Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 34/2023-T
Data da decisão: 2023-10-19  IMT  
Valor do pedido: € 75.313,11
Tema: IMT – Isenções dos artigos 8.º, n.º 1, do Código do IMT (isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito), e 270.º do CIRE (benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis). Artigo 78.º, n.º 1, da LGT: conceito de “erro imputável aos serviços”.
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SUMÁRIO

  1. Não existe princípio ou disposição legal que impeça a cumulação de isenções fiscais, ou a produção de efeitos de isenções fiscais em momentos sucessivos da vida de um imposto, ou a “convolação” de isenções fiscais (i.e., a substituição no procedimento de liquidação de uma isenção por outra).
  2. A caducidade da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT (isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito) não extingue nem preclude a produção de efeitos da isenção constante do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis), desde que os pressupostos de aplicação desta última isenção se encontrem verificados no momento da aquisição imobiliária.
  3. Aos contribuintes assiste a faculdade de pedir a revisão de atos tributários dentro do prazo em que a Autoridade Tributária a poderia efetuar (i.e., quatro anos após a liquidação), ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, desde que com fundamento em “erro imputável aos serviços”.
  4. É jurisprudência assente que (a) o conceito de “erro imputável aos serviços” abrange não só o simples lapso, erro material ou de facto, mas também o erro de direito atribuível aos serviços, e que (b) qualquer ilegalidade que afete uma liquidação de imposto emitida pela Autoridade Tributária que não resulte da atuação do sujeito passivo é atribuível aos serviços (independentemente da prova de culpa de qualquer colaborador da Autoridade Tributária).
  5. Para se concluir que uma liquidação de imposto emitida pela Autoridade Tributária é ilegal em virtude da atuação do sujeito passivo, é necessário que a ilegalidade da liquidação (i.e., o erro nos pressupostos de facto e/ou de direito) tenha na sua origem uma informação, declaração ou intervenção do sujeito passivo, sendo imprescindível avaliar o grau de determinabilidade e/ou essencialidade do conteúdo de tal atuação/elementos no sentido da posição final, errónea, traduzida no ato tributário praticado e a rever (não bastando que a liquidação seja emitida pela Autoridade Tributária com base numa declaração do sujeito passivo).
  6. Em síntese: Não tendo o erro nos pressupostos de facto e/ou de direito que afeta a liquidação em crise resultado da atuação do sujeito passivo, ou dos elementos/informação por ele prestados, tal erro não é atribuível ao sujeito passivo, constituindo, ao invés, um “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dr. Sérgio Santos Pereira e Dra. Adelaide Moura (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

  1. Relatório

BANCO A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ...-... Lisboa (doravante “Requerente”), notificado dos atos de rejeição liminar e indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferidos no procedimento n.º ...2022... e no procedimento autónomo n.º...-PA/DJT/2022, datados de 03-10-2022 e 24-11-2022, respetivamente, por referência às seguintes liquidações de IMT:

 

(doravante “Liquidações Contestadas”), com o montante total de € 75.313,11, veio, em 16-01-2023, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o ato de indeferimento de pedido de revisão oficiosa acima referido (objeto imediato do PPA), peticionando a respetiva anulação, juntamente com a anulação das Liquidações Contestadas (objeto mediato do PPA), e a restituição do valor do IMT indevidamente pago (€ 75.313,11), acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18-01-2023.

O Requerente e a Requerida não designaram árbitros, tendo os mesmos sido nomeados pelo Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD em 08-03-2023.

Por despacho do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27-03-2023.

Devidamente notificada para o efeito em 28-03-2023, a AT apresentou a sua Resposta em 09-05-2023, defendendo-se por exceção e impugnação, tendo ainda junto o processo administrativo.

Por despacho de 12-05-2023, o Tribunal Arbitral convidou o Requerente a pronunciar-se sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida. O Requerente pronunciou-se por requerimento datado de 25-05-2023.

Por despacho de 07-06-2023, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 10 dias. Ambas as partes abstiveram-se de apresentar alegações escritas, reafirmando as posições partilhadas nos articulados anteriormente submetidos nos autos.

Por despacho de 26-09-2023, o Tribunal Arbitral prorrogou o prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT por dois meses.

