Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 180/2023-T
Data da decisão: 2023-11-30  IRS  
Valor do pedido: € 778.759,31
Tema: IRS – regime transitório de exclusão de incidência de mais-valias mobiliárias – aumento de capital – pequenas empresas.
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SUMÁRIO:

I. Para efeitos de apuramento de mais-valias em sede de IRS, a data de aquisição das quotas resultantes de aumento de capital por entradas em dinheiro por conta do aumento do valor nominal das quotas pré-existentes é a data de aquisição das quotas originárias.

II. As mais-valias resultantes da alienação de quotas adquiridas antes do início de vigência do Código do IRS estão excluídas do âmbito de incidência deste imposto em virtude da aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de Novembro, ainda que se tenha verificado um aumento do valor nominal daquelas quotas em resultado de um aumento de capital através de novas entradas em dinheiro já na vigência do Código do IRS.

III. Na aplicação do regime de tributação de mais e menos-valias com a alienação de quotas de micro e pequenas empresas previsto no artigo 43.º, n.º 3, do Código do IRS, o limiar máximo do número de trabalhadores é aferido por referência ao ano imediatamente anterior àquele em que ocorrer a alienação.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho e João Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1.  A..., NIF ... (“Requerente marido”), e B..., NIF..., ambos com domicílio em Rua ..., ..., ..., ..., ...-... Albufeira (conjuntamente designados por “Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., referente ao período de tributação de 2020, do qual resultou a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., com um valor a pagar de € 886.408,67.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 17 de Março de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

            3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 12 de Maio de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 30 de Maio de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            5. Em 3 de Julho de 2023, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo, tendo requerido a sua absolvição da instância em resultado da incompetência material do Tribunal Arbitral e, subsidiariamente, a sua absolvição, por improcedência, dos pedidos formulados pelos Requerentes.

 

            6. Em 11 de Julho de 2023, foram os Requerentes notificados para exercer o direito ao contraditório, o que estes fizeram por requerimento apresentado em 13 de Julho de 2023.

 

            7. Por despacho arbitral proferido em 28 de Agosto de 2023, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foram ainda as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações finais, direito que os Requerentes e a Requerida exerceram, respectivamente, em 13 e 15 de Setembro de 2023.

 

II. SANEAMENTO

 

8. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo nos termos do artigo 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

9.  Na reposta a Requerida suscitou a incompetência material do Tribunal Arbitral, em síntese, com base nos seguintes argumentos:

  1. “a Requerente pretende que o tribunal profira decisão onde se reconheça que, a «mais-valia tributável decorrente da aplicação do regime first in, first out, no montante de Euro 768.924,01, ou seja, a parcela adquirida pelo Requerente marido por “mortis causa”, deverá contemplar a taxa com a redução a que alude o artigo 43º do Código do IRS, sendo, assim, tributada à taxa de 14%.»”;
  2. “à luz do artigo 2º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” – cf. n.º 1, alínea a)”;
  3. “O mesmo decorre, igualmente, do confronto entre a lei de autorização legislativa, ao abrigo do qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária – nomeadamente, quando aí se referiu que «O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (cf. nºs 2 e 4, alínea b) do artigo 124º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) – e aquilo que, de facto, veio a ser consagrado no RJAT”;
  4. “Daí resulta, de forma inequívoca, ter o legislador optado por não contemplar (no RJAT) a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária”;
  5. “Nesta medida, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.

 

10. No âmbito do exercício do direito ao contraditório, os Requerentes contrapuseram, em suma, com os seguintes argumentos:

  1. “Os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral requerendo, a final, a anulação parcial do ato de liquidação de IRS e, em consequência, o reembolso no montante de Euro 778.759,31, que resulta do montante pago pelos Requerentes no valor de Euro 886.408,67 e o montante do IRS que os Requerentes assumiram como sendo devido, no valor de Euro 107.649,36”;
  2. “Este valor de Euro 107.649,36 resulta da aplicação da taxa de 14%, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 3 e 4, do Código do IRS, porquanto consideram os Requerentes que a sociedade cujas quotas foram alienadas por si deverá ser considerada uma micro / pequena empresa e, como tal, nessa sequência, deverá ser aplicada a dedução especifica prevista no referido artigo no Código do IRS para este tipo de empresas”;
  3. “não decorre do teor do pedido de pronúncia arbitral deduzido, a formulação de qualquer pedido relativo ao reconhecimento por parte do Tribunal de qualquer benefício fiscal”;
  4. “o que os Requerentes efetivamente pretendem é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do ato de liquidação de IRS referente ao período de tributação de 2020”;
  5. “o pedido formulado pelos Requerentes está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

 

11. Cabendo decidir, desde já se afirma que não assiste razão à AT, uma vez que os Requerentes não formularam qualquer pedido de reconhecimento de direitos em matéria tributária.

 

12. Veja-se para o efeito os seguintes excertos do pedido de constituição de Tribunal Arbitral dos Requerentes, que aqui se citam a título exemplificativo:

 

O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o ato de liquidação de IRS acima identificado emitido na sequência da ação de inspeção de que foram objeto os Requerentes ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., relativa ao período de tributação de 2020.

(…)

De facto, entendem os Requerentes que deve aquele ato de liquidação ser parcialmente anulado no âmbito da presente arbitragem tributária, com as demais consequências legais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

(…)

Nestes termos, não se conformando com a liquidação em apreço nos autos, nem com o indeferimento da reclamação graciosa em causa, em face da sua manifesta ilegalidade, os Requerentes deduzem o presente pedido de pronúncia ao Tribunal Arbitral, pugnando, a final, pela anulação parcial da liquidação identificada acima e reconstituição da legalidade, pelos motivos que se expõem de seguida.

(…)

TERMOS EM QUE se requer a V. Exa. a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral, julgando integralmente procedente por provado e fundado, tudo com as devidas consequências legais determinando-se, em consequência a anulação parcial do ato de liquidação de IRS acima melhor identificada e, em consequência, o reembolso à ora Requerente da quantia de Euro 778.759,31 (setecentos e setenta e oito mil, setecentos e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos) ( Euro 886.408,67 – Euro 107.649,36)”.

 

13. Conforme se observa, os Requerentes contestam no presente processo a legalidade de actos de liquidação de IRS, sendo este um pedido que se insere no âmbito de competência material da arbitragem tributária fixado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1 do RJAT e artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março a contrario.

 

14. Esta conclusão não é afastada pelo facto de os Requerentes peticionarem apenas a anulação parcial da liquidação de IRS com base no cálculo do quantum de imposto que consideram ilegal. Com efeito, é actualmente pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) que o acto tributário é divisível tanto por natureza como por definição legal (por todos, veja-se o acórdão daquele tribunal proferido em 12 de Janeiro de 2012, processo n.º 0965/10), pelo que se o mesmo apenas é ilegal numa concreta medida devidamente quantificada, apenas essa parte deve ser invalidada e anulada.

 

15. Pelo exposto, o presente Tribunal Arbitral considera-se materialmente competente para conhecer do pedido, julgando-se improcedente a excepção dilatória suscitada pela Requerida.

