Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 415/2022-T
Data da decisão: 2024-01-12  Selo  
Valor do pedido: € 31.202,43
Tema: IS – Imposto do Selo sobre comissões pela emissão e colocação no mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões.
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Sumário:

1 - O TJUE vem dizer-nos muito claramente no Despacho de 19 de julho de 2023 que: “O artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária”.

2 -Esta interpretação terá de ser aplicada plenamente à situação em causa nos presentes autos, dado que conforme exposto supra, resulta claramente dos Contratos que as comissões cobradas (montantes pagos) pela Requerente às referidas Instituições de Crédito visa remunerar as mesmas pelos serviços prestados (de emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões); esclarecendo o TJUE que este entendimento é “independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária”.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Signatária Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 20 de setembro de 2022.

 

  1. Relatório

 

1. A..., SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º ... com sede na Rua ..., n.º ...,  ..., ...-... ..., tendo como serviço periférico local – Serviço de Finanças da ... (doravante, Requerente), apresentou no dia 8 de julho de 2022 pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

O pedido formulado no PPA é o seguinte:

Nos termos do acima exposto, requer-se a V. Exa. a constituição de Tribunal Arbitral de acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, pedindo-se a esse Douto Tribunal que julgue procedente, por provado, o presente pedido de pronuncia arbitral, com fundamento em vicio de violação de lei, nomeadamente do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12.02.2008, e, consequentemente, proceda à anulação nos termos do artigo 163.º do CPA:

i) Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021...;

ii) Das liquidações de IS (guias de pagamento identificadas na resposta à Reclamação Graciosa constante do Documento n.º 1) e comprovadas nas declarações emitidas pelos bancos envolvidos (cfr. Documentos n.º 6 a n.º 21), na parte ora reclamada, no valor de 31.202,43 Euros.

[A decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada em (i) e as liquidações de Imposto do Selo identificadas em (ii); doravante, Ato Impugnado]

Em consequência, requer-se a esse Douto Tribunal que condene a AT no reembolso do IS pago indevidamente, no montante de 31.202,43 Euros, nos termos do artigo 100.º da LGT e, bem assim, no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contabilizados desde a prolação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tudo com as demais consequências legais.

No caso de reenvio previsto no artigo 267.º do TFUE, mais se requer ao Tribunal Arbitral que:

i) Convide a Requerente a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do TJUE, densificando, na notificação para o efeito, os motivos pelos quais considera insuficiente a jurisprudência comunitária existente; e

ii) Suspenda a presente instância até à prolação de decisão pelo TJUE.

Sinteticamente, a argumentação apresentada pela Requerente é a seguinte:

     “No âmbito da sua atividade, a Requerente recorreu a financiamento através da modalidade do papel comercial colocado por instituições de crédito junto de investidores no âmbito dos seguintes contratos, que aqui se juntam e reproduzem para todos os efeitos legais como:

     Documento n.º 2: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com Banco Comercial Português S.A. (BCP) em 20 de setembro de 2016.

     Documento n.º 3: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com a Caixa – Banco de Investimento, S.A. e Caixa Geral de Depósitos, S.A. (ambas CGD) de 14 de dezembro de 2018.

     Documento n.º 4: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com Novo Banco S.A. (NB) de 8 de fevereiro de 2019.

Documento n.º 5: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com Banco BPI, S.A. (BPI) de 7 de novembro de 2018.

     No âmbito dos referidos contratos de emissão de papel comercial com intermediação de instituições de créditos, incidiu Imposto do Selo ao abrigo da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre as comissões cobradas, liquidadas e entregues ao Estado pelas instituições de crédito elencadas no ponto anterior, na qualidade de sujeitos passivos, as quais fizeram repercutir o encargo respetivo na esfera da Requerente.

     Conforme melhor descrito na tabela abaixo, o Imposto do Selo pago incidente sobre comissões relativas à emissão de papel comercial, no período compreendido entre Março de 2019 e Fevereiro de 2021, por referência aos contratos supra identificados, corresponde a um total de € 31.202,43 (trinta e um mil duzentos e dois euros e quarenta e três cêntimos)

(...)

     A Requerente entende que a liquidação de IS sobre as comissões de colocação é indevida, porquanto a verba n.º 17.3.4 da TGIS deve ser interpretada restritivamente, em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva da Reunião de Capitais, que proíbe a aplicação de qualquer tributação indireta (onde se inclui, inequivocamente, o IS) sobre as operações de reunião de capitais que a Diretiva pretende “proteger”, não podendo, naturalmente, deixar de estar abrangidas por tal proteção as comissões de colocação dos títulos negociáveis a que se refere a Diretiva.

(...)

     O artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva, é claro ao prever a não incidência de qualquer tributação indireta sobre a emissão de títulos negociáveis e todas as formalidades conexas com a mesma, bem como, entre outros atos, a colocação em circulação ou negociação, independentemente de esta ser obrigatória ou não (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

     Igualmente clara é a jurisprudência constante do TJUE (vide Acórdãos Air Berlin, processo C-573/16; Comissão/Bélgica, processo C-415/02; Albert Reiss, processo C-466/03; HSBC Holdings, processo C-569/07) ao considerar que esta disposição deve ser interpretada em sentido amplo, de forma a evitar que as proibições nela previstas sejam privadas de efeito útil, aplicando-se não apenas ao financiamento resultante da emissão, mas também as operações que façam “parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais”.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 11 de julho de 2022 e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerida não procedeu à nomeação de Árbitro, pelo que, em 31 de agosto de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o Dr. Vasco Valdez como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo o mesmo comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. em 31 de agosto de 2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20 de setembro de 2022.

