Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 620/2022-T
Data da decisão: 2023-09-14  IMT  
Valor do pedido: € 3.424.857,86
Tema: IMT – artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT – transmissões onerosas de imóveis por valor inferior ao VPT.
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SUMÁRIO:

I – O artigo 12.º, n.º 1 do CIMT, ao determinar que o imposto incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o VPT dos imóveis, consoante o que for maior, não consagra qualquer presunção legal ou ficção.

II – O regime previsto no artigo 73.º da LGT não é aplicável ao artigo 12.º, n.º 1 do CIMT.

III – O artigo 12.º, n.º 1 do CIMT, ao não admitir a tributação em sede de IMT pelo valor do acto ou do contrato quando inferior ao VPT, não viola os princípios da capacidade contributiva enquanto decorrência do princípio geral da igualdade (artigo 5.º da LGT e artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP) nem o princípio da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2 da CRP).

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitra-presidente), Luís Menezes Leitão e Jorge Carita (árbitros-vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., Lda., com o número de pessoa colectiva ..., B..., Lda., com o número de pessoa colectiva ..., C..., Lda., com o número de pessoa colectiva ..., D..., Lda., com o número de pessoa colectiva ... e E..., Lda., com o número de pessoa colectiva ... (“Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), na sequência da formação de presunção de indeferimento tácito de pedido de reclamação graciosa, apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), tendo em vista a anulação das Liquidações de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (“IMT”), melhor identificadas no documento n.º 1 junto com o PPA.

 

            2. A final, as Requerentes formularam os seguintes pedidos:

“Nestes termos, e tendo em linha de conta todos os factos e argumentos expostos, solicitam respeitosamente as Requerentes a este Douto Tribunal o integral deferimento do pedido de pronúncia arbitral objeto do presente requerimento, determinando-se, em conformidade, a anulação do Indeferimento Tácito e, consequente, (i) anulação total das Liquidações por ilegalidade / inconstitucionalidade, onde se entenda não ser a Presunção ilidível (ou a mesma inexistir), e restituição de imposto no montante de EUR 3.424.857,86 ou, subsidiariamente, (ii) a anulação parcial das Liquidações, por erro nos pressupostos de facto, comprovado pela ilisão da Presunção, com a restituição do imposto pago em excesso, no montante de EUR 2.090.804,65, em qualquer dos casos acrescido de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.”

 

            2. No pedido de constituição do Tribunal Arbitral a Requerente designou como árbitro o Professor Doutor Luís Menezes Leitão, ao abrigo da faculdade prevista nos artigos 5.º, n.º 3, alínea b), 6.º, n.º 2, alínea b), 10.º, n.º 2, alínea g) e 11.º, n.º 2, todos do RJAT. Por seu turno, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 3 do RJAT, a Requerida designou como árbitro o Dr. Jorge Carita. Na sequência da solicitação dos árbitros designados pelas partes, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Professora Carla Castelo Trindade como árbitra-presidente, em conformidade com o disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. Uma vez notificadas destas designações, as partes não manifestaram qualquer oposição nos termos e prazos previstos nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            3. No pedido de pronúncia arbitral, as Requerentes sustentaram a ilegalidade dos actos de liquidação contestados, em síntese, com base nos seguintes argumentos:

  1. “As Requerentes adquiriram os Imóveis gozando da isenção prevista no artigo 7.º do Código do IMT”;
  2. “Não tendo os Imóveis sido revendidos no prazo de 3 anos, foram emitidas as Liquidações e pago o respetivo IMT, nos termos do disposto i.a. no artigo 34.º do Código do IMT.”;
  3. “Face ao disposto no artigo 12.º do Código do IMT, [as] Liquidações incidiram sobre o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) dos Imóveis, na medida em que o mesmo era, à data do facto tributário relevante, superior ao respetivo preço de compra e venda (“Preço de Compra e Venda”)”;
  4. “O IMT em causa incide sobre a riqueza / capacidade contributiva manifestada na transação ´transmissão a título oneroso do direito de propriedade sobre bens imóveis situados no território nacional´, por natureza correspondente ao valor dos imóveis transacionados, leia-se a expressão monetária do preço acordado em circunstâncias de mercado.”;
  5. “Aplicou-se, portanto, uma presunção / ficção de que o valor de compra e venda corresponde ao VPT dos Imóveis e não ao Preço de Compra e Venda (a “Presunção”)”;
  6. “A origem histórica do artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT, das suas antecedentes, em sede de Sisas ou Contribuição de Registo, e, bem assim, das suas homólogas em sede de IRS e IRC, é por demais evidente e, infelizmente, do conhecimento de todos. Perante a ameaça da tributação em sede de impostos sobre o rendimento e sobre o património, as partes optavam por não declarar o verdadeiro valor da transmissão, realizando pagamentos não declarados, algo de resto amplamente reconhecido pela doutrina.”;
  7. No entender das Requerentes “uma análise sistemática comprova a presunção absoluta de abuso que trespassa as normas em causa, quando se nota que ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 4, al. 16 [do Código do IMT]”, não é considerado o VPT como limiar mínimo dos “bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como” dos bens “adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa”;
  8. “Nos últimos anos formou-se uma corrente jurisprudencial constante, que, declarou ilegal as liquidações emitidas com base no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS e que culminou na declaração da inconstitucionalidade desta norma, por violação i.a. do princípio da capacidade contributiva”;
  9. “A Presunção aqui é aquela que subjaz a essa corrente jurisprudencial, considerando i.a que o artigo 44, n.º 2 do Código do IRS mais não faz do que remeter para o artigo 12, n.º 1 do Código de IMT (tal qual o artigo 9.º, n.º 4 do Código do Imposto do Selo)”, pelo que “esta jurisprudência se aplica mutatis mutandis ao caso em análise”;
  10. De tal modo que “seria incompreensível, não justificado e arbitrário, [era] essa jurisprudência permanecer acantonada ao cálculo de mais-valias em IRS e não se estender ao caso idêntico do CIS (…)” resultando no absurdo de se “suspeitar do valor praticado num caso, e não no outro””;
  11. “inexistem diferenças materiais face à letra da lei nos dois preceitos ou face aos tributos (no que a esta causa importa). Em ambos os casos se pretende tributar a riqueza manifestada direta ou indiretamente numa transação, estando ambos os tributos balizados i.a. pelo princípio da capacidade contributiva e intrinsecamente conexos ao vero valor dos imóveis em causa, que numa economia de mercado e Estado Fiscal hodiernos, baseados num sistema cambiário, equivale ao montante monetário pago por um terceiro (ou equivalente quando em espécie) pelo bem em causa”;
  12. “se é pacificamente aceite a necessidade de, para efeitos de tributação estática / da posse do património, e.g. em sede de IMI cobrado numa base anual, onde não há acesso ao valor de mercado dos bens com essa constância cronológica, ficcionar esse mesmo valor de mercado, de tal forma que o legislador sentiu a necessidade de criar uma equação para o efeito, na tributação dinâmica ocorre uma transação que por natureza revela o valor de mercado pretendido; há realidade, não havendo necessidade de recorrer a uma ficção / presunção”;
  13. “De igual modo improcede o suposto argumento de que os imóveis possuem um valor mínimo de mercado intrínseco que é melhor representado pelo VPT (…) Valor de mercado é o praticado entre partes independentes / em plena concorrência. Foi obviamente esse o referencial a que o legislador conectou a manifestação de capacidade contributiva para efeitos de IMT e não outro. Simplesmente (…) desconfiou do valor declarado pelas partes e criou uma presunção de inverdade”;
  14. “decorre claramente da prova apresentada que não houve qualquer simulação do preço acordado e efetivamente pago, qual seja o Preço de Compra e Venda, o qual foi de facto inferior ao VPT dos Imóveis, tendo sido acordado em plenas condições de mercado e entre partes não relacionadas, num processo todo ele competitivo, onde várias entidades submeteram ofertas, ainda mais tratando-se de entidades auditadas e supervisionadas, ficando deste modo cabalmente demonstrada a realidade da transação em causa e fazendo-se jus ao disposto no artigo 73.º da LGT.”;
  15. “Nessa medida, a Presunção dever-se-á ter por ilidida e devem as Liquidações ser consideradas ilegais por erro nos pressupostos de facto e devolvido às Requerentes o imposto pago em excesso”;
  16. “caso se entendesse, não ser, ao contrário do que sucede, por exemplo, a nível de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), facultado às Reclamantes a possibilidade de comprovar a veracidade do preço de transmissão, tal Presunção afigurar-se-ia inilidível, em clara violação da exigência legal, consagrada pelo art.º 73 da Lei Geral Tributária (“LGT”), da existência da possibilidade de apresentação de prova em contrário das presunções presentes em normas de incidência fiscal”, “não havendo dúvidas de que o artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT, ao fixar o valor tributável (leia-se matéria coletável), é uma norma de incidência”;
  17. “Permitir a tributação com base em valores ficcionados quando é perfeitamente apurável o valor real (preço acordado entre as partes) equivale a um ato discricionário, desproporcional, violador da propriedade privada do contribuinte, que redunda em tratar / tributar um contribuinte, leia-se as Requerentes – que adquiriram os Imóveis pelo Preço de Compra e Venda – do mesmo modo que um outro contribuinte que adquira imóveis por um montante superior, i.e. igual ao VPT dos Imóveis (desigualdade vertical), ou pelo mesmo valor mas e.g. via arrematação judicial (desigualdade horizontal), tratando situações diversas da mesma forma, ficcionando uma manifestação de capacidade contributiva (in casu, inexistente) e logo correspondendo a uma grosseira violação do princípio da igualdade.”;
  18. “ao tributar uma realidade ficcionada, com base numa presunção / ficção inilidível vertida no artigo 12.º do Código do IMT, não sendo às Requerentes permitido ilidir essa presunção através da Reclamação Graciosa, enfermam as Liquidações e a Reclamação Graciosa de violação do princípio da igualdade / princípio capacidade contributiva, ínsito nos artigos 5.º da LGT, 13.º, 103.º, 104.º da CRP, sendo o contribuinte tributado com base numa manifestação de riqueza inexistente e da mesma forma que outro alguém que de facto aufira essa riqueza.”;
  19. “De igual modo, mesmo onde se aceitasse a eventual justificação da Presunção para efeitos anti-elisivos sem possibilitar contraditório às Requerentes – o que de todo não se concede – mister seria reconhecer a desproporcionalidade desta medida, considerando a realidade dos tempos, os amplos meios que estão ao dispor da Autoridade Tributária, e a disponibilidade das Requerentes, tudo tendo em vista apurar a verdade material que subjaz à tributação, indo-se manifestamente para além da justa medida no ensejo de simplificação da tributação / luta contra a artificialidade, pelo que sempre se estaria perante uma gritante violação do princípio da proporcionalidade vertido no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.”.