 

16. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            17. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A sociedade C..., Lda. (“C...”), NIPC ..., foi constituída em 20 de Abril de 1982, com um capital social de 500.000$00 (€ 2.493,98), distribuído por 3 quotas pertencentes a D..., a E... e ao Requerente marido;
  2. No momento da constituição o Requerente marido subscreveu uma quota com o valor nominal de 50.000$00 (€ 249,40) e E..., pai do Requerente marido, subscreveu uma quota com o valor nominal de 250.000$00 (€ 1.246,99);
  3. Em 1998 foi deliberado entre todos os sócios, em reforço das suas quotas, um aumento do capital por entradas em dinheiro, tendo o Requerente marido aumentado a sua quota em 1.450.000$00 (€ 7.232,57);
  4. Em 2013 foi deliberado entre todos os sócios, em reforço das suas quotas, um aumento do capital por entradas em dinheiro, tendo o Requerente marido aumentado a sua quota em € 24.518,03, passando a deter uma quota no valor nominal de € 32.000,00;
  5. Em 2015, o Requerente marido alienou parte da quota no valor nominal de € 1.000,00;
  6. Em 31 de Julho de 2015, o Requerente marido adquiriu onerosamente uma quota no valor nominal de € 64.000,00 que uniu à quota já existente, passando a deter uma quota no valor nominal de € 95.000,00;
  7. Em 2015, o Requerente marido adquiriu mortis causa uma quota do seu pai E..., com o valor nominal € 8.250, tendo sido atribuído o montante de € 50.701,58;
  8. Em 2015, o Requerente marido alienou, por partilha, uma quota no valor nominal de € 8.250;
  9. Em 20 de Janeiro de 2020, os Requerentes cederam a quota, no valor nominal de € 95.000,00, que detinham na sociedade C..., pelo preço total de € 9.455.628,00;
  10. Nos anos de 2017 e 2018, a sociedade C... tinha estatuto de média empresa, com um número médio de 64 unidades trabalho-ano (“UTA”), de acordo com a certificação do IAPMEI;
  11. Em 2019, a Requerente apresentou requerimento de renovação da certificação como média empresa pelo IAPMEI, cuja validade se mantinha em 15 de Julho de 2020;
  12. Os Requerentes foram objecto de um procedimento de inspecção tributária relativa ao período de tributação de 2020, ao abrigo da Ordem de Serviço com o número OI2022...;
  13. Os Requerentes foram notificados do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”), onde a AT considerou que as quotas adquiridas na constituição da sociedade estavam excluídas de tributação em IRS nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, mas que os aumentos de capital realizados por entradas em numerário estavam sujeitos a tributação em sede daquele imposto, propondo consequentemente uma correcção ao valor declarado na Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante à alienação das quotas, apurando assim o imposto em falta no valor de € 842.762,37;
  14. Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia relativamente ao projecto de RIT;
  15. Em 16 de Janeiro de 2023, foram os Requerentes notificados do RIT final, que tornou definitivas as correcções anteriormente propostas;
  16. Os Requerentes foram notificados do acto tributário de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao período de tributação de 2020, do qual resultou a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., no valor de € 886.408,67;
  17. Em 28 de Fevereiro de 2023, os Requerentes pagaram a quantia de € 886.408,67;
  18. Em 17 de Março de 2023, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

§2 – Factos não provados

 

            18. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham consideram provados.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

19. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

20. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            21. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

22. O litígio entre as partes no presente processo reside, por um lado, na determinação da data em que se devem considerar adquiridas pelo Requerente marido as quotas da C... para efeitos do cálculo das mais-valias realizadas com a respectiva cessão ocorrida no período de tributação de 2020, tendo designadamente em conta a aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro. Por outro lado, discute-se se a C... era ou não uma pequena empresa para efeitos de consideração do saldo da mais-valia apurada em apenas 50% por força do disposto no artigo 43.º, n.º 3, do Código do IRS.

 

23. Enquanto ponto de partida, fixa-se o regime jurídico aplicável ao caso aqui em juízo na redacção vigente à data dos factos:

 

Código do IRS

Artigo 9.º

Rendimentos da categoria G

1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”.

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

(…) b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários (…)”.

Artigo 43.º

Mais-valias

1 – O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

(…)

3 – O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.

4 – Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

(…) 6 – Para efeitos do número anterior, considera-se que:

a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.

 

Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro

Aprova o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

Artigo 5.º

Regime transitório da categoria G

1 – Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.

2 – Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.”.

3 – Quando, nos termos dos nºs 8 e 10 do artigo 10º do Código do IRS, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo mesmo valor das antigas, considera-se, para efeitos do disposto no n.º 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas.”.

 

Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro

Artigo 2.º

Definição de PME

Para efeitos do presente decreto -lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio.”.

ANEXO

Artigo 2.º

Efectivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas

1 – A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

2 – Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.

(…)

Artigo 4.º

Dados a considerar para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros e período de referência

1 – Os dados considerados para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indirectos.

2 – Se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efectivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.º, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos.

3 – No caso de uma empresa constituída recentemente, cujas contas ainda não tenham sido encerradas, os dados a considerar serão objecto de uma estimativa de boa fé no decorrer do exercício.

(…)

Artigo 5.º

Efectivos

Os efectivos correspondem ao número de unidades trabalho-ano (UTA), isto é, ao número de pessoas que tenham trabalhado na empresa em questão ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano considerado. O trabalho das pessoas que não tenham trabalhado todo o ano, ou que tenham trabalhado a tempo parcial, independentemente da sua duração, ou o trabalho sazonal, é contabilizado em fracções de UTA. Os efectivos são compostos:

a) Pelos assalariados;

b) Pelas pessoas que trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional;

c) Pelos proprietários-gestores;

d) Pelos sócios que exerçam uma actividade regular na empresa e beneficiem das vantagens financeiras da mesma.

Os aprendizes ou estudantes em formação profissional titulares de um contrato de aprendizagem ou de formação profissional não são contabilizados nos efectivos. A duração das licenças de maternidade ou parentais não é contabilizada.”.

 

            24. Relativamente à primeira questão suscitada no presente processo, consideraram os Requerentes que nos termos do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS as alterações do valor nominal das quotas em resultado de aumentos de capital em reforço das quotas devem reportar-se ao primeiro momento de aquisição que, no presente caso, foi o ano de 1982. Assim, no entender dos Requerentes, por força da regra first in first out, a mais-valia decorrente da alienação da quota relativamente ao aumento de capital por entradas em dinheiro realizado em 2013, no valor de € 22.750, no montante de € 2.240.941,57, estava excluída de tributação, apenas sendo tributável a mais-valia resultante da alienação das quotas adquiridas em 2015. Significa isto que, para os Requerentes, a AT liquidou ilegalmente o montante de € 627.463,64 (€ 2.240.941,57 x 28%), que estava excluído de tributação.

 

            25. Já a Requerida defendeu que o regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto‑Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro apenas prevê a exclusão de tributação do montante da mais-valia imputável ao valor inicial da quota, ou seja, ao valor que foi adquirido e realizado antes da entrada em vigor do Código do IRS. Para a Requerida, resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 6 do Código do IRS que a parte da quota respeitante ao aumento do capital por novas entradas considera-se adquirida no momento em que o aumento do capital social é realizado. O que significa que os aumentos de capital social realizados por entradas em numerário encontravam-se efectivamente sujeitos a tributação.

 

26. Cumpre então apreciar se a alienação das quotas detidas pelo Requerente marido na sociedade C... está ou não excluída de tributação ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na concreta parte que respeita aos aumentos de capital por entradas em dinheiro por conta do aumento do valor nominal das quotas detidas naquela sociedade.

