em causa, a circunstância de, numa ação ou procedimento, ter havido uma decisão, por uma instância internacional, sem a clara e expressa referência concreta a algum ou alguns processos decididos pela ordem jurídica nacional, implicando de algum modo o sentido das decisões proferidas.
  11. E, finalmente, não está alegada nem demonstrada a existência do “documento” superveniente a que se alude na alínea c), do citado artigo 696º, do CPC, que seria, por si só, decisivo ou causal da modificação, em seu favor, da decisão revidenda. 
  12. Pois bem: nada há que revista a natureza ou o conceito de documento que tenha sido agora junto com idoneidade mínima para provocar a possível revisão da decisão arbitral transitada em julgado.
  13. Sendo que, conforme ainda recentemente decidiu o STJ, uma sentença ou um acórdão não podem servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão porque não são documentos para efeitos do disposto no artigo 696º-c), do CPC – cfr Ac. do STJ, de 19-10-2022, Proc nº 6940/19.6T8PRT-A.P1.S1 – 4ª Secção.
  14. Assim é que, aliás na linha da jurisprudência arbitral se não unânime, pelo menos largamente maioritária que no essencial igualmente se sufraga, revelada, entre outros, nos despachos  proferidos nos processos do CAAD nºs  162/2019-T, 169/2019-T, 164/2019-T, 159/2019-T, 170/2019-T, 161/2019-T, 160/2019-T,  373/2018-T,  o recurso ora interposto não pode ser admitido e deve ser liminarmente rejeitado.

 

C - Decisão

Não se revelando, deste modo,  preenchidos, os pressupostos em que se funda o pedido de recurso de revisão formulado pela Requerente, ou seja e designadamente, as decisões citadas pela Requerente como fundamento ou causa da interposição deste recurso,  proferidas no processo nº 254/2015-T, do CAAD e no processo nº 3781/15.3BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa e o acórdão  do TJUE, proferido, em 31 de janeiro de 2013, em sede de reenvio prejudicial, no Proc nº C-642/11 não foram  proferidas por instância internacional de recurso nem foi invocado e/ou junto qualquer documento suscetível de permitir a revisão do acórdão proferido e transitado em julgado,  este recurso extraordinário é desprovido de fundamento e, em consequência, decide-se:

  1. Não admitir o recurso extraordinário de revisão interposto pela Requerente;
  2. Considerar   manifestamente inútil, por ficar prejudicada com esta decisão (Cfr artigos 130º e 608º/2, do CPC),  a apreciação dos demais requisitos previstos  no citado artigo 696º/f), do CPC e a que se aludiu supra de forma incidental, designadamente se a decisão proferida pelo TJUE no citado processo C-642/11, poderá ser considerada como decisão inconciliável com a decisão arbitral revidenda e vinculativa para o Estado português para efeitos daquela norma.
  • Sem custas,  por ausência de previsão legal de tributação de recursos extraordinários de revisão em sede de arbitragem tributária.
  • Notifique-se.
  • Publique-se esta decisão nos termos do disposto no artigo 16º, alínea g), do RJAT.

Lisboa, 7 de fevereiro de 2024

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

Jorge Carita

(Árbitro Vogal)

 

 

Diogo Feio

 (Árbitro Vogal)

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 175/2016-T

Tema: IRC e IVA – Exercício de 2009 – Indeferimento tácito de recursos hierárquicos – Liquidações –  Falta de fundamentação – Realidade das transmissões de bens – Não dedutibilidade (artigos 23º, do CIRC e 19º-3, do CIVA) - Ónus da prova.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.RELATÓRIO

 

1. A…, Lda. (abreviadamente, “B…”), com o NIPC…, com sede na …, …, ..., em …, veio, nos termos e para os efeitos dos art. 1.º, al. a), do n.º 1 do art. 2.º, n.º 2 do art. 5.º, n.º 1 do art. 6.º, n.º 3, al. a) do n.º 1 e n.º 2 do art. 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (adiante RJAT), requerer pronúncia sobre “a ilegalidade do critério que determinou as seguintes liquidações adicionais de IVA e IRC de 2009 e o indeferimento expresso das reclamações graciosas dessas liquidações, objecto de recursos hierárquicos tacitamente indeferidos (...)”:

            a) Liquidação adicional de IRC de 2009 n.º 2014 …, de 12.12.2014, no valor de 64.068,68€, sendo 54.306,22€ a título de imposto e 9.760,24€ a título de juros, com a respectiva compensação n.º 2014 …, de 17.12.2014, com demonstração de acerto de contas ID Documento 2014 … e demonstração de juros (Docs. 1 que se junta e 2 e 3 que se protestou juntar);

             b) Liquidação n.º…, relativa ao período de 09.09, com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 14.597,42€

            c) Liquidação de juros n.º…, relativa ao período de 09.09, com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 2.937,08€;

            d) Liquidação adicional n.º…; relativa ao período de 09.12 com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 26.426,40€;

            e) Liquidação de juros n.º…, relativa ao período de 09.12 com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 5.053,60€ (docs 4 a 7, juntos com a petição inicial).