 

            4. Em conformidade com o artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 16 de Janeiro de 2023.

 

            5. Em 23 de Janeiro de 2023, foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral e juntar aos autos o processo administrativo, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT, o que esta veio a fazer em 27 de Fevereiro de 2023. Na resposta, a Requerida defendeu-se por impugnação, sustentando a sua absolvição de todos os pedidos com base nos seguintes argumentos:

  1. “As regras de determinação da matéria tributável constantes do art.º 12.º e seguintes do CIMT, não constituem, nem contêm, qualquer presunção inilidível”;
  2. “o IMT incide sobre a riqueza, enquanto indicador de capacidade tributária dos contribuintes, sujeitando a imposto a aquisição onerosa de bens imóveis, independentemente do título ou da forma jurídica utilizada nessa aquisição”;
  3. “O objeto da sujeição do imposto não é propriamente o ato ou contrato que titulam a aquisição, mas sim o efeito desses atos ou contratos, ou seja, a aquisição da propriedade ou dos direitos correspondentes sobre esses imóveis”;
  4. “o valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial tributário do imóvel, tal como resulta do artigo 12.º, n.º 1, do CIMT”;
  5. “O VPT funciona, assim, como um valor de referência, um limite mínimo do valor tributável, servindo a sua comparação com o valor declarado como instrumento de segurança do sistema contra a evasão e fraude fiscal”;
  6. A teleologia que lhe está imanente é a de um verdadeiro mecanismo de travão da celebração de negócios simulados quanto ao preço, «princípio que advém do regulamento de 1899»”;
  7. “O valor do ato ou contrato é, pois, a contrapartida paga pelo adquirente, seja em dinheiro ou quaisquer outros bens – salvo bens imóveis em que estaremos perante a figura da permuta abrangida pela regra 4.ª do n.º 4 – bem como quaisquer encargos a que o mesmo fique legal ou contratualmente obrigado e que possam considerar-se como contrapartida da aquisição, nos termos do n.º 5, para cuja leitura se remete.”;
  8. “No entanto, o valor do ato ou contrato deve ser comparado com o valor patrimonial tributário do prédio inscrito na matriz à data da liquidação que, se superior àquele, constitui a base de tributação”;
  9. “Daí que, no caso em análise, o IMT tenha sido apurado tendo por matéria tributável o VPT dos prédios, que era superior ao valor declarado dos mesmos (valor do ato ou contrato).”;
  10. “o procedimento da prova do preço efetivo na transmissão de imóveis – previsto nos artigos 139.º e art.º 64.º do CIRC – só tem consequências no âmbito do IRC, não produzindo quaisquer efeitos em sede de IMI ou IMT, conforme resulta dos referidos artigos 139.º e art.º 64.º do CIRC e do Ofício Circulado 20136, de 2009-03-11, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas”;
  11. Com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, registou a Requerida que “a prova de que o valor da transação foi inferior ao valor real do imóvel, não consubstancia um direito que o legislador, nem o ordinário, nem o constitucional, tenham querido atribuir aos contribuintes. Na verdade, as razões que determinam que a tributação se faça pelo maior dos dois valores, o da transação ou o real, visa precisamente contribuir para a igualdade de todos os cidadãos, isto é, visa criar um regime legal e que todos sejam tratados de igual forma, cfr. artigo 104º, n.º 3 da CRP”;
  12. “O princípio da legalidade impõe, que o fundamento e o limite da atividade administrativa seja a lei” “Pelo que, em obediência ao princípio da legalidade (tanto na sua vertente de prevalência da lei como de precedência da lei), a Autoridade Tributária e Aduaneira, não poderia deixar de aplicar, a este caso, a regra geral de determinação da matéria tributável prevista no n.º 1 do art.º 12.º do CIMT.”.

 

            6. Por despacho proferido em 22 de Março de 2023, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. Naquele despacho foram ainda as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que estas não quiseram exercer.

 

            7. Através de despachos proferidos em 14 e 17 de Julho de 2023, foi o prazo de arbitragem prorrogado por dois meses, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Estão reunidos os pressupostos da coligação de autores e da cumulação de pedidos previstos no artigo 3.º do RJAT. O pedido é tempestivo nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções dilatórias a apreciar.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1.1. Factos provados

 

9. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. As Requerentes são sociedades comerciais que se dedicam, entre outros, à compra e venda de imóveis e à revenda dos imóveis adquiridos para esse fim (CAE – 68100);
  2. Entre 2018 e 2021, as Requerentes adquiriram os Imóveis discriminados na tabela n.º 1 junta com o PAA, por contrapartida do preço de compra e venda, em conformidade com as respectivas escrituras públicas – cfr. docs. n.ºs 1 e 3 a 42 juntos com o PPA;
  3. O preço de compra e venda do Imóveis foi integralmente pago – cfr. docs. n.ºs 1 e 3 a 46 juntos com o PPA;
  4. As Requerentes reúnem, desde 2018, os requisitos necessários para lhes ser aplicável a isenção de compra para revenda prevista no artigo 7.º do Código do IMT – cfr. doc. n.º 2 junto com o PPA;
  5. Na sequência da aquisição dos Imóveis as Requerentes apresentaram as declarações Modelo 1 do IMT, tendo inserido no campo dos benefícios fiscais o código 15, referente à isenção de IMT pela aquisição de prédios para revenda prevista no artigo 7.º do Código do IMT;
  6. Em virtude da aplicação da isenção referida nas alíneas d) e e) da matéria de facto, os Documentos Únicos de Cobrança foram emitidos a “zeros” (€ 0,00);
  7. Como não venderam os Imóveis dentro do prazo de 3 anos, as Requerentes requereram a emissão dos actos de liquidação de IMT dos Imóveis ao abrigo do disposto nos artigos 11.º, n.º 5 e 34.º do Código do IMT;
  8. À data da aquisição dos Imóveis, o valor dos respectivos VPT’s (cuja soma totalizava € 54.492.721,20) era superior ao preço de compra e venda (cuja soma perfazia € 21.795.188,00);
  9. As liquidações de IMT emitidas pela AT consideraram como base tributável o VPT dos imóveis – cfr. doc. n.º 1 junto com o PPA;
  10. Entre Janeiro e Março de 2022, as Requerentes pagaram por conta do IMT liquidado o valor global de € 3.424.857,86;
  11. Caso as liquidações de IMT tivessem sido emitidas considerando como base tributável o preço de compra e venda, o imposto devido teria sido de € 1.334.053,21, o que representa uma diferença de € 2.090.804,65 face ao valor que foi pago;
  12. Em 22 de Abril de 2022, as Requerentes apresentaram pedido de Reclamação Graciosa quanto aos actos de liquidação de IMT emitidos pela aquisição dos Imóveis no valor global de € 3.424.857,86, que deram origem aos seguintes processos: processo n.º ...2022..., referente à sociedade, A... Lda; processo n.º ...2022..., referente à sociedade B..., Lda; processo n.º ...2022..., referente à sociedade C..., Lda; processo n.º ...2022..., referente à sociedade D..., Lda; processo n.º ...2022... referente à sociedade E..., Lda – cfr. doc. n.º 47 junto com o PPA;
  13. Naqueles pedidos, bem como no PPA, as Requerentes demonstraram-se disponíveis para entregar à AT os demais elementos de prova que esta razoavelmente entendesse necessária para demonstrar que o preço de compra e venda dos imóveis corresponde ao valor efectivamente pago pela sua aquisição, o que não veio a acontecer;
  14. A AT não se pronunciou sobre o pedido de Reclamação Graciosa, tendo-se formado uma presunção de indeferimento tácito nos termos do artigo 57.º da LGT;
  15. Em 18 de Outubro de 2022, as Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que originou os presentes autos.

 

III.1.2. Factos não provados

 

10. Com relevo para a decisão do presente processo, não se consideram provados os seguintes factos:

  1. Em 19 de Julho de 2021, as Requerentes apresentaram junto do Serviço de Finanças de Lisboa 10, ao abrigo do disposto no artigo 64.º do CPPT, um pedido de ilisão da presunção constante do artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT, por referência às aquisições dos Imóveis que efectuaram;
  2. Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., datado de 21 de Outubro de 2021, foi sancionado o projecto de decisão de indeferimento do pedido das Requerentes, por entender-se inexistir uma presunção contida no artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT;
  3. Através do ofício n.º..., de 2 de Novembro de 2021, foram as Requerentes notificadas do projecto de decisão e do prazo para exercício do direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT;
  4. As Requerentes não exerceram o direito de audição prévia previsto na alínea anterior.

 

III.1.3. Motivação da decisão da matéria de facto

 

11. O Tribunal Arbitral não tem a obrigação de se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes, incumbindo-lhe antes o dever de seleccionar os factos que interessam à boa decisão da causa tendo em consideração o pedido e a causa de pedir tal como conformados pelas Requerentes, julgando essa factualidade como provada ou não provada, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

12. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme determina o artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

13. O Tribunal Arbitral formou a sua convicção sobre os factos dados como provados e não provados com base no exame da prova documental junta aos autos, isto é, com base nos documentos juntos pelas Requerentes com o PPA.

 

14. A factualidade que consta do ponto 10 supra respeita a um conjunto de factos alegados pela Requerida na sua resposta que não encontra qualquer suporte documental nos autos, razão pela qual aqueles factos foram dados como não provados pelo Tribunal. Note-se que apesar de ter sido validamente notificada para o efeito, a Requerida não juntou aos autos o processo administrativo nem qualquer outro elemento adicional de prova que permitisse comprovar a veracidade e adesão à realidade daqueles factos. Em todo o caso, as partes não extraíram qualquer consequência daquele conjunto de factos, pelo que a circunstância de os mesmos não terem sido dados como provados não implicará com o sentido do mérito da causa.