 

            27. Esta questão foi já objecto de apreciação pela jurisprudência, que deve aqui ser considerada por força da obrigação resultante do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que determina que “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

 

            28. Em sentido favorável às pretensões dos Requerentes, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 7.3.2018, processo n.º 0149/17, bem como os Tribunais Arbitrais nos acórdãos proferidos nos processos n.º 689/2019-T, de 26.02.2020, n.º 526/2020‑T, de 16.03.202, n.º 562/2021-T, de 13.05.2022 e n.º 417/2022-T, de 14.12.2022. Por todos, citam-se aqui as seguintes considerações feitas pelo Tribunal Arbitral no último dos acórdãos mencionados:

 

3. No decurso do ano de 2020, a Requerente alienou a quota que detinha na sociedade B..., Lda. e inscreveu como valor de aquisição, na declaração de rendimentos relativa a esse período de tributação, para efeito do apuramento de mais-valias, não apenas o montante correspondente à entrada inicial realizada no momento da constituição da sociedade, em 1998, como também os montantes resultantes de aumentos de capital através de entradas em dinheiro que foram realizados em 23 de outubro de 1998 e 2 de novembro de 2013.

 

Para cumprimento da obrigação declarativa, entendeu que os aumentos de capital realizados através de entradas em dinheiro não dão lugar à aquisição de novas quotas, mas apenas à alteração do valor nominal da quota de que já era proprietária, e, apesar de realizados já após a entrada em vigor do Código do IRS, encontram-se cobertos pelo disposto no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), desse diploma, pelo que a mais-valia resultante da quota alienada deverá ser excluída de tributação em sede de IRS no que se refere a esses aumentos de capital por se considerar adquirida anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS, e, portanto, sujeita ao regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento inspetivo, sustenta que a referida disposição do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS apenas se reporta à aquisição dos valores mobiliários originários e, para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, os ganhos resultantes de alienação de quotas constituídas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS devem ser decompostos segundo um critério de imputabilidade, distinguindo-se entre o valor das quotas constituídas antes de 1 de janeiro de 1989 e o das que tenham sido adquiridas já na vigência do Código do IRS.

 

A questão que está em debate é assim a de saber se os aumentos de capital realizados mediante entradas em dinheiro já na vigência do Código do IRS, mas relativamente a uma sociedade comercial constituída ainda antes da entrada em vigor desse diploma, devem encontrar-se excluídos de tributação em mais-valias sobre valores mobiliários por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, que aprovou o Código do IRS.

 

As normas com relevo para a apreciação da causa são, além da referida disposição do artigo 5.º do diploma preambular, as dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea b), e 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS.

 

O artigo 3.º do diploma preambular aboliu o imposto de mais-valias que se era regulado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de junho de 1965, e que na sua vigência não sujeitava a tributação a transmissão onerosa de partes sociais.

 

Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), Código do IRS, as mais-valias passaram a constituir rendimentos da categoria G, aí se incluindo, tal como prevê o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”

 

O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, introduziu uma norma transitória, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:

Regime transitório da categoria G

1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.

[…]

 

Por fim, o artigo 43.º do Código do IRS, na parte relevante, dispõe nos seguintes termos:

 

1- O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

[…]

5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.

6- Para efeitos do número anterior, considera-se que:

a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;

[…].

 

O Código do IRS entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989 (artigo 2.º do diploma preambular).

 

4. Como se depreende de todas as mencionadas disposições, a mais-valia corresponde a uma diferença positiva entre o valor da realização e o valor da aquisição do mesmo bem ou direito, contrapondo-se ao conceito de menos-valia, ou seja, às situações em que o valor da realização do bem ou direito é inferior ao valor da aquisição. Trata-se, por outro lado, de uma tributação de carácter residual, na medida em que só são considerados a esse título os incrementos patrimoniais que se não enquadrem em rendimentos de outras categorias. O fundamento para a sujeição a imposto radica na circunstância de ter ocorrido uma valorização ocasional dos bens na esfera jurídica do alienante e que revela uma capacidade contributiva não diretamente decorrente da sua atividade profissional ou empresarial.

 

A norma transitória instituída pelo artigo 5.º do diploma que aprovou o Código do IRS, ao consignar, no seu n.º 1, que só ficam sujeitos a IRS a aquisição dos bens ou direitos que tiver sido efetuada depois da entrada em vigor do Código, destina-se a evitar a aplicação retroativa do novo regime de tributação de mais-valias incidente sobre a “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”, que não era contemplado no antigo Código do Imposto de Mais-Valias.

 

E importa ter presente que esse regime transitório não constitui uma isenção de imposto, mas uma exclusão do seu âmbito de incidência (neste sentido, PAULA ROSADO PEREIRA, Manual de IRS, Coimbra, 2.ª edição, pág. 224).

 

Por outro lado, a norma do artigo 43.º do Código do IRS, há pouco parcialmente transcrita, não é uma norma de incidência tributária, mas de determinação da matéria coletável.

 

O facto tributário gerador das mais-valia ocorre no momento da alienação, isto é, no momento em que se verifica o ganho resultante da diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e que apenas pode ser avaliado em cada concreto ato de alienação, e que, assim, se traduz num facto tributário instantâneo que se esgota na transação e na consequente realização da mais-valia.

 

O que o artigo 43.º explicita é que, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, o rendimento coletável anual do sujeito passivo qualificado como mais-valias corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (nº 1). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não tem a virtualidade de alterar ou transmudar a natureza dos factos tributários subjacentes.

 

Esclarecendo este aspeto, o STA, no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2017 (acórdão 7 de junho de 2017, Processo n.º 01471/14), refere o seguinte:

 

Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuramento do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os atos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento coletável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento coletável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respetiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento coletável.

Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento coletável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada ato de alienação dos bens mobiliários em questão.

 

Como é possível concluir, o que o n.º 6, alínea a), do artigo 43.º pretende precisar, ainda para efeito da determinação da matéria coletável, é que a data de aquisição dos valores mobiliários, nas situações aí referidas, e, designadamente, por alteração do valor nominal, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem. Sendo certo que o inciso “para efeitos do número anterior”, que consta do segmento inicial do proémio desse n.º 6, não se refere à situação específica descrita no antecedente n.º 5, mas ao apuramento do saldo positivo ou negativo dos rendimentos qualificados como mais-valias para efeito do apuramento do valor tributável.

 

Defende a Autoridade Tributária, na sua resposta, que apenas o aumento de capital efetuado por incorporação de reservas se encontra excluído de tributação porquanto, nesse caso, o valor patrimonial da sociedade mantém-se, não havendo incremento patrimonial que justifique a mais-valia, ao contrário do que sucede com os aumentos de capital.

 

Mas não é assim

 

Como explicita o acórdão do STA de 7 de março de 2018 (Processo n.º 0149/17), a norma refere-se aos aumentos do valor da quota realizados através da incorporação de reservas, mas também aos aumentos resultantes da substituição dos valores mobiliários, designadamente por alteração do valor nominal, isto é, através do aumento do valor das quotas já existentes, o que não pode entender-se como correspondendo à criação de novas quotas mas ao reforço da quota inicial.

 

Ou seja, o aumento de capital pode assumir a forma de incorporação de reservas, implicando uma mera operação contabilística, na qual as reservas (ou seja, nos lucros obtidos no passado e ainda detidos) se transferem para o capital social da organização, sem mudança da situação líquida da empresa, ou de novas entradas em dinheiro ou em bens, caso em que se não verifica a criação de novas quotas mas o aumento do valor nominal das quotas já existentes em reforço do capital social (no mesmo sentido, as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 526/2020-T e 689/2019-T).