            Pede ainda a Requerente a condenação da AT a reembolsar a Requerente “(...)das quantias indevidamente pagas e penhoradas, acrescidas de juros indemnizatórios vencidos e vincendos contados a partir do dia seguinte ao pagamento indevido, até à data da emissão da respectiva nova de crédito, à taxa de 4% ao ano, apurando-se na presente data os seguintes valores:

            a) pagamento por conta do IRC de 2009 efectuado em 18.06.2015, no valor de 7.920,00€: juros na presente data apurados em 236,95€;

            b) prestações no âmbito da execução do IVA de 2009:
                        b.1) 1.a, no montante de 1.122,22, efectuada em 22.10.2015, juros na presente data apurados em 18,20€;
                        b.2) 2.a, no montante de 1.123,43, efectuada em 26.11.2015, juros na presente data apurados em 13,91€;
                        b.3) 3.a, no montante de 1.128,38, efectuada em 28.12.2015, juros na presente data apurados em 10,02€;
                        b.4) 4.a, no montante de 1.133,50, efectuada em 29.01.2016, juros na presente data apurados em 6,09€;
                        b.5) 5.a, no montante de 1.138,62, efectuada em 29.02.2016, juros na presente data apurados em 2,35€;

            c) penhora de crédito no âmbito da execução fiscal do IVA de 2009, no valor de 24.490,76€, efectuado em 09.11.2015, juros na presente data apurados em 346.23€; tudo num total de 633,45€.

 

2. Alegou, no essencial e em síntese:

            Na sequência de um procedimento inspectivo à ora Requerente A…, efectuada pela Direcção Geral de Finanças de Lisboa, doravante AT/Lisboa, aos exercícios dos anos de 2008 e 2009, foram, em Dezembro de 2014, emitidas e notificadas à aqui Requerente as liquidações adicionais de IRC e IVA de 2009 supra, o IRC com prazo para pagamento voluntário até 16.02.2015 e as liquidações de IVA e respectivos juros até 28.02.2015. Docs. 8 e 2 e 3 que se protesta juntar, 1, 4, 5, 6 e 7

            Com as mesmas não se conformando, em 5 de Maio de 2015 reclamou graciosamente das liquidações de IVA e respectivos juros de 2009 e em 13 de Maio de 2015 da liquidação de IRC de 2009;

            Ambas as reclamações graciosas – IVA e IRC de 2009 – foram expressamente indeferidas, por despachos notificados à Requerente em 25 de Setembro de 2015.

            E a fundamentação para o indeferimento de ambas as reclamações graciosas foi similar, conforme vertido nos despachos de indeferimento juntos ao processo administrativo que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, assentando no seguinte: o  Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) preenche os requisitos legais de forma e substância pelo que “ é sobre a reclamante que recai o ónus da prova da existência das operações desconsideradas pelos serviços da inspeção tributária, com fundamento em simulação, pelo que não tendo aquela alcançado tal desiderato, será de manter os atos de liquidação ora reclamados.”

            Inconformada com os indeferimentos, em 23 de Outubro de 2015 a ora Requerente recorreu hierarquicamente de ambos, reiterando os argumentos deduzidos em cada uma das reclamações graciosas previamente deduzidas e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, e que nos factos e direito infra desenvolverá.

            Decorrido o prazo de 60 dias a AT não se pronunciou sobre os recursos hierárquicos, com as consequências previstas no n.º 5 do art. 66.º do CPPT.

            E, uma vez que a ora Requerente entende que as liquidações em causa padecem de vícios de forma por falta de fundamento, que inquinam a sua validade, não se conformando, nem com o indeferimento tácito dos Recursos Hierárquicos, nem com o indeferimento expresso das Reclamações Graciosas, requer na presente data a presente a constituição de tribunal arbitral para apreciação dos vícios que afectam as liquidações supra identificadas e indeferimentos expressos das reclamações graciosas e tácitos dos recursos hierárquicos, nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 10.º do RJAT.

            Alegou ainda que efetuou pagamentos por conta de IRC e prestações de IVA, cujo reembolso requer.

 

3. A AT, na sua resposta, sustentou posição contrária à apresentada pela Requerente, e em consonância com a posição por si já assumida em sede de reclamação graciosa, concluiu pela improcedência total do pedido.

 

4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

5. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros, o Juiz Dr. José Poças Falcão como presidente, e como vogais, o Professor Doutor Diogo Feio e o Professor Doutor Carlos Lobo, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

6. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 28-6-2016, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT.

 

7. Foi realizada a reunião a que se reporta o artigo 18º da RJAT e procedeu-se à inquirição, em audiência, das testemunhas arroladas conforme ata respetiva.

 

8. Foram apresentadas alegações finais das partes, por escrito, nos termos e prazo determinados pelo Tribunal, sendo as respetivas conclusões, no essencial, as mesmas que já haviam sido alegadas nos respetivos articulados.