 

15. Por fim, sublinha-se que por razões de praticabilidade não foram identificados os imóveis transmitidos, os respectivos VPT’s nem os consequentes actos de liquidação de IMT, relativamente aos factos mencionados nas alíneas b), h) e i) do ponto 9 supra, sendo certo que tais factos não são controvertidos nos autos.

 

16. Uma vez que o objecto do litígio nos presentes autos resida nas posições assumidas quanto à matéria de direito, cumpre passar a tal apreciação.

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Pedidos e ordem de conhecimento dos vícios alegados

 

            17. No PPA as Requerentes deduziram os pedidos numa relação de subsidiariedade, em conformidade com o disposto no artigo 554.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

           

            18. Assim, haverá que analisar em primeiro lugar o pedido de anulação total das liquidações de IMT com fundamento na ilegalidade/inconstitucionalidade da previsão no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT de uma presunção inilidível ou da consideração da sua inexistência. Na eventualidade de se julgar improcedente este vício, haverá que apreciar o pedido de anulação parcial das liquidações de IMT por erro sobre os pressupostos de facto, resultante da ilisão pelas Requerentes da presunção consagrada no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT.

           

            19. Na análise destes pedidos haverá que ter presente que são comuns e não foram arguidos segundo uma relação de subsidiariedade, os vícios imputados aos actos de liquidação, designadamente a ilegalidade decorrente da violação de artigo 73.º da LGT e a inconstitucionalidade decorrente da violação do princípio da igualdade/capacidade contributiva, ínsito nos artigos 5.º da LGT e 13.º, 103.º, 104.º da CRP, e da violação do princípio da proporcionalidade vertido no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

           

            20. Ressalva-se, contudo, que nesta tarefa não recai sobre o Tribunal Arbitral o dever de se pronunciar “(…) sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pois o que importa é que o tribunal decida (…) as questões postas, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a pretensão (…)”, conforme evidenciou o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no acórdão proferido em 28 de Outubro de 2020, no processo n.º 0950/14.7BELLE 0674/16.

           

  1. Ilegalidade/inconstitucionalidade do artigo 12.º, n.º 1 do CIMT

           

            21. Relativamente ao pedido principal formulado pelas Requerentes, cabe essencialmente apreciar se o artigo 12.º, n.º 1 do CIMT, ao determinar que a base tributável para efeitos de IMT é o VPT do imóvel nos casos em que este seja superior ao preço de compra e venda praticado na respectiva transmissão consagra ou não uma presunção (in)ilidível, em violação do disposto no artigo 73.º da LGT e nos artigos 5.º da LGT e 13.º, 103.º, 104.º e 266.º, n.º 2 da CRP.

 

            22. Para que se procede à análise da legalidade/constitucionalidade do artigo 12.º, n.º 1 do CIMT nos termos invocados pelas Requerentes, considera-se necessário estabelecer previamente o enquadramento jurídico-constitucional da tributação do património, designadamente no que respeita à tributação de acordo com o princípio da capacidade contributiva, identificando também quais foram os objectivos prosseguidos pelo legislador ordinário com a reforma da tributação do património que esteve subjacente à criação do IMT e à previsão da referida norma.

 

            23. Desde o início da vigência da CRP que os propósitos do sistema fiscal foram sendo ajustados, ainda que sem alterações estruturais quanto aos objectivos de fundo. Na versão originária da CRP, previa-se no artigo 106.º, n.º 1 que o sistema fiscal “(…) será estruturado por lei, com vista à repartição igualitária da riqueza e dos rendimentos e à satisfação das necessidades financeiras do Estado.”. Identicamente, prevê-se actualmente no artigo 103.º, n.º 1 da CRP que “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.”.

           

            24. Apesar de o critério de “repartição igualitária” ter sido substituído por um critério de “repartição justa”, a verdade é que se manteve um denominador comum no que aos propósitos do sistema fiscal diz respeito: assegurar uma função redistributiva dos rendimentos e da riqueza. Conforme referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 1088-1089, em anotação ao artigo 103.º, n.º 1 da CRP “A repartição justa dos rendimentos e da riqueza (n.º 1, 2.ª parte) constitui o objectivo social do sistema fiscal. Nesta perspectiva, o sistema fiscal está vinculado à ideia da justiça social, havendo de traduzir-se necessariamente na sua contribuição para a diminuição da desigualdade na distribuição social daqueles (…)”.

 

            25. Aqueles dois elementos – rendimento e riqueza – são, assim, de acordo com a constituição, os principais indicadores que, de forma autónoma, revelam um enriquecimento ou força económica acrescida e que, nessa medida, devem ser objecto de tributação.

           

            26. Tributação esta que, de forma transversal, terá de obedecer a um critério de capacidade contributiva, enquanto projecção no domínio fiscal do princípio geral da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP. O princípio da capacidade contributiva consiste no pressuposto e critério da tributação, dele resultando determinados corolários que os impostos incidentes sobre o rendimento e a riqueza terão de respeitar. Conforme explica o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 590/2015, proferido em 11 de Novembro de 2015, no processo n.º 542/14:

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157). (destaque nosso)

 

            27. Sem prejuízo da existência deste denominador comum, certo é que “a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto”, tal como sublinhou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 178/2023, proferido em 30 de Março de 2023, no processo n.º 461/22. Estes indicadores, que se encontram previstos no artigo 104.º da CRP, fixam, ao que aqui importa, diferentes parâmetros de tributação para os impostos que incidem sobre o rendimento e sobre a riqueza.

           

            28. No que respeita à tributação do rendimento das pessoas singulares (IRS), estabelece-se no n.º 1 do artigo 104.º da CRP como parâmetros da tributação a unicidade e progressividade do imposto, bem com a ponderação das necessidades e dos rendimentos do agregado familiar. Neste imposto, a capacidade contributiva é revelada e a tributação concretizada na medida da existência de um aumento líquido de valor na esfera patrimonial do contribuinte (rendimento-acréscimo).

 

            29. Relativamente à tributação do rendimento das pessoas colectivas (IRC), determina-se no n.º 2 do artigo 104.º da CRP que o indicador efectivo de aptidão para suportar a prestação tributária é, fundamentalmente, o rendimento real das empresas. Neste imposto, a capacidade contributiva afasta a tributação do rendimento médio ou normalizado, atendendo-se antes à realidade económica da empresa. Assim, a tributação incidirá sobre a variação líquida efectiva do poder económico da empresa (maxime o lucro), sem prejuízo de eventuais limitações decorrentes da prossecução de outros objectivos.

 

            30. Já no que ao património diz respeito, enquanto elemento exteriorizador de riqueza, apenas se refere no n.º 3 do artigo 104.º da CRP que “[a] tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

 

            31. Ao contrário do que sucede com conformação constitucional dos impostos sobre o rendimento, não é possível extrair do conteúdo daquela norma um concreto modo de revelação de capacidade contributiva nem um específico parâmetro de tributação que não resulte já do princípio geral da igualdade previsto no artigo 13.º CRP, por um lado, e dos propósitos do sistema fiscal estabelecidos no artigo 103.º, n.º 1 da CRP, por outro lado. Assim sendo, desde que respeite o perímetro dos princípios que se extraem da lei fundamental, o legislador terá, no plano infra infraconstitucional, uma ampla margem para configurar o sistema de tributação do património, não estando vinculado a uma determinada forma de afectação da riqueza.

 

            32. É por esta razão que Xavier de Basto refere que o n.º 3 do artigo 104.º da CRP acaba por ser redundante e desprovido de efeitos práticos, cfr. “A Constituição e o Sistema Fiscal”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa – Colóquio Comemorativo do XXV Aniversário do Tribunal Constitucional, 24 e 25 de Outubro de 2008, Coimbra Editora, 2009, p. 188. Em idêntico sentido, regista Ana Sofia Gonçalves Marieiro que “o preceito [artigo 104.º, n.º 3 da CRP] nada diz, mas parece tudo permitir. A expressão “contribuir para a igualdade” é de uma abrangência imensurável, pelo que legitimará qualquer atuação pública que tenha como efeito ou fim a igualização de cidadãos, uma vez que é a igualdade princípio fundamental do sistema jurídico português.”, cfr. Tributação do património: função redistributiva dos impostos?, Dissertação de Mestrado em Direito e Ciência Jurídica pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, pp. 138-140.

 

33. E continua essa mesma autora, sempre com referência ao escrito de Xavier de Basto, que aquele autor “…faz menção ao conteúdo vago e vazio da norma constitucional sobre tributação do património, referindo que do mesmo não se extrai qualquer eficácia prática nem se estabelece qualquer limite que se imponha ao legislador a opção por determinado modelo de tributação do património. Acrescenta ainda o Autor que acaba por se figurar como uma norma redundante face aos objetivos gerais do sistema fiscal, posto que a igualdade entre cidadãos sempre seria pressuposto tributário cfr. Tributação do património: função redistributiva dos impostos?, Dissertação de Mestrado em Direito e Ciência Jurídica pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, p 181.

           

            34. Aqui chegados, constata-se que o legislador constitucional valorou de forma diferente o modo segundo o qual o princípio da capacidade contributiva se deverá manifestar na conformação do sistema fiscal, assumindo aquele um menor peso no domínio da tributação do património em face da preponderância que assume no âmbito do rendimento. Esta é, também, a conclusão que se infere da jurisprudência do Tribunal Constitucional, expressa no acórdão n.º 520/2018, proferido em 17 de Outubro de 2018, no processo n.º 1015/2016, onde se referiu que:

Na verdade, o princípio da capacidade contributiva não vale de igual modo relativamente a todo o tipo de imposto, tendo uma expressão de 1.º grau nos impostos sobre o rendimento, uma expressão de 2.º grau nos impostos sobre o património e uma expressão de 3.º grau nos impostos sobre o consumo.

Deste modo, entende-se que quanto à tributação do património, o Legislador está essencialmente obrigado a contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3 da CRP), o que não o impede de proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos, sendo certo que de tal princípio não resulta a obrigação da existência de um imposto sobre o património com taxas progressivas.”.

 

            35. Tendo este enquadramento presente, fica desde já evidente que não se poderão aplicar de forma idêntica e indistinta no domínio dos impostos sobre o património as consequências que o princípio da capacidade contributiva representa no âmbito dos impostos sobre o rendimento. O que terá consequências, conforme se verá, na sindicância da constitucionalidade do artigo 12.º, n.º 1 do CIMT, e na impossibilidade de transposição para esta sede, conforme pretendem fazer valer as Requerentes no PPA, da jurisprudência constitucional referente aos artigos 44.º, n.º 2 do CIRS e 64.º do CIRC.