  1. Posição das Partes

II.1.  Requerente     

  1. Em 2014, o Requerente adquiriu bens imóveis no exercício da sua atividade bancária, agindo na qualidade de credor no âmbito de processos de insolvência e de acordos de dação em cumprimento. Estas aquisições imobiliárias beneficiaram da isenção provisória de IMT prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT (isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito). Após o decurso de cinco anos sem que os imóveis fossem alienados, a referida isenção caducou (por força do artigo 11.º, n.º 6, do Código do IMT). Em 2019, foram emitidas pela AT liquidações de IMT com referência às referidas aquisições imobiliárias, no montante total de € 75.313,11.
  2. Não obstante ter sido o Requerente a solicitar a emissão das liquidações de IMT em causa, as mesmas foram emitidas pela AT com base em manifesto erro na interpretação e aplicação do artigo 270.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), porquanto as aquisições imobiliárias a que referem aquelas liquidações de imposto deveriam ter beneficiado da isenção prevista neste artigo.
  3. Importa salientar que, à data da realização das operações imobiliárias em apreço, a AT defendia, em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina, que a isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação limitado, podendo a mesma ser aplicada única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da universalidade dos bens do insolvente. Este entendimento da AT – hoje definitivamente revogado, porque ilegal – gerou inúmeras correções (ilegais) na esfera dos sujeitos passivos e, de resto, influenciou o enquadramento conferido a inúmeras operações de aquisição de imóveis realizadas – como as operações aqui em análise.
  4. O pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerido contra as liquidações de IMT em causa, peticionando a respetiva anulação, foi indeferido liminarmente pela AT, por intempestivo. Entendeu, erradamente, a AT que não se aplica o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por não ter ocorrido um “erro imputável aos serviços”.
  5. Resulta evidente que as operações de aquisição dos imóveis sub judice são subsumíveis no âmbito do benefício fiscal consagrado no artigo 270.º do CIRE e, como tal, não deveria ter havido lugar aos atos tributários de liquidação de IMT contestados. Considerando que o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE consagra uma isenção de caracter automático, incumbia à AT apurar os seus pressupostos e aplicar o benefício à data da verificação dos mesmos.
  6. Para efeitos do conceito de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, cumpre notar que o PPA reporta-se essencialmente à aferição de uma questão de legalidade de atos de liquidação de IMT, com fundamento na violação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, pelo que, não só estamos perante um ato de liquidação passível de impugnação arbitral, como estamos também perante o facto dessa ilegalidade decorrer da violação de norma relativa a um benefício fiscal que se concretiza numa isenção de reconhecimento automático.
  7. Ambas as isenções de IMT supra referidas têm carácter automático. No caso da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, quando o imóvel tenha sido adquirido no âmbito de um plano de insolvência ou no âmbito da liquidação da massa insolvente, estando em causa um benefício que emerge automaticamente da lei, cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não pode deixar de apreciar a subsistência da isenção prevista no CIRE previamente à emissão da liquidação oficiosa que haja novamente de efetuar após a caducidade da isenção inicialmente aplicada no âmbito do Código do IMT.
  8. A reposição do regime regra de tributação de IMT fica dependente não apenas da extinção do benefício fiscal condicionado pela alienação do imóvel, mas também pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a AT verifique em momento prévio à liquidação do imposto que seja de efetuar. A AT dispunha dos elementos necessários para concluir pela aplicação da isenção prevista no CIRE.
  9. No caso concreto, torna-se inequívoco concluir que o erro que inquina as liquidações contestadas de ilegalidade é imputável à AT, porquanto praticou os actos de liquidação sem ter tido em consideração que o Requerente estava em condições de beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE. Tendo ocorrido um “erro imputável aos serviços”, conclui-se que o pedido de revisão oficiosa foi tempestivamente apresentado pelo Requerente (ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT).
  10. A não aplicação da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE in casu resulta numa injustiça grave e notória para efeitos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, porquanto os pressupostos para aplicação das isenções aqui em causa são semelhantes, diferindo apenas quanto à qualidade do sujeito passivo adquirente. Assim, se porventura se vier a concluir pela inexistência de “erro imputável aos serviços” in casu, sempre será de se admitir a revisão dos atos tributários sindicados, dada a manifesta situação de injustiça grave ou notória.
  11. A existir uma “cumulação aparente” por parte do Requerente dos benefícios fiscais em análise, tal não se afigura vedado legalmente. E, pelo facto de concorrerem dois benefícios fiscais relativamente à mesma situação de facto, a opção por uma das isenções não resulta na renúncia ou preclusão do direito de beneficiar da outra. Considerando que estão reunidos os pressupostos de aplicação da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, as liquidações de IMT em apreço são ilegais, por violação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, devendo ser anuladas.
  12. Para além do reembolso do imposto indevidamente liquidado (€ 75.313,11), são devidos ao Requerente juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento efetuado, até à sua integral devolução, nos termos do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

II.2.   Requerida

  1. Da jurisprudência arbitral retira-se que, sendo as liquidações de IMT emitidas na sequência e com base em elementos declarados – e também não declarados - pelo sujeito passivo à AT, não ocorre erro dos serviços para efeitos da aplicação do artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Com efeito, a AT encontra-se sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente, pelo que os respetivos serviços se encontram estritamente obrigados a proceder à liquidação de acordo com a situação de facto comunicada pelo sujeito passivo na Declaração Modelo 1 do IMT, não sendo exigível à AT outro comportamento – nomeadamente investigatório.
  2. Retira-se também da jurisprudência arbitral que as liquidações de IMT emitidas pela AT, na sequência da caducidade da isenção do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, e sem consideração da isenção contida no artigo 270.º do CIRE, não constituem liquidações oficiosas, ou liquidações adicionais, de impulso e responsabilidade da AT, pelo que as vicissitudes e erros de que eventualmente padeçam não são da responsabilidade dos serviços, mas sim dos contribuintes em nome dos quais foram preenchidas e submetidas as declarações que lhes deram origem.
  3. O pedido de revisão oficiosa em análise foi formulado pelo Requerente em 12-09-2022, para além do prazo previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (120 dias), sendo como tal intempestivo. Afigura-se que o PPA é, também, intempestivo, uma vez que a tempestividade deste depende da tempestividade do pedido de revisão oficiosa. Verificando-se a caducidade do direito de ação, que constitui uma exceção perentória de conhecimento oficioso, deve a AT ser absolvida do pedido (Cf. artigos 576.º, n.ºs 1 e 3, e 579.º, ambos do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).
  4. A obrigação tributária em sede de IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão. A usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção. No caso em análise, verificando-se que o contribuinte optou, no ato translativo de prédio, por invocar outra isenção de IMT, para impedir a tributação, deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, cuja aplicação ficou, subsequentemente, prejudicada. Admitir-se uma atuação diferente ao quadro legal, configurar-se-ia o que se considera uma atuação por parte da AT em violação do princípio da legalidade, ao qual está subordinada, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP.
  5. A isenção de que o Requerente beneficiou, na relação jurídico-tributária em sede de IMT originada pela transmissão dos imóveis identificados, foi efetuada de forma livre, informada e da total responsabilidade do sujeito passivo que entregou as Declarações Modelo 1 do IMT. A troca de isenções com efeitos retroativos, ou a sua aplicação sucessiva, para além de carecer de fundamento legal, atenta contra o princípio da certeza e segurança jurídicas, pois a AT confiou na veracidade e na boa-fé do conteúdo dessa declaração (Cf. artigo 75.º, n.º 1, da LGT), e na estabilidade e previsibilidade da relação jurídico-tributária assim constituída.
  6. Acresce que duas das vendas em apreço tiveram por objeto imóveis propriedade de pessoas singulares que se encontravam em situação de insolvência, as quais não se enquadram assim no conceito de ativo de “empresa”. Note-se que o artigo 270.º do CIRE só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa, e não a bens imóveis de pessoas singulares. Ora, o Requerente não alegou nem provou que estes dois casos consubstanciam a venda de bem imóvel integrado no ativo de uma “empresa”, nem que tenham estado destinados ao exercício de uma “atividade económica”.
  7. Relativamente ao prédio adquirido através de dação em cumprimento, também esta aquisição nunca poderia beneficiar da isenção do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, visto que o prédio foi adquirido através de dação em cumprimento a sociedade não insolvente à data.
  8. Assim sendo, a alegada ilegalidade das liquidações de IMT sindicadas apenas se pode colocar relativamente às liquidações referentes ao prédio inscrito na matriz com o artigo U-... da freguesia de ..., e que ascendem a um total de € 35.165,01.
  9. Dado que não houve “erro imputável aos serviços” e que as liquidações contestadas não são ilegais, não são devidos juros indemnizatórios ao Requerente. Caso se entenda em sentido diverso, sempre os juros indemnizatórios serão devidos ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

 

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades. A Requerida invocou, como exceção perentória, a caducidade do direito de ação (impugnação arbitral), por intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as Liquidações Contestadas, exceção esta que será conhecida após a fixação da matéria de facto, com precedência sobre o mérito do pedido.