 

6. Ainda em 20 de setembro de 2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho arbitral:

Nos termos previstos nos números 1 e 2 do artigo 17º do RJAT, notifique o dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido cópia do processo administrativo no mesmo prazo, aplicando-se, na sua falta, o disposto no nº 5 do do artigo 110º do CPPT.

 

7. Em 26 de outubro de 2022, a Requerida veio aos autos juntar o processo administrativo e apresentar Resposta, defendendo:

Como questão prévia:

    “existindo prova documental inequívoca junto aos autos de que não foram cobradas pelas instituições de crédito à REQUERENTE quaisquer comissões designadas de “colocação”, torna-se impossível que lhe tenha sido liquidado e cobrado Imposto do Selo sobre as mesmas, isto é, sobre as apelidadas “comissões de colocação de papel comercial”.

     Em face disto, entendemos estar perante uma situação de dissonância entre a prova documental junta aos autos e os factos que sustentam a causa de pedir e o pedido, devendo em consequência, de acordo com as regras da repartição do ónus da prova, essa circunstância ser processualmente valorada contra a REQUERENTE”

Quanto à questão de fundo, a Requerida reitera o exposto na decisão da reclamação graciosa, para a qual remete, e adicionalmente remete para o exposto nas decisões arbitrais                          n.ºs 856/2019-T, de 22 de setembro de 2020, 2/2020-T, 29 de março de 2021, 502/2020-T, de 4 de junho de 2021, 559/2020-T, de 24 de junho de 2021, 471/2021-T, de 8 de fevereiro de 2022, e Processo nº 574/2021-T, de 23 de maio de 2022, que, com as devidas adaptações, a Requerida considera que são aplicáveis à situação em causa nos autos.

A Requerida reitera que “em sítio nenhum se está a tributar o papel comercial propriamente dito, como, aliás, a REQUERENTE quer dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pela prestação de serviços realizada pelos intermediários financeiros, em consequência do seu trabalho de intermediação financeira” (...) “De facto, como se escreveu na decisão da reclamação graciosa o “IS que a reclamante reputa como violador da legislação comunitária não incide, sobre nenhuma das realidades elencadas no artigo 5.º da Diretiva, nomeadamente sobre nenhuma das operações referidas na al b) do seu n.º 2. As comissões cobradas não podem ser tidas como correspondendo a formalidades conexas com a emissão de papel comercial, visto que não constituem procedimentos intrinsecamente associados às operações financeiras que são objeto de isenção de imposto, mas antes a contraprestação pelos serviços bancários realizados no âmbito dessas operações e que a reclamante poderia ter prescindido se tivesse procedido à emissão direta”. (...) “Ou seja, como já se deu a entender, a Diretiva 2008/7/CE trata indiscutivelmente de um imposto sobre a reunião de capitais e não sobre prestações de serviços impostas pelas diversas entidades intervenientes no percurso que culmina com a entrada de capital na empresa. Com efeito, não cabe de modo algum no escopo da Diretiva o Imposto do Selo que onera as mais diversas comissões cobradas pelas instituições financeiras, seja a que título for. O Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS incide apenas sobre as comissões bancárias, remunerações devidas pela prestação de serviços financeiros (desde que não sujeitas a Imposto sobre o Valor Acrescentado, cf. decorre do n.º 2 do artigo 2.º do CIS)”.

Em conclusão, a Requerida pede: “Nestes termos, e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, devendo o tribunal: a) Considerar totalmente improcedente o pedido, no valor de € 31.202,43, porquanto as (auto)liquidações contestadas não padecem de qualquer vício ou ilegalidade que as inquine, na medida em que as comissões que a REQUERENTE apelida de “colocação”, cobradas pelas instituições de crédito em virtude da prestação de serviços de intermediação financeira, estão sujeitas a Imposto do Selo, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS; b) Indeferir o pedido de reenvio prejudicial; c) Considerar totalmente improcedente o pedido de juros indemnizatórios”.

 

8. Em 2 de novembro 2022, o Tribunal proferiu despacho com o seguinte teor:

      “1. Não havendo ligar à produção de prova adicional, nem tido sido suscitada exceção de que importe conhecer desde já, o Tribunal determina a dispensa da realização da reunião do artigo 18º do RJAT, o que faz ao abrigo do princípio da autonomia do mesmo na condução do processo- cfr. arts. 19º, nº 2 e 29º, nº 2 do RJAT.

      2-Notifiquem-se as partes para produzirem alegações simultâneas no prazo de 15 dias a partir da notificação, caso assim o entendam, podendo a Requerida, contudo, fazê-lo após conhecer o teor das apresentadas pela Requerente ou findo o prazo para esta as apresentar.