 

E, sendo assim, não há nenhum motivo para efetuar uma diferenciação, para efeito do apuramento das mais-valias, entre os diversos momentos em que ocorreu um reforço do capital social relativamente à entrada inicial, quando a lei estipula, para esse efeito, que o aumento de capital através do aumento do valor nominal das quotas pré-existentes é tido como sendo realizado no momento em que foram adquiridos os valores mobiliários originários.

 

Uma vez que a sociedade em causa foi constituída em 1982, ainda antes do começo de vigência do Código do IRS, a mais-valia gerada pela alienação de partes do capital ocorrida em 2020, encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, ainda que tenha ocorrido já na vigência do Código de IRS o reforço do capital social inicial através de entradas em dinheiro.”.

 

29. Pelo contrário, em sentido favorável às pretensões da Requerida, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 28.09.2017, proferido no processo n.º 01264/09.0 BEVIS, nos seguintes termos:

 

Os impugnantes (sócios) deliberaram aumentar o capital social por entradas em dinheiro.

De acordo com o disposto na alínea b) do n.º1 do art.º10.º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de «alienação onerosa de partes sociais…».

E determina o nº3 daquele preceito que «os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º1…».

O ganho obtido com a cessão de quotas situa-se literalmente no âmbito de previsão daquela norma de incidência tributária estabelecida no n.º1 alínea b) do art.º10.º do CIRS.

Ora, a lei não estabeleceu qualquer exclusão de tributação ou benefício fiscal em sede de imposto de rendimento relativamente ao resultado da alienação de participações sociais adquiridas para reforço do capital social de conformidade com as disposições do D.L. 343/98, de 6 de Novembro.

Em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito de aplicação da norma de isenção (ou de incidência, consoante os casos), mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade tributária – art.º103.º n.º 2 da CRP – assume nestes domínios, podendo ver-se as afirmações concordantes do legislador ordinário no n.º4 do art.º11.º da Lei Geral Tributária e no art.º10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Não vemos, pois, como inexistindo norma tributária que estabeleça a isenção ou não sujeição a imposto, dos ganhos obtidos com a alienação de quotas adquiridas em resultado do aumento de capital social imposto pelo D.L. 343/98, de 6 de Novembro, se possa pretender desviar tal situação do regime regra de tributação ou pugnar pela sua exclusão da norma de incidência, em cuja previsão literalmente se inclui.

Por outro lado, defender que as quotas já existiam à data de entrada em vigor do CIRS, somente foram actualizadas por imperativo legal, levando à alteração parcial do respectivo contrato social, como fazem os impugnantes, é um artifício que não colhe de todo.

Como se disse já, o legislador não determinou a modalidade do aumento de capital, os sócios da sociedade, aqui impugnantes, é que deliberaram fazê-lo por entradas em dinheiro, aumentando assim o valor das quotas, quando o poderiam fazer por incorporação de reservas disponíveis, tanto mais que afirmam que a sociedade até nem tinha quaisquer necessidades de financiamento.

E caso o aumento do capital social fosse efectuado por incorporação de reservas, todo o ganho obtido com a alienação das quotas estaria excluído de tributação em IRS, pois como decorre da alínea a) do n.º4 do art.º43.º do CIRS, “a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas (…) é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”, isto é, no caso, 1987, data anterior à de entrada em vigor do CIRS.

Justifica-se a diferenciação de regimes de tributação, pois no aumento de capital por incorporação de reservas o valor patrimonial da sociedade (e das participações sociais) mantém-se, não há o incremento patrimonial que se verifica nos aumentos de capital por entradas em dinheiro.

Ou seja, os sócios da sociedade, aqui impugnantes, sempre poderiam encontrar no quadro fiscal vigente soluções de forma a obviar à tributação inerente à alienação das quotas, efectuando o aumento de capital imposto por lei por incorporação de reservas disponíveis.

Concluindo, inexistindo norma tributária de isenção ou não sujeição a imposto dos ganhos obtidos com a alienação de quotas sociais adquiridas no domínio de vigência do Cód. do IRS por entradas em dinheiro, tais ganhos estão sujeitos a tributação por força do disposto na alínea b) do n.º1 do art.º10.º do CIRS.

Se incluídas na alienação quotas constituídas (subscritas inicialmente) ou adquiridas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do CIRS, portanto não sujeitas a imposto, os ganhos devem ser decompostos (no caso, valor das quotas constituídas em 1987 e valor das quotas adquiridas em 2002) para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, sendo que o critério de imputabilidade proporcional que a Administração tributária seguiu não vem questionado nos autos.”.

 

30. Cabendo decidir, acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência “maioritária” anteriormente referida, que entende que nos casos em que se verificam aumentos de capital por entradas em dinheiro por conta do reforço do valor nominal de quotas pré-existentes, a data da respectiva aquisição corresponde ao momento inicial da aquisição das quotas, remetendo-se para a argumentação anteriormente citada que aqui não se repete em cumprimento do princípio da limitação dos actos previsto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

31. Aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, verifica-se que o Requerente marido adquiriu as quotas da sociedade C... em 20 de Abril de 1982, sendo que os aumentos de capital por conta das quotas detidas naquela sociedade ocorridos em 1998 e 2013 não originaram a emissão de novas quotas, tendo antes sido aumentado de forma proporcional o valor nominal das quotas pré-existentes. Consequentemente, os aumentos de capital ocorridos nos anos de 1998 e 2013 consideram-se verificados na data de aquisição das quotas originárias, isto é, em 1982, para efeitos de cálculo das mais-valias tributáveis em sede de IRS. Significa isto que a mais-valia decorrente da alienação da quota relativamente à parcela imputada aos aumentos de capital está excluída de tributação em sede de IRS, numa lógica first in first out, por força do disposto no regime transitório consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de Novembro.

 

32. Aqui chegados, julga-se procedente o pedido arbitral formulado a este respeito, impondo-se a anulação parcial do acto de liquidação impugnado e o consequente reembolso aos Requerentes da quantia de € 627.463,64 correspondente ao IRS indevidamente liquidado e pago.

 

33. Quanto à segunda questão suscitada no presente processo, cabe apreciar se a Requerente cumpria ou não os requisitos para ser considerada uma pequena empresa e, nessa medida, beneficiar de tributação de apenas 50% do saldo das mais-valias apurado nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 3, do Código do IRS.

 

34. A este respeito, alegaram os Requerentes que, à data da alienação das participações sociais, a C... cumpria os critérios para ser qualificada enquanto pequena empresa nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, do artigo 43.º, n.º 3, do Código do IRS e da Circular n.º 7/2014, da Direcção de Serviços de IRS. Isto porque, segundo afirmaram, aquela sociedade tinha no ano de 2019 um balanço total anual inferior a 10 milhões de euros (em concreto de € 8.886.718,53) e empregava menos de 50 trabalhadores. Nesta medida, concluíram os Requerentes que o imposto devido em resultado da alienação das quotas da sociedade era apenas de € 107.649,36 (€ 768.924,01 x 14%).