 

36. Mais difícil será, em consequência, que as regras de incidência ou de determinação da matéria colectável dos impostos sobre o património, como é aqui o caso do IMT, entrem em colisão com princípios e regras constitucionais, nomeadamente da igualdade e da capacidade contributiva, o que se tornará mais sensível no que aos impostos sobre o rendimento diz respeito.

 

            37. Dito isto, cumpre efectuar o enquadramento dogmático do IMT – que a par do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) e do Imposto do Selo (“IS”) constituem os impostos em Portugal que tributam o património –, tendo para o efeito em conta os objectivos subjacentes à reforma da tributação do património de 2003, designadamente no que respeita à determinação do valor tributável (artigo 12.º, n.º 1 do CIMT).

 

            38. O IMT, que substituiu o imposto municipal de sisa (“SISA”), é um imposto de obrigação única que incide sobre a transmissão onerosa do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional (artigo 2.º do CIMT).

 

39. Neste contexto ganha especial importância a figura do “Valor Patrimonial Tributário”, sobre cuja noção Glória Teixeira consagra o seguinte:

“ A determinação do valor patrimonial tributário constitui uma operação complexa, com apelo a vários critérios, conforme se trate de impostos estáticos (os relativos à posse e titularidade) ou impostos dinâmicos (os relativos à transmissão).

No âmbito da tributação estática do património (IMI), um dos critérios utilizados pelo legislador para a determinação do valor patrimonial tributário de prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e  serviços, resulta da ponderação dos seguintes factores:

  1. valor base dos prédios edificados;
  2.  área;

c. critério de afectação ou utilização;

d. localização;

e. qualidade e conforto e

f. vetustez.”

 

40. Para concluir que “… na tributação dinâmica (IMT), o valor patrimonial tributário resulta do valor do ato ou contrato e se insuficiente, faz o legislador apelo ao valor patrimonial tributário consoante definido para efeitos de tributação estática.” Glória Teixeira, Manual de Direito Fiscal 2008, Almedina, págs 234/5. (sublinhado nosso)

 

41. Neste contexto de reforma da tributação do património, o Profº. Casalta Nabais enaltece que tal reforma “… se traduziu sobretudo numa profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana, o qual passou a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assentes em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, sem espaço para subjectividade e discricionariedade do avaliador.” Cfr José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 10º. Edição, Almedina, pág 455.

 

42. Isto, dizemos nós, mesmo sem nunca e até hoje ter visto a luz do dia o Código das Avaliações, de referência obrigatória nas comissões de reforma fiscal que sobre este tema se debruçaram.

 

            43. Mas qual é a finalidade do imposto? Tributar a transmissão em si considerada ou o valor económico do património transmitido?

           

            44. Ao representar a esfera jurídico‑patrimonial do adquirente uma manifestação directa da sua riqueza, é o aumento do acervo patrimonial de que este é titular que justifica o seu enriquecimento. Dito de outro modo, se é através do incremento do património imobiliário que o adquirente assegura um acréscimo da sua riqueza, então é o valor deste novo património que revela uma capacidade contributiva nova e adicional susceptível de tributação.

 

            45. Neste preciso sentido, referiu o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 8 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 607/13.6BELRS que:

O I.M.T. é um imposto sobre a riqueza, cumprindo o comando constitucional que considera a riqueza como um dos dois indicadores fundamentais de capacidade tributária dos contribuintes (cfr.artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa).

O I.M.T. sujeita a imposto a aquisição onerosa de bens imóveis, independentemente do título ou da forma jurídica utilizada nessa aquisição. O objecto da sujeição do imposto não é propriamente o acto ou contrato que titulam a aquisição, mas sim o efeito desses actos ou contratos, ou seja, a transmissão da propriedade ou dos direitos correspondentes sobre esses imóveis. A sujeição a imposto da aquisição do direito de propriedade de bens imóveis prevista no artº.2, nº.1, do C.I.M.T., consubstancia o mais importante facto tributário do I.M.T. Trata-se do facto tributário paradigmático e nuclear do I.M.T. e aquele cuja verificação é a mais frequente. Esta norma sujeita a imposto, tanto a aquisição da propriedade do imóvel, como de figuras parcelares deste. O valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral, do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial do imóvel, tal como se prevê no artº.12, nº.1, do C.I.M.T. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.386/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/03/2013, proc.5472/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7276/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/04/2016, proc.9438/16; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.233 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.433 e seg.).”. (destaque nosso)

 

            46. No fundo, o IMT materializa uma afectação directa dos bens imóveis ou direitos parcelares destes objecto de transmissão. Tal como explicava Pedro Soares Martínez, por referência à SISA e o Imposto sobre as Sucessões e Doações mas cujas considerações se mantêm aplicáveis “(…) estes dois impostos, pela sua natureza comum de impostos sobre transmissões, contemplados pelo mesmo diploma legal, incidem sobre o património e não sobre os rendimentos, como os impostos de que nos ocupámos anteriormente. A matéria colectável nestes impostos é, pois, um património transmitido. A matéria colectável na sisa é constituída pelos bens transmitidos. Mas a estes tem de ser atribuído um valor monetário, que é, em regra, o preço convencionado. Salvo quando inferior ao valor matricial (ou seja, vinte vezes o rendimento inscrito na matriz) caso em que este prevalecerá (código, art. 19º).  (…)”, cfr. Manual de Direito Fiscal, 4.ª reimpressão, Almedina, 1990, p. 532. (destaque nosso)

 

            47. A circunstância de o facto tributário para efeitos de IMT se formar com a ocorrência da transmissão (artigos 2.º e 5.º, n.º 2 do CIMT) e de o imposto incidir sobre o “sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior” (artigo 12.º, n.º 1 do CIMT), não afasta o propósito de tributar o valor do património adquirido.

 

            48. O valor do acto ou do contrato, que consistirá por norma na “importância em dinheiro paga a título de preço pelo adquirente” (artigo 12.º, n.º 5 do CIMT), mais não é do que o valor monetário atribuído ao património transmitido, determinado em economia de mercado e em condições de plena concorrência. O preço convencionado representa, assim, o vero e venal valor da riqueza adquirida.

 

            49. Por seu turno, a circunstância de se determinar no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT que o valor a considerar na liquidação de IMT não pode ser inferior ao VPT do imóvel, também não permite – nem pretende –, afastar o propósito anteriormente mencionado de tributar o concreto valor do património adquirido.

 

            50. Pelo contrário, visou-se através desta norma estabelecer um método de determinação do património transmitido que combatesse o abuso e a evasão fiscal que se verificava em grande escala no âmbito de vigência da SISA, onde alienante e adquirente simulavam o preço da transmissão com o intuito de reduzirem as respectivas cargas tributárias, respectivamente, em sede de IRS/IRC e de IMT.

 

            51. Veja-se a este respeito a Exposição de Motivos da Lei 26/2003, de 30 de Julho, que autorizou o Governo a aprovar a reforma do património em 2003, que ao que aqui importa refere o seguinte:

“2.3.2. Valor tributável

Quanto ao valor tributável continua a aplicar-se a regra de comparar o preço declarado com o valor patrimonial dos imóveis, prevalecendo o maior.

Porém, a tributação do IMT será significativamente alterada, no sentido de uma maior justiça e equidade tributária, com a redução muito significativa das suas taxas e com medidas de combate à fraude e evasão fiscal. Para este efeito muito irão contribuir as novas regras de avaliação (…)

2.3.6. Articulação entre a tributação das transmissões onerosas de imóveis e a tributação do rendimento

Os analistas coincidem na afirmação de que as elevadas taxas da Sisa e a ausência de qualquer correspondência entre os valores matriciais de um elevado número de prédios e os valores praticados no mercado imobiliário, a que se alia a convergência de interesses entre alienantes e adquirentes, vêm gerando um endémico e elevado grau de fuga fiscal, quer no âmbito da sisa quer no dos impostos sobre o rendimento.

Sintomático desta situação aí temos as estatísticas que vêm dando conta de uma forte concentração da receita em apenas algumas categorias de rendimento e de um elevadíssimo número de empresas que apresentam sistematicamente resultados negativos.

É perante este panorama, que se tem vindo a defender e a consagrar na legislação fiscal, como uma das soluções para conferir equidade e justiça no sistema fiscal, novas medidas anti-abuso e novos métodos de determinação da matéria tributável em que se privilegiam indicadores objectivos de riqueza e em que a avaliação indirecta prevalece sobre a avaliação directa da matéria tributável.

A generalidade dos sistemas fiscais adopta este tipo de soluções em maior ou menor grau e, entre nós, basta invocar, quer as diversas limitações ao que é ou não aceite como custo fiscal da empresa, quer o alargamento do conceito de lucro, quer ainda as medidas conexas com os denominados preços de transferência ou com os sinais exteriores de riqueza.

Trata-se de soluções que coexistem com o princípio da tributação segundo o rendimento real que, de resto, está formulado com a necessária flexibilidade para admitir medidas anti-abuso e de combate à fuga e à fraude fiscais que, de outro modo, não teriam qualquer possibilidade de ser tomadas.

Assim, alteram-se alguns preceitos do CIRC e do CIRS de modo a que o valor tributável para efeitos do IMT seja considerado para efeitos de determinação do lucro tributável das empresas, nos casos em que o preço declarado constante no contrato de transmissão seja inferior aquele valor, sem deixar de conferir ao alienante o direito de requerer segunda avaliação, em pé de igualdade com o adquirente, podendo o mesmo aceder também aos tribunais tributários para defesa do seu interesse legítimo de ver fixado o valor do imóvel em montante o mais baixo possível.

Por outro lado, permite-se ao alienante demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial que serviu ou serviria de base à liquidação do IMT, caso em que será o preço acordado que relevará para efeitos da tributação do rendimento.

Seja como for não poderia deixar de se aproveitar esta reforma para intervir num sector tributário, o da construção e comercialização de imóveis, onde a fraude e evasão fiscais afectam os legítimos interesses do Estado e, pela concorrência desleal, afectam igualmente as empresas cumpridoras das suas obrigações fiscais.”