      3- A prolação da decisão arbitral será proferida até 20 de março de 2023, a menos que o Tribunal venha a entender ser preferível o reenvio prejudicial ao TJUE para dilucidar questões de índole comunitária, o que determinará a suspensão do processo até que esse Tribunal venha a pronunciar-se sobre as mesmas.

      4- Ao abrigo do princípio da cooperação, solicita-se envio das peças em formato word”.

 

9. No mesmo dia 02 de novembro de 2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho (adicional em relação ao despacho anterior):

Em complemento do meu despacho de hoje, já notificado às partes, o Tribunal vem instar as partes a pronunciarem-se, caso a decisão venha a ser de reenvio ao TJUE, se acham que o teor constante do reenvio no processo nº 208/2021-T cobre as questões que devem ser colocadas ou se há outras que, do respetivo ponto de vista das partes, devam ser colocadas. A resposta a esta questão poderá ser dada autonomamente ou no âmbito das alegações, mas sempre sem exceder o prazo fixado para as mesmas. Notifique”.

 

10. Em 18 de novembro de 2022 a Requerente veio responder ao despacho do Tribunal Arbitral reiterando o exposto na petição inicial, e informando que “as questões colocadas no âmbito do processo n.º 208/2021-T vão ao encontro do que se pretende ver dirimido nestes autos, pelo que não requer nenhuma questão adicional”.

 

11. Em 22 de novembro 2022 a Requerida veio apresentar as suas Alegações, nas quais reiterou a argumentação já apresentada em sede de Resposta.

 

12. Em 24 de novembro de 2022, a Requerente veio proferir despacho com o seguinte teor:

     “Considerando que, no essencial, as questões sob apreciação no presente processo arbitral foram objeto de reenvio prejudicial ao TJUE, no âmbito do processo 208/2021-T;

     Considerando que será conveniente aguardar pela decisão do TJUE na sequência do reenvio prejudicial antes referido, até para evitar eventuais decisões de cariz contraditório em matéria que é fundamentalmente de adequação da lei portuguesa com o ordenamento jurídico comunitário;

     Considerando que as partes foram instadas a pronunciar-se sobre se as questões colocadas no mencionado reenvio prejudicial cobriam as que estão em causa no presente processo, tendo a Requerente referido que as mesmas "vão ao encontro do que se pretende ver dirimido nestes autos, pelo que não requer questão adicional", não tendo a Requerida emitido pronúncia sobre este ponto;

     Determino a suspensão da instância ao abrigo dos artigos 269º, nº 1 c) e 272º do CPC, aplicáveis por força do artigo 29º do RJAT, devendo a Requerente dar conhecimento a este Tribunal quando souber que foi proferida decisão do TJUE”.

 

13. Em 5 de setembro de 2023, a Requerente veio aos autos juntar aos autos o despacho do Tribunal de Justiça (décima secção) de 19 de julho de 2023, proferido no processo n.º C‐335/22.

 

14. Em 6 de setembro de 2023 foi proferido o seguinte despacho pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD:

     “Com referência ao processo em epígrafe, o Exmo. Prof. Doutor Vasco Valdez, árbitro do tribunal arbitral singular constituído neste processo, encontra-se abrangido pelo disposto no artigo 6.º, n.º 5 do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária em conjugação com o preceituado no artigo 6.o do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. Em tal conformidade, nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5) determina-se a substituição, como árbitro no presente processo, do Exmo. Prof. Doutor Vasco Valdez pela Exma. Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso”.

 

15. Em 29 de setembro de 2023, a Signatária proferiu o seguinte despacho arbitral:

Face ao requerimento e ao documento (despacho do Tribunal de Justiça de 19 de julho de 2023) junto pela Requerente, notifique-se a Requerida para se pronunciar sobre o teor dos mesmos”.

 

16. Em 16 de outubro de 2023, a Requerente veio aos autos proferir o seguinte despacho:

     “Em 2/novembro/2022 foi proferido despacho arbitral nos presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT.

     Tendo em consideração a suspensão do processo, em cumprimento do disposto no artigo 21.º do RJAT, fixa-se a data de 10 de novembro de 2023 para que seja proferida decisão arbitral.

Notifica-se assim:

          1) A Requerente, para dentro do prazo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho, juntar aos autos o documento comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente; e

         2) A Requerente e a Requerida, para juntarem aos autos as peças processuais em formato word”.

 

17. Em 25 de outubro de 2023, a Requerente veio aos autos juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente, e veio igualmente juntar aos autos substabelecimento a favor dos mandatários constituídos.

 

18. Em 3 de novembro de 2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:

     “Uma vez que a Signatária só foi designada como arbitro nos presentes autos em finais de setembro de 2023, e o prazo para prolação de decisão arbitral termina em novembro de 2023, prorroga-se o prazo para prolação de decisão arbitral por dois meses (até 13 de janeiro de 2024) nos termos do art. 21º, 2 do RJAT”.

