Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 381/2017-T
Data da decisão: 2017-11-14  IRC  
Valor do pedido: € 66.089,20
Tema: IRC – Pagamento Especial por Conta; Tributações Autónomas – Dedutibilidade - Competência do Tribunal Arbitral - Pedido de revisão oficiosa - Recurso Hierárquico.
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Decisão Arbitral

 

Partes

Requerente: A…, S.G.P.S., S.A

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz (presidente), Augusto Vieira e Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o tribunal arbitral, constituído em 29-08-2017, acordam no seguinte:

 

 

I.         RELATÓRIO

 

a)      Em 21-06-2017 a Requerente, NIPC PT…, com sede em …, …-… … (A… SGPS) entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral colectivo (TAC).

 

O PEDIDO

 

b)      A Requerente impugna os actos de indeferimento dos procedimentos de revisão oficiosa (entregue em 28-05-2015) e do subsequente recurso hierárquico (entregue em 15-01-2016) que deduziu contra o acto tributário de autoliquidação de IRC inscrito na declaração Modelo 22, no quadro 10 – campo 365 – tributações autónomas – cálculo do imposto no valor de € 66.089,20 euros, quanto ao exercício económico de 2010.

c)      Refere que “em sede de PEC subsiste um montante acumulado por deduzir à colecta do IRC, que ascendia em 2010 a € 373.000,00 conforme certificação e comprovativos dos PEC efectuados, retirados directamente do portal das finanças ...”

d)      Pugnando pela dedução dos pagamentos especiais por conta (PEC) à colecta do IRC do Grupo Fiscal B… do exercício económico de 2010, aqui incluindo o IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, formula os seguintes pedidos:

·         Que seja “... declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento do recurso hierárquico, e bem assim o indeferimento do precedente pedido de revisão oficiosa, na medida em que recusaram a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, da autoliquidação de IRC na parte produzida pelas taxas de tributação autónoma, do exercício de 2010, com isso violando o princípio da legalidade”;

·         Que seja “... declarada a ilegalidade desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente ao montante de € 66.089,20”;

·         Que seja “... reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados, até integral reembolso, desde 31 de Maio de 2011 quanto a € 60.141,45, e desde 1 de Setembro de 2011 quanto aos restantes € 5.947,75”;

·         E que “... subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso do mesmo montante e pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data”.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

e)      A Requerente refere, em primeiro lugar que o “...Grupo Fiscal B… dispõe de PEC para abate à respectiva colecta, em montante muito superior à colecta das tributações autónomas em IRC do exercício de 2010, colecta esta que, como se referiu atrás, ascendeu a € 66.089,20”.

f)         Depois invoca que: “o sistema informático da AT impede que a Requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC ... expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos PEC ainda disponíveis (a começar pelos mais antigos) para abate à colecta do IRC, o que resultou num excesso de imposto pago por referência ao exercício fiscal de 2010 aqui em causa”. Conclui: “... o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, os PEC”.

g)      Em sede de alegações a Requerente faz uma síntese do contexto das posições que sustentam o seu pedido: 

1.      “... a tributação autónoma tem um facto tributário, um objecto, distinto do imposto sobre o lucro da empresa, e isso implica diferenciação na aplicação das regras, designadamente constitucionais, de aplicação da lei fiscal no tempo”;

2.      “... apesar do diferente facto tributário ou objecto, a tributação autónoma ainda é IRC, concorrendo, com outro método, para o fim último do IRC; e, por conseguinte, como IRC deve ser tratada a sua colecta aplicando-se-lhe a alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC na redacção em vigor até 2013 (anteriormente a 2010, artigo 42.º): regra da indedutibilidade da colecta do IRC no apuramento do lucro tributável sujeito a IRC”.

3.      “À colecta da tributação autónoma, sendo IRC, aplica-se-lhe esta segunda norma dirigida também à colecta do IRC: a norma das deduções à colecta (artigo 90.º do Código do IRC, designadamente o seu n.º 2, alíneas b) e c) – desde 2014, alíneas c) e d)”.

h)      Fundamenta a sua posição em diversas decisões do CAAD, especialmente na adoptada no Processo CAAD 775/2015-T, onde se conclui: “entendemos, pois, que o número 21 do artigo 88.º do CIRC não tem caráter interpretativo no que respeita à questão em discussão, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, aos factos e liquidações sub judice”.