 

            52. Reflexamente, estabeleceu-se o seguinte no preâmbulo do CIMT:

O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), que substitui o imposto municipal de sisa, continua a incidir sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis e das figuras parcelares desse direito, podendo estes direitos transmitir-se sob diversas formas ou ocorrer na constituição ou extinção de diversos tipos de contratos.

(…)

Quanto à determinação do valor tributável, observa-se que passa a ser determinado segundo as regras previstas pelo novo regime de avaliações previsto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, apenas com as excepções dos prédios urbanos arrendados até 31 de Dezembro de 2001 e dos prédios rústicos.

Com efeito, com a entrada em vigor da reforma, todos os imóveis urbanos antigos que não estavam arrendados em 31 de Dezembro de 2001, bem como os que foram arrendados depois dessa data, que forem objecto de transmissão onerosa, serão avaliados através da aplicação do novo mecanismo legal de avaliações, obtendo-se assim garantias de actualização, de objectividade e de uniformidade dos valores oficiais dos imóveis que se transmitam, mesmo que tais valores já se encontrem corrigidos através da aplicação dos factores de correcção monetária. Quanto aos imóveis novos, serão avaliados para efeitos da sua inscrição na matriz, relevando o seu valor patrimonial quer para efeitos do imposto municipal sobre imóveis quer do IMT.

Quanto aos prédios urbanos que foram arrendados até 31 de Dezembro de 2001 e que se mantenham nessa situação à data da liquidação, o seu valor tributável para efeitos do IMT será determinado através de um factor de capitalização, com o limite máximo de 15, aplicável ao valor da renda anual. Esta solução tem em vista manter uma maior compatibilidade e equilíbrio entre o valor de mercado desses imóveis e a tributação que o adquirente vai suportar no momento da aquisição.

No caso dos prédios rústicos que sejam objecto de transmissão, prevê-se a actualização do seu valor patrimonial com aplicação de factores de correcção monetária a fixar em função do ano da última avaliação geral ou cadastral.

As elevadas taxas do anterior imposto municipal de sisa e a ausência de qualquer correspondência credível entre os valores matriciais da esmagadora maioria dos prédios e os valores praticados no mercado imobiliário, a que se aliava a convergência de interesses entre alienantes e adquirentes, vinham gerando um endémico e elevado grau de fuga fiscal que se reflectia, sobretudo, no domínio da tributação do rendimento, afectando os legítimos interesses do Estado e, perante a distorção da concorrência resultante destas práticas, afectando em não menor medida as empresas cumpridoras das suas obrigações fiscais.

Tendo em vista inverter esta situação, alteram-se alguns preceitos dos Códigos do IRS e do IRC, de modo que o valor tributável para efeitos da tributação das transmissões de imóveis seja, em regra, igualmente relevante para efeitos da determinação do lucro tributável das empresas, individuais ou colectivas, cuja actividade seja a alienação de bens imóveis, quer por si construídos, quer no âmbito da actividade de compra para revenda. Não obstante, não se trata de uma regra absoluta, já que se confere ao alienante o direito de requerer segunda avaliação, em pé de igualdade com o adquirente, podendo ainda requerer a instauração de um procedimento próprio para demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do IMT.

Em matéria de taxas, procede-se a uma descida muito significativa dos seus valores nominais, o que, em simultâneo com a actualização dos escalões, originará uma clara diminuição da carga fiscal relativa às aquisições de imóveis. Esta redução da tributação será uma realidade mesmo considerando que o incremento patrimonial resultante da aplicação das novas regras de avaliação aproximará os valores patrimoniais a cerca de 80% a 90% dos valores de mercado destes mesmos bens.”.

            53. Verifica-se, portanto, que o objectivo subjacente à previsão do VPT como valor tributável foi o de atribuir ao património transmitido um valor transaccionável mínimo, aproximado ao valor de mercado, calculado com base numa fórmula objectiva, transparente e previsível, que vigora para efeitos de IMI, e que ainda assim consegue ter em consideração as específicas características do imóvel que podem influenciar positiva ou negativamente no seu valor.

 

            54. Neste sentido, regista Luís Rodrigues Antunes, que “[o] valor patrimonial tributário sempre teve relevância para efeitos de tributação na antiga Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações, no entanto, devido ao facto de normalmente o valor patrimonial ser bastante inferior ao valor das transações (valor de mercado), essa relevância quase nunca se efectivava.

Com a Reforma, manteve-se essa relevância do valor patrimonial tributário em sede de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e de Imposto do Selo (artigo 12.º do CIMT e artigo 13.° do CIS), continuando este a ser o limite mínimo a considerar na determinação da matéria colectável daqueles impostos.”, cfr. “Reforma da Tributação e do Património: O novo regime de avaliações da propriedade urbana”, in Estudo de Direito Fiscal, Teses seleccionadas do I Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal, coord. Glória Teixeira, Almedina, 2006, pp. 372-373. (destaque nosso).

 

55. Aliás, não podemos deixar de referir que, mais à frente este mesmo Autor deixa escrito o seguinte:

“O elevado grau de fuga fiscal verificado no sector da construção e comercialização de imóveis onde um grande número de empresas tinha vindo a apresentar sistematicamente resultados negativos, propiciados não só pela já referida ausência de qualquer correspondência entre os valores matriciais da maior parte dos prédios e o seu valor de mercado, quer pela convergência de interesses que se verificava entre os alienantes e respetivos adquirentes, justificavam (104) a criação de uma medida anti-abuso.”  ob. cit. pág. 374

 

            56. Numa acepção próxima, sublinham António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, em comentário ao n.º 1, do artigo 12.º do CIMT que “[a] base tributável sujeita a IMT será constituída, consoante o que for maior, pelo “valor constante do ato ou contrato”, o que significa, em síntese, a pretensão do legislador em tributar a contraprestação pela aquisição dos bens, ou pelo “valor patrimonial tributário dos imóveis”, o que significa que o legislador continua a adotar aqui o princípio que advém do regulamento de 1899, ou seja o “travão da simulação quanto ao preço”.

O valor patrimonial tributário dos imóveis, procura por isso, traduzir um valor aproximado ao valor real dos imóveis ou o seu valor normal de mercado, representando, assim, um valor mínimo para a liquidação, a confrontar com o valor constante do ato ou contrato.”.

 

            57. Ainda a este respeito, refere José Maria Fernandes Pires que “[t]endo em conta os elevados valores envolvidos nas transmissões de imóveis, o legislador adota vários instrumentos destinados a evitar a evasão fiscal e a garantir a neutralidade do imposto, sendo uma das mais importantes a que define um valor tributável de segurança. Trata-se do valor patrimonial, determinado nos termos do sistema de avaliações do Código do IMI (…). O valor patrimonial tributário será sempre o valor sujeito a imposto, substituindo o valor declarado quando este seja inferior a ele. Essa substituição é meramente objetiva e não necessita de outra fundamentação que não a circunstância de o valor declarado ser a ele inferior. O valor tributável do IMT é, em conclusão, o valor declarado de aquisição, mas caso seja inferior ao valor patrimonial tributário, é sobre este último que o imposto incidirá.” cfr. “Os Impostos sobre o Património”, in Lições de Fiscalidade, Vol. I – Princípios Gerais e Fiscalidade Interna, coord. João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, 6.ª ed. revista e actualizada, Almedina, 2018, p. 463.

 

58. Não deixa de ser curioso que é a reforma da tributação do património, com a primeiramente gradual e depois universal avaliação do património imobiliário urbano (a do rústico começou agora a dar os primeiros passos) que leva por arrasto à subida da base tributável do IRC e do IRS, por imposição do VPT como valor mínimo da transmissão dos bens, constituindo a regra do nº. 1 do artº. 12º. do CIMT uma clara norma anti-abuso se vista, dizemos nós, como preconizadora de um valor mínimo de base para liquidação do imposto.

 

59. E a criação de novos e objectivos critérios de avaliação, assumindo o VPT um papel primordial no contexto da avaliação geral e universal do património urbano leva o autor atrás citado a referenciar o “princípio da universalidade do valor patrimonial tributário”, considerando que este valor”… apurado na avaliação efectuada para efeitos de IMI tem aplicação aos restantes imposto sobre o património e aos impostos sobre o rendimento.” Igualmente assumido como um importante instrumento de combate à evasão e à fraude fiscal. Cfr. “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, José Maria Pires, 2012 2ª. edição, Almedina, pág. 46.

 

            60. Portanto, o cálculo do imposto com base no valor do acto/contrato ou com base no VTP visam o mesmo fim: tributar o património que ingressou na esfera do adquirente pelo valor que ele representa e que corresponderá, pelo menos, ao seu valor aproximado de mercado.

 

            61. A opção de estabelecer o VPT como valor mínimo de tributação para efeitos de IMT traduz uma opção ou desiderato legislativo, tomada a priori ao abrigo da ampla margem de conformação que é conferida pelo parâmetro constitucional da tributação do património que se analisou supra. Trata-se, como acima se refere, da fixação de um “valor tributável de segurança”.

 

            62. Opção esta que, ao contrário do que sustentam as Requerentes, não consiste na consagração de uma presunção legal, isto é, de uma disposição que assevera um facto desconhecido com recurso a um facto conhecido (artigo 349.º do Código Civil).

 

            63. Na perspectiva das Requerentes, o artigo 12.º, n º 1 do CIMT estabelece uma presunção porque “[o] efeito da norma em causa é o de assumir o facto desconhecido “valor de mercado dos Imóveis / capacidade contributiva vertida na transação em causa” com base no facto conhecido “VPT”, e isto, independentemente da realidade subjacente, i.e. o Preço de Compra e Venda”.

 

            64. Ora, o valor de mercado dos imóveis e a capacidade contributiva manifestada na transacção não são factos desconhecidos do legislador a que este apenas chega por intermédio do VPT. Não é este o regime que resulta do artigo 12.º, n.º 1 do CIMT.

 

            65. O que o legislador ordinário determinou no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT é que a capacidade contributiva do contribuinte, isto é, o incremento da sua esfera patrimonial, que será objecto de tributação, corresponderá pelo menos ao VPT enquanto valor aproximado do valor de mercado.