 

  1. Matéria de facto

IV.1. Factos Provados

  1. O Requerente é uma sociedade com sede em território nacional cujo objeto social consiste no exercício da atividade bancária (atividade própria das instituições de crédito) – facto não controvertido, ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa junto ao PPA como Documento 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  2. Em 2014, o Requerente adquiriu imóveis no âmbito de processos de insolvência e por dação em cumprimento, conforme indicado na tabela infra:

Artigo matricial

Data da aquisição

Entidade alienante

Modo de aquisição

U-..., freguesia de ..., concelho de Santa Maria da Feira

16-06-2014

B...

Adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...TBVFR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.

U-...-AB, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

30-10-2014

C...– Investimentos Imobiliários, S.A.

Adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...TYVNG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

U-...-BN, freguesia de ...(...), concelho de Sesimbra

30-10-2014

C...– Investimentos Imobiliários, S.A.

Adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...TYVNG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

U-...-BQ, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

30-10-2014

C...– Investimentos Imobiliários, S.A.

Adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...TYVNG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

U-...-BR, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

30-10-2014

C...– Investimentos Imobiliários, S.A.

Adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...TYVNG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

U-...-BS, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

30-10-2014

C...– Investimentos Imobiliários, S.A.

Adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../11...TYVNG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

R-...-J, freguesia e concelho de...

30-04-2014

D...

Adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBFZZ, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.

U-..., União de Freguesias..., ... e ..., concelho de Montemor-o-Novo

06-10-2014

E..., S.A.

Adquirido através de dação em cumprimento

– facto não controvertido, ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa junto ao PPA como Documento 1, liquidações de IMT juntas como Documento 3, e títulos de transmissão juntos como Documento 5, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

  1. O prédio urbano com o artigo matricial U-..., adquirido pelo Requerente a B... em 16-06-2014, no âmbito de processo de insolvência, encontrava-se afeto a habitação – facto não controvertido, respetiva liquidação de IMT junta como Documento 3, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  2. O prédio urbano com o artigo matricial U-..., sito na zona industrial da ..., foi adquirido pelo Requerente à sociedade E..., S.A. em 06-10-2014, por dação em cumprimento, fora do âmbito de um plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação – escritura de dação em cumprimento junta como Documento 5, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  3. Com referência à aquisição destes imóveis, foram apresentadas as Declarações Modelo 1 do IMT identificadas na tabela infra, nas quais o Requerente invocou a isenção de IMT prevista no artigo 8.º do Código do IMT (isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito):

Artigo matricial

Declarações Modelo 1 do IMT

U-..., freguesia de..., concelho de Santa Maria da Feira

2013/...

U-...-AB, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

2014/...

U-...-BN, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

U-...-BQ, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

U-...-BR, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

U-...-BS, freguesia de ... (...), concelho de Sesimbra

R-...-J, freguesia e concelho de ...

2014/...

U-..., União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho de Montemor-o-Novo

2014/...

– facto não controvertido, conforme referido no artigo 89.º do PPA e no ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa junto ao PPA como Documento 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

  1. A AT emitiu liquidações de IMT a zeros, com base nas Declarações Modelo 1 do IMT apresentadas pelo Requerente, tendo este beneficiado da isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT (isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito) – facto não controvertido, ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa junto ao PPA como Documento 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  2. Decorrido o prazo de 5 anos sem que se tivesse verificado a alienação dos imóveis adquiridos pelo Requerente em 2014 (identificados supra), o Requerente solicitou a liquidação de IMT (em virtude da caducidade da isenção operada por força do disposto no artigo 11.º, n.º 6, do Código do IMT) – facto não controvertido, conforme referido nos artigos 11.º a 14.º da Resposta apresentada pela AT, e não contestado pelo Requerente.
  3. Entre 15-05-2019 e 17-10-2019, a AT emitiu as seguintes liquidações:

 

– facto não controvertido, liquidações de IMT juntas ao PPA como Documento 3, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

  1. Estas liquidações de IMT foram pagas pelo Requerente – facto não controvertido, conforme referido nos artigos 11.º a 14.º da Resposta apresentada pela AT, e não contestado pelo Requerente.
  2. Em 12-09-2022, o Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., um pedido de revisão oficiosa (autuado com o n.º ...2022...), alegando que as operações de aquisição dos imóveis em apreço se encontravam abrangidas pela isenção prevista no artigo 270.º do CIRE e que, por conseguinte, as Liquidações Contestadas são ilegais (vício de violação de lei), devendo ser anuladas – facto não controvertido, ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa junto ao PPA como Documento 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  3. Por despacho datado de 03-10-2022, a AT determinou a rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa autuado com o n.º ...2022..., por intempestividade, conforme se pode ler no mesmo:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

– ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa junto ao PPA como Documento 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

  1. Após a notificação deste despacho, o Requerente apresentou pedido de esclarecimentos (autuado como procedimento autónomo com o n.º ...-PA/DJT/2022), quanto ao motivo pelo qual a AT considerou não existir “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT – requerimento junto ao PPA como Documento 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  2. Por despacho proferido no procedimento autónomo com o n.º ...-PA/DJT/2022, datado de 24-11-2022, a AT confirmou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pelo Requerente nos seguintes termos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

– despacho junto ao PPA como Documento 1, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

  1. Em 16-01-2022, o Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral.

IV.2. Factos Não Provados

Com relevância para a decisão da causa, não ficaram provados os seguintes factos:

  1. A informação prestada e os elementos oferecidos pelo Requerente à AT em 2019, aquando da caducidade da isenção fiscal prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, foram determinantes / essenciais para a emissão das Liquidações Contestadas.
  2. Em 2014, no momento em que os prédios com os artigos matriciais U-... e R-...-J foram adquiridos pelo Requerente a pessoas singulares no âmbito de processos de insolvência (em 16-06-2014 e 30-04-2014, respetivamente), os mesmos prédios integravam o “património empresarial” de pessoas singulares que atuavam na qualidade de comerciantes, ou eram utilizadas para a atividade de comerciante em nome individual.
  3. O prédio urbano com o artigo matricial U-..., sito na zona industrial da ..., foi adquirido pelo Requerente em 06-10-2014, através de dação em cumprimento, no âmbito de um plano de insolvência, de pagamentos, ou de recuperação.