 

 

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL COLECTIVO (TAC)

 

i)         O pedido de constituição do TAC foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 22-06-2017.

j)         Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 11-08-2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

k)        O TAC encontra-se, desde 29-08-2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT), acto que se encontra documentado na comunicação de constituição do TAC com data de 29-08-2017 que aqui se dá por reproduzida.

l)       Logo em 29-08-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 28-09-2017 juntando apenas o Processo Administrativo (PA) composto por dois ficheiros informatizados, designados por PA 2 (parte 1.pdf) e PA 3  (parte 2.pdf). Em 02-10-2017 juntou a resposta.

m)   Nela aduziu a excepção de “INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL DECORRENTE DA CIRCUNSTÂNCIA DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL TER SIDO FORMULADO NA SEQUÊNCIA DE INDEFERIMENTO DE RECURSO HIERÁRQUICO”.

n)      Por despacho do TAC de 23-10-2017, face ao pedido de produção de prova testemunhal, foi reconhecida a desnecessidade de produção de prova adicional, uma vez que as questões controvertidas são de direito e para as decidir basta a prova documental junta ao processo. Foi ainda dispensada a realização da reunião de partes do artigo 18.º do RJAT por inexistência de razões que lhe conferissem utilidade. Através deste mesmo despacho foram as partes convidadas a apresentarem alegações escritas e sucessivas, primeiro a Requerente e, depois, a Requerida.

o)      Em 04-10-2017 a Requerente respondeu à matéria da excepção e apresentou alegações escritas. Em 16-10-2017 contra-alegou a Requerida.

p)      A Requerente em alegações e a Requerida em contra-alegações pugnaram, respectivamente, pelas posições já assumidas no pedido de pronúncia e na resposta.

q)      Por despacho de 19-10-2017 do TAC foi agendada a notificação da decisão final para até ao dia 15-12-2017.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

r)       A Requerente, em dissentimento com os fundamentos dos actos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e do sequente recurso hierárquico,  começa por referir que: “... a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC” e que por esse motivo “se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo código uns metros mais à frente (artigo 90.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c) do Código do IRC, na redacção em vigor em 2010, alínea d) em 2014) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC”. E conclui: “donde que a negação da dedução do PEC à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC)”.

s)      Cita múltiplas decisões arbitrais do CAAD que sustentam o seu ponto de vista para concluir que as tributações autónomas são IRC.

t)       Depois insurge-se contra as razões que a AT invoca para negar as deduções à colecta de IRC das tributações autónomas em IRC.

u)      Faz uma análise das correntes arbitrais opostas a deduções à colecta da tributação autónoma que considera minoritárias no caso dos benefícios fiscais.

v)      De seguida pronuncia-se sobre as alterações ao Código do IRC resultantes dos artigos 133.º e 135.º da Lei 7-A/2016, de 30 de Março (Lei OE para 2016) e sobre o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, concluindo que:

w)    1 - “É jurisprudência pacífica (e doutrina da AT, quando lhe convém) que a tributação autónoma em IRC, é IRC; e que se lhe aplicam as normas de liquidação do IRC constantes do artigo 89.º e ss. do Código do IRC”;

2 – “Pode, e deve concluir-se que o artigo 135.º da LOE 2016 se refere apenas à parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC”;

3 – “A atribuição de natureza interpretativa a uma norma fiscal não desencadeia por si só a aplicação do regime de aplicação de leis no tempo previsto no Código Civil”;

4 – “Em qualquer caso o artigo 13.º do Código Civil e a prescrição de retroactividade que aí se contém só se aplica a normas interpretativas, por oposição a falsas normas interpretativas. E a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC é, supondo que foi realmente intenção do legislador atribuir-lhe carácter interpretativo ..., uma falsa norma interpretativa”.

5 – Apelando aos princípios da CRP refere que “havendo dúvida razoável (e crê-se que há mais do que isso: certeza razoável) o ónus da prova sobre o invocado carácter interpretativo de uma norma fiscal, para efeitos de eventual imunização à proibição constitucional de retroactividade, cabe a quem o invoca”;

6 – “Mesmo que a norma fosse materialmente interpretativa, a associação à mesma de efeito retroactivo sempre estaria ferida de inconstitucionalidade”.

x)      Ainda sobre o tema das alterações da Lei do OE para 2016 e do Acórdão do TC n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, refere: “se, não obstante todas as razões que ...  se elencaram, se entender ainda assim que o artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) atribuiu natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), e que daí resultaria a aplicação do artigo 13.º do Código Civil enquanto prescreve a aplicação retroactiva das leis interpretativas, está-se em crer que se estará então perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa (veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/00, e bem assim SALDANHA SANCHES in Fiscalidade, n.º 1, Janeiro de 2000, “Lei Interpretativa e Retroactividade em Matéria Fiscal, pp. 77 e ss., em especial 87 e 88, e no seu Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora 2007, p. 193 e ss., em especial 196, e ainda JÓNATAS E. M. MACHADO e PAULO NOGUEIRA DA COSTA, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora 2012, p. 76), e por violação, também, do princípio da separação de poderes e do princípio da independência do poder judicial”. E continua referindo: “violação, pois, também, do artigo 2.º (Estado de direito democrático, e separação e interdependência de poderes, sendo que quanto a este último aspecto no caso está em causa a perspectiva da interdependência – e por conseguinte negação de excessos e de ocupação de espaço que não lhe pertence – do poder político-legislativo face ao poder judicial), do artigo 111.º, n.º 1 (separação e interdependência dos órgãos de soberania, que é ainda um limite material de revisão – artigo 288.º, alínea j), da Constituição), e do artigo 203.º (independência dos tribunais, outro limite material de revisão – artigo 288.º, alínea m), da Constituição), todos da Constituição. Conclui: “sobre isto já se pronunciou o ... acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, que julgou inconstitucional a norma aqui em causa”.