 

9. No decurso do processo veio a Requerente apresentar, em 24-11-2016, pedido de condenação da demandada como litigante de má fé.

 

10. A Requerida foi notificada do pedido de condenação como litigante de má fé e pronunciou-se sobre ele nos termos que resultam da ata de inquirição de testemunhas de 25-11-2016 e do documento junto nesse ato.

 

11. O processo sofreu algumas vicissitudes processuais que levaram à prorrogação, nos termos do artigo 21º-2, do prazo legal para conclusão da arbitragem.

 

Saneamento

12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a), 5º e 6º nº 1 do RJAT.

 

13. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-a/2011, de 22 de Março.

 

14.O processo não enferma de nulidades, e não foram invocadas exceções, cumprindo apreciar e decidir do mérito do pedido:

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos provados

            1. A ora reclamante é uma sociedade comercial por quotas que declarou início de atividade a 2002- 09-11 com a Classificação de Atividade Económica Principal - CAE n.º 43290 - Outras Instalações em Construções, e encontra-se enquadrada no regime geral de tributação em sede de Imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC) e, em sede de Imposto sobre o valor acrescentado (IVA), no regime normal com periodicidade trimestral desde 2012-01-01

            2. Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs 012012… e 012013…, foi a reclamante alvo de procedimento inspetivo externo de âmbito geral, relativamente aos anos de 2008 e 2009.

            3. A ação teve inicio em 2013/06/07, para o ano de 2009, e foi concluída em 2014/10/17.

            4.  Em consequência da referida ação inspetiva foram efetuadas correções, em sede de IRC (correção do lucro tributável) e IVA indevidamente deduzido, no montante de € 41.023,82, para o ano de 2009...

            5.  e foram emitidas, em consequência, as liquidações de imposto e juros compensatórios, em causa nos autos e abaixo melhor identificadas;

            6. Sufragou a AT no relatório inspetivo e consequente decisão de liquidação adicional, o entendimento de que é sobre a reclamante que recai o ónus de prova da existência das operações desconsideradas pelos serviços da inspeção tributária, com fundamento em simulação, pelo que não tendo aquela alcançado tal desiderato, seria de manter os atos de liquidação ora reclamados, rejeitando assim expressamente provimento à reclamação graciosa supra.

            7. Foram as seguintes as conclusões sumárias da sobredita ação inspetiva]:

 

                        7.1 - IVA • Imposto em falta

 

Período

IVA deduzido indevidamente

200803T

€ 4.492 ,03

200806T

€ 4.715,17

200809T

€ 8.096,80

200812T

€ 5.800,40

Total 2008

 

€ 23.104.40

 

Período

IVA deduzido indevidamente

200909T

€ 14.597,42

200912T

€ 26.426,40

Total 2009

€ 41.023,82

 

 

 

                        7.2 - IRC • Correção ao lucro tributável

 

Exercício de 2008

 

Lucro tributável declarado

€1.618,70

€ 1.618,70

Correção proposta

€ 113.329,80

Lucro tributável alterado

€ 114.948,50

 

 

Exercício de 2009

 

Lucro tributável declarado

€ 12.054,88

Correção proposta

€ 205.139,11

Lucro tributável alterado

€ 217.193,99

 

 

 

           

 

 

 

8. A AT, na sequência e em consequência da sobredita ação inspetiva à empresa Requerente, espelhada no relatório incorporado no processo administrativo instrutor de que se encontra cópia nos autos, procedeu às seguintes liquidações relativas ao exercício de 2009:

            a) Liquidação adicional de IRC de 2009 n.º 2014…, de 12.12.2014, no valor de 64.068,68€, sendo 54.306,22€ a título de imposto e 9.760,24€ a título de juros, com a respectiva compensação n.º 2014…, de 17.12.2014, com demonstração de acerto de contas ID Documento 2014 … e demonstração de juros;

            b) Liquidação n.º…, relativa ao período de 09.09, com o n.º de doc. de cobrança…, no valor de 14.597,42€

            c) Liquidação de juros n.º…, relativa ao período de 09.09, com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 2.937,08€;

            d) Liquidação adicional n.º …; relativa ao período de 09.12 com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 26.426,40€;

            e) Liquidação de juros n.º…, relativa ao período de 09.12 com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 5.053,60€;

 

Num total de 49.014,50€ (docs. 4 a 7)

 

            9.Nos anos de 2008 e 2009 a B… Lda.” (abreviadamente, “B…”), NIF…, que se encontra indiciada como emitente de faturação falsa, emitiu a favor da Requerente A… as seguintes faturas:

 

Ano de 2008              

N.º fatura

Data

Base Tributável

IVA

Total

11-02

21.390,60

4.492,03

25.882,63

06-06

22.453,20

4.715,17

27.168,37

03-09

18.737,67

3.747,53

22.485,20

17-09

21.746,34

4.349,27

26.095,61

28-11

11.708,93

2.341,79

14.050,72

11-12

17.293,06

3.458,61

20.751,67

Total

 

€ 113.329,80

€ 23.104,40

€ 136.434,20

 