IV.3. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (Cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

No caso sub judice, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo os constantes no processo administrativo, bem como o acordo das Partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados.

Relativamente ao facto dado como não provado elencado com a letra A, cumpre notar que, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, cabia à Requerida alegar e provar que (i) a ilegalidade das Liquidações Contestadas (por violação do artigo 270.º do CIRE) teve origem na informação prestada ou nos elementos oferecidos pelo Requerente (aquando da caducidade da isenção fiscal prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT), e que (ii) tal informação / elementos foram determinantes / essenciais para a emissão das Liquidações Contestadas sem consideração da isenção fiscal constante do artigo 270.º do CIRE. Como melhor explicitado infra, ambos estes factos são necessários para atribuir / imputar ao Requerente o erro nos pressupostos de direito de que padecem as Liquidações Contestadas.

Os factos dados como não provados com as letras B e C dizem respeito aos pressupostos de aplicação do benefício fiscal do artigo 270.º do CIRE. O ónus da prova quanto aos pressupostos de benefícios fiscais recai sobre o sujeito passivo beneficiário, nos termos do artigo 14.º, n.º 2, do EBF (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-05-2023, processo n.º 01071/20.9BELRA). Ora, o Requerente não alegou nem provou, como lhe competia, que, à data das respetivas aquisições, os prédios com os artigos matriciais U-... e R-...-J integravam um “património empresarial” de pessoas singulares que atuavam na qualidade de comerciantes, ou que os mesmos prédios eram utilizados para a atividade de comerciante em nome individual (para efeitos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE), nem que o prédio com o artigo matricial U-... foi adquirido no âmbito de um plano de insolvência, de pagamentos, ou de recuperação (para efeitos do artigo 270.º, n.º 1, alínea c), do CIRE).

No PPA, depois de analisar jurisprudência relativa à interpretação do artigo 270.º do CIRE, o Requerente limitou-se a concluir que “resulta evidente que as operações de aquisição dos imóveis sub judice são subsumíveis no âmbito do benefício fiscal em IMT consagrado no artigo 270.º do CIRE”. A Requerida contestou esta conclusão. Temos que, neste ponto, assiste razão à Requerida, e que o Requerente não cumpriu o ónus que lhe competia relativamente aos pressupostos de aplicação da isenção constante do artigo 270.º do CIRE com referência aos prédios com os artigos matriciais U-..., R-...-J e U-... (que, em conjunto, deram origem ao pagamento de IMT no montante de € 40.148,10).

 

  1. Matéria de Direito     

V.1. Legislação relevante

Isenção de IMT pela aquisição de imóveis por instituições de crédito efetuadas em processo de falência ou insolvência – artigo 8.º do Código do IMT

No artigo 8.º do Código do IMT, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (em vigor no ano de 2014), pode ler-se:

Artigo 8.º

Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito

1 - São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

2 - A isenção prevista no número anterior é ainda aplicável às aquisições de imóveis por entidades nele referidas, desde que a entrega dos imóveis se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas, nos termos seguintes:

a) Nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas destes exclusivamente destinados a habitação, que derivem de actos de dação em cumprimento;

b) Nas aquisições de prédios ou de fracções autónomas destes não abrangidos no número anterior, que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento e não existam relações especiais entre credor e devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC.

3 - No caso de serem adquirentes sociedades directa ou indirectamente dominadas pelas instituições de crédito, só há lugar à isenção quando as aquisições resultem da cessão do crédito ou da fiança efectuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais e desde que estas sociedades sejam qualificadas como instituições de crédito ou como sociedades financeiras.

A isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT tem carácter provisório, por força do artigo 11.º, n.º 6, do Código do IMT: “Deixarão de beneficiar de isenção as aquisições a que se refere o artigo 8.º, se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição.”

Isenção de IMT pela transmissão de imóveis integradas em plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação - artigo 270.º do CIRE

No artigo 270.º do CIRE, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (em vigor no ano de 2014), pode ler-se o seguinte:

Artigo 270.º

Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis

1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Estas isenções têm também carácter automático, não dependendo de qualquer ato administrativo de reconhecimento da AT, ou de qualquer outra entidade pública (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-03-2018, processo n.º 01044/17; Decisão Arbitral de 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T). O objetivo do legislador com a concessão destas isenções foi “fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-10-2018, processo n.º 0210/17).

Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

O artigo 5.º do EBF prevê que:

Artigo 5.º

Benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento

1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.

2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

Mais resulta do artigo 12.º do EBF:

Artigo 12.º

Constituição do direito aos benefícios fiscais

O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.

 

 

Reconhecimento de isenções de IMT – artigo 10.º do Código do IMT

No artigo 10.º do Código do IMT (na redação em vigor em 2014), com relevo para os autos, pode ler-se:

Artigo 10.º

Reconhecimento das isenções

1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.

2 - O pedido a que se refere o n.º 1 deve, quando for caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção (...).

(...)

6 - São de reconhecimento prévio, por despacho do Ministro das Finanças sobre informação e parecer da Direcção-Geral dos Impostos, as seguintes isenções:

(...)

b) As previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º desde que o valor que serviria de base a liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, exceda o montante referido no artigo 9.º, bem como as previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 8.º;

c) As estabelecidas em legislação extravagante ao presente código, cuja competência, nos termos dos respectivos diplomas, seja expressamente atribuída ao Ministro das Finanças.

(...)

8 - São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções:

a) As previstas nas alíneas a) e c) do artigo 6.º, no artigo 7.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º, desde que o valor que serviria de base à liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, não exceda o montante referido no artigo 9.º;

(...)

d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.

10 - Não obstante o disposto na alínea b) do n.º 6, para as situações aí previstas, o requerente pode obter a suspensão do pagamento do imposto nos casos em que a dação em cumprimento tenha sido efectuada por devedor pessoa singular, desde que entregue o requerimento a solicitar a respectiva isenção devidamente instruído conjuntamente com a declaração referida no n.º 1 do artigo 19.º.

11 - A emissão da declaração de isenção a que se refere o número anterior compete ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração referida no n.º 1 do artigo 19.º.

