Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 820/2023-T
Data da decisão: 2024-03-08  IRS  
Valor do pedido: € 109.509,98
Tema: IRS. Mais-valias. Benefício fiscal. Pequenas e microempresas. Venda de participações de empresa estrangeira. Direito da União Europeia.
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Marques Candeias e Dr. Arlindo José Francisco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-01-2024, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., maior, NIF ..., com nacionalidade portuguesa, portador do Cartão de Cidadão nº..., emitido pelas autoridades competentes da República Portuguesa e válido até 24.03.2030, com residência na ..., nº ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designado como “Requerente”) apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação parcial da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao exercício de 2021, a restituição do valor indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-11-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-01-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11-01-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 07-03-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Em 09-02-2009, foi constituída a sociedade B..., uma sociedade privada de responsabilidade limitada de direito belga, com o número de registo belga ..., atualmente com sede em Bruxelas, Reino da Bélgica, com um capital social de € 18.600,00 (dezoito mil e seiscentos euros), representado por 100 (cem) participações sociais, no valor nominal de € 186,00 (cento e oitenta e seis euros) cada (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. No decurso do ano de 2013, o Requerente ingressou na estrutura acionista da referida sociedade B..., adquirindo, mediante ato de cessão gratuita, a C... participações sociais, conforme a certidão do registo comercial belga, passando a ser o sócio maioritário daquela sociedade, com uma participação equivalente a 61% (sessenta e um por cento) do capital social (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 22-05-2014, os sócios da referida sociedade deliberaram o aumento de capital, através da emissão de 440 (quatrocentas e quarenta) novas participações sociais, no valor global de € 81.840,00 (oitenta e um mil oitocentos e quarenta euros), passando aquela sociedade a apresentar um capital social de € 100.440,00 (cem mil e quatrocentos e quarenta euros), correspondente a 540 (quinhentas e quarenta) participações sociais, conforme a certidão do registo comercial belga (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Na segunda metade de 2017, D... cedeu gratuitamente ao Requerente 199 (cento e noventa e nove) participações sociais, passando o Requerente a deter a totalidade do capital social, i.e., as 540 (quinhentas e quarenta) participações sociais (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Em 27-05-2021, o Requerente recebeu o valor de € 782.500,00 (setecentos e oitenta e dois mil e quinhentos euros), decorrente da alienação onerosa de 80% do capital social da B... à E... BV, uma sociedade comercial de direito belga, com o número de registo belga 0474.818.463, (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  6. No quadro 9.2. do Anexo J da declaração Modelo 3 do IRS de substituição que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, o total da referida contrapartida financeira decompôs-se em € 164.832,00 (cento e sessenta e quatro mil oitocentos trinta e dois euros), imputado às participações sociais adquiridas pelo Requerente em 2013, e em € 617.668,00 (seiscentos e dezassete mil seiscentos e sessenta e oito euros), imputado às participações sociais adquiridas pelo Requerente em 2017 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Sendo residente em território português e, nessa medida, ali tributado no período de tributação de 2021, o Requerente submeteu a respetiva declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS no prazo legal, tendo considerado, ainda, os rendimentos da categoria A pagos ao A. pela F..., Lda. (NIPC...), no valor de € 14.862,02 (catorze mil oitocentos e sessenta e dois euros e dois cêntimos), e pela G... Unipessoal, Lda. (NIPC...), no valor de € 63.821,97 (sessenta e três mil oitocentos e vinte  e um euros e noventa e sete cêntimos) (documento n.º 10);
  8. Por ter inicialmente optado pelo englobamento, foram somados todos os valores referidos supra para efeitos de tributação pelas taxas progressivas, resultando no ato de liquidação nº 2022..., de 01-07-2022, e da demonstração nº 2022..., cuja cópia ora se junta como doc. 11, evidenciando um valor a pagar de € 397.148,91 (trezentos e noventa e sete mil cento e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos) (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. De modo atenuar a tributação sobre os montantes recebidos pela alienação onerosa das participações sociais da B..., o A. submeteu a declaração Modelo 3 do IRS de substituição que consta do documento n.º 10, exercendo o seu direito a não optar pelo englobamento;
  10. Na sequência da declaração de substituição, foi emitida a liquidação nº 2022..., de 07-07-2022, decorrente do acerto de contas nº 2022..., de 14-07-2022, que determinou o pagamento do IRS, com referência ao período de tributação de 2021, no valor global de € 216.650,26 (duzentos e dezasseis mil seiscentos e cinquenta euros e vinte e seis cêntimos) (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  11. Em 31-08-2022, o Requerente pagou a quantia de € 216.650,26 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  12. Em 29-12-2022, o Requerente apresentou reclamação graciosa em que peticionou a sua anulação parcial no valor de € 109.549,98 (cento e nove mil quinhentos e quarenta e nove euros e noventa e oito cêntimos) (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. O Requerente foi notificado, na pessoa do seu Mandatário do Ofício desta Direção de Finanças nº ..., de 17-07-2023, pelo qual se deu a conhecer o projeto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  14. O Requerente exerceu, em 02-08-2023, o seu direito de audiência prévia mediante pronúncia escrita (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  15. Em 04-09-2023, o Requerente foi notificado, na pessoa do seu mandatário, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o nº ...2023..., de 31-08-2023, do Senhor Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, a coberto do Ofício nº ... desta mesma data (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  16. Na decisão de indeferimento da reclamação graciosa refere-se, além do mais, o seguinte:

IV – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

 

1.   O reclamante vem solicitar a redução da tributação em 50% relativamente às participações sociais de uma sociedade belga, adquiridas em 2013 (61 %) e em 2017 (39% - passou a deter 100% do capital social), e alienadas em 80% em 2021, perfazendo o montante recebido € 782.500,00.

2.   Está, assim, em causa na presente reclamação, a aferição do enquadramento e tributação de mais valias provenientes da alienação de participações sociais, nos termos dos nºs 3 e 4 do art.º 43º do CIRS.

3.   Sendo a referida sociedade uma empresa não residente, sedeada na Bélgica, tem sido entendimento dos serviços o seguinte quanto à aplicação do regime previsto no nº 3 do art.º 43º do CIRS:

4.   O n.º 3 do art.º 43 do CIRS determina que o saldo referido no nº 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do nº 1 do art.º 10º relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores quando positivo, é considerado em 50% do seu valor sendo que, para estes efeitos esclarece o nº 4 que se entende por micro e pequenas empresas as entidades definidas nos termos do anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 6 de novembro.

5.   No anexo ao referido Decreto-Lei vem por seu lado, estabelecido no nº 2 do seu art.º 2º que na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço anual não exceda 10 milhões de euros.

6.   Finalmente, estabelece a al. c) do nº 1 do art.º 72º do CIRS que “são tributados à taxa de 28% c) o saldo positivo entre as mais valias e menos valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do nº 1 do art.º 10º”.

7.   Da aplicação do regime legal há que ter em conta que o sujeito passivo adquiriu participações sociais da sociedade B... com sede na Bélgica, por conseguinte, não residente em Portugal e, nessa medida, o regime legal previsto nos nºs. 3 e 4 do art.º 43º do CIRS não é aplicável às mais valias obtidas pelo reclamante.

8.   Com efeito, tal regime apenas é aplicável às micro e pequenas empresas, sediadas em Portugal e definida nos termos do anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 06 de Novembro, como expressamente determina o nº 4 do art.º 43º do CIRS: “Para efeitos do disposto no número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas nos termos do anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 06 de novembro”.

9.   A Lei nº 15/2010 ao ter introduzido o mencionado regime, no nº 3 e nº 4 do art.º 43 do CIRS, apenas e só pretendeu incrementar um regime fiscal mais favorável para as mais valias obtidas na alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas sediadas em Portugal e não de sociedades estrangeiras não residentes em Portugal.