 

Ano de 2009

N.º da Fatura

Data

Base Tributável

IVA

Total

03-07

18.636,60

3.727,32

22.363,92

09-07

12.877,94

2.575.59

  15.453,53

07-09

22.966,27

4.593,25

  27.559,52

28-09

18.506,30

3.701.26

  22.207,56

09-10

21.414,24

4.282,85

25.697,09

12-10

18.459,36

3.691,87

22.151,23

20-10

15.603,84

3.120,77

 18.724,61

26-10

17.602,56

3.520,51

 

10-11

18.771,84

3.754.37

22.526.21

11-11

21.911.52

4.382,30

26.293,82

27-11

18.388,64

3.673,73

22.042,37

Total

 

€205.139,11

€ 41.023,82

€ 246.142,93

 

            10. Relativamente à referida empresa "B…" foram apurados. em procedimento inspetivo levado a cabo pela OF de …, os seguintes factos:

 

  1. A “B…” tem sede em … e as suas instalações operacionais eram constituídas apenas por uma sala no …, em … .

 

  1. O pessoal ao seu serviço era unicamente o seu gerente, Sr C… e uma secretaria, a Sra. D… .

 

c) Os equipamentos operacionais que a empresa utilizava na sua actividade eram algum equipamento administrativo, pouco relevante, e dois veículos ligeiros de passageiros.

 

  1. De acordo com a sua contabilidade todos os bens vendidos (chapas de aço inox) aos seus clientes, nos quais se inclui a "B…”.foram adquiridos ao seu alegado fornecedor E…, NIF … com sede no … .

 

e) Esta empresa não vendeu qualquer bem à B…  nem desta recebeu   qualquer pagamento.

 

f)  Na contabilidade da "B…" não existe nenhuma evidência de que esta tenha  recorrido a terceiros  para lhe armazenarem ou transportarem os produtos/mercadorias alegadamente vendidos. Também não foi exibido nenhum comprovativo de que tivessem sido transportados bens das instalações do seu alegado fornecedor E… para as suas   instalações.

 

g) As faturas emitidas pela "B…" [incluindo as mencionadas supra em 13.]  referem que os bens foram transportados das suas instalações para a morada dos seus clientes.

 

h) Não se obteve nenhuma evidência de que tenham sido transportadas quaisquer mercadorias por ordem da B…; também não foi encontrada nem facultada pela B… ou pelos clientes, uma única guia de transporte.

 

i) Para além disso, a "B…" afirmou, através de fax enviado à A…, em 2008-01-01, que "todos os transportes de mercadorias ocorrem por nossa conta e responsabilidade, ou por uma empresa contratada pela B…, Isolamentos Técnicos, mas com os custos a serem suportados por nós"; indicou, no mesmo fax, que os transportes eram efetuados pela " F…, Lda., NIF… . Porém, a "F…" encontrava-se com a atividade cessada - em sede de IVA, desde 2000-04-20, nos termos do art° 33º, nº 1, alínea b) do CIVA (ao tempo) e, em sede de IRC, desde 2009-12-31. Também, conforme ficou provado na ação inspetiva efetuada pela DF…, não consta da contabilidade da lso qualquer pagamento a terceiros por transportes efetuados.

 

            11. Em 22-10-2015, o Ministério Público [DIAP – 2ª Secção da comarca de Lisboa Norte] enviou à Direção Distrital de Finanças de Lisboa uma certidão extraída do processo de inquérito-crime nº …/12.OIDLSB, comprovando que nesses autos de inquérito são arguidos a ora Requerente, A…, Lda., G…, gerente desta e C…, sócio e gerente de B…, Lda., todos sendo acusados pelo Ministério Público, em autoria material e na forma continuada, da prática de crimes de fraude fiscal qualificada...

            11.... contra eles tendo sido deduzida acusação com base, entre outros factos, na emissão pela B… a favor da A… das faturas referenciadas supra, em 9., que documentariam transações comerciais inexistentes [faturas fictícias] [cfr certidão junta pela reclamada com a resposta];

            12.O Ministério Público não acusou a B…, Lda., por ter ocorrido e estar registado o encerramento das suas liquidações e tal ser causa de extinção do procedimento criminal (cfr ainda citada certidão).

            13. A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o seguinte ato de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios já mencionado:

 

N.º Liquidação

Período

Imposto

Valor

2009/09T

IVA

€14.597,42

2009/09T

Juros

€2.937,08

2009/12T

Juros

€26.426,40

2009/12T

Juros

€5.053,60

 