12 - Se a isenção a que se refere o n.º 10 não vier a ser objecto de reconhecimento, ao imposto devido são acrescidos juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária, pelo prazo máximo de 180 dias.

A isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT tem carácter automático, não dependendo de qualquer ato administrativo de reconhecimento da AT (Cf. Decisão Arbitral de 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T).

Pedido de revisão oficiosa – artigo 78.º da LGT

Dispõe o artigo 78.º da LGT o seguinte:

Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

V.2. Das questões decidendas

O Requerente peticiona, nos presentes autos, (1) a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de rejeição liminar e indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferidos no procedimento n.º ...2022..., de 03-10-2022, e no procedimento autónomo n.º...-PA/DJT/2022, de 24-11-2023 (objeto imediato do PPA), (2) a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IMT subjacentes a tais atos, as Liquidações Contestadas, com o montante total de € 75.313,11 (objeto mediato do PPA), e (3) a restituição do valor do IMT indevidamente pago pelo Requerente (€ 75.313,11), acrescido de juros indemnizatórios.

Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori” (cfr. Acórdão de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).

O princípio da proibição da fundamentação a posteriori havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente, nos Acórdãos de 22-03-2018, processo n.º 0208/17; 06-07-2016, processo n.º 01436/15; 15-05-2013, processo n.º 01429/12; entre outros. O mesmo princípio encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 02-02-2015, processo n.º 628/2014-T; 11-01-2021, processo n.º 411/2020-T; 21-01-2021, processo n.º 865/2019-T; 25-01-2021, processo n.º 851/2019-T; 07-09-2021, processo n.º 646/2020-T; 21-02-2022, processo n.º 440/2021-T; 26-07-2022, processo n.º 587/2021-T; 09-02-2023, processo n.º 610/2022-T; 29-05-2023, processo n.º 762/2022-T.

In casu, o princípio da proibição da fundamentação a posteriori impede o Tribunal Arbitral de apreciar a legalidade dos atos de rejeição liminar e indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferidos no procedimento n.º ...2022..., de 03-10-2022, e no procedimento autónomo n.º ...-PA/DJT/2022, de 24-11-2023, com referência à fundamentação que consta da Resposta da AT ao PPA apresentado pela Requerente, que não conste também dos referidos atos de rejeição liminar e indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Face à posição assumida pelas Partes, vertida nas respetivas peças processuais, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre as seguintes questões:

  • Da exceção de caducidade do direito de ação (impugnação arbitral), por intempestividade do pedido de revisão oficiosa;
  • Da ilegalidade das Liquidações Contestadas, por violação do artigo 270.º do CIRE;
  • Do reembolso do valor de IMT pago com referência às Liquidações Contestadas, acrescido de juros indemnizatórios.

V.3. Da exceção de caducidade do direito de ação (impugnação arbitral), por intempestividade do pedido de revisão oficiosa

Na Resposta da AT ao PPA apresentado pelo Requerente contra as Liquidações Contestadas, a AT invoca a caducidade do direito de ação (exceção perentória), por intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente em 12-09-2022.

Posição da AT no ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa

No caso sub judice, não ocorreu um “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Em primeiro lugar, o “erro imputável aos serviços” tem de estar diretamente relacionado com a atividade operacional da AT (o erro de facto, operacional ou material), encontrando-se excluído o erro de direito: o procedimento de revisão oficiosa não engloba juízos de legalidade relativamente a liquidações de imposto. No caso sub judice, o pedido de revisão oficiosa refere-se a uma questão de direito, que não cabe no conceito de “erro imputável aos serviços”.

Em segundo lugar, o Requerente não invocou expressamente a aplicação da isenção constante do artigo 270.º do CIRE, e o legislador não pretendeu incumbir a AT com a tarefa de proceder à verificação de todos os vícios dos atos de liquidação a pedido do contribuinte, se na origem dos vícios haja um manifesto contributo do contribuinte para a promoção dos atos de liquidação a rever. In casu, as Liquidações Contestadas tiveram por base declarações do contribuinte, e o alegado erro de que padecem (i.e., a alegada violação do artigo 270.º do CIRE) resulta da informação prestada pelo contribuinte.

Não tendo ocorrido “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, o pedido de revisão oficiosa contra as Liquidações Contestadas deveria ter sido apresentado no prazo aplicável à reclamação graciosa, ou seja, 120 dias (ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 4, e 102.º, n.º 1, alínea f), do CPPT). Não tendo o Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa neste prazo de 120 dias, o mesmo é intempestivo.

Posição do Requerente

Aquando da caducidade da isenção de IMT prevista no artigo 8.º do Código do IMT, a AT dispunha dos elementos necessários para concluir pela aplicação da isenção do artigo 270.º do CIRE. Aliás, os pressupostos de aplicação de ambas as isenções são semelhantes, diferindo apenas quanto à qualidade do sujeito passivo adquirente. Acresce que, no momento em que a isenção de IMT prevista no artigo 8.º do Código do IMT caducou, a AT não podia deixar de apurar se os pressupostos de aplicação do artigo 270.º do CIRE se encontravam verificados, e de concluir pela aplicação da isenção nele contida às aquisições imobiliárias em apreço.

Apreciação do Tribunal Arbitral

Estabelece o n.º 1 do artigo 78.º da LGT que: “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

É jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que aos contribuintes assiste a faculdade de pedir a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação dentro do prazo em que a AT a poderia efetuar (i.e., quatro anos após a liquidação), ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, desde que com fundamento em “erro imputável aos serviços” (Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11-05-2005, processo n.º 319/05; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 08-09-2021, processo n.º 0870/15.8BEBRG; de 07-04-2022, processo n.º 02031/16.0BEBRG; de 08-06-2022, processo n.º 0174/19.7BEPDL).

Observou o Douto Tribunal que, face aos princípios da justiça, igualdade, imparcialidade e boa-fé (expressamente estatuídos no artigo 266.º, n.º 2, da CRP), “não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do acto quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-03-2002, processo n.º 26.580), e que “impende sobre a Administração Tributária o dever de concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação de erro na liquidação que tenha conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-04-2022, processo n.º 02031/16.0BEBRG).

Não havendo dúvida de que a ocorrência de um “erro imputável aos serviços” é condição essencial da aplicação do prazo de quatro anos referido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT (Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 07-04-2022, processo n.º 02031/16.0BEBRG; de 08-06-2022, processo n.º 0174/19.7BEPDL), interessa atentar à interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” para efeitos do preceito em causa.