 

            66. A tributação da riqueza transferida com base no VPT nada mais é do que a indexação pelo legislador da norma de determinação do valor tributável a um valor mínimo de mercado, calculado de forma uniforme quanto a todos os contribuintes, tal como sucede no domínio do IMI. E assim é porque, tal como se constatou, o objecto último da tributação é afectar o património em si considerado, cuja avaliação é conhecida e pré‑determinada pelo legislador.

 

            67. O legislador entendeu seguro afirmar que por via da transmissão o adquirente passou a ter na sua esfera jurídica um património de determinado valor, razão pela qual se considera existir uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto.

 

            68. De resto, se assim não fosse, acabaria frustrado o fim subjacente ao IMT de tributar a capacidade contributiva nova e adicional que resulta do aumento da riqueza patrimonial. Se a matéria tributável não estivesse indexada a um “floor” valor mínimo de mercado, o património não seria tributado pelo valor que lhe é intrínseco, ficando na liberdade do contribuinte a determinação da matéria tributável.

 

            69. Isto, em claro prejuízo para a coerência do sistema de tributação do património globalmente considerado, já que, pelo menos, em sede de IMI o imposto continuaria a incidir sobre o VPT. Compreenda-se que, levada a tese das Requerentes ao extremo, seria admissível a um contribuinte que, para evitar a tributação do património pelo valor que este efectivamente representa, celebrasse com outrem um contrato de compra e venda por um valor irrisório – no limite por € 1,00 ou até menos –, ao invés de doar o imóvel em questão. Apesar de existir um aumento efectivo da capacidade contributiva, esta não representaria o pressuposto e o limite da tributação. Tudo em clara falência do parâmetro constitucional de tributação do património como forma de contribuir para a igualdade entre os cidadãos e para uma repartição justa da riqueza (artigo 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP).

 

            70. Por fim, sublinha-se que a apreciação da existência de uma presunção no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT foi já objecto de apreciação pelo STA, que no acórdão proferido em 9 de Dezembro de 2021, no processo n.º 0691/07.1BECBR, decidiu pela sua inexistência nos seguintes termos:

Ora, como se refere na decisão recorrida, o IMT incide, entre o mais, sobre as transmissões onerosas do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis situados em território nacional (cfr. artigo 1.º e n.º 1 do artigo 2.º do CIMT), referido o art. 12º nº 1 de tal diploma que “O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”. Decorre do referido preceito legal que o legislador elegeu um critério comparativo para determinar a matéria colectável para efeitos de IMT. Com efeito, a taxa de IMT incidirá sobre o mais elevado dos seguintes valores: o correspondente à contrapartida devida pelo adquirente ou o valor patrimonial tributário, verificando-se que o referido preceito legal não estabelece uma presunção, ou sequer uma ficção, de que nas situações em que o valor patrimonial tributário seja mais elevado, o preço corresponderá ao seu montante. De facto, o legislador elegeu como referência para o cálculo do imposto o valor mais próximo do valor real de mercado, o qual há-de corresponder ao valor declarado pelas partes ou ao valor patrimonial tributário (que desde a reforma da tributação do património constitui um valor aproximado do valor de mercado). A escolha da administração fiscal está, assim, limitada ao valor que for mais elevado. Esta opção legislativa é, aliás, um modo de prevenir a evasão fiscal e, assim, contribuir para a igualdade entre os cidadãos na tributação do património. Assim, não assiste ao contribuinte a possibilidade de provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efectivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário.”. (destaque nosso)

 

            71. Em face do exposto, conclui-se que o artigo 12.º, n º 1 do CIMT não consagra nenhuma presunção. Consequentemente, verifica-se uma impossibilidade objectiva de violação do disposto no artigo 73.º da LGT, que prevê o carácter obrigatoriamente ilisivo das presunções constantes de normas de incidência, aqui entendidas no seu sentido lato de normas de determinação e quantificação do imposto.

 

            72. Ao inexistir naquela norma a previsão de qualquer presunção, conclui-se também inexistir violação do princípio da proporcionalidade resultante da alegada impossibilidade de ilisão da presunção como forma de combate à evasão fiscal, improcedendo também a ilegalidade invocada pelas Requerentes a este respeito.

 

            73. Acresce que, também não se verifica qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade na sua dimensão de capacidade contributiva.

 

            74. Quanto a estes princípios, alegaram em síntese as Requerentes que “inexistem diferenças materiais face à letra da lei nos dois preceitos ou face aos tributos (no que a esta causa importa). Em ambos os casos [artigo 44.º, n.º 2 do CIRS e artigo 12.º, n.º 1 do CIMT] se pretende tributar a riqueza manifestada direta ou indiretamente numa transação, estando ambos os tributos balizados i.a. pelo princípio da capacidade contributiva e intrinsecamente conexos ao vero valor dos imóveis em causa, que numa economia de mercado e Estado Fiscal hodiernos, baseados num sistema cambiário, equivale ao montante monetário pago por um terceiro (ou equivalente quando em espécie) pelo bem em causa”, que “improcede o suposto argumento de que os imóveis possuem um valor mínimo de mercado intrínseco que é melhor representado pelo VPT” e que “[o] princípio constitucional da tributação de acordo com a capacidade contributiva impõe que das normas de incidência tributária, incluindo as regras de determinação do valor tributável, decorra uma tributação sobre o valor real dos factos tributários.”.

 

            75. Convém desde logo recordar que o princípio da capacidade contributiva se manifesta de forma e com intensidade distinta em função do tipo de tributo e do comando constitucional que lhe está inerente. Por conseguinte, e tal como se avançou, não se pode fazer uma transposição tout court para a tributação do património dos pressupostos e consequências que aquele princípio representa no domínio da tributação do rendimento, como pretendem fazer crer as Requerentes. Isto independentemente de estar em causa uma única transacção com um preço de compra e venda que é igual para alienante e adquirente.

 

            76. Na esfera do alienante, a capacidade contributiva que se visa atingir é o rendimento-acréscimo, isto é, a liquidez adicional resultante da saída de um activo patrimonial da esfera jurídica daquele por contrapartida do recebimento de uma quantia monetária (ou porção equivalente no caso de pagamento em espécie). Aqui o princípio da capacidade contributiva, cujos parâmetros se encontram previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 103.º da CRP, determinam que o pressuposto e limite da tributação é a concreta e exacta existência de rendimento. Se com a venda o alienante deixou de ter uma activo patrimonial na sua esfera, diminuindo a sua riqueza, mas não obteve lucro (realizou uma menos-valia) ou obteve um lucro (realizou uma mais-valia) ainda que inferior ao expectável porque vendeu o imóvel abaixo do valor de mercado, exige o princípio da capacidade contributiva que este seja tributado (ou tenha a possibilidade de ser, mediante o cumprimento de certos requisitos), pelo concreto valor do rendimento que aquela venda representou.

 

            77. Não é isto que sucede no domínio da tributação do património, porquanto o adquirente não é tributado por um rendimento auferido ou percebido, mas sim pela riqueza que revela. Pode questionar-se qual a medida da riqueza que se pretende tributar: se a capacidade económica utilizada para concretizar a aquisição, se a capacidade económica resultante do ingresso na esfera jurídica de um activo imobiliário. Vimos já que a opção legislativa passou por esta segunda opção, atingindo-se a riqueza do adquirente manifestada pelo valor objectivo do património que passou a deter. Aqui o princípio da capacidade contributiva, cujo parâmetro se encontra previsto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, determina apenas que a tributação deverá contribuir para a igualdade entre os cidadãos. O que sucede com a eleição do VPT como valor mínimo de tributação.

 

78. Não deixa de ser curiosa a relativa pouca importância que alguns autores dão a um melhor enquadramento constitucional dos impostos sobre o património, quando referem que:

“O actual nº. 3 do artº. 104º. da CRP, contudo, nada acrescenta aos princípios constitucionais da tributação que vimos para o sistema fiscal em geral. A contribuição para a igualdade entre os cidadãos, não é um objectivo específico dos impostos sobre o património mas de todo o sistema fiscal.” Sem que a CRP concretize o instrumento a usar para prosseguir essa igualdade (Cfr Américo Brás Carlso, Impostos, Teoria Geral, 2016, 5ª Edição Actualizada, Almedina, pág. 174.

 

79. Vejamos, ainda outro exemplo, no mesmo sentido:

“…. É caso para perguntar se ainda fará sentido a manutenção de uma norma como a do artº 104 da Constituição. Um preceito constitucional que, para além de não ter paralelo nas constituições em geral, ou constitui verdadeiro obstáculo à imperiosa necessidade  do legislador ordinário moldar o sistema fiscal em inteira coerência com o desenvolvimento do sistema económico tão aberto ao exterior como o português, como foi o que acabou por acontecer com as exigências relativas à tributação do rendimento pessoal e do rendimento empresarial (nº.s 1 e 2), ou se revela praticamente inócuo, como é o que ocorre com as exigência relativas à tributação do património (nº.3)…” Cfr José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 10º. Edição, Almedina, pág 456.

 

 

 

 

            80. Não significa isto que o princípio da capacidade contributiva não actue aqui como pressuposto e limite da tributação. Com efeito, o pressuposto da tributação é a riqueza manifestada pela aquisição de património, sendo que a capacidade contributiva fica tão mais acrescida quanto maior for o valor do património adquirido. Por conseguinte, a capacidade contributiva deve ser aferida em função do valor objectivo do imóvel transaccionado, sendo que esse montante não deverá ser inferior ao VPT, que actua como limite mínimo de base de tributação.

 

            81. De resto, não se verifica no regime instituído pelo artigo 12.º, n.º 1 do CIMT qualquer discriminação arbitrária, irrazoável ou infundada, que não se apoie na materialidade das situações objecto da norma e na compatibilização com outros princípios constitucionais, tais como a praticabilidade, o combate à evitação fiscal e a prossecução da igualdade entre cidadãos tendo em vista a justa repartição da riqueza.

 

            82. Pelo contrário, a previsão do VPT como limiar mínimo de tributação é uma opção do legislador ordinário que visa precisamente assegurar o cumprimento do princípio da igualdade tributária. É esta a conclusão a que tem chegado a jurisprudência que já se pronunciou sobre a matéria.

 

            83. Tal como sublinhou o STA no acórdão proferido em 16 de Setembro de 2015, no processo n.º 0156/15:

Dispõe o artigo 12º, n.º 1 do CIMT que, o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

“Com efeito, ao estabelecer no artº 12º, nº 1 do CIMT, como regra geral, que o valor tributável sujeito a imposto será o maior dos valores, ou o declarado ou o patrimonial, o legislador foi motivado por razões de prevenção do perigo de evasão ou fraude fiscal.”, cfr. acórdão datado de 05/11/2014, recurso n.º 01508/12.