y)        Por último o TAC artigo 88.º do CIRC, efetuado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, expressa que deve “… ser tido em conta que o nº 21º do artigo 88º do CIRC é, por inteiro, um novo preceito, que não existia previamente à LOE de 2016 e cuja aplicação terá de se limitar aos novos casos - conforme neste sentido a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo nº 775/2015 pelos Srs. Árbitros Dr. José Baeta de Queiroz, Drª Eva Dias da Costa e Drª Filomena Oliveira”, uma vez que “conforme se pode facilmente constatar, o artigo 90º do CIRC não foi alterado e continua a referir-se à coleta do IRC”.

z)        Concluindo que “qualquer interpretação autêntica efetuada por força do nº 21 do artigo 88º do CIRC na parte que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas ofende, de forma manifesta, o princípio da não retroatividade na criação de impostos, inconstitucionalidade que expressamente se vem desde já arguir”. “Na verdade, aceitar o carácter interpretativo do nº 21 do artigo 88º do CIRC implica a não aplicação do nº 1 do artigo 90º do CIRC que é a norma que determina como é feita a liquidação do IRC e, portanto, ao invés de se fazer a liquidação do IRC de acordo com a norma em vigor no exercício em causa, está-se a aplicar uma lei nova e, portanto, a violar o princípio da legalidade tributária, vertido igualmente no nº 3 do artigo 103º da CRP”.

aa)  Relativamente ao pedido de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios invoca regime do Ofício-Circulado n.º 60 052, de 03.10.2006, do SDG da Justiça Tributária, para expressar que “... o erro de que padece a (auto)liquidação contra a qual se reclama resulta de erro dos Serviços sobre os pressupostos de direito que condicionou informaticamente o preenchimento da declaração (Modelo 22) de autoliquidação, como supra se referiu, agravado ainda pelo indeferimento, quer da revisão oficiosa, quer do recurso hierárquico”, concluindo que “nestas circunstâncias – erro imputável aos Serviços – deverá ser reconhecido à Requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento pela Requerente de imposto em excesso no montante supra referido”, até porque “nas circunstâncias deste caso ... a autoliquidação de IRC referente às taxas de tributação autónoma nos termos contra os quais aqui se requer a respectiva anulação, foi a única opção permitida pelo sistema informático da então AT, que não permitiu, como é do conhecimento da AT (cfr., a propósito de uma outra taxa que padecia do mesmo “problema informático”, a da derrama estadual, o parecer – superiormente sancionado – da Directora da DSIRC, Helena Martins, e a p. 11 da Informação constante do mesmo, que aqui se juntam), a submissão da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC caso ao montante desta parte (tributações autónomas) do IRC apurado se pretenda aplicar dedução de qualquer espécie”.

bb)             Em alegações sustentou a improcedência da excepção aduzida pela AT de incompetência do TAC, com base em acórdão do TCA Sul (Processo 08599/15) e voltou a reiterar o que já tinha referido em sede de pedido de pronúncia arbitral.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Por excepção

 

cc)  A Requerida invoca que o TAC é materialmente incompetente porque  o “pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de recurso hierárquico como meio de reacção administrativo ao indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao ano de 2010, formulado, em 28.05.2015, ou seja, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT”.

dd)  Ou seja, a pretensão mostra-se  “... formulada sem que esse acto de autoliquidação tenha sido procedido de impugnação administrativa “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que determina, inelutavelmente, fique afastada a sua apreciação em sede arbitral” , situação excluída “... literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário»., sem que aí seja mencionado o mecanismo de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT)”.

ee)  E adianta ainda que “... se, como se vem a demonstrar o tribunal é incompetente para se pronunciar de pedidos precedidos de pedidos de revisão oficiosa, necessariamente também o será para apreciar pedidos provenientes de indeferimento de recurso hierárquico formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa apresentados”.

ff)    Conclui: “... por força do estatuído no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, Independentemente de esta ser obrigatória nos termos do citado preceito ou de o contribuinte ter optado (sibi imputat) pela revisão oficiosa”.

gg)             Acrescenta que “… o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, impõe-se igualmente por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT”.

hh)  E porque “... a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la”, “... é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral].”

ii)     Em suma, propugna no sentido de que “... deve ... entender-se que face aos citados princípios constitucionais e legais, a interpretação do disposto na Portaria n.º 112-A/2011 deve configurar-se literalmente, pois não é despiciendo que o legislador na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao ter completado a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa» com a menção «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», tenha delimitado intencionalmente a vinculação da AT a tais situações...”

jj)     Invoca em favor do seu ponto de vista as decisões CAAD tiradas em vários processos, nomeadamente com os n.ºs de processo 236/2013-T, 48/2012-T, 51/2012-T, 73/2012-T, 236/2013-T, 603/2014-T, 669/2015-T, 584/2016-T, 671/2016-T e 8/2017-T.