Senão vejamos,

10.   A origem desta redação dos nºs 3 e 4 do art.º 43º do CIRS é a Lei nº 15/2010, de 26 de julho. Tal diploma legal resulta da Proposta de Lei nº 16/XI que, contudo, na sua versão inicial, não previa o regime de exclusão tributária agora constante do nº 3 do art.º 43º do CIRS. A sua inclusão na versão final resulta da aprovação de uma proposta de alteração que tem origem no Projeto de Lei nº 257/XI, cujo preâmbulo justificava nos seguintes termos:

 

“Finalmente, porque importa também nesta ocasião significar a urgência da recuperação financeira das empresas, em particular das pequenas e médias empresas nacionais, muitas delas de matriz familiar, preconiza-se um regime fiscal mais favorável às mais valias geradas na alienação onerosa de partes sociais, nos termos definidos no artigo 10º, nº 1, alínea b) do código do IRS”.

 

11.   Encontra-se, pois, expressamente plasmado no preâmbulo do Projeto de lei nº 257/XI que o pretendido pelo legislador no nº 3 do artigo 43º do CIRS foi beneficiar, incrementar e desenvolver as micro e pequenas empresas nacionais.

12.   Pelo que não se diga que o objetivo foi dar benefício fiscal ao pequeno investidor,

independentemente da residência fiscal da sociedade, pois, tanto o pequeno como o médio ou grande investidor pode investir em micro e pequenas empresas e desde que estas estejam localizadas em Portugal, beneficiam do contemplado no nº 3 do art.º 43º do CIRS.

13.   Por outro lado, para além da referência expressa plasmada no preambulo do projeto lei que introduziu este regime, também do nº 4 do art.º 43º do CIRS resulta o mesmo entendimento.

14.   Com efeito, estabelece o nº 4 do art.º 43 do CIRS que: “Para efeitos do disposto no nº anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 6 de novembro”

15.   Ou seja, determina o nº 4 do art.º 43 que para efeitos da aplicação do regime contido no nº 3 se consideram micro e pequenas empresas, as entidades como tal definidas no anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 6 de novembro.

16.   Ora, o referido Decreto-lei define os conceitos de micro, pequenas e médias, dentro do universo das empresas localizadas em Portugal, ou seja, dentro dos limites da sua competência territorial.

17.   Com efeito, estabelece o nº 1 do artigo 3º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), sob a epígrafe “Lei Pessoal”: “As sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do estado onde se encontra situada a sede principal e efetiva da sua administração. A sociedade que tenha em Portugal a sede estatutária não pode, contudo, opor a terceiros a sua sujeição a lei diferente da lei portuguesa.

18.   Nestes termos e em conclusão:

19.   O sujeito passivo adquiriu ações de uma sociedade não residente em Portugal e, nessa medida, o regime legal previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43. ° do CIRS não é aplicável às mais-valias obtidas pelo Requerente.

20.   Razão pela qual, não se confirma o enquadramento proposto pelo Requerente de que as mais-valias por si auferidas na alienação das participações sociais em causa deverão ser apenas consideradas em 50% do seu valor, nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS.

21.   Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

 

V – PROJETO DE DECISÃO

Face ao exposto, propõe-se o indeferimento do pedido, com os fundamentos acima descritos, devendo manter-se a liquidação de IR n.º 2022..., no montante global de € 216.650,26.

Assim, dever-se-á proceder à notificação do sujeito passivo para, querendo, se pronunciar sobre o presente projeto de decisão da reclamação, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT.

 

                                                 INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR

 

VII – AUDIÇÃO PRÉVIA

 

1- Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 14.07.2023 despacho de indeferimento pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa, por subdelegação, relativamente à liquidação de IRS nº 2022..., no montante € 216.650,26, consubstanciada no acerto de contas nº 2022..., de 14.07.2022, referente ao ano de 2021.

2 – O referido despacho foi notificado ao mandatário do reclamante, Dr. H..., através do ofício n.º..., registo dos CTT – RH...PT, em 17.07.2023, para, no prazo de 15 dias exercer o direito de audição prévia, previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT.

3 – Da mencionada notificação foi dado conhecimento ao reclamante pelo ofício nº....

4 - Considerando o estatuído no art.º 39.º do CPPT, quanto à perfeição das notificações, a notificação considera-se efetuada em 20.07.2023, pelo que o termo do prazo para exercer tal direito ocorreu em 04.08.2023.