            14. Alegou, para o efeito:

  • Na sequência da inspeção tributária aos exercícios de 2009 e 2010, de que foi alvo a reclamante, foi considerado como indevidamente deduzido o IVA respeitante às faturas emitidas pela sociedade B…, Lda, NIPC… .
  • A reclamante foi notificada do relatório de inspeção (cfr. doc. de fls. 22 a 30), que culminou com   a decisão de correções em sede de IVA ao exercicio de 2009, em virtude de se ter verificado a existência de factos que correspondem a negócios simulados.
  • A decisão de proceder à correção da matéria tributável e consequente liquidação adicional de IVA nos períodos de 200909T e 200912T, [objeto da presente reclamação], assentou, exclusivamente, em factos apurados pela Direção de Finanças de…, no âmbito da ação inspetiva à sociedade B…, Lda.
  • Com base nos factos apurados quanto aquela sociedade B…, no âmbito da ação inspetiva efetuada pela DF de …, a Direção de Finanças de Lisboa concluiu que a sociedade A…, aqui reclamante, tinha sido parte ativa num negócio simulado, i.e, que a A… e a sociedade B… tinham, de forma intencional e em conluio, emitido declarações falsas, com a intenção de enganar a Administração Tributária.
  • Na ótica da AT a reclamante não provou, a existência das operações comerciais que estão tituladas nas faturas.
  • Considerou a reclamante que as liquidações ora postas em crise não respeitam as regras de repartição do ónus da prova, por entender que é sobre a AT que recai o ónus da prova de que tais operações não existiram e não sobre a reclamante.

            15.  A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22-9-2015;

            16. A requerente interpôs então recurso hierárquico desse despacho que, em 18-3-2016 [data da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral] ainda não tinha sido decidido [indeferimento tácito];

            17. A Requerente procedeu a um pagamento por conta da liquidação adicional de IRC de 2009 no valor de 7.920,00€ e...

            18. ..., relativamente à parte de quantia exequenda do IVA de 2009, procedeu ao pagamento de 5 prestações num total de 5.769,15€ e

            19.  foram-lhe penhorados pela AT créditos sobre a Sociedade H… no valor de 24.490,76€.

 

 

A.2. Factos não provados

            Não está provado:

            - que a Requerente tenha adquirido as mercadorias a que aludem as faturas mencionadas em 9. e 11., dos factos provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

            Assinale-se, preliminarmente, que o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º nº 2 do CPPT e artigos 607º do CPC,  aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) e ) do RJAT)].

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) quest(ão)(ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, cópia do PA anexo e a prova testemunhal produzida, consideram-se provados, com relevo para a decisão os factos supra elencados.

            Ponderou o Tribunal que a AT cumpriu o seu ónus probatório de “contrariar” ou “abalar” a presunção de veracidade das operações constantes da escrita ou da contabilidade da Requerente (cfr artigo 75º, da LGT) e dos respetivos documentos de suporte [no caso, as faturas].

            Competiria à Requerente, de seguida, comprovar a harmonia entre o documentado e a realidade.

            Esse ónus, porém, não foi cumprido porquanto não comprovou a Requerente a realização efetiva das transações documentadas.

            Na verdade, as conclusões extraídas do relatório inspetivo decorrentes da conjugação dos elementos de prova e não prova coligidos, integram-se numa lógica juridicamente inatacável na medida em que não se surpreende qualquer prova ainda que indiciária, da aquisição real das mercadorias, designadamente, a discriminação concreta das obras e clientes da A… a quem se destinaram os painéis, quem e quando os transportou, pagamentos ou faturação dos mesmos a esses clientes, guias de transporte, etc..

            Por outro lado, não é nem era então vedado à AT lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes [no caso, a B…, Lda.] para daí extrair indícios de existência de negócios simulados ou de existência de faturação falsa (cfr., v. g., Ac do TCAS de 26-6-2014 – Proc nº 07141/2013).

            Por outro lado ainda, em sede jurisdicional, os documentos juntos e exibidos durante a inquirição das testemunhas [que não fazem menção a painéis frigoríficos 80 mm (código…) “adquiridos” à B… no ano de 2009 conforme faturas nºs…, …, …, …, …, …, …, …, … e…] e a prova testemunhal [a testemunha I… é mulher do sócio gerente da Requerida; a testemunha J… é técnico de frio, incumbido da manutenção dos compressores de frio, sem ligação à área de compra de painés frigoríficos que, como afirmou, “só via nas obras” e J… que, apesar de só ver os painéis nas obras, afirmou que a B… era uma das fornecedoras da Requerente A…, contrariando o depoimento da testemunha I…], não se revelaram suficientemente credíveis ou esclarecedores de molde a  evitar as sérias dúvidas sobre a realidade dos factos e sempre, no limite, a consequência de que as transações comerciais documentadas se não realizaram (cfr artigo 414º, do CPC: “A dúvida sobre a realidade dum facto (...) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”).

 

B. DO DIREITO

Questões decidendas

As questões a apreciar e decidir, tal como se deixou já parcialmente indiciado na fundamentação da matéria de facto, reconduzem-se às seguintes:

A quem compete o ónus da prova de existência indiciária de simulação na emissão e  consequente contabilização de faturas [indícios de existência de faturas falsas];

A quem compete a prova da simulação dessa faturação;

 A questão do pedido de condenação da AT como litigante de má fé.