 

35. Em sentido contrário, sustentou a Requerida que apesar de a C... não ter atingido no exercício de 2019 os limiares financeiros para ser considerada uma média empresa, o mesmo não se verificava relativamente ao limiar de 50 UTA. Em concreto, referiu a Requerida que a C... teve uma média de 57,3333 e 58,1667 funcionários, em 2018 e 2019, ou, descontando as faltas dadas, 54,2105 e 55,5164 UTA, pelo que se qualificava como média empresa nos termos do artigo 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro. Registou ainda a Requerida que esta qualificação era conforme com a IES de 2019 apresentada pela C..., onde constava o número de 62 “Pessoas ao serviço da empresa, remuneradas e não remuneradas” em 2019 e o mesmo “Número médio de pessoas ao serviço”, bem como com a certificação do IAPMEI, com data de submissão de 05.08.2019 e válido até 15.07.2020, onde foram consideradas 64 UTA.

 

            36. Cabendo decidir, cumpre desde já referir que não assiste razão à Requerente quando defende com base na Circular n.º 7/2014, da Direcção de Serviços de IRS que o momento relevante para aferir o preenchimento dos elementos de que depende a qualificação da sociedade C... como pequena empresa é a data em que ocorreu a alienação das participações sociais. Pelo contrário, conforme defendeu a AT, resulta do Decreto‑Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro e do respectivo anexo que o limiar de “50 trabalhadores” tem de ser aferido em UTA, isto é, corresponde à média de pessoas que tenham trabalhado na empresa ou por conta dela, a tempo inteiro ou parcialmente (caso de imputação proporcional), durante o ano anterior à alienação das participações sociais.

 

            37. Neste preciso sentido, referiu-se o seguinte no acórdão do Tribunal Arbitral de 26.02.2020, proferido no processo n.º 689/2019-T:

 

3.2. Questão da aplicação do regime de tributação de mais-valias específico das micro e pequenas empresas

 

O artigo 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS estabelecem o seguinte:

 

3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.

4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

 

Os Requerentes defendem que a C..., SA, reunia os requisitos para ser considerada pequena empresa, que a decisão do IAPMEI referida no RIT foi impugnada judicialmente e que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada pela Circular n.º 7/2014. Designadamente, referem ainda os Requerentes que «não obstante a empresa não ser detentora de Certificação como pequena empresa, era obrigação da AT (por vínculo hierárquico) verificar se a empresa preenchia os requisitos materiais para que fosse qualificada naqueles termos, o que não fez».

No artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 372/2007, para que remete o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, refere-se «na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros».

Relativamente ao número de trabalhadores, os Requerentes apresentaram as listas de trabalhadores que constam do documento n.º 4.

 

As acções foram vendidas pelos Requerentes em 2015, pelo que os dados a considerar para o cálculo dos efectivos são os do ano de 2014, como decorre do n.º 1 do artigo 4.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.

No ano de 2014, a C..., SA em nenhum mês teve menos de 50 trabalhadores, incluindo os estagiários, que, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, são considerados como trabalhadores, já que são assalariados e não estão excluídos pelo artigo 5.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.

Por outro lado, se é certo que o excesso de efectivos num único ano não implica a perda do estatuto de pequena empresa, para este excesso ser irrelevante é necessário que a qualidade de pequena empresa tenha sido adquirida anteriormente, o que não se demonstrou, pois o que resulta da matéria de facto fixada é que o IAPMEI revogou o reconhecimento como pequena empresa com efeitos retroactivos.

De resto, tal excesso verificou-se também no ano de 2013, pelo que se verificou também a repetição do excesso em dois exercícios consecutivos a que alude o n.º 2 do artigo 4.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que faria perder a qualidade de pequena empresa, se tivesse sido previamente adquirida.

Nestas condições, é de concluir que não se fez prova de que os Requerentes possam beneficiar da redução de saldo de mais-valias prevista no n.º 3 do artigo 43.º do CIRS.

No que concerne à alegada falta de diligências efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para averiguar se a empresa preenchia os requisitos materiais para que fosse qualificada, designadamente quanto ao número de trabalhadores, a Requerente diz que «poderia a AT não dispor de elementos tão claros» (artigo 47.º do pedido de pronúncia arbitral) e não procurou apurá-los, com o que entende ter sido violada a orientação administrativa que consta da Circular n.º 7/2014, que determina que «caso a empresa não seja detentora de Certificação como micro ou pequena empresa, nos termos antes referidos, cumpre, ainda assim, aferir se a entidade, à data da alienação das partes sociais, preenchia os requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, com a consequente e eventual qualificação da entidade como micro ou pequena empresa para efeitos do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS».

Afigura-se que a interpretação adequada desta Circular é a de que pode ser reconhecida a qualidade de pequena empresa pela Autoridade Tributária e Aduaneira se se verificarem os requisitos materiais, independentemente de a empresa ser detentora de certificação, mas não, a de que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode sobrepor o seu critério ao do IAPMEI, que é a entidade competente, nessa matéria.

Isto é, o alcance da Circular é determinar que não basta a circunstância de não haver certificação para afastar o reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira da qualidade de pequena empresa, devendo diligenciar para averiguar a realidade material.

Mas, diferente da situação de mera inexistência de certificação, é aquela em que há, na prática, uma «certificação negativa», resultante de acto administrativo praticado pela entidade com especial competência para tal, que é o IAPMEI, que revogou a certificação com efeitos retroactivos.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem o dever de acatar os actos administrativos praticados pelas entidades a quem por lei é atribuída competência, pois eles fazem parte do bloco de legalidade a que se refere o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, ao determinar que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito».

Nesta referência ao «direito» cabem todas as vinculações jurídicas vigentes na ordem jurídica, inclusivamente de natureza não legislativa, como contratos e actos administrativos.

Por isso, se é aceitável que a Autoridade Tributária e Aduaneira possa suprir, para efeitos fiscais, a falta de certificação, quando não existe um acto administrativo sobre essa matéria, afigura-se que é de afastar, por ser ilegal, uma interpretação da Circular referida no sentido de permitir à Autoridade Tributária e Aduaneira sobrepor os seus próprios critérios aos actos administrativos praticados pela entidade competente, em matéria de apuramento dos requisitos para deter a qualidade de pequena empresa.

Sendo assim, tendo o IAPMEI informado que procedeu «à revogação das certificações da empresa, por motivo de irregularidades nos dados que foram declarados para efeitos dos vários pedidos de certificação. A revogação das certificações tem efeitos retroativos à data da primeira certificação (inclui, portanto, os pedidos efetuados pela empresa em 24 de setembro de 2014 e em 16 de julho de 2015)», a referida Circular não impunha à Autoridade Tributária e Aduaneira diligenciar no sentido de averiguar se havia razões para sobrepor o seu critério ao do IAPMEI.”.

 

            38. Ora, nos elementos de prova juntos aos autos os Requerentes não lograram demonstrar que o limiar máximo de 50 trabalhadores, medido em UTA nos termos acima evidenciados, foi observado por referência ao ano de 2019, mas tão só que no momento da alienação das quotas aquela sociedade tinha menos de 50 trabalhadores.

 

            39. Uma vez foram os Requerentes que invocaram o preenchimento dos pressupostos do regime fiscal mais-favorável de que pretendem beneficiar, era sobre eles que recaía o ónus probatório nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, ónus esse que não se considera cumprido.

 

            40. Acresce que no ano de 2019 a C... requereu a renovação do estatuto de média empresa, cuja certificação já havia tido em 2017 e em 2018 – ano no qual verificou uma média de 64 UTA –, o que reforça o incumprimento do limiar máximo de trabalhadores medido naquela unidade de ponderação média.

 

41. Por conseguinte, julga-se improcedente o pedido dos Requerentes a este respeito, já que não ficou demonstrado o preenchimento dos requisitos de que dependia a aplicação do regime de tributação de apenas 50% do saldo das mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 3, do Código do IRS.