 

Por impugnação

 

kk)             Relativamente à natureza das tributações autónomas em IRC refere “… o carácter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC”. Acrescenta: “Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes”. “E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC”.

ll)   Refere que não há uma liquidação única de IRC, mas sim “dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias”.

mm)         Invoca em favor deste seu ponto de vista as decisões arbitrais CAAD Processos 769/2014-T e 113/2015-T.

nn)             E porque “... a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: (1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma”,  “… o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto.”

oo)             E conclui, em sentido contrário ao propugnado pela Requerente: “… a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º” deve ser feita de forma a abranger apenas “… o montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código”, ou seja, excluindo o IRC obtido por aplicação das taxas de tributações autónomas referidas no artigo 88.º do CIRC.

pp)  “Sendo a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC, relativas a:  - créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b)); - benefícios fiscais (actual alínea c)); - pagamento especial por conta (actual alínea d)); - e retenções na fonte (actual alínea e))”.

qq)  Realça que o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no nº 2 do artigo 90.º do Código do IRC “reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas”.

rr)    Relativamente aos pagamentos especiais por conta (PEC) começa por referir que “por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º do Código do IRC são efectuadas ao “montante apurado nos termos do número anterior”, entendido como o montante do IRC apurado com base na matéria colectável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art.º 87.ºdo mesmo Código e descendo ao caso concreto, é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta”.

ss)   E refere ainda: “basta, para tanto, invocar o disposto o disposto no n.º 9 (na versão de 2014) do mesmo preceito, segundo o qual «Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo»”. “E que, na falta ou insuficiência de colecta, apurada nesses termos, o pagamento especial por conta que não possa ser deduzido naquele período de tributação poderá ser deduzido até ao 4.º período de tributação seguinte – cf. dispõe o n.º 1 do artigo 93.º do CIRC”. E que “... é também possível alcançar a mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (PEC), definido como sendo um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efectuado em duas prestações (art.º 106.º, n.º 1, CIRC) e cujo cálculo toma como ponto de partida o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao período de tributação anterior (n.º 2)”.

tt)   Concluindo da forma seguinte: “... a natureza jurídica do PEC, revelada pela sua configuração como «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se» ..., bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do Código)” “daí resultando que o crédito pelas quantias entregues como pagamento especial por conta, não constitui em crédito exigível que os sujeitos passivos do IRC possam dispor”... “sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas no ano de 2010”.

uu)  Relativamente ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31  de maio de 2017, refere que “a Requerida não desconhece o acórdão do Tribunal Constitucional citado pela Requerente, todavia, o mesmo não tem força obrigatória geral, nem a AT concorda com o teor da decisão”, acrescendo que “... em bom rigor, o art.º artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, inserido pela da LOE2016, que foi declarado inconstitucional naquele acórdão, não é necessário à resolução deste dissídio ...” sendo dispensável, pela razão de que "o artigo em causa é inócuo na medida em que, à data dos factos, a letra e, bem assim, a interpretação das normas do CIRC referentes às Tributações Autónomas e aos PEC’s per si já impunham a única conclusão verossímil e legal, i.e., a de que não é admissível a dedutibilidade à colecta produzida pelas tributações autónomas do PEC”, conforme decisões prolatadas nos processos n.ºs 785/2015-T CAAD e 722/2015-T CAAD.

vv)  Relativamente ao alegado pela Requerente de que “... a declaração Modelo 22 do IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 das declarações Modelo 22 (…) os PEC´s ainda por deduzir à colecta de IRC, a começar pelos mais antigos”, contrapõe que “não pode o sistema informático permitir ou consagrar o que a lei não dispõe, i.e., o sistema e as aplicações informáticas da AT deverão ser um mero reflexo dos preceitos legais em vigor em cada momento”.

ww)Concluindo: “... não existe qualquer suporte legal, entendimento administrativo ou mesmo assiste qualquer razão à pretensão do Requerente, pelo que, carece absolutamente de sentido o entendimento propugnado pela mesma a este respeito”.

xx)  Termina invocando a decisão arbitral proferido no Processo 113/2015-T CAAD, citando a parte do dispositivo aí adoptado “a pretensão da Requerente tem necessariamente que improceder pois a liquidação impugnada cumpre com a legalidade, pois assenta em correcta interpretação da norma citada”.

yy)  Quanto ao pedido de juros indemnizatórios refere que “… improcedendo o pedido principal, terá forçosamente que improceder o pedido de juros”, sendo certo que “…na situação em apreço nos autos, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a decisão que indeferiu a reclamação graciosa...”.

zz)               Termina referindo que “… dissipando-se definitivamente a questão controvertida, o teor do artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

aaa)              Finaliza referindo que “... qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016, vertida no artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»  “E que, por conseguinte, permita a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC (PEC), é materialmente inconstitucional, por a) - violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP, b) - violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP, c) - violação do princípio da protecção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP, d) - violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º2 e do 103.º, n.º2 ambos da CRP”.

bbb)         Em contra-alegações manteve o já referido na resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

ccc)          Propugna pela manutenção na ordem jurídica dos actos tributários em causa por estarem em conformidade com a lei, com procedência da excepção aduzida e absolvição da instância ou se não proceder, com improcedência dos pedidos e sequente absolvição dos mesmos.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Em primeiro lugar, cumpre apreciar a alegada excepção de incompetência do TAC tendo em conta que os actos imediatamente impugnados (decisões que indeferiram o pedido de revisão oficiosa e o recurso hierárquico) não resultaram de um procedimento de reclamação graciosa, mas sim de um procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte.