            Vejamos:

            Entende a AT que é “(...)sobre a reclamante que recai o ónus da prova da existência das operações desconsideradas pelos serviços da inspeção tributária, com fundamento em simulação, pelo que não tendo aquela alcançado tal desiderato, será de manter os atos de liquidação ora reclamados.”

            A reclamante pretende contrariar este entendimento com a conclusão de que as liquidações objeto dos autos não respeitaram as regras de repartição do ónus da prova porquanto seria sobre a AT que recaía o ónus da prova de que as operações faturadas não existiram.

            Em termos gerais e decorrente do disposto no artigo 74º, da LGT -  que constitui transposição para o Direito Fiscal, do disposto no artigo 342º-1, do Código Civil -  pode seguramente afirmar-se que cabe á AT o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito de atuação, ou seja, do seu direito de tributar, demonstrando o cumprimento do mesmo ónus na fundamentação substancial do ato tributário.

            Uma vez demonstrados os pressupostos de atuação da AT, passa a caber ao sujeito passivo o ónus da prova do erro da Administração Fiscal na liquidação do imposto.

            Do artigo 75º, da LGT, resulta a existência de presunção legal de verdade ou veracidade das declarações apresentadas pelo contribuinte à AT e dos dados que constarem da sua contabilidade e escrita quando de acordo com a legislação comercial e fiscal.

            Daí que só quando a Administração Fiscal previamente prove que existem fundados indícios de deficiente contabilidade ou de que esta e/ou documentos que lhe servem de suporte não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo, é que será exigível ao contribuinte que seja ele a provar ou demonstrar o eventual erro da AT na quantificação ou na desconsideração total ou parcial da matéria coletável. Igual ónus incumbe, em princípio, ao contribuinte se se verificarem os pressupostos elencados no artigo 75º-2, da LGT (por exemplo se não cumprir os deveres de esclarecimento da sua situação tributária).

            No âmbito do artº.19º, nº.3, do CIVA, a decisão correctiva tem de assentar em “indícios fundados”, não se impondo, como ónus probatório, à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam, bastam indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte consagrada no artº.75, nº.1, da LGT, de verdade e boa-fé das declarações pelo mesmo (contribuinte) emitidas.

            Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova.

            Por outras palavras, conforme jurisprudência com a qual concordamos, não competirá à Administração Fiscal o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, antes cabendo ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou.

            A Jurisprudência assinala, na verdade,  que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a atuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas faturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua atuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efetivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção; a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT. (cfr., v. g., Ac do TCAS, de 4-6-2013 -  Processo nº 06478/13, in www.dgsi.pt.

            Assim é que, estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das faturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas sejam «falsas» para cumprir o seu encargo probatório.

            Ou seja: feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de boa fé creditada às declarações, documentos, faturas e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe, concretamente, o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à facturação indiciada.

            Ou ainda, dito doutro modo: onerado com a prova da veracidade das operações materiais subjacentes à «faturação indiciada», os esforços que o contribuinte deve mobilizar para abalar os indícios de falsidade recolhidos não podem deixar de ser exigentes e sem margem para dúvidas. No mínimo, a prova que se exige do contribuinte deve ser tão rigorosa como a que se reclama à AT para fundamentar os indícios de falsidade.

            Não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das faturas para conseguir ganho de causa. Estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra o beneficiário (cfr artigo 414º, do CPC).

            No arsenal probatório ao dispor do contribuinte todos os meios de prova são admissíveis, incluindo a prova testemunhal (art. 115º/1 do CPPT). Mas se pretender fundar a sua prova «apenas» na prova testemunhal para demonstrar a materialidade das operações facturadas terá, reconhecida e compreensivelmente, dificuldades em fazê-lo.

            Ou seja e mais concretamente: perante a prova dos elementos indiciários que levem a concluir pela simulação das operações descritas nas faturas, passa a recair sobre o contribuinte a prova dos pressupostos de que depende o direito à dedução (do IVA pago a montante), ou seja, da existência das transações e sua expressão quantitativa.

            Nestes termos, quando o ato de liquidação do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à Administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação, constantes do artº.87º, nº.1, do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artº.19, do mesmo diploma.

            Lembra-se a este propósito que o princípio do inquisitório está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58º, da LGT e de acordo com ele deve a Autoridade Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material.

            O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da Constituição e artº.55º, da LGT e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade (artº.266º, nº.2, da Constituição e artº.55º, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração.

            Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efetuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo.

            Este princípio da verdade material está consagrado no artº.6º, do RCPIT e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspeção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o ato tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades.

             Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da LGT como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto.

            Em especial e agora em matéria de IRC, se no apuramento da matéria tributável ou coletável foram consideradas faturas que não traduziam reais transações (vulgo, “faturas falsas”), obviamente que tais faturas terão de ser obrigatoriamente desconsideradas em sede de apuramento daquela matéria.

            Na verdade, uma das condições óbvias da aceitação fiscal dos gastos contabilísticos, designadamente para efeitos do disposto no artigo 23º, do CIRC,  reside na necessidade de comprovação efetiva dos gastos realizados. Os gastos só são aceites fiscalmente se o contribuinte fizer a prova dos gastos incorridos ou das despesas efetuadas.