      

  1. Saneamento

     

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112‑A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

      

  1. Matéria de Facto

III.1    Factos Provados

  1. A Requerente, constituída em Maio de 1995, é residente para efeitos fiscais em Portugal, sendo uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), cujo regime jurídico se encontra regulado pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro;
  2. Nos termos dos Estatutos da Requerente e como obriga o Artigo 2.º do referido Decreto-Lei, a sociedade tem por objeto a “gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas”;
  3. A Requerente encontra-se coletada para o exercício de atividade económica, com o CAE70100, “atividades das sedes sociais”, atividade esta equivalente a sociedades gestoras de participações sociais não financeiras, não praticando, consequentemente, qualquer atividade referente ao mercado bancário ou de serviços financeiros;
  4. A Requerente detém, direta e indiretamente, no âmbito da sua atividade participações sociais de diversas sociedades comerciais, residentes para efeitos fiscais em Portugal e fora de Portugal;
  5. No âmbito da sua atividade, a Requerente recorreu a financiamento através da modalidade do papel comercial colocado por instituições de crédito junto de investidores no âmbito dos seguintes contratos, que aqui se juntam e reproduzem para todos os efeitos legais como:
  6. Documento n.º 2: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com Banco Comercial Português S.A. (BCP) em 20 de setembro de 2016;
  7. Documento n.º 3: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com a Caixa – Banco de Investimento, S.A. e Caixa Geral de Depósitos, S.A. (ambas CGD) de 14 de dezembro de 2018;
  8. Documento n.º 4: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com Novo Banco S.A. (NB) de 8 de fevereiro de 2019;
  9. Documento n.º 5: Contrato de programa de emissões de papel comercial celebrado com Banco BPI, S.A. (BPI) de 7 de novembro de 2018;
  10. Nos referidos Contratos, as Instituições de Crédito obrigam-se: (i) à organização e montagem do Programa de emissões de papel comercial (doravante, Programa), (ii) à regulação da colocação, garantia de subscrição e registo das emissões e a liquidação financeira das mesmas;
  11. Pelos referidos contratos, as instituições financeiras ficaram ainda mandatadas para: (i) proceder à organização e montagem do Programa e de cada uma das Emissões a realizar ao abrigo do mesmo; e a (ii) Atuar como Agente Pagador e como Instituição Registadora das Emissões nos termos e condições dos referidos contratos;
  12. No âmbito dos referidos contratos de emissão de papel comercial com intermediação de Instituições de Crédito, incidiu Imposto do Selo ao abrigo da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre as comissões cobradas, liquidadas e entregues ao Estado pelas Instituições de Crédito elencadas no ponto anterior, na qualidade de sujeitos passivos, as quais fizeram repercutir o encargo respetivo na esfera da Requerente;
  13. Conforme melhor descrito na tabela abaixo, o Imposto do Selo pago incidente sobre comissões, no período compreendido entre Março de 2019 e Fevereiro de 2021, por referência aos contratos supra identificados, corresponde a um total de € 31.202,43 (trinta e um mil duzentos e dois euros e quarenta e três cêntimos):

 

 

  1. Por discordar desta interpretação, a Requerente apresentou, no dia 28 de Abril de 2021, reclamação graciosa peticionando pela ilegalidade das liquidações supra identificadas, e o consequente reembolso do valor indevidamente pago a título de Imposto do Selo;
  2. Face a esse Projeto de Decisão, e por não se contentar com os argumentos apresentados pela Autoridade Tributária, a Requerente exerceu, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, o seu direito de audição prévia;
  3. A 25 de Março de 2022, foi a Requerente notificada da Decisão Final da Autoridade Tributária, da qual resultou o indeferimento da Reclamação Graciosa, posição na qual a Requerente não se revê, pois, contrariamente ao alegado pela AT e conforme melhor se verá adiante, não se encontra sujeita a Imposto do Selo por aplicação das normas comunitárias vertidas na Diretiva 2008/7/CE;
  4. Em 25 de março de 2022, a Requerente proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, com a seguinte fundamentação:

No caso sub júdice, a reclamante entende que a sujeição a Imposto de Selo das comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras não se encontra em linha com as disposições da Diretiva n.º 2008/7/CE, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre emissão de papel comercial.

No entanto não é isso que está consignado na Diretiva. Só há sujeição a IS se as operações financeiras em causa forem “realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, conforme estabelece o introito da respetiva verba, 17.3.4. A Diretiva dispõe que os Estados-membros não possam tributar através de impostos indiretos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia, operações de emissão de obrigações ou outos títulos negociáveis.

A Diretiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não incidência de tributação indireta.

Na verdade, a Diretiva 2008/7/CE determina que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto, entre outras, a emissão de papel comercial, independentemente de quem os emitiu.

Com efeito, é sabido que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades.

Reitere-se que tal resulta, de forma clara e inequívoca, do disposto no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE quando determina que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de Imposto indireto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis “(...) independentemente de quem os emitiu (...)” (sublinhado nosso).

Caso a reclamante tivesse optado por proceder diretamente à emissão de obrigações beneficiaria da isenção não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas.

A reclamante optou por não proceder diretamente à emissão de obrigações ou papel comercial - apesar de o Código das Sociedades Comerciais o permitir – tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos.

A reclamante não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial.

Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE.

Estão em causa realidades distintas:

No caso da Diretiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indireto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu.

Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr. verbas 17 e 17.3.4 da TGIS).

O IS que a reclamante reputa como violador da legislação comunitária não incide, sobre nenhuma das realidades elencadas no artigo 5.º da Diretiva, nomeadamente sobre nenhuma das operações referidas na al b) do seu n.º 2.