 

Depois, caso improceda a excepção aduzida, haverá que verificar se o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, (no caso do TAC entender que os PEC sempre seriam dedutíveis à soma das colectas do IRC liquidadas por aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos pugnados pela Requerente e segundo a jurisprudência arbitral que cita), é verdadeiramente uma lei interpretativa.

 

Por último o TAC abordará a invocada desconformidade com o texto legal da leitura da lei que aqui se vai adoptar, invocada pela AT em jjj) do Relatório desta decisão.

 

 

III – DA INVOCADA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TAC

 

 

Sustenta a AT que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deve ser entendido na sua literalidade, proscrevendo do âmbito da jurisdição arbitral tributária as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação nos termos das referidas normas do CPPT.

 

Com efeito, toda a argumentação da AT na matéria acaba por se reconduzir a sustentar que foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades de atos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.

 

Não se descortina, de entre as razões avançadas pela AT uma razão substancial para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos atos de autoliquidação, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados. Aliás, mesmo uma interpretação estritamente literal, desde que devidamente contextualizada, não conduziria ao resultado propugnado pela AT, senão vejamos.

 

De facto, a expressão utilizada pela norma em questão é paralela à própria norma do artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da pacificamente reconhecida intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.   

 

A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação directa de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia.

 

Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela AT, passar de uma impugnabilidade mais ampla do que a possível nos tribunais tributários, para uma mais restrita.

 

Assim, nenhuma razão subsiste para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”.

 

Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do CPPT.

 

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, pelo que se julga improcedente a verificação da excepção em apreço.

 

 

 

IV – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

 

Princípio do contraditório – Foi notificada a AT nos termos da alínea l) deste Relatório. A Requerida respondeu à matéria da excepção aduzida. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.

 

Excepções dilatórias – O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 21-06-2017 e a notificação da decisão que recaíu sobre o pedido de recurso hierárquico lhe ter sido notificado em 12-04-2017 (artigo 6.º do pedido de pronúncia) data que não mereceu reparo da Requerida. Aliás, a AT não colocou em crise a tempestividade de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

V – MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

 

1.      A Requerente, enquanto sociedade dominante, é responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do “Grupo Fiscal B…” sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, composto por si e pelas sociedades: ▪ C…, S.A.; ▪ D…, S.A.; ▪ E…, Lda.; ▪ F…, S.A.; e ▪ G…, S.A. – conforme exórdio do ppa e ponto 1 página 117 do PA parte 1 junto pela AT com a resposta.

2.      Em 31 de Maio de 2011 a Requerente apresentou uma declaração de rendimentos de Modelo 22 de IRC, referente ao exercício económico de 2010, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC, que constam do quadro 10 – campo 365, no montante de € 66.089,20, valor este que pagou – conforme artigos 2.º, 219.º e 220.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa) e Documentos n.ºs 1 e 6 juntos com o ppa, conjugados com a posição global da AT de implícita concordância.

3.      A Declaração de Modelo 22 do IRC não permite reflectir a dedução dos Pagamentos Especiais por Conta (PEC) à soma do montante resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC – conforme artigo 28.º do ppa e posição global da AT na resposta e nas alegações que considera esta situação uma decorrência da lei.

4.      Em 6 de Outubro de 2014 foi apresentada uma declaração de rendimentos de IRC, de Modelo 22, de substituição, que não alterou o valor referido em 2. - conforme artigo 3.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa) e Documento n.º 2 junto com o ppa.

5.      O Grupo Fiscal B… efectuou, nos anos de 2006 a 2010, Pagamentos Especiais por Conta no valor de € 373.000,00, que não foram ainda deduzidos à colecta de IRC – conforme artigo 19.º do ppa; Documento nº 6 junto com o ppa e posição global da AT de não contestação na resposta e nas alegações.

6.      Em 28 de Maio de 2015 a Requerente apresentou revisão oficiosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2010. Precedida de projecto de decisão contendo a fundamentação, em sede de audição prévia, foi indeferida por despacho de 30 de Novembro de 2015 da Senhora Directora de Serviços do IRC – conforme artigo 4.º do ppa e Documentos nºs 3 e 4 juntos com o ppa.

7.      Em 15 de Janeiro de 2016 a Requerente apresentou recurso hierárquico que lhe foi indeferido por despacho da Senhora Sub-Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 5 de Abril de 2017 e notificado em 12 de Abril de 2017, através de Via CTT, por ofício de 6 de Abril de 2017 -  conforme página 148/151 da parte 1 do PA junto com a resposta da AT, artigos 5.º e 6.º do ppa e Documento n.º 5 junto com o ppa.