5 – Nestes termos, veio, através do mandatário, exercer o direito de audição prévia, por email enviado à Direção de Finanças de Lisboa, em 02.08.2023 (entrada GPS “2023...” dentro, portanto, do prazo legal para o efeito.

6 - No exercício do direito de audição e por não se conformar com o sentido decisório, vem o reclamante afirmar que a interpretação do art.º 43º, nºs 3 e 4 do CIRS descura os princípios da liberdade de circulação de capitais, da igualdade e da não discriminação, decorrentes do Direito da União Europeia e da Constituição da República Portuguesa.

7 – De facto, atento o teor literal do art.º 43º, nº 3 do CIRS, efetivamente, nenhuma menção é feita pelo legislador quanto à localização da sede ou da direção efetiva das micro e pequenas empresas.

8 – Deste modo, tenho em conta que a letra dos nºs 3 e 4 do art.º 43º do CIRS, não resulta que tal regime seja aplicável unicamente às mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva em território nacional e que uma interpretação dos mesmos normativos nesse sentido seria contrária aos elementos racional e teleológico da interpretação por conduzirem a uma solução contrária ao imperativo de assegurar o princípio comunitário da liberdade de circulação de capitais, o que não deverá ser tido por pretendido por um legislador razoável, julga-se que o referido regime não permite distinguir entre mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva em território nacional e mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva noutro Estado Membro.

9 – Por isso o projeto de decisão padece de manifesto erro sobre os pressupostos de direito, violando as disposições do art.º 43º, nºs 3 e 4, do art.º 13º da CRP e dos art.ºs  63º, nº1 e 64º nº 1 do Tratado sobre o funcionamento da união Europeia.

10 – Termos em que requer a revogação do sentido do ato decisório e a anulação parcial da liquidação em causa, no montante total de € 109.549,98, com fundamento em erro dos serviços, acrescido dos juros indemnizatórios.

 

VIII – ANÁLISE E PARECER

 

1– Atenta a pretensão do enquadramento proposto pelo reclamante de que as mais-valias por si auferidas na alienação das participações sociais em causa deverão ser apenas consideradas em 50% do seu valor, nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS, tendo em conta todos os normativos por si invocados e a justificação de que o projeto de indeferimento proposto padece de ilegalidade, o facto é que a AT emite entendimentos as quais são uniformizados e seguidos na sua generalidade, atento o

espírito do legislador.

2 - Pelo que, tendo em conta o referido entendimento, se reitera que o Reclamante ao ter adquirido participações sociais da sociedade B... com sede na Bélgica, nessa medida, o regime legal previsto nos nºs. 3 e 4 do art.º 43º do CIRS não é aplicável às mais valias obtidas pelo reclamante.

3 – Concluindo-se que tal regime apenas é aplicável às micro e pequenas empresas, sediadas em Portugal e definida nos termos do anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 06 de Novembro, como expressamente determina o nº 4 do art.º 43º do CIRS: “Para efeitos do disposto no número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas nos termos do anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007, de 06 de novembro”.

4 - Por todo o exposto, não se afigura ser de alterar o que foi afirmado em sede de projeto de decisão no que toca à desconsideração da tributação em 50% relativa à alienação das aludidas partes sociais, não sendo a argumentação do reclamante de colher provimento.

4 - Cumpre ainda referir que, não se verificando a existência de erro imputável aos Serviços, não é de reconhecer o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do art.º 43º da LGT.

 

IX – CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, propõe-se a convolação do projeto de decisão, no sentido do INDEFERIMENTO do pedido, de acordo com os fundamentos acima descritos.