As comissões cobradas não podem ser tidas como correspondendo a formalidades conexas com a emissão de papel comercial, visto que não constituem procedimentos intrinsecamente associados às operações financeiras que são objeto de isenção de imposto, mas antes a contraprestação pelos serviços bancários realizados no âmbito dessas operações e que a reclamante poderia ter prescindido se tivesse procedido à emissão direta.

Entendemos que não há que efetuar uma interpretação extensiva das normas de direito europeu, quando o que está em causa, não é a operação financeira em si mesma considerada, mas os encargos com uma atividade bancária que apenas indiretamente se relacionam na emissão dos títulos negociáveis.

Não está desta forma a AT a gerar situações discriminatórias, porquanto não existe qualquer poder discricionário da parte desta, limitando-se à interpretação da lei”.

  1. Em 11 de julho de 2022, a Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral em causa nos presentes autos.

    

III.2    Factos não Provados

    

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

    

III.3    Fundamentação da matéria de facto

    

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

    

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

    

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

    

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

    

A questão em causa nos presentes autos é a conformidade da liquidação de Imposto do Selo (ao abrigo da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)) sobre as comissões cobradas por Instituições de Crédito à Requerente, no âmbito dos Contratos de programa de emissões de papel comercial melhor identificados na matéria de facto, com o artigo 5.º n.º 2 al. (b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 , relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (doravante, Diretiva 2008/7/CE).

 

Na legislação nacional, o artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) prevê que:

     “1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

A redação da Verba 17.3.4 da TGIS é a seguinte:

     “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões … 4%”.

 

O CIS (artigo 1.º em leitura conjugada com a Verba 17.3.4 da TGIS) determina a tributação, à taxa de 4%, das comissões e contraprestações por serviços financeiros.

 

O artigo 5.º n.º 2 al. (b) da Diretiva 2008/7/CE prevê:

     “2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

          b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis”.

 

Relativamente à aplicação da Diretiva 2008/7/CE, a Decisão Arbitral de 2022-05-23, proferida no processo nº 574/2021-T, citada pela Requerida, diz-nos o seguinte:

A existência de diferentes formas de tributação das entradas de capital nas sociedades e de impostos sobre títulos nos seis países fundadores da Comunidade Económica Europeia e as distorções que tais tributações poderiam gerar, levou as instituições comunitárias a aprovar inicialmente a Diretiva do Conselho 69/335/CEE, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capital.

Nos considerandos desta Diretiva chega mesmo a referir-se que “… a manutenção do imposto de selo sobre a emissão de títulos de empréstimo nacionais…, não é desejável do ponto de vista económico e se afasta, aliás, da orientação seguida pelo direito fiscal dos Estados-membros neste domínio;”

Aí se propõe que relativamente aos impostos sobre a reunião de capitais (imposto do selo em Portugal) haja uma única tributação ao nível dos diversos Estados-membros e para não perturbar a circulação de tais capitais tal tributação deve ser de ”…nível idêntico em todos os Estados-membros;” Pretende-se, por isso, avançar numa harmonização de tais impostos, tanto no que respeita à sua estrutura como às respetivas taxas.

O início, em 1969, de uma caminhada que se pretendia alcançasse um imposto sobre as entradas de capital harmonizado. Essa harmonização deveria incidir ao nível da estrutura desses impostos e ao nível das taxas, como referido.

Todos os outros impostos que não tivessem estas características deveriam ser suprimidos.

Uma vez suprimidos não poderiam ser reintroduzidos.

E, não estando os mesmos em vigor à data da entrada em vigor da Diretiva já não poderiam ser aprovados (cláusula de “stand still”).

A harmonização ao nível da base de incidência permitia incluir no campo da tributação diversas operações, entre as quais encontramos a constituição de uma sociedade, o seu aumento de capital, o aumento dos seus ativos, alguns empréstimos contraídos pelas sociedades, etc.

Ao nível da determinação da matéria coletável a Diretiva em análise aponta para que a liquidação incida sobre a constituição, aumento de capital ou entrada de ativos, incidindo o imposto sobre o valor real dos bens entregues ou a entregar pelos sócios e no caso de empréstimos sobre o montante nominal do empréstimo contraído.

O artº. 7º. da Diretiva determina que a taxa do imposto sobre as entradas de capital não poderá exceder 2% nem ser inferior a 1%, constituindo encargo das sociedades que pratiquem as operações aí identificadas.

Finalmente, o artº. 11º. da Diretiva determinava o seguinte:

“Os Estados-membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for:

(…)

Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações sou de outros títulos negociáveis.”

Esta a redação que, na sua substância, ainda hoje se mantém (cfr. infra, n.º 75), localizada agora na alínea b), do nº, 2 do artº. 5º. da Diretiva 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, invocada a seu favor pela Requerente.

Pretende-se evitar também que, por exemplo no que à emissão de títulos diz respeito, a sua tributação opere em mais do que um Estado-membro.

Pode-se dizer que não está perfeitamente consagrada uma isenção, devendo os Estados-membros transpondo a Diretiva fazer cessar as tributações existentes nesta matéria e não criando outras.