 

            Subsumindo:

            Na situação sub juditio o que se verifica é ter a inspeção tributaria recolhido indícios seguros de que as faturas em causa não refletiriam reais transações entre a Requerente e a sua aparente fornecedora ou vendedora de painés frigoríficos, B…, Lda., indícios que tinham,  digamos, o seu fundamento mais credível na circunstância de integrarem as faturas em causa, como sendo simuladas (vulgarmente “faturas falsas”), o elenco de factos indiciariamente criminosos imputados à Requerente A…, ao seu gerente, G… e ao gerente e sócio da B…, C… .

            Estes indícios foram suficiente para afastar a presunção de verdade da contabilidade da requerente e, maxime, veracidade e realidade das transações ali espelhadas.

            Por outro lado, foi incapaz a Requerente de comprovar, como lhe competia, a realidade dessas transações, com alegação e prova dos destinatários finais concretos dos bens identificados nas faturas, local das descargas, veículo ou entidade que os transportou, apresentação de guias de transporte [considerando que estas são de emissão obrigatória, em 3 vias, sendo uma para o expedidor, outra para o destinatário e a terceira regressa ao transportador, assinada pelos 3 intervenientes (expedidor, recepcionista e motorista)].

            À luz das sobreditas considerações, dúvidas não subsistem de que fenece fundamento ao pedido de anulação das liquidações formulado pela Requerente e, consequentemente, improcede também o pedido de condenação da AT no reembolso, com juros, dos pagamentos efetuados.

           

 

A litigância de má fé.

            A Requerente pediu a condenação da AT como litigante de má fé.

            Naturalmente que a improcedência do pedido que será decretada, prejudica a apreciação da questão.

            É assinalado pela AT, em resposta ao requerimento entregue pela Requerente no dia 24-11-2016, o momento para a alegação e prova dos factos coincide com o momento da apresentação pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alíneas c) e d), do RJAT, ou seja, não cumpriu o prazo previsto no artigo 423º-2, do CPC.

            Vejamos:

            Como constitui entendimento assente na Jurisprudência “ainda que se entenda, tal como se fez entre outros, no Acórdão deste STA, de 31.01.2008 - Processo nº 01442/03, que a condenação por má fé pode ter lugar desde que se verifiquem os respectivos requisitos – previstos no CPC -, (…) não pode ser considerada atuação de má fé a simples defesa de uma posição jurídica, ainda que contrária a jurisprudência uniforme e dominante.” (cfr. Ac. STA, Proc. n.º 01004/13, de 04-12-2013).

            A Requente considera que a AT litigou de má-fé porquanto se defendeu na Resposta ao presente pedido arbitral reiterando a argumentação expendida na Resposta ao processo n.º 254/2015-T, a qual não foi aceite pelo tribunal arbitral que julgou procedente o pedido de anulação das liquidações.

            Alega a requerida que, por um lado, não vigora no nosso sistema a “regra do precedente” e, por outro, que a decisão invocada nem sequer transitou em julgado, porquanto “(...)foi interposto Recurso para Uniformização de Jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi objecto de despacho de admissão datado de 07-12-2016, que se junta, ao abrigo do artigo 423.º, n.º 3 do CPC, como Doc. n.º 1. (...)”

            Pois bem: a condenação como litigante de má-fé, não estando expressamente prevista em sede de arbitragem tributária (sem prejuízo de o Tribunal concluir, obviamente, pela existência pura e simples da existência de má fé, maxime, dos pressuposto para a condenação se para tal tivesse competência) deve restringir-se às situações em que se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, consciente e voluntariamente, com dolo ou negligência grosseira, exteriorizando uma atuação manifestamente reprovável e censurável,  dirigida a impedir a ação da justiça e frustração do interesse da parte contrária,  mediante a ocultação ou distorção de factos que não poderia (ou deveria) ignorar.

            Por outro lado, o disposto no CPC sobre a litigância de má fé nunca poderia ser aplicado à AT, já que o disposto no artigo 104.º da LGT, tem natureza de norma especial.

            Sem dúvida que um dos princípios enformadores do processo arbitral é a boa fé processual, aplicável, de resto, aos árbitros, às partes e aos mandatários (cf. artigo 16.º, alínea f), do RJAT). Mas, como é óbvio, nada no comportamento da Requerida seria, parece, censurável, pois que se limitou a defender os seus interesses e posições com base na argumentação jurídica que entendeu mais adequada, em termos, aliás, semelhantes ao que tem feito em muitos outros processos arbitrais.

            E, em qualquer caso, de modo algum se verifica a previsão do artigo 104.º, n.º 1, da LGT, que estatui que a Administração Tributária pode ser condenada, pelo Tribunal estadual competente,  numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé “em caso de atuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em situações idênticas”.