8.      Consta, como núcleo essencial da fundamentação dos actos de indeferimento acima referidos, o seguinte:

Conforme páginas 149 e 150 da parte 1 do PA junto pela AT com a resposta.

9.      Em 21 de Junho de 2017 a Requerente entregou CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

VI – MATÉRIA DE DIREITO

 

A colecta do IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º não tem um carácter unitário?

 

Vamos seguir quanto a este aspecto o que foi decidido na decisão arbitral colectiva adoptada no processo n.º 673/2015-T CAAD, a propósito de um caso idêntico, à qual aderimos.

 

Alega a Requerida no artigo 96º da resposta: “o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto

 

Mas sem razão. Reproduzindo a decisão n.º 673/2015-T CAAD:

 

“Esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.

Designadamente, o artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, ao dizer que «os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo», reporta-se à globalidade do imposto liquidado nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º,” …

Por outro lado, …, antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.

Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.

A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º». (com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta, podem ser deduzidas até ao até ao 6.º período de tributação seguinte).

O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.

Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.

Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado (neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.

Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas, como está ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao aludir a «IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros». A estatística da Autoridade Tributária e Aduaneira que atrás se referiu, bem como o próprio caso em apreço, em que a Requerente teve prejuízos fiscais em 2012 e 2013 e em ambos apresenta apenas tributação autónomas de valor avultado, são elucidativos do problema de constitucionalidade que se coloca.

De qualquer forma, como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

(...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. (Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade»)

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar o pagamento de IRC”.

 

Qual o regime de dedução dos PEC à colecta de IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, na vigência do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC?

 

Nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 de 31 de maio de 2017, este TAC terá que aderir ao decidido na Decisão Arbitral Colectiva tirada no Processo 775/2015-T CAAD onde se conclui:

 

Entendemos, pois, que o número 21 do artigo 88º do CIRC não tem caráter interpretativo no que respeita à questão em discussão, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, aos factos e liquidações sub judice”.

 

Ora, resulta dos factos provados que as autoliquidações em causa se reportam ao ano de 2010, situação que não estava consolidada na ordem jurídica, como se verifica neste caso, em que não se discute a tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de recurso hierárquico.

 

É a própria AT que nas decisões de indeferimento reconhece essa tempestividade.

 

O julgamento do Tribunal Constitucional constante do acórdão n.º 267/2017 de 31.05.2017 parece-nos claro:

 

É  “… inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103º-3, da Constituição, a norma do artigo 135º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88º nº 21 segunda parte, do Código do IRC, número este aditado pelo artigo 133º da citada lei -  segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016”.

 

A AT expressa três situações que sustentariam o ponto de vista de que a expressão “montante apurado nos termos do artigo anterior” (do nº 2 do artigo 90º do Código do IRC) pretende significar que os PEC apenas podem ser deduzidos “... ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria colectável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código”, a saber:

  • créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));
  • benefícios fiscais (actual alínea c));
  • apoio explícito do n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC (regime de transparência fiscal);

conforme artigos 110.º e 113.º a 121.º da resposta.

 

Relativamente ao referido quanto aos créditos de imposto por dupla tributação internacional e face ao teor dos artigos 91.º e 91.ºA do Código do IRC, não vemos como se possa considerar, ainda que implicitamente, v.g. a expressão “insuficiência de colecta” (n.º 4 do artigo 91.º do CIRC) se refira apenas à colecta de IRC resultante a aplicação das taxas do artigo 87.º do CIRC.

 

Relativamente ao referido quanto aos benefícios fiscais, nomeadamente que “a dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros só se efectiva se houver lucro, o que premeia a rendibilidade do investimento”, sempre se dirá que, em princípio, o raciocínio de dedutibilidade dos benefícios fiscais é idêntico ao que se adopta nesta decisão, tendo que se avaliar cada uma das normas isentivas que em concreto os conferem, as quais podem estabelecer regras de funcionamento diferenciadas.

 

A referência ao regime das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, não configura ter a virtualidade que se lhe aponta, porquanto se trata de um regime especial claramente distinto, aplicável a entidades que têm um ordenamento no Código do IRC (v.g. alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º e artigo 6.º, ambos no Código do IRC) diferenciado, em nada comparável às entidades a que aludem as alíneas a) dos números 1 dos artigos 2.º e 3.º,  ambos do Código do IRC.

 

Nesta conformidade, só pode proceder o pedido de pronúncia arbitral tendente a obter a anulação das duas decisões adoptadas pela AT e pelas quais indeferiu o pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico, deduzidos contra as autoliquidações de IRC da Requerente do ano de 2010. O que acarreta, indirectamente, que as autoliquidações em causa não estão em conformidade com a lei, devendo ser como tal consideradas e consequentemente anuladas.

 

A leitura do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC que se adopta nesta decisão é materialmente inconstitucional, por: a) - violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP, b) - violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP, c) - violação do princípio da protecção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP, d) - violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º 2 e do 103.º, n.º 2 ambos da CRP?