A este propósito, cumpre notar, em primeiro lugar, que não é controvertido que este conceito abrange não só o simples lapso, erro material ou de facto, mas também o erro de direito atribuível aos serviços (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2011, processo n.º 1009/10). Neste contexto, interessa relembrar os conceitos de “erro sobre os pressupostos de facto” e de “erro sobre os pressupostos de direito”:

(i) “ocorre o vício de erro sobre os pressupostos de facto quando houver uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto para a prática do ato, como acontece, por exemplo, quando está erradamente quantificada a matéria tributável ou se dá como existente um facto tributário que não existiu”;

(ii) “ocorrerá erro sobre os pressupostos de direito sempre que na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva, as que fixam taxas ou as que conferem isenções ou outros benefícios fiscais ou as que determinam a matéria tributável” (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª Edição 2011, Áreas Editora, anotação ao artigo 99º, págs. 115-116).

Em segundo lugar, sublinhe-se que não é controvertido o entendimento segundo a qual, independentemente da prova da culpa de qualquer colaborador da AT, qualquer ilegalidade que afete uma liquidação emitida pela AT que não resulte de uma atuação do sujeito passivo é imputável / atribuível à AT (Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; 14-03-2012, processo n.º 01007/11; 19-11-2014, processo n.º 0886/14; 07-04-2022, processo n.º 02031/16.0BEBRG; 08-06-2022, processo n.º 0174/19.7BEPDL). Para efeitos de determinar se uma liquidação emitida pela AT é ilegal em virtude da atuação do sujeito passivo, o Douto Supremo Tribunal Administrativo releva o facto de a liquidação emitida pela AT ter tido por base uma informação, declaração ou intervenção do sujeito passivo (Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19-11-2014, processo n.º 0886/14; 20-05-2020, processo n.º 0244/18.9BALSB; 08-06-2022, processo n.º 0174/19.7BEPDL). No Acórdão do de 19-11-2014, processo n.º 0886/14, pode ler-se o seguinte:

“existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração”. (sublinhado nosso)

Cabe distinguir, em terceiro lugar, os casos em que (1) a liquidação ilegal é emitida com base numa declaração do sujeito passivo (a ilegalidade da liquidação não é automaticamente imputável ao sujeito passivo), dos casos em que (2) a ilegalidade que afeta a liquidação decorre da atuação do sujeito passivo, ou seja, de (i) informação prestada pelo sujeito passivo, (ii) declaração submetida pelo sujeito passivo, ou (iii) outra intervenção do sujeito passivo (a ilegalidade da liquidação é efetivamente imputável ao sujeito passivo).

Por outras palavras: para se concluir que uma liquidação emitida pela AT é ilegal em virtude da atuação do sujeito passivo, é necessário que a ilegalidade da liquidação (erro nos pressupostos de facto e/ou erro de direito) tenha na origem numa informação, declaração ou intervenção do sujeito passivo, não bastando que a liquidação seja emitida pela AT com base numa declaração de imposto submetida pelo sujeito passivo. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-04-2022, processo n.º 02031/16.0BEBRG, o seguinte:

“não pode bastar para atribuir o erro à atuação do sujeito passivo, entre o mais, a existência de uma declaração apresentada ou a prestação de uma informação, por este, aos serviços da AT, porquanto se tratam de comportamentos a que está, legalmente, vinculado, sendo imprescindível avaliar, ainda, o grau de determinabilidade e/ou essencialidade do conteúdo de tal conduta/elementos, no sentido da posição final, errónea, traduzida no ato tributário praticado (e a rever).(sublinhado nosso)

O mesmo entendimento foi adotado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 21-04-2022, no Acórdão lavrado no processo n.º 02030/16.1BEBRG. Retira-se desta jurisprudência que, para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, não tendo o erro nos pressupostos de facto e/ou de direito que afeta uma liquidação origem na atuação do sujeito passivo, ou dos elementos ou informação por ele prestados, tal erro não poderá ser imputável ao sujeito passivo (ainda que a liquidação tenha sido emitida na sequência de uma declaração de imposto submetida pelo sujeito passivo), sendo, ao invés, imputável à AT.

Em quarto e último lugar, é importante salientar que, relativamente à interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” (para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT) com referência a liquidações de IMT emitidas na sequência de declarações de imposto submetidas pelos sujeitos passivos, a jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Arbitrais diverge quanto está em causa (1) um benefício fiscal dependente de reconhecimento, ou seja, um benefício condicionado à iniciativa dos interessados mediante requerimento (e à prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei) (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-06-2022, processo n.º 0174/19.7BEPDL), ou (2) um benefício fiscal automático, que resulta direta e imediatamente da lei, relativamente ao qual não pode a AT deixar de apreciar a respetiva subsistência previamente à liquidação oficiosa que cumpra efetuar (Cf. Decisões Arbitrais de 16-07-2018, processo n.º 20/2018-T; 25-10-2021, processo n.º 363/2021-T; 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T; 15-03-2023, processo n.º 586/2022). Tal como referido no Decisão Arbitral proferida no processo n.º 71/2022-T, de 19-10-2022, uma isenção automática de IMT deve ser considerada e aplicada pela AT, mesmo quando o sujeito passivo não a requereu expressamente, desde que os respetivos requisitos se encontrem verificados.

Ainda a propósito da relevância da distinção entre benefícios fiscais automáticos e benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, o Tribunal Arbitral constituído no processo n.º 20/2018-T entendeu o seguinte:

“Estando em causa um benefício que emerge automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a administração não poderá deixar de apreciar a subsistência dessa isenção previamente à liquidação oficiosa que haja novamente de efetuar, porquanto a sua verificação positiva impede que o facto tributário readquira a sua força obrigatória, razão pela qual a reposição do regime regra de tributação fica dependente não apenas da extinção do benefício fiscal condicionado pela revenda do imóvel, mas também pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração verifique e declare em momento prévio à liquidação do imposto que seja de efetuar.” (Cf. Decisão Arbitral de 16-07-2018).

Este entendimento coaduna-se com o disposto no artigo 10.º, n.º 8, do Código do IMT com referência a benefícios fiscais de reconhecimento automático, cuja verificação compete à AT.