 

            42. Por fim, cabe apreciar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pelos Requerentes.

 

            43. Ao que aqui importa, dispõe-se o seguinte no n.º 1, do artigo 43.º da LGT a respeito dos juros indemnizatórios:

 

Lei Geral Tributária

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

            44. Uma vez que o acto de liquidação de IRS impugnado foi parcialmente julgado ilegal e uma vez que essa ilegalidade resulta unicamente de erro imputável à AT, é devido aos Requerentes o pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor, sobre o concreto montante de imposto indevidamente liquidado, desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes e anular parcialmente o acto de liquidação de IRS impugnado nos termos acima evidenciados;
  3. Condenar a Requerida no reembolso à Requerente do montante de imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
  4. Condenar as partes nas custas do processo na medida do respectivo decaimento.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 778.759,31.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 11.322,00, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem. Tendo os Requerentes decaído em 19,43% do pedido e a Requerida em 80,57% do mesmo, as custas a suportar por cada uma das partes serão, respectivamente, de € 2.199,86 e de € 9.122,14.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2023

 

A Árbitra Presidente,

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

A Árbitra Adjunta,

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

João Menezes Leitão

(vencido, conforme declaração em anexo)

 

Processo n.º 180/2023-T

Declaração de voto de vencido

 

1. Dissinto, respeitosamente, da posição que fez vencimento quanto à liquidação sub judice do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativamente às mais-valias realizadas com a cessão de quotas ocorrida em 2020, porquanto os ganhos obtidos com a alienação onerosa de quotas resultantes de aumentos de capital social realizados por entradas em dinheiro após a entrada em vigor do CIRS (01.01.1989) encontram-se abrangidos pelas regras comuns aplicáveis do CIRS, designadamente pela normatividade de incidência do art. 9.º, n.º 1, alínea a) e do art. 10.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, não se subsumindo à disposição transitória material do art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11, que aprovou o CIRS.

 

2. A posição que fez vencimento, invocando o disposto no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil, seguiu o entendimento adoptado, com base em certa interpretação do art. 43.º, n.º 6, alínea a) do CIRS, sobre a determinação da data de aquisição de quotas pré-existentes cujo valor nominal foi reforçado em resultado de aumento de capital mediante entradas em dinheiro, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.03.2018, proc. n.º 0149/17, o qual foi seguido nos acórdãos arbitrais prolatados nos processos n.ºs 689/2019-T, 526/2020-T, 562/2021-T e 417/2022-T.

 

 3. A pluralidade das razões e argumentos que, segundo critérios dogmáticos e de justiça fiscal, compelem a apartar-me desta orientação, prejudica a concisão que deve presidir a uma declaração de voto de vencido, mas para impedir que nada falte de essencial não é possível excluir o risco do descomedimento – tenteie-se, ainda assim, como expressava o nosso FARIA E SOUSA, uma “dilação breve ou brevidade dilatada”.

 

4. Para a resolução do caso em apreço – cujas coordenadas fácticas básicas respeitam simplesmente à cessão onerosa de participações sociais em sociedade por quotas constituída em 20.04.1982 objecto de aumentos de capital por entradas em dinheiro em 1998 e em 2013 – o enunciado normativo prioritário a considerar é a indicada disposição do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, segundo a qual “[o]s ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965 (...) só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”, cabendo também ter presente que o n.º 2 deste art. 5.º determina que: “Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos”.

 

5. Exponha-se, então, como a factualidade essencial em causa respeitante a aumentos de capital em sociedade por quotas por novas entradas em dinheiro, devidamente qualificada nos termos das categorias jurídico-societárias relevantes (cfr. art. 11.º, n.º 2 da LGT), se coloca perante este enunciado normativo do referido n.º 1 do art. 5.º.

 

6. Começando por convocar obviedades, há que destacar que, mediante um “aumento de capital na modalidade de novas entradas” (art. 87.º, n.º 1, alíneas a) e d) e n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais-CSC), são “constituídas” novas participações sociais, como resulta do art. 88.º, n.ºs 1 e 2 do CSC (que reporta, no n.º 1, à data da deliberação, que “o capital é aumentado e as participações constituídas” e, no n.º 2, à data em que qualquer membro da administração declarar, por escrito e sob sua responsabilidade, que “o capital considera-se aumentado e as participações consideram-se constituídas”).

 

7. Destaque-se que esta constituição de novas participações sociais em virtude do aumento do capital social ocorre quer o aumento se materialize pelo reforço do valor nominal das participações primitivas quer pela criação de novas participações sociais (cfr. arts. 87.º, n.º 1, alínea c) e 92.º, n.ºs 1 e 4 do CSC), que são “os dois modos de fazer refletir nas participações sociais” o aumento de capital (RAUL VENTURA, Alterações do Contrato de Sociedade, 2.ª ed., 1988, pp. 292-293) – situações estas que, económica e juridicamente, em termos de status socii e do conjunto unificado dos direitos e deveres sociais aí implicado, são equivalentes.

 

8. A parte da quota (isto é, a nova participação social constituída) que, pela elevação do valor nominal da quota primitiva, resulta do aumento de capital por novas entradas considera-se, deste modo, adquirida no momento em que o aumento de capital se torna operante, o que, como resulta dos factos provados c) e d), se verificou, em relação aos aumentos de capital em apreço, nos exercícios de 1998 e de 2013.

 

 9. Ora, o art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 estabelece – naturalmente, dir-se-á – que a exclusão de tributação dos ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias não tem aplicação se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código (01.01.1989).

 

10. E diz-se naturalmente porquanto a ratio subjacente ao referido n.º 1 do art. 5.º do CIRS é a protecção das expectativas que os titulares dos bens económicos aí em consideração tinham na não tributação dos ganhos respeitantes a esses bens. Embora não surgisse aqui nenhum problema de verdadeira retroactividade, já que a norma de tributação do art. 10.º do CIRS aplicar-se-ia às alienações verificadas após a entrada em vigor do CIRS (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 85/2010, n.º 6 e 137/2014, n.º 4), o legislador decidiu tutelar, em nome de uma hiperbólica concretização do princípio da confiança e da segurança jurídica, as expectativas (materiais) de que os ganhos respeitantes a esses bens nunca seriam tributados, protegendo, assim, contra o princípio da livre revisibilidade das leis, a esperança dos contribuintes (rectius, dos não-contribuintes) na estabilidade da lei fiscal e na continuidade do regime de não tributação adveniente da lei antiga (ainda que essa esperança, por se tratar, não de uma regulação na dependência da vontade do indivíduo, mas de um regime puramente legal, respeitante ao dever fundamental de pagar impostos e à sua definição evolutiva pelo poder legislativo, careça de bases razoáveis e sólidas para investimento da confiança ou de motivação socialmente útil).

 

11. Assim, a referida disposição transitória imuniza fiscalmente os ganhos relativos a bens económicos adquiridos antes da alteração legislativa representada pela entrada em vigor do CIRS que, a essa data, estivessem excluídos da tributação em atenção ao disposto no Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965 e ao extinto imposto de mais-valias – mas só esses, não quaisquer outros bens económicos adquiridos já na vigência do CIRS, pois, em relação à disciplina por este introduzida, deixou de ser possível configurar qualquer esperança ou confiança na não tributação dos ganhos respeitantes a esses bens. 