 

Os termos em que as desconformidades com a CRP aqui referidas são aduzidas, não se configuram como sendo susceptíveis de constituírem para o TAC uma obrigação de apreciação detalhada das questões colocadas genericamente, para além da referência de que se terá que concluir em sentido oposto, uma vez que o Tribunal Constitucional, pelo acórdão acima citado, considerou a leitura do nº 21 do artigo 88º do Código do IRC, que aqui se adopta, como sendo a única em conformidade com o texto constitucional.

 

Como acima se referiu não olvida este TAC que o acórdão do Tribunal Constitucional não tem força obrigatória geral, mas a verdade é que se trata de uma decisão do órgão jurisdicional de cúpula, a quem comete a última palavra na apreciação da conformidade das normas, face aos princípios constitucionais. Seria de difícil compreensão, pelos cidadãos em geral e pelos empresários em especial, (uma vez que neste processo se trata do imposto sobre o rendimento das empresas) que aqui se adoptasse uma leitura da lei que contrariasse o juízo resultante de um julgamento já formulado pelo Tribunal Constitucional, num caso idêntico ao deste processo, até porque o grau de probabilidade de surgirem outras decisões do mesmo Tribunal, no mesmo sentido, será de considerar superior, do que em sentido inverso.

 

Não vislumbra este TAC, na leitura da lei aqui levada à prática, qualquer violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP; violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP; violação do princípio da protecção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP e violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º 2 e do 103.º, n.º 2 ambos da CRP.

 

Reembolso dos montantes correspondentes aos PEC e pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

A Requerente, muito embora não tenha apurado colecta de IRC resultante do lucro da empresa, logrou provar que pagou, por autoliquidação, os valores correspondentes às tributações autónomas e aos pagamentos especiais por conta, conforme números 2 e 5 da matéria de facto provada.

 

Anulando-se, como se vão anular, as decisões que recaíram sobre o pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico, por desconformidade com a lei, afectados ficam os actos de autoliquidação de IRC, resultando que a Requerente tem direito ao reembolso do montante dos PEC que poderá abater ao cômputo do IRC resultante das tributações autónomas.

 

Pede ainda os juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

Entende a Requerente (artigo 220.º do ppa) que os juros devem ser “... contados até integral reembolso, e calculados sobre € 60.141,45 indevidamente pagos em 31 de Maio de 2011 (conforme o anexo do Doc. n.º 6), contados desde esta data, e juros sobre os remanescentes € 5.947,75 que deveriam ter sido reembolsados até 31 de Agosto de 2011 (Documento n.º 1, e artigo 104.º, n.º 6, do CIRC), contados desde 1 de Setembro de 2011, num total de base de incidência dos juros de € 66.089,20”.

 

A AT na resposta (artigo 179º) refere “mesmo que fosse configurável a procedência do pedido quanto ao pagamento de juros …o seu cômputo sempre teria como termo inicial a data em que ocorreu a decisão que indeferiu”... a revisão oficiosa e nunca o momento indicado pela Requerente.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da anulação das decisões que recaíram sobre o pedido de revisão oficiosa e o recurso hierárquico (colocando-se em causa, indirectamente, a legalidade dos actos de autoliquidação), há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a)       Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b)       Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c)       Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

 

A ilegalidade das decisões adoptadas em sede de revisão oficiosa e de recurso hierárquico das autoliquidações é imputável à Administração Tributária, que as indeferiu por sua iniciativa.

 

No presente caso é de aplicar o regime da alínea c) do n.º 3 do artigo 43º da LGT, porquanto, entre a data em que o contribuinte efectuou o primeiro pedido à AT sobre a desconformidade das autoliquidações (em 28 de Maio de 2015) e a data em que foi proferida decisão de indeferimento (em 30 de Novembro de 2015) não decorreu “mais de um ano” (ponto 6 da matéria de facto provada).

 

No que concerne às autoliquidações, que foram efectuadas pela Requerente, é de entender que o erro que as afecta é imputável à Administração Tributária.

 

No entanto, de acordo com Jorge Lopes de Sousa, em “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais”, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52:

«Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir um a decisão com pressupostos correctos».

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde 30 de Novembro de 2015, relativamente à quantia de € 66.089,20.

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data acima indicada e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

VII - DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, decide-se:

 

  1. Julgar improcedente a excepção de incompetência do TAC na parte em que se propugna pela falta de competência material para sindicar as decisões de indeferimento que recaíram sobre o pedido de revisão oficiosa e o sobre o recurso hierárquico referidas nos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada.
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia quanto à anulação dos despachos referidos em 6 e 7 da matéria de facto provada, pelos quais foram indeferidos os pedidos de revisão oficiosa e o recurso hierárquico, uma vez que o n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC permite a dedução dos PEC à colecta de IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma dos anos fiscais anteriores a 2016, como é o caso.
  3. Anular as referidas decisões por não estarem em sintonia com o n.º 21 do artigo 88.º e alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º, ambos do Código do IRC, conjugados com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017 de 31 de Maio de 2017, o que acarreta, consequentemente, a ilegalidade das autoliquidações a que se alude no ponto 2. da matéria de facto provada, que nesta conformidade também se anulam.
  4. Julgar ainda procedentes os pedidos de reembolso do montante de € 66.089,20 e de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre este valor e contados desde 30 de Novembro de 2015, até emissão da respectiva nota de crédito.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de € 66.089,20.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 Novembro de 2017

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

 

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José Baeta de Queiroz 

 

 

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Augusto Vieira

 

 

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Hélder Faustino

(com declaração de voto)

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não acompanho a orientação que fez vencimento pelas razões que apresento de forma resumida.