 

  1. Nos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, a sociedade B... apresentava os seguintes dados da actividade:

a. Uma média anual de 14,5 (catorze vírgula cinco), de 12 (doze) e de 9,8 (nove vírgula oito) trabalhadores ao seu serviço nos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, respetivamente;

b. Um volume de negócios anual de € 8.259.604,67 (oito milhões duzentos e cinquenta e nove mil seiscentos e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), de € 5.723.533,49 (cinco milhões setecentos e vinte e três mil quinhentos e trinta e três euros e quarenta e nove cêntimos) e de € 5.103.136,02 (cinco milhões cento e três mil cento e trinta e seis euros e dois cêntimos), nos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, respetivamente;

c. Um total do ativo anual de € 2.122.829,39 (dois milhões cento e vinte e dois mil oitocentos e vinte e nove euros e trinta e nove cêntimos), de € 3.189.425,05 (três milhões cento e oitenta e nove mil quatrocentos e vinte e cinco euros e cinco cêntimos) e de € 3.706.340,00 (três milhões setecentos e seis mil trezentos e quarenta euros), nos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, respetivamente (documentos n.ºs 16, 17, 18, 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. No período de 2021, a B... era considerada uma pequena empresa nos termos da legislação belga (documentos n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 16-11-2023, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 43.º do CIRS estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

(...)

3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.

4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

 

O Requerente pretende que seja aplicado este n.º 3, às mais-valias obtidas com a venda de participações sociais de uma empresa com as características de pequena empresa com sede na Bélgica, como tal considerada à face da legislação belga.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu na decisão da reclamação graciosa que aquele n.º 3 do artigo 43.º do CIRS se reporta apenas a mais-valias obtidas com a venda de participações sociais de empresas portuguesas.

A letra dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, não impõe uma interpretação no sentido do benefício fiscal seja aplicável unicamente às mais-valias geradas com a venda de participações de micro e pequenas empresas com sede ou direcção efectiva em território nacional.

Na verdade, a remissão que se faz no n.º 4 do artigo 43.º não se reporta ao regime da certificação de micro, pequenas e médias empresas (“PME”) criado pelo Decreto-lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, antes de limita à definição dos requisitos para atribuição de tal qualificação («... as entidades definidas...»), sem qualquer restrição relativa à sua localização.

Por outro lado, na fundamentação da sua posição, a Requerente invoca, além do mais, a incompatibilidade do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira com o Direito de União Europeia, designadamente o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Esta questão foi apreciada recentemente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão de 16-11-2023, proferido no processo n.º C-472/22, em que concluiu o seguinte:

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática fiscal de um Estado‑Membro, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que reserva um benefício fiscal, que consiste na redução para metade da tributação das mais‑valias geradas pela transmissão de participações sociais, apenas às transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas nesse Estado‑Membro, com exclusão das transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros.

 

Na fundamentação deste acórdão refere-se, além do mais, o seguinte:

 

22 Nos termos do artigo 63.o, n.º 1, TFUE, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros e entre Estados Membros e países terceiros.

23 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.o, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (Acórdão de 17 de março de 2022, AllianzGI Fonds AEVN, C 545/19, EU:C:2022:193, n.º 36 e jurisprudência referida).

24 No caso em apreço, a legislação nacional em causa no processo principal, tal como aplicada pela Autoridade Tributária, institui uma diferença de tratamento entre os residentes fiscais portugueses que detenham participações sociais em empresas que exerçam uma atividade económica em Portugal e os que detenham participações sociais em empresas que exerçam uma atividade económica fora de Portugal, sendo as mais valias realizadas com as transmissões de participações sociais nestas últimas mais fortemente tributadas. Assim, esta legislação torna mais atrativo o investimento em empresas estabelecidas em território português, em detrimento das estabelecidas noutros Estados Membros.

25 Ora, esta diferença de tratamento em função do lugar de investimento dos capitais tem por efeito dissuadir um residente fiscal português de investir os seus capitais numa sociedade estabelecida noutro Estado e tem também um efeito restritivo em relação às sociedades estabelecidas noutros Estados, uma vez que constitui no que lhe diz respeito um obstáculo à recolha de capitais em Portugal (v., por analogia, Acórdãos de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C 35/98, EU:C:2000:294, n.ºs 34 e 35; de 15 de julho de 2004, Weidert e Paulus, C 242/03, EU:C:2004:465, n.os 13 e 14; e de 18 de dezembro de 2007, Grønfeldt, C 436/06, EU:C:2007:820, n.º 14 e jurisprudência referida). Tal diferenciação constitui, portanto, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.