 

12. Pois bem, na medida em que as participações sociais resultantes de aumento de capital por novas entradas, ainda que mediante elevação do valor nominal de quotas pré-existentes, constituem bens ou direitos adquiridos – e, subsequentemente, transmitidos – posteriormente à data da entrada em vigor do CIRS, os ganhos que lhes concernem estão sujeitos a tributação em conformidade com o art. 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS.

 

13. É, pois, manifesto, no caso em apreço, que o art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442/88, em si mesmo considerado, não tem aplicação quanto às participações adquiridas, mesmo que mediante reforço do valor nominal das quotas primitivas, por força dos aumentos de capital realizados, pelo que, em relação ao valor imputável aos aumentos de capital ocorridos em 1998 e em 2013, não cabe a exclusão de tributação do montante das mais-valias aí implicado, exclusão esta que apenas opera quanto ao valor de realização imputável ao valor inicial de quota subscrita e realizada antes da entrada em vigor do CIRS.

 

14. Deve, porém, esta conclusão imposta pela proposição normativa do art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442/88 ser afastada pela aplicação da norma do art. 43.º, n.º 6, alínea a) do CIRS, de tal sorte que as alterações do valor nominal das quotas em resultado de aumentos de capital por novas entradas em dinheiro ocorridos após a entrada em vigor do CIRS devem reportar-se ao momento inicial de aquisição da titularidade das quotas originárias, que se verificou ainda antes da entrada em vigor do CIRS, resultando, assim, a sua submissão ao referido art. 5.º?

 

15. Ao contrário da posição que fez vencimento e dos arestos por ela seguidos, julgamos que é impossível extrair uma tal norma do art. 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS, pelo que não possui viabilidade a pretendida aplicação ao caso do art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442/88, já que o âmbito temporal da exclusão tributária aqui consagrada não é objecto de uma tal extensão por força daquela alínea a) do n.º 6 do art. 43.º do CIRS.

 

16. Vejamos, em pormenor, a proposição normativa em jogo: “Para efeitos do número anterior, considera-se que: a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.

 

17. Antes de mais nada, note-se que esta alínea a) do n.º 6 do art. 43.º do CIRS, diferentemente do que surge referido no acórdão, não representa a consagração do critério valorimétrico FIFO (first in first out), como sucede, por exemplo, aí sim, na al. d) do mesmo número. O que está em causa naquela alínea a) é a atribuição de uma data relativamente à aquisição dos valores mobiliários nos termos aí considerados em ordem à manutenção da data primitiva perante certas operações taxativamente indicadas incidentes sobre tais valores mobiliários – como qualifica XAVIER DE BASTO, IRS: incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, 2007, p. 454, é uma “norma de datação da aquisição dos títulos”.

 

18. Depois, também se refira, em atenção à factualidade objecto do processo, que respeita a uma sociedade por quotas (cfr. facto provado a)), que as  quotas são “partes sociais” (participações sociais), mas não são “valores mobiliários” (como se pode ver, em termos legais, do art. 1.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários-CVM), já que estes são “os instrumentos financeiros representados num título ou registo em conta, que consubstanciam posições jurídicas homogéneas e fungíveis e são negociáveis em mercado organizado” (cita-se ENGRÁCIA ANTUNES, “Os valores mobiliários: conceito, espécies e regime jurídico” in  Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. 5 (2008), p. 87). No entanto, apesar de, em termos literais, o art. 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS aludir à alienação onerosa de “partes sociais e de outros valores mobiliários” ao passo que o art. 43.º, n.º 6, al. a) do mesmo Código menciona unicamente “valores mobiliários”, parecendo abranger unicamente as participações sociais que constituam “documentos representativos de situações jurídicas homogéneas, desde que sejam suscetíveis de transmissão em mercado” (al. g) do n.º 1 do art. 1.º do CVM), como é o caso das acções, típicos valores mobiliários (referido art. 1.º, n.º 1, al. a) do CVM), que são representadas mediante título ou registo em conta (cfr. art. 46.º, n.º 1 do CVM), diferentemente do que sucede com as quotas (cfr. n.º 7 do art. 219.º do CSC: “Não podem ser emitidos títulos representativos de quotas”), não vamos hic et nunc perder tempo com esta temática, já que, como assinalou SALDANHA SANCHES, “O conceito fiscal de valores mobiliários” in AAVV, Direito dos Valores Mobiliários, vol. III, 2001, pp. 77 e segs., designadamente p. 79 e p. 84, o CIRS padece de “uma ausência de conceptualização sobre o que são “valores mobiliários”” levando a defeituosa equiparação de conceitos, nomeadamente no que concerne às quotas.

 

19. Também não vamos, hic et nunc, dar peso interpretativo ao facto de o n.º 6 deste art. 43.º do CIRS delimitar a sua aplicação “[p]ara efeitos do número anterior”, referência que, ainda que errónea (não está, evidentemente, em questão o n.º 5 deste art. 46.º do CIRS), por falta de actualização consequente das modificações legislativas introduzidas no preceito, poderia indiciar que a sua estatuição não se pretende aplicar em termos gerais, o que seria susceptível de consequenciar que não valeria, nesta lógica, para alargamento da exclusão tributária do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442/88.

 

20. Pelo contrário, partindo do pressuposto da valia da disposição do art. 43.º, n.º 6, alínea a) do CIRS para a aplicação do art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442/88, o que julgamos decisivo, para a resolução do caso sub judice, é a caracterização das operações que são consideradas naquela alínea (“valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente”) como base da estatuição sobre a data da aquisição atribuída.

 

21. A este respeito, o primeiro dado normativo a considerar é que, em relação a operações de aumento de capital, a disposição legal reporta-se explicitamente unicamente ao aumento de capital por incorporação de reservas (“valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas”), sem qualquer referência ao aumento de capital por novas entradas.

 

22. Daqui resulta, recta via, que é apenas em relação aos aumentos de capital por incorporação de reservas que o legislador determina que a data de aquisição dos valores mobiliários daí resultantes é a data da aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem – logo, a contrario, no caso de aumento de capital por novas entradas, a data da aquisição das participações sociais é a data do aumento de capital.

 

23. Compreende-se, perfeitamente, esta distinção de fenomenologias, já que o aumento de capital, que, em termos formais, pode ser definido como a alteração jurídico pela qual se procede à elevação da cifra do capital social antecedentemente constante dos estatutos sociais, é uma operação susceptível de revestir contornos e natureza bem diferenciados: i) pela aportação de novos bens para a sociedade, mediante entradas em dinheiro ou em espécie para o património social, que assim se incrementa; ii) mediante fundos que já se encontravam incorporados no património social.

 

24. Como explicita PAULO DE TARSO DOMINGUES, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. II, 2011, pp. 54 e segs. e pp. 82-83, são diferentes, com regime dissemelhante (respectivamente arts. 87.º a 89.º e 91.º a 93.º do CSC), as modalidades de aumento de capital por novas entradas em dinheiro ou em espécie e de aumento de capital por incorporação de reservas, consistindo aquela primeira modalidade no “aumento real, efectivo ou oneroso (em que há um verdadeiro e efetivo aumento do capital social real através da realização de novas entradas por partes dos sócios” e esta segunda modalidade no “aumento gratuito ou nominal (dado que, neste caso, não há qualquer desembolso adicional por parte dos sócios, nem consequentemente qualquer aumento do património social, recebendo os sócios, hoc sensu, gratuitamente novas participações sociais em resultado da transformação de reservas em capital social)”. Do mesmo modo, veja-se RAÚL VENTURA que fala mesmo em “radicais diferenças entre o aumento de capital por novas entradas e o aumento de capital por incorporação de reservas” (ob. cit., p. 95 e p. 106).