“…desde a entrada em vigor do Código do IMI, o sistema fiscal português adoptou, na determinação do valor de riqueza dos prédios urbanos, “o valor de mercado como referencial fundamental”, por se considerar que é o que melhor reflecte o valor de riqueza dos bens imóveis.

Com efeito … “O actual sistema de avaliação de imóveis assenta num conjunto de seis coeficientes de avaliação que são idênticos aos que relevam na actividade económica para a formação do preço dos bens imóveis urbanos, tentando assim o legislador aproximar o valor patrimonial tributário do valor de mercado dos imóveis urbanos”.

Não obstante o objectivo das fórmulas matemáticas enunciadas no art. 38º ss. do CIMI visarem apurar ou determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, considerando que mesmo assim se poderiam gerar situações de apuramento de valores patrimoniais tributários injustos porque distorcidos em relação à realidade económica, o legislador veio prever um mecanismo de uma segunda avaliação sempre que exista uma distorção superior a 15% entre o valor de mercado e o valor patrimonial tributário.”, cfr. acórdão datado de 23/05/2012, recurso n.º 0301/12.

Como facilmente se depreende da leitura da norma em apreço, conjugada com as restantes regras do CIMT e do CIMI (é nos termos deste Código que são efectuadas as avaliações para efeitos de determinação do valor dos imóveis), não existe qualquer violação de preceitos constitucionais que visem a defesa dos direitos dos contribuintes ou dos cidadãos em geral.

Trata-se de uma norma de aplicação geral a todas as situações em que ocorra a alienação de imóveis, cuja determinação do valor ocorre de acordo com regras previamente estabelecidas por diploma legal, sabendo os interessados de antemão qual o regime que lhes será aplicável, assim se mostrando respeitado o disposto no artigo 13º, n.º 1 da CRP.

Contrariamente ao pretendido pela recorrente, a prova de que o valor da transacção foi inferior ao valor real do imóvel, não consubstancia um direito que o legislador, nem o ordinário, nem o constitucional, tenham querido atribuir aos contribuintes.

Na verdade, as razões que determinam que a tributação se faça pelo maior dos dois valores, o da transacção ou o real, visa precisamente contribuir para a igualdade de todos os cidadãos, isto é, visa criar um regime legal e que todos sejam tratados de igual forma, cfr. artigo 104º, n.º 3 da CRP.

A avaliação dos imóveis feita nos termos do CIMI (valor tributário) pretende ser uma avaliação o mais próxima possível dos valores de mercado, não contribuindo para a formação do valor circunstâncias próprias e específicas de cada contribuinte que possam determinar valores inferiores ou superiores. Tratam-se de condicionalismos objectivos, sem motivações de ordem subjectiva que possam criar distorção nesses valores.

Portanto, e ao contrário do que a recorrente pretende, não lhe assiste o direito de ver o imposto calculado sobre o valor concreto da transacção, apesar de esse valor ser inferior ao resultante da avaliação nos termos do CIMI, cfr. artigo 12º, n.º 1 do CIMT, nem isso constitui qualquer presunção inilidível de que o valor resultante da avaliação corresponde ao valor da transacção. É o próprio legislador que admite que o valor patrimonial resultante da avaliação possa efectivamente ser superior ao concreto valor da transacção, mas é esse valor resultante da avaliação que mais se aproxima do real valor de mercado dos imóveis, e só nesta medida é que é possível respeitar o disposto nos artigos 13º, n.º 1 e 104º, n.º 3 da CRP, ou seja, todos os cidadãos são tributados pelo valor de mercado dos imóveis que possuam.”. (destaque nosso)

 

            84. Também neste sentido, referiu-se no já citado acórdão do STA proferido em 9 de Dezembro de 2021, no processo n.º 0691/07.1BECBR, que:

II – O legislador elegeu como referência para o cálculo do imposto o valor mais próximo do valor real de mercado, o qual há-de corresponder ao valor declarado pelas partes ou ao valor patrimonial tributário (que desde a reforma da tributação do património constitui um valor aproximado do valor de mercado). A escolha da administração fiscal está, assim, limitada ao valor que for mais elevado. Esta opção legislativa é, aliás, um modo de prevenir a evasão fiscal e, assim, contribuir para a igualdade entre os cidadãos na tributação do património. Assim, não assiste ao contribuinte a possibilidade de provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efectivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário.

III – O disposto no artigo 12º, n.º 1 do CIMT não encerra qualquer violação do princípio da igualdade pelo facto de não ser aceite como valor atendível para efeitos de cálculo do imposto o valor da transacção no caso de ser inferior ao VPT, sendo que o cálculo do imposto – CIMT - tendo por base o VPT é a metodologia que melhor assegura o respeito pelo princípio da igualdade entre os contribuintes, por ser esse o que melhor reflecte o valor de mercado dos imóveis.”.

 

85. Uma nota complementar para ressalvar que neste último Acórdão do STA acima citado pode ler-se o seguinte:

Assim, não assiste ao contribuinte a possibilidade de provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efectivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário.”

 

86. Efetivamente não assiste. Não estamos no domínio do IRC nem do IRS, nem podemos, como aqui se defende, tratar de aplicar, quer a lei, quer a jurisprudência de um imposto a outro, assim sem mais.

 

87. Ora, é precisamente por via dessa impossibilidade, que está a ser cada vez mais negada aos contribuintes, que eles depois de defenderem que a norma contem uma presunção e que, como tal, todas elas podem se ilididas, e que na ausência de mecanismo administrativo para o efeito (só para o IRC/IRS), tentam a utilização da via judicial como último recurso (fazendo o caminho pela via da revisão oficiosa).

 

88. Isto, porque, por vezes os interesses fiscais da parte e contraparte de um mesmo negócio, não são necessariamente convergentes (quem está do lado do IRC ou quem está do lado do IMT, o que não acontecia antigamente).

 

89. A metodologia aqui seguida para resolução das questões controvertidas não permite que se chegue ao ponto de se discutir se a via judicial se abre ou não aos contribuintes que queiram fazer a prova de que o valor do contrato é inferior ao VPT.

 

90. E no CAAD já se tem entendido que sim e já se tem entendido que não ainda que não uniformemente.

 

91. É porém inegável que o STA resolveu no último Acórdão uniformizador de jurisprudência, embora referente ao IMI/AIMI, tirado no Procº. 0102/22.2BALSB, de 23/02/23, em cujo sumário se pode ler:

Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”

92. E nas suas conclusões pode ler-se:

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

 

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.”.

 

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.”

 

93. Assim, por esta via, o processo teria que ser julgado em desfavor das empresas Requerentes.

 

            94. Dito isto e retomando o nosso raciocínio, conclui-se que também não existe no presente caso qualquer violação do princípio da capacidade contributiva enquanto concretização do princípio geral da igualdade.

 

            95. Perante o exposto, julgam-se improcedentes os vícios invocados pelas Requerentes, sendo assim improcedente o pedido principal por estas formulado.

 

c) Erro sobre os pressupostos de facto, resultante da ilisão da presunção consagrada no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT

 

            96. Tal como se evidenciou anteriormente, ainda que tenham formulado um pedido principal e um pedido subsidiário, as Requerentes imputaram aos actos de liquidação de IMT contestados o mesmo conjunto de vícios, sendo certo que se julgou improcedente a existência de uma presunção no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT. Nesta medida, verifica-se uma impossibilidade objectiva de ilisão de uma presunção inexistente, pelo que se julga igualmente improcedente o pedido subsidiário formulado pelas Requerentes.

 

d) Juros Indemnizatórios

 

            97. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Uma vez que não se julgou existir um qualquer erro nos actos de liquidação de IMT que tivesse sido provocado pela AT e que tivesse originado o pagamento indevido de imposto, improcede também o pedido formulado a este respeito.

 

V. Decisão

 

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos formulados.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 297.º, n.ºs 1 e 3 e no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.424.857,86.

 

VII. Custas

 

Custas a cargo da Requerente, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Setembro de 2023.

 

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

O Árbitro vogal

(Vencido nos termos da declaração de voto anexa).

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)

 

 

O Árbitro vogal,

 

(Jorge Carita)

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO.

Voto vencido o presente acórdão por me parecer manifesto que a norma do art. 12.º, n.º 1 do CIMT, ao não admitir a tributação em sede de IMT pelo valor do acto ou do contrato quando inferior ao VPT, viola os princípios da capacidade contributiva enquanto decorrência do princípio geral da igualdade (artigo 5.º da LGT e artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP) bem como o princípio da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2 da CRP), não sendo minimamente convincentes os argumentos apresentados pelo acórdão em sentido contrário.

Salienta-se que grande parte da fundamentação do acórdão assenta numa apreciação geral sobre os fins pretendidos pelo legislador através da tributação do património e sobre a instituição ou não de uma presunção no art. 12º, nº1, do CIMT, o que lhe permite fugir à única questão concreta que está submetida a este Tribunal Arbitral: saber se é constitucionalmente admissível que alguém possa ser tributado, num imposto que incide sobre as transmissões onerosas de imóveis (art. 1º CIMT) com base num valor fixado administrativamente, que não corresponde ao valor efectivamente despendido com a aquisição do imóvel. A nosso ver, a resposta é claramente negativa, pelo que este Tribunal Arbitral deveria ter julgado procedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

Devemos dizer a este propósito que não conseguimos compreender que este Tribunal Arbitral se louve, para considerar constitucional a presente disposição, em decisões do Tribunal Constitucional relativas à tributação autónoma do IRC ou à abolida verba 28.1. da TGIS, como sucedeu no citados acórdãos n.º 178/2023, e 520/2018, sem analisar a jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao caso paralelo do art. 44º do CIRS – onde expressamente se remete para o art. 12º CIMT – em que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional que o contribuinte pudesse ser tributado em IRS para efeitos de mais-valias precisamente com base no VPT, e não com base no preço recebido (cfr. Acórdão 211/2017, de 2 de Maio de 2017, processo 285/15, e Acórdão 488/2021, de 7 de Julho de 2021, processo 171/2020).