26 No entanto, ao abrigo do artigo 65.o, n.º 1, alínea a), TFUE, o artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

27 Resulta de jurisprudência constante que o artigo 65.o, n.º 1, alínea a), TFUE, uma vez que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que toda a legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residem ou do Estado em que investem os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado [Acórdão de 7 de abril de 2022, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Isenção dos fundos de investimento contratuais), C 342/20, EU:C:2022:276, n.º 67 e jurisprudência referida].

28 Com efeito, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.o, n.º 1, alínea a), TFUE não devem constituir, de acordo com o n.º 3 deste artigo, um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que semelhantes diferenças de tratamento só podem ser autorizadas se disserem respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou, no caso contrário, se forem justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 7 de abril de 2022, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Isenção dos fundos de investimento contratuais), C 342/20, EU:C:2022:276, n.º 68 e jurisprudência referida].

29 Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado Membro deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa, bem como o objeto e o conteúdo destas últimas. Apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença objetiva entre as situações (Acórdão de 16 de dezembro de 2021, UBS Real Estate, C 478/19 e C 479/19, EU:C:2021:1015, n.ºs 47 e 48 e jurisprudência referida).

30 No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a prática fiscal em causa no processo principal tem por objetivo apoiar as empresas nacionais e estimular a atividade económica em Portugal reduzindo para metade a carga fiscal que onera as mais valias realizadas pelos contribuintes com residência fiscal em Portugal, quando transmitam participações sociais em sociedades estabelecidas neste Estado Membro. As mais valias realizadas por esses contribuintes com as transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados Membros ficam, em contrapartida, sujeitas a imposto à taxa integral.

31 A legislação nacional em causa no processo principal, tal como aplicada pela Autoridade Tributária, aplica se, portanto, indistintamente a qualquer pessoa singular com residência fiscal em Portugal e implica um tratamento diferenciado baseado exclusivamente no lugar de estabelecimento das sociedades nas quais os capitais são investidos, com o intuito de incentivar o investimento na atividade económica em Portugal, em detrimento do investimento nos outros Estados Membros.

32 Ora, por um lado, um contribuinte que proceda a investimentos em participações sociais numa sociedade portuguesa e um contribuinte que proceda a investimentos em participações sociais numa sociedade estrangeira investem ambos os seus capitais em sociedades com vista à obtenção de lucros (v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Real Vida Seguros, C 449/20, EU:C:2021:721, n.º 33).

33 Por outro lado, admitir que os contribuintes que investiram em empresas que exercem uma atividade económica em Portugal seriam colocados numa situação diferente dos contribuintes que investiram em empresas que exercem uma atividade económica fora de Portugal, quando o artigo 63.o, n.º 1, TFUE proíbe precisamente as restrições aos movimentos de capitais transfronteiriços, esvaziaria esta disposição do seu conteúdo (v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Real Vida Seguros, C 449/20, EU:C:2021:721, n.º 36 e jurisprudência referida).

34 Assim, a diferença de tratamento resultante de uma legislação dessa natureza não assenta numa diferença objetiva de situações.

35 Por conseguinte, há que examinar se essa restrição à livre circulação pode ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral. Com efeito, segundo a jurisprudência, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo (Acórdão de 17 de março de 2022, AllianzGI Fonds AEVN, C 545/19, EU:C:2022:193, n.º 75 e jurisprudência referida).

36 No caso em apreço, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a prática fiscal em causa no processo principal visa apoiar as empresas nacionais e estimular a atividade económica em Portugal.

37 Ora, em conformidade com jurisprudência constante, um objetivo de natureza puramente económica não pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE (Acórdãos de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C 35/98, EU:C:2000:294, n.º 48, e de 25 de fevereiro de 2021, Novo Banco, C 712/19, EU:C:2021:137, n.º 40 e jurisprudência referida).

38 Em todo o caso, mesmo admitindo que tal objetivo seja considerado admissível, não foi dada nenhuma indicação que sugira que o objetivo não seria alcançado se o benefício fiscal previsto na legislação nacional em causa no processo principal fosse igualmente aplicado às mais valias geradas pela transmissão de participações sociais em micro e pequenas empresas que exercem uma atividade económica fora de Portugal (v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Real Vida Seguros, C 449/20, EU:C:2021:721, n.º 40).