Especificamente quanto à aplicação do artigo 270.º do CIRE após a caducidade da isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT, pode ler-se na Decisão Arbitral de 25-10-2021, processo n.º 363/2021-T:

estando em causa um benefício (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE) que resulta direta e automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a AT não poderá deixar de, previamente à liquidação, apurar se ocorrem os requisitos da isenção, pois, em caso afirmativo, o facto tributário não readquire força obrigatória. A reposição do regime regra fica condicionada pela ausência de revenda dos imóveis, como também, pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração perscrute em momento anterior à liquidação que pretende praticar.”

O mesmo entendimento consta da Decisão Arbitral de 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T. Na Decisão Arbitral de 15-03-2023, processo n.º 586/2022, o Tribunal Arbitral concluiu que a AT “deveria ter verificado a existência de isenção antes da liquidação de IMT, porquanto a AT ao efetuar a liquidação de IMT, ignorando a existência da isenção, comete um erro subsumível a erro imputável aos serviços nos termos do n.º 1 do artigo 78 da LGT, aplicando-se assim o prazo de 4 anos.”

Revertendo para o caso sub judice: em 2019, aquando da caducidade da isenção do artigo 8.º do Código do IMT, e após comunicação do Requerente para o efeito, a AT emitiu liquidações de IMT relativamente a vários imóveis adquiridos pelo Requerente em 2014 no âmbito de processos de insolvência e por dação em cumprimento, ignorando a isenção do artigo 270.º do CIRE (as Liquidações Contestadas).

Da jurisprudência analisada supra retira-se que, estando em causa o benefício fiscal (automático) constante do artigo 270.º do CIRE, a AT não podia ter deixado de verificar a ocorrência dos pressupostos de aplicação deste benefício (à data das aquisições imobiliárias) antes de emitir as Liquidações Contestadas. Até porque, tal como referido pelo Requerente, os pressupostos da isenção do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT são em tudo semelhantes aos da isenção do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE: ambas as isenções aplicam-se a aquisições de bem imóveis no âmbito de processos de insolvência. Acresce que não podia a AT ignorar – após a caducidade da isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT – que (1) o Requerente adquiriu vários imóveis no âmbito de processos de insolvência, ou através de dação em cumprimento, e que (2) o artigo 270.º do CIRE concedia um benefício fiscal a aquisições de imóveis no âmbito de processos de insolvência, ou através de dação em cumprimento. Na verdade, se a AT entendesse não ter em sua posse toda informação necessária para aplicar a isenção do artigo 270.º do CIRE, poderia sempre solicitar a colaboração do Requerente para prestar esclarecimentos adicionais ou elementos de prova considerados necessários pela AT. Não o fez.

Da jurisprudência supra também se retira que é de rejeitar o argumento da AT segundo o qual as Liquidações Contestadas não sofrem de “erro imputável aos serviços” porquanto foram emitidas com base em declarações do contribuinte. Na verdade, se o erro de direito que alegadamente afeta as Liquidações Contestadas (violação do artigo 270.º do CIRE) não decorrer de informação, declaração ou outra atuação do Requerente, tal erro é subsumível a “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Ora, tal como referido supra, a AT não logrou demonstrar (1) que a informação prestada e os elementos oferecidos pelo Requerente em 2019, aquando da caducidade da isenção fiscal prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, foram determinantes / essenciais para a emissão das Liquidações Contestadas, ou (2) em que medida as declarações submetidas pelo Requerente contrariaram a informação já na posse da AT, i.e., de que as aquisições mobiliárias em causa foram efetuadas no âmbito de processos de insolvência, ou por dação em cumprimento.

Nestes termos, se se concluir que os pressupostos da isenção do artigo 270.º do CIRE se encontravam efetivamente reunidos à data das aquisições imobiliárias relevantes, conclui-se que (1) as Liquidações Contestadas são ilegais, por violação do artigo 270.º do CIRE (erro nos pressupostos de direito); (2) tal ilegalidade deriva de um erro subsumível a “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT; (3) o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente em 12-09-2022 é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de quatro anos estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT (as Liquidações Contestadas foram emitidas entre 15-05-2019 e 17-10-2019); (4) os atos de rejeição liminar e indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferidos no procedimento n.º ...2022..., de 03-10-2022, e no procedimento autónomo n.º ...-PA/DJT/2022, de 24-11-2023, são ilegais; e (5) improcede a exceção de caducidade do direito à ação (impugnação arbitral).

Como se verá infra, apenas parte das Liquidações Contestadas são ilegais.

V.4.   Da ilegalidade das Liquidações Contestadas, por violação do artigo 270.º do CIRE

O Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e anulação das Liquidações Contestadas, no montante de € 75.313,11, por as aquisições imobiliárias a que as mesmas dizem respeito se encontrarem isentas de imposto ao abrigo do artigo 270.º do CIRE.

 

 

Posição do Requerente

A opção do Requerente pela isenção do artigo 8.º do Código do IMT aquando da aquisição dos imóveis em causa (em 2014), não resulta na renúncia ou preclusão do direito a beneficiar da isenção contida no artigo 270.º do CIRE. Não havendo dúvida de que os pressupostos desta isenção se encontravam verificados aquando das referidas aquisições imobiliárias, não há dúvida de que as Liquidações Contestadas são ilegais, por violação do artigo 270.º do CIRE.

Posição da Requerida

O Requerente não comunicou a aplicação do artigo 270.º do CIRE por ocasião dos atos translativos referentes aos imóveis em apreço, não se tendo constituído o direito à isenção prevista neste artigo, ou tendo o Requerente renunciado à mesma. Acresce que a lei não permite a aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais, ou a “convolação” de benefícios fiscais (i.e., substituição no procedimento de liquidação de um benefício fiscal por outro), pelo que o usufruto de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção posteriormente.

Apreciação do Tribunal Arbitral

Não existe princípio ou disposição legal que impeça a cumulação de isenções fiscais, ou a produção de efeitos de isenções fiscais em momentos sucessivos da vida de um imposto, ou a “convolação” de isenções fiscais (i.e., a substituição no procedimento de liquidação de uma isenção por outra) (Cf. Decisões Arbitrais de 25-10-2021, processo n.º 363/2021-T; 18-02-2022, processo n.º 181/2021-T; 25-01-2023, processo n.º 318/2022-T; 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T; 15-03-2023, processo n.º 586/2022).

A caducidade da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT não extingue nem preclude a produção de efeitos da isenção constante do artigo 270.º do CIRE, desde que os pressupostos de aplicação desta última isenção se encontrem verificados no momento da aquisição imobiliária (Cf. Decisões Arbitrais de 25-01-2023, processo n.º 318/2022-T; 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T; 15-03-2023, processo n.º 586/2022).