Nesses acórdãos escreve-se:

A virtualidade da referência tomada pelo legislador no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, parte do pressuposto de que aquele VPT é tendencialmente inferior ao valor de mercado dos bens imóveis, sendo, assim, também tendencialmente inferior ao valor pelo qual o bem é transacionado. Deste modo, sugere que qualquer transação onerosa de bens imóveis terá por valor mínimo o VPT do imóvel. Ora, tal pressuposto não se verifica sempre ou não se verifica necessariamente, tendo em conta quer as variações dos preços de compra e venda praticados no mercado imobiliário (sendo este fortemente condicionado pela conjuntura económica, seja em períodos de crise, seja em períodos de expansão, a que acresce a sujeição a distorções várias decorrentes de outros fatores relevantes, designadamente, financeiros e fiscais), quer a variação do próprio regime de avaliação patrimonial dos imóveis para efeitos fiscais e da sua aplicação (seja pela atualização dos VPT, seja pela alteração dos critérios legalmente definidos para a fixação do VPT, seja ainda pelos processos generalizados de avaliação ou reavaliação de imóveis, como é exemplo a determinação, pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, da avaliação geral e imediata dos prédios que ainda não tinham sido avaliados com base nos critérios do CIMI, entretanto levada a cabo pela Administração Fiscal).

Contudo, não cabendo nesta sede ajuizar da bondade do critério (ou pressuposto) escolhido pelo legislador, certo é que, servindo o mesmo de norma de incidência tributária, determinando e quantificando a matéria tributável de forma diversa da que resultaria da declaração do contribuinte, cumpre ajuizar da técnica utilizada para o apuramento do rendimento sujeito a tributação, tendo em conta a interpretação feita pelo Juiz da causa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS no sentido de que, na determinação da matéria sujeita ao imposto sobre o rendimento, estabelece uma presunção inilidível ou absoluta, fazendo prevalecer o VPT do imóvel sobre o valor correspondente à contraprestação devida pela compra do imóvel (quando inferior àquele).

[…]

O princípio da capacidade contributiva, enquanto «princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um» (Acórdão n.º 211/2003), exige que o legislador fiscal configure as obrigações dos contribuintes a partir de factos tributários que fundem a capacidade de suportar o encargo correspondente. Afirmou o Acórdão n.º 348/97 que «a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto».

O primeiro fundamento deste princípio é encontrado no princípio da igualdade (artigo 13.º, CRP), de modo a que a distribuição dos encargos tributários seja feita de acordo com a capacidade de cada um, isto é, exigindo-se um critério idêntico para todos os cidadãos na repartição de impostos e sendo esse critério o da capacidade contributiva (assim, no citado Acórdão n.º 348/97 e, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 695/2014 e 590/2015). A capacidade contributiva é, assim, a medida da diferença.

E, a partir da sua articulação com os demais princípios materiais da Constituição fiscal – em particular o artigo 103.º da CRP – podemos retirar do princípio da capacidade contributiva, ao pressupor uma repartição justa dos encargos de acordo com a capacidade de cada um, a resposta à demanda constitucional de «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (artigo 103.º, n.º 1), a que não deixa de se referir o Acórdão n.º 211/2003 – e, bem assim, vê-lo concretizado no princípio de a tributação dever incidir sobre o «rendimento real» dos contribuintes (artigo 104.º, n.º 2), caso se admitisse que a disposição constitucional em causa tem um leque de destinatários mais vasto que o da sua letra e tomando-se por seguro, como faz JOSÉ CASALTA NABAIS, que este preceito constitucional «mais não é do que uma concretização, uma explicitação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal» (Direito Fiscal, cit., p. 171).

O princípio da capacidade contributiva constitui, pois, como escreve SÉRGIO VASQUES, «o pressuposto, o limite e o critério da tributação» (cfr. Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Edições Almedina, S.A., Coimbra, 2015, p. 296). Ora, estas exigências constitucionais não podem deixar de ser observadas nas normas de incidência tributária, configurando-se como princípios-garantia dos contribuintes. É que, na definição da incidência do imposto, a determinação da matéria coletável constitui um elemento essencial da relação jurídico-fiscal, quantificando a obrigação tributária e, assim, a medida do imposto devido. Deste modo, o legislador não pode fixar a medida do imposto sem atender à capacidade revelada pelo seu devedor.

Aqui se revelam as virtualidades do princípio da capacidade contributiva: «constituindo a ratio ou a causa da tributação, este princípio afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que (…) erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto. Daqui decorre (…) a ilegitimidade constitucional das presunções absolutas de tributação» (JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, cit., pp. 154-155)”.

Toda esta fundamentação é integralmente transponível para o caso sub judice, não havendo qualquer justificação para a diferenciação que foi estabelecida por este Tribunal Arbitral com base apenas num argumento conceptualista sobre a distinção entre impostos sobre o património e impostos sobre o rendimento, esquecendo que não é constitucionalmente possível discriminar as partes no mesmo negócio, apenas com base em argumentos formais. Na verdade, não parece minimamente conforme ao princípio da igualdade que num mesmo negócio se considere inconstitucional o vendedor ser tributado com base num preço que não recebeu, mas que já se sustente a constitucionalidade da tributação do comprador com base num valor que não despendeu.

Relativamente a esta questão, é manifesto que o art. 12º, nº1, CIMT consagra uma presunção, definida no art. 349º do Código Civil como a ilação que o julgador retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. A própria citação no acórdão arbitral de posições a referir que aquele preceito instituiria um “valor tributável de segurança” e se justificaria pelo “elevado grau de fuga fiscal verificado no sector da construção e comercialização de imóveis” confirma esse entendimento. No fundo o que está em causa nessa norma é a presunção de que os contribuintes nas transacções onerosas de imóveis pelo menos estipularão um preço correspondente ao valor patrimonial tributário do imóvel. Só que a LGT determina expressamente no seu art. 73º que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, sendo por isso claramente ilegal não permitir ao contribuinte fazer essa prova, como actualmente já permite o art. 44º, nºs 5 e 6 do CIRS. Na verdade, se a norma do art. 44º, nº3, do CIRS remete para a presunção constante do art. 12º CIMT, e esta é possível de ilidir no âmbito deste imposto, não faz qualquer sentido que este Tribunal Arbitral considere que não existe qualquer presunção nessa norma se estiver antes em causa a sua ilisão para efeitos do IMT.

Na verdade se este Tribunal Arbitral considera que “a avaliação efectuada para efeitos de IMI tem aplicação aos restantes impostos sobre o património e aos impostos sobre o rendimento” não se compreende com que base sustenta que se pode ilidir essa presunção para efeitos de alguns impostos, mas tal já não seja possível para efeitos de outros. É manifesto que tal posição constitui uma violação flagrante do art. 73º da LGT.

Também não acompanhamos a posição deste Tribunal Arbitral quanto à desvalorização que efectua do princípio da capacidade contributiva, que nos parece claramente violado nesta norma. A tese de que na tributação do património o contribuinte é tributado pela riqueza que revela deveria levar este Tribunal Arbitral a considerar que não há qualquer relevação de riqueza quando a tributação se faz com base num valor administrativamente fixado, que não corresponde ao despendido com a aquisição do imóvel.

A este propósito também não se consegue alcançar como é que uma tributação com base no VPT contribui para a igualdade dos cidadãos, ao contrário do que afirma este Tribunal Arbitral. Na verdade, utilizando o VPT como valor mínimo essa tributação torna-se arbitrária, uma vez que dois contribuintes com o mesmo dispêndio de riqueza serão tributados por forma distinta, apenas em virtude de VPT que foram administrativamente fixados. E muito menos nos parece adequada a crítica feita pelo Tribunal Arbitral ao art. 104º, nº3 da Constituição, parecendo que em lugar de desaplicar a norma do art. 12º CIMT com fundamento em inconstitucionalidade, a posição que fez vencimento neste processo prefere desaplicar as normas da Constituição sobre o sistema fiscal que sistematicamente desconsidera.

Na verdade, como bem salienta JOÃO TABORDA DA GAMA, no parecer junto aos autos Sobre a inconstitucionalidade da impossibilidade de tributação em Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis pelo preço efetivamente pago por um imóvel quando inferior ao valor patrimonial tributário, pp. 41-42: “Não há qualquer diferença na construção, teleologia ou em termos da produção de efeitos da referida norma que permita que se sustente que a mesma decisão de inconstitucionalidade não tenha de ser tomada também quanto ao art. 12º, nº1, do CIMT, sob pena de uma absoluta brecha na sistematicidade do ordenamento jurídico-tributário – que passaria assim, por absurdo – a admitir que o valor tributário de um imóvel transmitido abaixo do VPT fosse um para efeitos de IRS, e outro para efeitos de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis. Ou, de uma perspectiva procedimental, não há qualquer razão para que os contribuintes – pessoas singulares ou coletivas – possam lançar mão de um procedimento que lhes permita demonstrar que, nas transações sobre bens imóveis – por absurdo, o mesmo imóvel na mesma transação – foram praticados preços inferiores aos de mercado para efeitos de impostos sobre o rendimento e não possam lançar mão de procedimento idêntico para efeitos de impostos sobre o património”.

Não faz assim qualquer sentido não aplicar ao caso sub judice  a mesma possilidade de ilisão da presunção do art. 12º do CIMT, que existe em relação ao IRS, em virtude da intervenção do Tribunal Constitucional neste domínio. A sua jurisprudência é claramente aplicável também nesta situação

E muito menos parece que faça qualquer sentido invocar a este propósito o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência referente ao IMI/AIMI, tirado no Procº. 0102/22.2BALSB, de 23/02/23. Na verdade, não nos parece minimamente sustentável que este Tribunal Arbitral considere que o comprador de um imóvel, que nunca teve quaisquer possibilidades de impugnar o VPT desse imóvel, uma vez que não era sujeito passivo de IMI, possa ser tributado com base nesse valor, apenas porque o anterior proprietário decidiu não fazer essa impugnação para efeitos de IMI. É manifesto que o comportamento do anterior proprietário não pode ser imputado ao comprador, levando-o a ser tributado em IMT com base num VPT que não tenha qualquer correspondência ao valor de mercado e muito menos ao preço despendido.

Por todos estes motivos não acompanho a posição que fez vencimento, razão pela qual voto vencido o presente Acórdão Arbitral.

 

O Árbitro

 

(Luís Menezes Leitão)