 

25. Esta diferença de natureza foi, diga-se, devidamente reconhecida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.03.2018, proc. n.º 0149/17, que, muito precisamente, observou que o “aumento de capital de uma empresa assume duas diversas formas, ou se realiza por incorporação de reservas, implicando uma mera operação contabilística, na qual as reservas (ou seja, os lucros obtidos no passado e ainda detidos) se transferem para o capital social da organização, sem mudança da situação líquida da empresa, ou por novas entradas”, caso este em que “a operação implica um processo diferente, com uma alteração da situação líquida da empresa, devido à entrada de dinheiro (ou de bens) na empresa”.

 

26. Perante esta diferença de natureza e não obstante a disposição do art. 43.º, n.º 6, alínea a) do CIRS mencionar exclusivamente o aumento de capital por incorporação de reservas é possível dizer que o aumento de capital por novas entradas quando tenha sido feito por reforço do valor nominal das participações pré-existentes, está afinal compreendido no segmento que se reporta à “substituição daqueles [valores mobiliários], designadamente por alteração do valor nominal”?

 

27. É esta a posição do referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo emitido no proc. n.º 0149/17, que declara, em relação ao caso nele considerado, que: “Por nos depararmos com um aumento do valor nominal das quotas, (...) fica sem qualquer suporte lógico ou legal o entendimento da recorrente de que tal situação não tem enquadramento no disposto no artº 43° nº [6], al. a) do CIRS”.

 

28. Mas, com o devido respeito, não é assim.

 

29. Desde logo, se o segmento da disposição em apreço relativo à “substituição daqueles [valores mobiliários], designadamente por alteração do valor nominal” compreendesse os aumentos de capital por novas entradas tornar-se-ia injustificável e ilógico a menção na mesma disposição ao aumento de capital por incorporação de reservas, já que esta modalidade de aumento de capital estaria igualmente abrangida pela referência à aquisição de valores mobiliários por “substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal”, até porque é essa precisamente a forma típica de materializar o aumento de capital por incorporação de reservas (cfr. art. 92.º, n.º 4 do CSC: “A deliberação de aumento de capital deve indicar se são criadas novas quotas ou acções ou se é aumentado o valor nominal das existentes, caso exista, sendo que na falta de indicação, se mantém inalterado o número de acções”).

 

30. Assim, o que cabe entender, como acima se disse, é que não está compreendido na previsão da alínea a) do n.º 6 do art. 43.º do CIRS a modalidade do aumento de capital por novas entradas, ainda que através do reforço do valor nominal das participações sociais originárias, implicando a referência especifica e exclusiva ao aumento por incorporação de reservas a aplicação do conhecido cânone hermenêutico expressio unius est exclusio alterius segundo o qual a indicação de uma espécie de uma certa classe ou categoria envolve a exclusão da outra espécie ou espécies da mesma classe ou categoria.

 

31. Pois bem, as hipóteses, inteiramente justificadas, a que se reporta a referência a “substituição daqueles [valores mobiliários], designadamente por alteração do valor nominal” prende-se com aqueles casos (v. g., arts. 219.º, n.º 4, 221.º, n.º 1, 270.º-D, n.º 1 do CSC) em que se procede diretamente à substituição das partes sociais com alteração do seu valor nominal. Por exemplo, a uma acção de €2.000 substituem-se duas acções de €1.000 ou procede-se à divisão de quota de €1.000 em duas novas quotas de €500, eventualmente para transmissão de uma delas. Justamente, nestes casos, bem se justifica atribuir às novas partes sociais então criadas a mesma data de aquisição das partes sociais que lhes deram origem, por mera repartição ou união.

 

32. Assim, bem observa XAVIER DE BASTO, ob. cit., p. 453, que “a solução é plenamente justificada nas situações previstas na segunda parte desta alínea [a], já que então a substituição dos títulos resulta de factores que não têm relação directa com o seu valor real (alteração do valor nominal, denominação em moeda diferente, alteração do escopo societário...)”.

 

33. Como explica correctamente SALGADO DE MATOS, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares Anotado, 1999, p. 312 (vd., também assim, SALDANHA SANCHES, ob. cit., p. 80), o critério dogmático que está na base da disposição em causa respeita às situações em que “o sujeito passivo adquira determinados bens por virtude de uma situação de que já era titular anteriormente”.

 

34. Ora, se este critério opera em relação ao aumento de capital por incorporação de reservas pois “as reservas (ou seja, os lucros obtidos no passado e ainda detidos) se transferem para o capital social da organização, sem mudança da situação líquida da empresa”, não sucede com o aumento de capital por novas entradas, pois aqui são estas novas entradas que determinam a constituição da nova participação social, materialize-se ela na criação de novas quotas ou no aumento do valor nominal das quotas originárias.

 

35. Deste modo, como não está incluída na previsão da alínea a) do n.º 6 do art. 43.º do CIRS a modalidade do aumento de capital por novas entradas, ainda que através do reforço do valor nominal das participações sociais originárias, não é possível alargar o âmbito de aplicação do art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11 de modo a abranger as novas participações sociais, ainda que por reforço do valor das antigas, adquiridas em razão de aumentos de capital por entradas em dinheiro.

 

36. É, por isso, rigorosíssima e certeira a afirmação do Tribunal Central Administrativo Norte de 28.09.2017, proc. n.º 01264/09.0BEVIS, de que, inexistindo norma tributária que estabeleça a isenção ou não sujeição a imposto dos ganhos obtidos com a alienação de quotas adquiridas em resultado do aumento de capital social por entradas em dinheiro, “se possa pretender desviar tal situação do regime regra de tributação ou pugnar pela sua exclusão da norma de incidência, em cuja previsão literalmente se inclui”, pois em “matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito de aplicação da norma de isenção (ou de incidência, consoante os casos), mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade tributária – art.º103.º n.º 2 da CRP – assume nestes domínios”.

 

37. Acrescente-se, por fim, ao que se vem de expor, o quanto tem de estranho admitir que a delimitação da exclusão tributária do art. 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442/88, por força da interpretação acolhida pela posição que fez vencimento da disposição do art. 43.º, n.º 6, alínea a) do CIRS, produza o efeito de, perante um aumento de capital por novas entradas em dinheiro, quando isso ocorra mediante o reforço do valor nominal das participações pré-existentes, não há lugar à tributação das mais-valias, mas isso já ocorre se o mesmíssimo aumento de capital for materializado mediante a criação de novas participações – um tal critério, meramente formal, implica, insofismavelmente, gritante violação do princípio da capacidade contributiva e do princípio da igualdade, facultando apenas, sem cabimento legal e desrazoavelmente, a perpetuação de privilégios fiscais assentes em lei há muito abrogada, até porque, como assume o próprio legislador do CIRS, no respectivo Preâmbulo (n.º 5): “razões de justiça recomendam a tributação das mais-valias, que constituem acréscimos de poderes aquisitivos obtidos sem esforço ou por acaso da sorte e que, aliás, tendem a concentrar-se nos escalões elevados de rendimento”.

 

38. Por estes motivos, não podemos subscrever a posição que, quanto a esta questão, fez vencimento.

 

Lisboa, 30.11.2023

 

O Árbitro

 

(João Menezes Leitão)