 

A divergência fundamental que nos separa da tese defendida no presente acórdão diz respeito, antes de mais, à natureza das tributações autónomas, uma vez que sufragamos a jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional sobre a matéria. Jurisprudência esta iniciada com o voto de vencido do Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010, nos termos do qual, “(…) embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….) Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta.”.

 

Por Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, o Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11, aproximando-se do então voto de vencido do Senhor Conselheiro Vítor Gomes, nos termos seguintes:

 

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

 

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

 

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

 

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

 

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.”.

 

Esta jurisprudência foi reiterada pelo Acórdão do Plenário, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/01/2013 e no Acórdão n.º 197/2016, processo n.º 465/2015. No mesmo sentido, veja-se ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vertida, entre outros, no Acórdão de 21/03/2012, processo n.º 830/11, de 21/30/2012.

 

Esta orientação é a seguida, em geral, pela doutrina. Para Rui Morais (Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203) “(…) está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários (…)”. Casalta Nabais, referindo-se à “(…) tributação autónoma das despesas não documentadas e das despesas de representação e com viaturas (…)”, considera “(…) tratar-se de uma tributação sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento (…)”. (Direito Fiscal, Almedina, 2015, página 542). No mesmo sentido, veja-se Ana Paula Dourado (Direito Fiscal, Lições, 2015, pp. 237 e seguintes).

 

Finalmente, ainda que se admitissem dúvidas a este respeito, as mesmas teriam de considerar-se ultrapassadas, senão vejamos.

 

Com efeito, o próprio legislador reconhece que as “tributações autónomas” não são IRC (cfr. artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro) ao dizer que “(…) não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável (…) o IRC, incluindo as tributações autónomas”. Se o legislador fiscal entendesse que o IRC incluía as tributações autónomas não tinha necessidade de o acrescentar neste preceito após referir o IRC, na medida em que este já incluiria necessariamente as tributações autónomas, a seguir-se a orientação que fez vencimento.

 

É, por outro lado, aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas radicam na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objecto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são susceptíveis de configurar formalmente um gasto da pessoa colectiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto. Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e “(…) evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros das empresas, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionariam (…)” (Casalta Nabais, Idem, p. 542). No mesmo sentido, Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2007, p. 406.

 

Com efeito, as tributações autónomas configuram, assim, normas anti-abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes face ao dever de imposto, pelos quais tradicionalmente conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efectivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada, com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.

 

Como se refere no Acórdão Arbitral n.º 722/2015-T que igualmente seguimos, por apelo ao elemento lógico racional, temos que “a colecta total do IRC não seja uma realidade unitária, mas composta (…)” sendo assim, possível descortinar, no apuramento do IRC uma “colecta total do imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC (…), que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do CIRC e nos termos e modos ali referenciados”.

 

“A esta colecta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adopção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do código, que configura, com é pacífica doutrina, uma norma anti abuso”.

 

Concluindo, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC, que tributa rendimentos, e, não obstante a inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, a verdade é que são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, perderem a raiz dogmática própria.

 

Por outro lado, e ao contrário do consignado no presente acórdão, não subsiste, assim, qualquer fundamento legal ou identidade de “(…) raciocínio de dedutibilidade dos benefícios fiscais (…)” como acontece no presente acórdão.

 

Atenta a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir, sob pena de subversão da ordem de valores, a dedução de benefícios fiscais e dos pagamentos especiais por conta à colecta daquelas tributações autónomas, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir, quer com tais incentivos, quer com as tributações autónomas.

 

Efectivamente, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à colecta das tributações autónomas, os pagamentos especiais por conta, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a colecta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal e dos pagamentos especiais por conta ao imposto que tem uma função especificamente anti-abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

 

Finalmente, seguindo a doutrina do Acórdão Arbitral n.º 727/2015-T,  seria de concluir, pela ilegalidade da dedutibilidade à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), ao n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, que passou a ter o seguinte conteúdo: “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

 

Na tese que se sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do Código do IRC com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes, como ficou demonstrado pelo raciocínio supra exposto. O que dispensa a aplicação retroactiva daquela norma.

 

Termos em que, pelas razões expostas, negaria provimento ao pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, na parte produzida pelas tributações autónomas, relativa ao exercício de 2010, com a sua consequente manutenção na ordem jurídica.

 

 

 

 

 

Hélder Faustino

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.