A evolução da legislação nacional face às diversas diretivas está muito bem sintetizado num estudo de António Castro Caldas e Filipe Romão, cujas conclusões – válidas para a Diretiva sobre reunião de capitais que antecedeu a atual –, com a devida vénia transcrevemos:

“7.    CONCLUSÃO

O objecto inicial da Directiva consistia na harmonização dos impostos sobre as entradas de capitais, como forma de promoção da livre circulação de capitais, enquanto condição para a criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno, tal como resulta do preâmbulo da Directiva.

Em 1985, foi adoptada a Directiva 85/303/CEE, que veio introduzir uma alteração no que respeita ao objectivo inicial da Directiva. Do desígnio inicial de harmonização dos impostos sobre as entradas de capitais, passou-se a assumir que a melhor solução para atingir os objectivos de reagrupamento e desenvolvimento das empresas e dos investimentos consistiria na eliminação dos impostos sobre as entradas de capitais.

Em Portugal, as operações de aumento de capital de sociedades de capitais estavam, em geral, isentas de Imposto do Selo desde 1991 (Decreto-Lei n.º 223/91, de 18 de Junho), tal como as operações de constituição de sociedades de capitais, desde 1990 (Decreto-Lei n.º 205/90, de 25 de Junho). No que ao caso específico de aumentos de capital social em dinheiro diz respeito, a isenção remontava a Maio de 1984 (nos termos da redacção conferida à verba 145 da anterior Tabela Geral do Imposto do Selo pelo Decreto-Lei n.º 154/84, de 16 de Maio).

A verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo foi introduzida na sequência de vários acórdãos do TJCE sobre a desconformidade para com a Directiva da cobrança de emolumentos notariais (C-56/98 e C-19/99) e registais (C-206/99) aquando da realização e registo de operações de entradas de capitais. Em consequência, o Estado Português adoptou, por intermédio do Decreto-Lei n.º 322-B/2001, de 14 de Dezembro, o Imposto do Selo como o imposto sobre as entradas de capital cuja cobrança pelos Estados-membros se encontra prevista pela Directiva.

Na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito de uma impugnação judicial de uma liquidação de Imposto do Selo, o TJCE declarou desconforme à Directiva a verba 26.3 da Tabela Geral de Imposto do Selo na parte que determina a tributação de aumentos de capital social realizados em numerário, em virtude da isenção necessária estabelecida pelo art. 7º, n.º 1, da referida Directiva.

Tal decisão levou à alteração da verba 26.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, levada a cabo pelo OE 2008, e permite às sociedades que tenham suportado Imposto do Selo aquando de um aumento de capital social em numerário solicitar o seu reembolso ao Estado Português.

Para além dos efeitos directos do Acórdão, a interpretação que dele decorre do art. 7º, n.º 1, proíbe, em nosso entender, a tributação em imposto sobre as entradas de capital de todas as operações que, em 1 de Julho de 1984, não estivessem expressamente sujeitas a este imposto (e não apenas as que dele se encontrassem isentas) ou fossem tributadas a uma taxa igual ou inferior a 0,5%. Tal é o caso das transferências de sede (de direcção efectiva ou estatutária) de países terceiros para Estados-membros e entre Estados-membros.

Finalmente, e para além dos efeitos que resultam mais directamente do Acórdão, parece-nos que da interpretação que tem vindo a ser efectuada pelo TJCE quanto aos termos e alcance da Directiva resulta mesmo a desconformidade da totalidade da verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo com aquela.

Efectivamente, tendo em conta que o Estado Português isentou de Imposto do Selo as operações de constituição de sociedades de capitais em 1990 e os aumentos de capital de sociedades de capitais (independentemente do modo de realização) em 1991, não poderia ter reintroduzido normas de incidência sobre estes factos tributários, como acabou por fazer em 2001.

Fica, assim, em crise a integralidade da verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo, pelo que deverá ser possível exigir a devolução do imposto indevidamente pago em todas as constituições de sociedades e aumentos de capital (independentemente do modo de realização) levadas a cabo nos últimos quatro anos.” (Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº. 31.

https://www.uria.com/en/publicaciones/2180-imposto-do-selo-desconformidade-da-verba-26-da-tabela-geral-do-imposto-do-selo)

Importa referir que em 2010 o Estado Português revogou o que faltava da Verba 26 da TGIS.

Apesar das diversas alterações introduzidas ao longo do tempo, o espírito e essência da primeira diretiva manteve-se e ainda se encontra presente no plano das garantias da liberdade de circulação de capitais, entretanto reforçada com a preocupação de não distorção da concorrência no mercado interno.

Havendo a necessidade da consagração legislativa da isenção de que beneficiam as emissões de títulos, tal só pode significar que se isso não estivesse previsto a emissão de obrigações estaria sujeita a imposto no ordenamento jurídico competente, porque contemplada nas normas de incidência do imposto e o mesmo seria liquidado de acordo com as regras de determinação da matéria coletável desse ordenamento.

Ou seja, haveria imposto, suportado pela sociedade emitente dos títulos e que por essa via se estava a financiar, que seria liquidado sobre o valor da emissão desses mesmos títulos.