Assim sendo, encontrando-se verificados, à data de aquisição dos imóveis aqui elencados, os pressupostos previstos para a isenção constante do artigo 270.º do CIRE, pode o Requerente beneficiar desta isenção, não obstante ter já usufruído da isenção constante do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT.

Tal como referido supra, cabia à AT verificar se os pressupostos do artigo 270.º do CIRE se encontravam verificados (em 2014) antes de emitir as Liquidações Contestadas (em 2019).

Relativamente à questão de saber se os pressupostos de aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE se encontravam reunidos relativamente aos prédios com os artigos matriciais U-... e R-...-J (adquiridos pelo Requerente a pessoas singulares no âmbito de processos de insolvência em 16-06-2014 e 30-04-2014, respetivamente), cumpre referir o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Arbitrais:

(1) A isenção contida no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE apenas se aplica a bens imóveis que integram um património empresarial (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-07-2013, processo n.º 0765/13; Decisão Arbitral de 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T);

(2) A isenção contida no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE aplica-se a pessoas singulares que exercem uma atividade comercial/empresarial e que se encontram enquadrados para efeitos fiscais no grupo dos rendimentos empresariais (categoria B do IRS), desde que (a) as dívidas que deram origem à insolvência tenham origem ou relação com aquela atividade, e (b) os bens que constituem a massa insolvente se encontrem afetos e com relação com aquela atividade (património empresarial) e/ou adstritos ao pagamento de tais dívidas empresariais (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-11-2017, processo n.º 0707/17);

(3) A isenção contida no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação pertencente a pessoa singular (Cf. Decisão Arbitral de 09-02-2023, processo n.º 427/2022-T).

In casu, relativamente aos prédios com os artigos matriciais U-... e R-...-J (adquiridos pelo Requerente a pessoas singulares no âmbito de processos de insolvência), o Requerente não alegou nem demonstrou que, à data da respetiva aquisição, os mesmos integravam o “património empresarial” de pessoas singulares que atuavam na qualidade de comerciantes, ou eram utilizadas para a atividade de comerciante em nome individual. Conclui-se, assim, que a aquisição destes prédios não se encontrava isenta de IMT ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, e que as respetivas liquidações emitidas em 2019 não são ilegais, devendo manter-se na ordem jurídica.

À mesma conclusão chega o Tribunal Arbitral relativamente à liquidação de IMT referente ao prédio com o artigo matricial U-..., adquirido pelo Requerente através de dação em cumprimento, visto que o Requerente não alegou nem provou que esta aquisição ocorreu no âmbito de um plano de insolvência, de pagamentos, ou de recuperação, tal como exigido pelo artigo 270.º, n.º 1, alínea c), do CIRE.

Em relação aos restantes imóveis, os mesmos foram adquiridos pelo Requerente a uma empresa no âmbito de um processo de insolvência, não havendo dúvida de que se encontravam preenchidos os pressupostos da isenção constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE em relação aos mesmos. Não há também dúvida de que a AT, ao efetuar a liquidação de IMT relativamente a estes prédios, ignorando a existência da referida isenção, praticou um ato ilegal por violação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

Conclui-se, assim, que (1) as Liquidações Contestadas relativas aos prédios com os artigos matriciais U-..., R-...-J e U-..., no montante total de € 40.148,10, são de manter na ordem jurídica, e (2) as Liquidações Contestadas relativas aos prédios com os artigos matriciais U-...-AB, U-...-BN, U-...-BQ, U-...-BR, e U-...-BS, no montante total de € 35.165,01, são ilegais, por violação do artigo 270.º do CIRE.

Em consequência, o Tribunal Arbitral julga o PPA parcialmente procedente, determinando também que (i) a AT cometeu um erro subsumível a “erro imputável aos serviços” para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, (ii) o Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa tempestivamente, e (iii) improcede a exceção de caducidade do direito à ação (impugnação arbitral) suscitada pela Requerida.

V.V. Do reembolso do valor de IMT pago com referência às Liquidações Contestadas, acrescido de juros indemnizatórios

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial (ou impugnação arbitral), que houve “erro imputável aos serviços” de que resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Seguindo de perto a Decisão de 15-03-2023, processo n.º 586/2022, que versa sobre a ilegalidade de liquidações de IMT por violação do artigo 270.º do CIRE (em circunstâncias e com os fundamentos em tudo semelhantes ao caso sub judice), e considerando que está em causa um erro sobre os pressupostos de direito imputável aos serviços da AT, e que desse erro resultou o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, o Tribunal Arbitral julga procedente não só o pedido de restituição do montante de imposto indevidamente pago (€ 35.165,01), como também o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre este valor, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

Quanto ao momento a partir do qual tais juros indemnizatório começam a contar, cumpre referir o Acórdão de 23-02-2023, proferido no processo n.º 01/22.8BALSB, no qual o Supremo Tribunal Administrativo veio uniformizar a jurisprudência (e reafirmar a orientação jurisprudencial de que é expressão o Acórdão de 11-12-2019, lavrado no processo n.º 51/19.1BALSB) relativamente à questão de saber qual o termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios (quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa):

“(...) pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T., mais não relevando o facto de a A. Fiscal o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano”.

Desta jurisprudência resulta que, estando em causa um pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT, como é o caso dos autos, os juros indemnizatórios começam a contar decorrido um ano após a apresentação do mesmo.

In casu, o Requerente deduziu o pedido de revisão oficiosa em 12-09-2022, pelo que os juros começam a contar em 13-09-2023, terminando na data da emissão da respetiva nota de crédito, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, e n.º 3, alínea c), da LGT, e do artigo 61.º do CPPT.

 

 

  1. Decisão

De harmonia com o supra exposto, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente a exceção perentória arguida pela Requerida;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais e anular as Liquidações Contestadas relativas aos prédios com os artigos matriciais U-...-AB, U-...-BN, U-...-BQ, U-...-BR, e U-...-BS, no montante total de € 35.165,01;
  3. Condenar a AT na restituição ao Requerente do montante de € 35.165,01;
  4. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 35.165,01, desde 13-09-2023, até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 75.313,11, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII.   Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, sendo € 1.304,78 da responsabilidade do Requerente, e € 1.143,22 da responsabilidade da Requerida, em razão do decaimento.

Notifique-se.

Lisboa, 19 de outubro de 2023

Os Árbitros,

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

 

Sérgio Santos Pereira

 

 

 

Adelaide Moura