39 Embora, sem contestar o referido objetivo de natureza puramente económica, o Governo Português, nas suas observações escritas, afirme que a diferença de tratamento em causa tem tudo a ver diretamente com a preservação da coerência do sistema fiscal, cumpre recordar que, para que um argumento baseado nesta justificação possa vingar, é necessário que seja demonstrada a existência de um nexo direto entre o benefício fiscal em causa e a compensação deste benefício através de uma determinada cobrança fiscal, devendo o caráter direto deste nexo ser apreciado à luz do objetivo da legislação em causa [Acórdão de 7 de abril de 2022, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Isenção dos fundos de investimento contratuais), C 342/20, EU:C:2022:276, n.º 92 e jurisprudência referida].

40 Ora, não se pode deixar de observar que o Governo Português não desenvolve uma argumentação jurídica para sustentar a sua afirmação. Por conseguinte, este Governo não demonstrou que o benefício fiscal concedido aos contribuintes que detêm participações sociais em empresas que exercem uma atividade económica em Portugal é compensado por uma determinada cobrança fiscal, justificando assim a exclusão dos contribuintes que detenham participações sociais em empresas que exercem uma atividade económica fora de Portugal da possibilidade de beneficiar deste benefício.

41 Assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura se que a legislação em causa no processo principal, tal como aplicada pela Autoridade Tributária, não é justificada por razões imperiosas de interesse geral.

42 Por conseguinte, o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática fiscal de um Estado Membro, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que reserve um benefício fiscal, que consiste na redução para metade da tributação das mais valias geradas pela transmissão de participações sociais, apenas às transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas nesse Estado Membro, com exclusão das transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados Membros.

 

 

Este acórdão foi emitido no âmbito de um processo arbitral do CAAD e teve por objecto de apreciação precisamente o regime do artigo 43.º, n.º 3, do CIRS, pelo que é inquestionável a sua aplicação a situação dos autos.

Por outro lado, no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira não indica quais as eventuais «razões imperiosas de interesse geral», a que alude o acórdão do TJUE, designadamente «que o benefício fiscal concedido aos contribuintes que detêm participações sociais em empresas que exercem uma atividade económica em Portugal é compensado por uma determinada cobrança fiscal, justificando assim a exclusão dos contribuintes que detenham participações sociais em empresas que exercem uma atividade económica fora de Portugal da possibilidade de beneficiar deste benefício» (n.ºs 40 e 41).

Neste contexto, resta aplicar esta jurisprudência do TJUE.

Na verdade, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia ( [1] ).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 43.º, n.º 3, do CIRS, a interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de estarem excluídas do benefício fiscal as mais-valias obtidas com a venda de participações sociais de micro e pequenas empresas com sede noutro Estado-Membro da União Europeia.

Consequentemente, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, tem de se concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a anulação parcial pedida pelo Requerente, bem como a anulação da decisão da reclamação graciosa que a manteve.

 

4. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede reembolso da quantia de € 109.549,98 que pagou indevidamente, acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação parcial, o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia paga indevidamente, o que é consequência da anulação.

          No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).          

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

          O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

            O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

A ilegalidade da liquidação é imputável à Administração Tributária, que a emitiu por sua iniciativa.

Por isso o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, que são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, calculados sobre o valor de € 109.549,98 e contados desde a data em que foi efectuado o pagamento (31-08-2022) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

           

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular parcialmente, quanto ao valor de € 109.549,98, a liquidação nº 2022..., de 07-07-2022, decorrente do acerto de contas nº 2022..., de 14-07-2022;
  3. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa:
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga, no montante de € 109.549,98 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante ao Requerente;
  5. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o seu pagamento ao Requerente nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 109.549,98, indicado pelo Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 08-03-2024

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Ricardo Marques Candeias)

 

(Arlindo José Francisco)

 

 



[1]             Neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.