Trata-se indiscutivelmente de um imposto sobre a reunião de capitais, e não sobre as prestações de serviços impostas pelas diversas entidades intervenientes no percurso que culmina com a entrada de capital na empresa.

A Diretiva atualmente em vigor, que dá continuidade àquilo que neste domínio já representava o “acquis communautaire” à data da entrada de Portugal para a CEE, não foge da estrutura que vem de 1969, podendo salientar-se os seguintes aspetos.

- Estão perfeitamente identificadas as cédulas do que se denomina como “imposto sobre a reunião de capitais”:

Imposto sobre as entradas de capital;

Imposto do selo sobre os títulos;

Imposto sobe as operações de reestruturação (considerando 2).

- Para além da ameaça à livre circulação de capitais, a legislação dos Estados-membros é vista como suscetível de distorcer as condições de concorrência (considerando 3), o que importa salvaguardar.

- Estes impostos são considerados “desfavoráveis ao reagrupamento e ao desenvolvimento das empresas”, com prioridade ao relançamento dos investimentos (considerando 4).

- Não deixa de ser curioso que a Diretiva refira que a melhor maneira de atingir tais objetivos seria a completa supressão deste imposto sobre a reunião de capitais e não já a simples harmonização (considerando 5), mas sempre suplantada pelos constrangimentos orçamentais dos diversos Estados-membros que essa medida provocaria.

- É reforçada a preocupação da Diretiva de que em sede de imposto sobre a reunião de capitais, “…não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.” (considerando 9 e sublinhado nosso).

 

No Despacho de 19 de julho de 2023 (no processo C‑335/22), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) apreciou a título de Reenvio Prejudicial — tendo os presentes autos sido suspensos para que fosse possível aguardar por esta decisão— a seguinte questão:

     “1. O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO 2008, L 46, p. 11).

     2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a A, S.A., à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) a respeito da cobrança de um imposto do selo pelos serviços de colocação em mercado de títulos negociáveis sob a forma de obrigações e de papel comercial.”

Por facilidade de referência, reproduzimos o Despacho de 19 de julho de 2023:

 

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9     A A é uma instituição de crédito portuguesa que também opera no setor da intermediação financeira. Entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2018, e no âmbito da sua atividade, participou, como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, entre outros obrigações e papel comercial, mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado a oito sociedades comerciais emitentes.

10     Estes serviços de colocação compreendiam a obrigação de A desenvolver todos os seus melhores esforços de modo a distribuir esses valores mobiliários, recebendo ordens de subscrição ou de aquisição e, podendo, em alguns casos, adquirir ela própria os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando‑se, nesse caso, a colocá‑los em mercado por sua conta e risco. A prestação de serviços de colocação envolvia ainda a identificação e o contacto com os investidores.

11     Pelos serviços de colocação, a A cobrou comissões a título das quais liquidou e entregou ao Estado, entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2018, o montante de 499 491,30 euros a título de imposto do selo, calculado à taxa de 4 % prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, tendo estas comissões sido objeto de dez faturas.

12     Entendendo não ser devido imposto do selo sobre estas comissões de colocação, a A apresentou reclamação graciosa contra a sujeição destas últimas ao referido imposto à Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (Portugal).

13     Na sequência do indeferimento dessa reclamação, a A recorreu para o Tribunal Arbitral Tributário(Centro de Arbitragem Administrativa) — CAAD, Portugal), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo, nomeadamente, a anulação dos atos de autoliquidação do imposto do selo em causa no processo principal. Em apoio do seu pedido, invoca um fundamento relativo à violação do artigo 5.°, n.° 2,alínea b), da Diretiva 2008/7.

14     O órgão jurisdicional de reenvio assinala que, embora o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7proíba efetivamente a tributação das operações de emissão de títulos negociáveis emitidos pelas próprias sociedades ou por terceiros, ainda subsistem dúvidas quanto ao alcance dos conceitos de «formalidades conexas» e de «colocação em circulação» dos títulos, na aceção desta disposição.

15     Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O artigo 5.°, n.º 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões por serviços de intermediação financeira prestados por um Banco relativos à colocação em mercado de títulos negociáveis — obrigações e papel comercial — emitidos por diversas sociedades comerciais, compreendendo tais serviços a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços, identificando e contactando os investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta?

2) A resposta à primeira questão difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou apenas facultativa?»

 

Quanto às questões prejudiciais

16     Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

17     Há que aplicar esta disposição no presente processo.

18     Com as suas duas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões.

19     A título preliminar, importa recordar que resulta da decisão de reenvio que as obrigações e o papel comercial em causa no processo principal foram emitidos por sociedades comerciais abrangidas pelo conceito de «sociedades de capitais», na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2008/7. Tais sociedades estão, por conseguinte, abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

20     De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.

21     Neste contexto, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 proíbe expressamente a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

22     Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 28 e jurisprudência referida).

23     Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alínea b),da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).

24     Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.°, alínea b), da Diretiva 69/335 ,disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C‑31/97 e C‑32/97, EU:C:1998:508, n. os 19, 21 e 22).

25     Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.os 23 e 24 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022,IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 31).