            Acontece que  o Requerente funda esta sua pretensão na invocação do disposto no art. 542.º do actual Código de Processo Civil (e não na previsão do art. 104.º, n.º 1 da LGT), cabe assinalar que a litigância de má fé pressupõe uma actuação processual da parte, um ilícito praticado no processo, pelo que, deste modo, dificilmente se compreende a consistência de um pedido de condenação como litigante de má fé que antecede (grifado nosso) a própria intervenção em juízo arbitral da parte objeto da censura, numa verdadeira prognose da peça processual da resposta. Depois, como o Requerente escora esta sua pretensão simplesmente no facto de a AT perfilhar a final uma certa interpretação normativa  (que aqui não se acolheu), deve-se notar que a sustentação de teses controvertidas na doutrina ou a defesa de interpretações, sem grande solidez ou consistência, das normas jurídicas, não integra, por si só, litigância de má fé, como consistentemente se assinala na jurisprudência (Cfr.,  por exemplo, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 442/91, de 20.11.1992, n.º 11 e 13, e n.º 200/94, de 1.3.1994). 

            Deste modo, e sem obnubilar que a boa fé processual constitui um relevante princípio conformador do processo arbitral, aplicável, aliás, aos árbitros, às partes e aos mandatários (cfr. artigo 16.º, alínea f), do RJAT), seria sempre manifestamente infundada a pretensão de condenação como litigante de má fé.

 

C. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar totalmente improcedentes os pedidos de anulação das seguintes liquidações:

                        i) Liquidação adicional de IRC de 2009 n.º 2014…, de 12.12.2014, no valor de 64.068,68€, sendo 54.306,22€ a título de imposto e 9.760,24€ a título de juros, com a respectiva compensação n.º 2014…, de 17.12.2014, com demonstração de acerto de contas ID Documento 2014 … e demonstração de juros;

                        ii) Liquidação  n.º…, relativa ao período de 09.09, com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 14.597,42€;

                        iii) Liquidação de juros n.º…, relativa ao período de 09.09, com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 2.937,08€;

                        iv) Liquidação adicional n.º… relativa ao período de 09.12 com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 26.426,40€;

                        v) Liquidação de juros n.º…, relativa ao período de 09.12 com o n.º de doc. de cobrança …, no valor de 5.053,60€;

 

            b) Manter na ordem jurídica os mencionados atos tributários, bem como os atos de indeferimento expresso da reclamação graciosa e de indeferimento tácito do recurso hierárquico mencionados;

            c) Julgar improcedente ou prejudicado o pedido de restituição pela AT dos pagamentos efetuados pela Requerente e

            c) Julgar improcedente o pedido de condenação da AT como litigante de má fé.

 

D.VALOR DO PROCESSO

            De conformidade com o disposto no artigo 306º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º - A), nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €113.083,18

 

E. CUSTAS

            Nos termos dos artigos 12º nº 2, 22º nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 3.060,00 €, totalmente a cargo da Requerente.

  • Notifique-se.

 

[Texto elaborado de harmonia com o Acordo Ortográfico de 1990, em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelos árbitros que integram o Tribunal Coletivo]

           

Lisboa, 20 de março de 2017

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Diogo Feio

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

Carlos Lobo

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

 



[1] Deste acórdão arbitral foi interposto recurso para uniformização de jurisprudência para o STA que, por acórdão de 30-9-2020, no Proc nº 518/17.6BALSB, deliberou não tomar conhecimento desse recurso.

[2] “Constitui uma válvula de segurança do sistema por forma a possibilitar a reparação de um erro ou injustiça grave cometidos numa reponderação do decidido” (Ricardo de Oliveira e Sousa, A Revisão de Sentenças Judiciais no Ordenamento Jurídico Português, in Revista “Julgar On Line, julho de 2016).

[3] A possibilidade de revisão por incompatibilidade da decisão nacional transitada com a decisão de uma instância internacional de recurso, vinculativa para o Estado português, constituiu uma inovação do DL nº 303/2007 e derivou da necessidade de endereçar o problema da falta de meios internos de execução das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), conforme resulta do preâmbulo do citado diploma, dirigindo-se aos casos em que uma decisão nacional transitada em julgado tenha violado a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Cfr Maria José Rangel de Mesquita, Introdução ao Contencioso da União Europeia, Almedina, 2015, pg. 219).

O STA, em acórdão de 2-7-2014, no processo 0360/13, publicado em www.dgsi.pt, considerou que um acórdão do TJUE proferido no âmbito de processo, por incumprimento, movido contra o Estado português, assume um caráter vinculativo para este e é suscetível de recurso de revisão, verificados que sejam os demais pressuposto da norma do artigo 771º-f), do CPC então em vigor e correspondente ao atual 696º.

[4] O instituto jurídico do reenvio prejudicial não é uma via de recurso mas antes um processo especial de cooperação direta, tendente a garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da EU através de todo o seu território (cfr Luísa Lourenço,  O Reenvio Prejudicial para o TJUE e os Pareceres Consultivos do Tribunal EFTA,  in Revista Julgar nº 35, 2018.

[5] Cfr artigo 167º, do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia)