Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 16/2017-T
Data da decisão: 2017-08-23  IMT  
Valor do pedido: € 2.283,84
Tema: IMT - isenção; artigo 270.º, n.º 2 do CIRE
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.                  Relatório

 

 

A - Geral

 

 

1.1.            A sociedade A…, S.A., com sede na …, n.º…, …-… Porto, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa colectiva … (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 04.01.2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (de ora em diante “IMT”), relativo a prédio que adquiriu, como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Por despacho de 20.01.2017, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B… e Dra. C… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 21.03.2017.

 

1.5.            No mesmo dia 21.03.2017 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.            No dia 27.04.2017 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

1.7.            A Requerente, no dia 04.10.2011 adquiriu o prédio misto sito na Rua …, …, …, freguesia de…, concelho de Leiria, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o número … e inscrito na matriz predial da dita freguesia, sob os artigos … (urbano) e … (rústico) (de ora em diante, “Prédio”) no âmbito do Processo de Insolvência de D… e mulher E… .

 

1.8.            O Prédio foi adquirido pela Requerente pelo valor de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros).

 

1.9.            Do título de compra e venda do Prédio consta a aquisição mencionada em 1.7. ser beneficiária da isenção de IMT ao abrigo do disposto no art.º 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (de ora em diante, “CIRE”)

 

1.10.        O benefício da isenção consta da respectiva liquidação de IMT (liquidação número …).

 

1.11.        Foi a Requerente, porém, notificada da liquidação adicional de IMT ora posta em crise, porquanto a Requerida entende não poder a dita aquisição beneficiar da referida isenção de IMT.

 

1.12.        Sustenta a Requerente que a isenção estabelecida no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, isenta de IMT a transmissão de imóveis transmitidos por venda ou permuta mesmo quando não integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento.

 

1.13.        Tal entendimento exprime a intenção expressa pelo legislador de, por um lado, serem criados incentivos à recuperação de receitas para os credores e, por outro, de que o Estado deve igualmente participar no sacrifício comum associado a uma insolvência, sendo certo que quanto maior a carga fiscal na aquisição de bens da massa insolvente menor será a receita percebida pelos respectivo credores.

 

1.14.        Acresce que no n.º 49 do preâmbulo do diploma que aprova o CIRE se pode ler que “mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais”, prevendo a alínea c) do n.º 2 do art.º 121.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (“CPEREF”) a isenção de Sisa para as situações equivalentes à ora reclamada.

 

1.15.        Assim, a interpretação que a Requerida faz do n.º 2 do art.º 270.º do CIRE é inconstitucional por violação do n.º 2 do art.º 165.º da Lei Fundamental, razão por que é inválida a liquidação adicional de IMT ora impugnada.

 

1.16.        De resto, a Requerida não logrou provar a verificação dos pressupostos de que depende a exigibilidade do imposto, razão por que não há sequer qualquer facto tributário, não podendo a Requerida, por força da Constituição, criar impostos.

 

1.17.        Advoga também a Requerente que a liquidação mediatamente impugnada enferma do vício de falta de fundamentação, em violação do disposto no n.º 3 do art.º 268.º da CRP, nos artigos 124.º e 125.º do CPA e no art.º 77.º da LGT, violando ainda o princípio da boa fé previsto no art.º 59.º da LGT e as legítimas expectativas e garantias da Requerente anteriormente constituídas, os princípios da confiança e segurança jurídica, próprios de um Estado de Direito, bem como os princípios da legalidade tributária, da não retroactivade da lei fiscal e da segurança jurídica a que fazem apelo os artigos 12.º da LGT, 12.º do Código Civil e 103.º da CRP.

 

1.18.        Por último, nota a Requerente que Requerida promoveu a revogação da isenção e que essa revogação só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida (artigos 141.º, n.º 1 do CPA e 58.º do CPTA).

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

1.19.        Entende a Requerida que a aquisição do Prédio pela Requerente não está isenta de IMT já que o n.º 2 do art.º 270.º do CIRE não abrange aquisições feitas a insolventes que sejam pessoas singulares e que não exerçam qualquer actividade empresarial.

 

1.20.        Também não procede o argumento segundo o qual estamos perante uma revogação ilegal por violação dos artigos 140.º e 141.º do CPA, uma vez que não há nenhum acto constitutivo de direitos, por não estarem reunidos os pressupostos legais de que depende a concessão da isenção, pelo que a administração tributária não podia deixar de exigir o imposto em falta, respeitado que se mostrasse o prazo de caducidade do direito à liquidação, o que sucedeu.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

1.21.        Por despacho de 17.07.2017 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 17.09.2017, tendo sido as partes convidadas a apresentar, querendo, as suas alegações, o que ambas fizeram sem alterar minimamente as posições assumidas nos articulados por cada uma anteriormente apresentados.

 

1.22.        O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

1.23.        As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

1.24.        A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade da liquidação mediatamente posta em crise.

 

2.                  Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

2.1.1.      Dão-se por provados os factos referidos em 1.7. a 1.11..

 

2.1.2.      O Prédio, à data da aquisição pela Requerente, pertencia a pessoa singular e estava afecto a habitação, não sendo o proprietário empresário individual que exercesse actividade industrial, comercial ou agrícola, em cuja empresa o Prédio estivesse integrado. 

 

2.1.3.      A Requerente pagou a liquidação referida em 1.1. no dia 22.07.2016, no valor de €2.283,84 (dois mil, duzentos e oitenta e três euros e oitenta e quatro cêntimos), como se comprova pelo documento anexo ao pedido de pronúncia arbitral como doc. 4 – folha 2.

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3.      Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

 

3.                  Matéria de direito

 

3.1.      Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas: 

a)      A de saber se a aquisição do Prédio, tendo sido realizada no âmbito do processo de insolvência de não empresário e de não titular de empresa em cujo activo o Prédio se integrasse, está ou não isenta de IMT nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE; e 

b)      A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente com a consequente anulação da liquidação de IMT mediatamente contestada, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue para satisfação da prestação tributária por esta ilegalmente exigida.

 

3.2.      A isenção do IMT e o art.º 270.º do CIRE

 

Pela Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, a Assembleia da República autorizou o Governo a aprovar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, revogando o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência. No n.º 3 do art.º 9.º do diploma de autorização pode ler-se:

 

3 — Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente:

 

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

 

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

 

c) As que decorram da cedência a terceiros ou da alienação de participações representativas do capital da sociedade, da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus activos, bem como dos arrendamentos a longo prazo;

 

Consequentemente, e sem ferir a referida autorização legislativa, o art.º 270.º do CIRE, com a redacção à data da aquisição do Prédio, sob a epígrafe “Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”, dispunha o seguinte:

 

1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos:

 
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

 

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora; 


c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

 
2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

As Partes, como se viu, fundam as suas posições na interpretação a dar ao n.º 2 do art.º 270.º do CIRE.

 

Parece resultar do texto da norma a que vimos fazendo referência que a isenção de IMT é dispensada apenas às vendas de imóveis de empresas ou de estabelecimentos destas, integradas que estejam no plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, o que exclui as vendas de bens imóveis que não integrem o activo de empresas, nomeadamente os que sejam propriedade de pessoas singulares, não empresários ou titulares de empresas.

 

Interpretação diversa, ainda que defensável do ponto de vista do direito a constituir, não tem arrimo no teor literal do preceito aplicável, pelo que não pode ser acolhida. 

 

Vale a pena atentar na doutrina a este propósito expendida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.09.2013, prolatado no processo n.º 866/13, ainda que a propósito do Imposto do Selo mas com total aproveitamento para a questão decidenda:

 

“No caso está apenas em causa saber se a venda de um bem imóvel, que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de actividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular e com destino a habitação, não havendo notícia da sua afectação a actividade empresarial alguma, pode beneficiar de isenção de IS em razão de ter sido efectuada num processo de insolvência. A resposta, a nosso ver, não pode ser senão negativa, pois a hipótese não é subsumível à previsão da alínea e) do art. 169.º do CIRE, que se refere exclusivamente à venda de «elementos do activo da empresa».”

 

Assim, conclui o douto acórdão que “I - De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do activo da empresa». II - Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa”.

 

Idêntico entendimento tem sido igualmente sufragado nas decisões do CAAD, como se pode constatar pelas que foram proferidas nos processos 649/2015, 558/2015, 136/2016, 106/2016, 368/2016, 512/2016, 514/2016, 518/2016, 15/2017 e 23/2017. É também essa a posição do tribunal arbitral.

 

Também não vê o tribunal arbitral em que medida se pode defender que a interpretação que faz a Requerida da norma em apreço, coincidente como se disse com a assumida por este tribunal arbitral, configura a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitido por lei, porquanto é precisamente nesta que aquela correctamente se funda.

 

Do mesmo modo, pelos elementos constantes do processo administrativo junto aos autos, entende o tribunal arbitral não existir qualquer insuficiência de fundamentação que possa enfermar o acto de liquidação mediatamente impugnado, nem há qualquer evidência, mínima que seja, que possam ter sido beliscados o princípio da boa fé, as anteriormente constituídas legítimas expectativas e garantias da Requerente, os princípios da confiança e segurança jurídica, bem como os princípios da legalidade tributária, da não retroactivade da lei fiscal e da segurança jurídica a que fazem apelo a LGT, o Código Civil e a própria Lei Fundamental. A Requerida, como se disse, interpreta correctamente, e sem quaisquer extrapolações abusivas, o n.º 2 do art.º 270.º do CIRE.

 

Por fim, entende a Requerente que a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida (artigos 141.º, n.º 1 do CPA e 58.º do CPTA). Sucede que não estamos, em sentido próprio, perante a revogação de uma isenção. O benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE é automático, nos termos do disposto no artigo 5.º do EBF, ficando sujeito a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos respectivos pressupostos. Foi justamente isso que fez a administração tributária e aduaneira, nos termos conjugados do art.º 7.º do EBF e do n.º 2 do art.º 31º, do Código de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

 

3.3.      Dos juros indemnizatórios

 

O acto impugnado, como se procurou demonstrar, não padece de qualquer ilegalidade. Assim, não se verificam os pressupostos para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, mantendo-se, portanto, o acto de liquidação de IMT que lhe deu origem;

b)      Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.283,84 (dois mil, duzentos e oitenta e três euros e oitenta e quatro cêntimos).

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

 

 

Lisboa, 23 de Agosto de 2017

 

 

O Árbitro

 

 

_______________________________

(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.