26     Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público ofertas de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial, e de desenvolver todos os seus melhores esforços para os distribuir de modo que promova a respetiva subscrição e aquisição ou de os adquirir por sua conta para efeitos de revenda junto do público constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o.,C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 33).

27     Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de colocação em mercado com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 34).

28     A este respeito, há que recordar que, por um lado, essa disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IMGestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 35 e jurisprudência referida).

29     Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.

Quanto às despesas

30     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões,

independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária”.

 

Na situação em causa nos autos, a Requerente celebrou Contratos de programa de emissões de papel comercial (doravante, Contratos) com as Instituições de Crédito identificadas na matéria de facto — para proceder à emissão particular de valores mobiliários de natureza monetária, escriturais e nominativos, representativos de dívida emitidos por prazo inferior a um ano — nos termos dos quais as referidas Instituições de Crédito se obrigaram:

 

(i) à organização e montagem do Programa de emissões de papel comercial (Programa),

(ii) à regulação da colocação, garantia de subscrição e registo das emissões e a liquidação financeira das mesmas.

Pelos referidos contratos, as instituições financeiras ficaram ainda mandatadas para:

(i) proceder à organização e montagem do Programa e de cada uma das Emissões a realizar ao abrigo do mesmo; e a

(ii) Atuar como Agente Pagador e como Instituição Registadora das Emissões nos termos e condições dos referidos contratos.

 

Resulta assim do teor dos Contratos juntos aos autos pela Requerente, que está em causa a prestação (em bloco) de serviços de colocação em mercado de títulos negociáveis sob a forma de obrigações e de papel comercial. O objeto do “Programa” contratado pela Requerente com as diversas Instituições de Crédito identificadas na matéria de facto é a emissão particular de valores mobiliários de natureza monetária, escriturais e nominativos, representativos de dívida emitidos por prazo inferior a um ano, estando incluídos os serviços necessários para que essa emissão e colocação no mercado dos títulos aconteça.

 

Também tal como na situação em causa no Despacho de 19 de julho de 2023, a Requerente está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE (é uma sociedade anónima de direito português — artigo 2.º n.º 1 al. (a) e Anexo I da Diretiva 2008/7/CE), que prevê no considerando (9): “Não deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência”.

A Decisão Arbitral de 2022-05-23 vem defender que: “Não cabe aqui, de modo algum, o imposto do selo que onera as mais diversas comissões cobradas pelas instituições financeiras, seja a que título for: São diversas normas de incidência, diversa a quantificação da matéria coletável, diferentes as taxas e diverso o tratamento de eventuais isenções. O imposto do selo sobre as comissões bancárias, incide sobre uma prestação de serviços (que não está sujeita a Imposto sobre o Valor Acrescentado), a matéria coletável é o valor do serviço prestado, o imposto é pago pelo utilizador dos serviços, e a taxa é de 4%”. No mesmo sentido foram proferidas outras Decisões Arbitrais citadas pela Requerida, como a proferida em 2022-02-08 no processo n.º 471/2021-T.

 

Contudo, o TJUE vem dizer-nos muito claramente no Despacho de 19 de julho de 2023 que:

     “O artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária”.

 

Esta interpretação terá de ser aplicada plenamente à situação em causa nos presentes autos, dado que conforme exposto supra, resulta claramente dos Contratos que as comissões cobradas (montantes pagos) pela Requerente às referidas Instituições de Crédito visa remunerar as mesmas pelos serviços prestados (de emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões); esclarecendo o TJUE que este entendimento é “independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária”.

 

Termos em que, as liquidações de Imposto do Selo sobre as comissões cobradas pelas Instituições de Crédito em causa nos autos à Requerente devem ser anuladas, por violarem o disposto no artigo 5.º n.º 2 al. (b) da Diretiva 2008/7/CE, com as demais consequências legais.

 

O artigo 43.º da LGT prevê:

     “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/05/2002, proferido no processo n.º: 0114/02:

     “A violação do direito comunitário por parte da Administração Pública portuguesa integra o conceito de erro imputável aos serviços, para efeito de condenação em juros indemnizatórios”.

O mesmo entendimento resulta de outros Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, como o Acórdão proferido em 14/10/2020, no processo n.º: 01273/08.6BELRS 01364/17:

     “V – Resultando a ilegalidade do acto anulado da desconformidade do mesmo com normas de direito da União Europeia, para além da restituição da quantia ilegalmente retida, são devidos juros indemnizatórios, por tal ilegalidade não ser imputável ao contribuinte”.

 

Termos em que, a Requerida é condenada ao pagamento de juros indemnizatórios Requerente, à taxa de 4% (nos termos do artigo 43.º n.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT e do artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril), devidos desde a data do pagamento efetivo do Imposto do Selo até à data da efetiva restituição.

   

  1. DECISÃO

   

Termos em que, decide este Tribunal:

a) Declarar totalmente procedente o PPA;

b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, à taxa legal de 4%, sobre o Imposto do Selo indevidamente pago, desde a data do pagamento indevido até à data da efetiva restituição; e

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

  

  1.     VALOR DO PROCESSO

  

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 31 202,43.

   

  1. CUSTAS

  

O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 1 836.00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

  

Notifique-se.

Lisboa, 12 de janeiro de 2024

 

 

 

O Árbitro,

 

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso