Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 140/2022-T
Data da decisão: 2023-11-30  ISV  
Valor do pedido: € 2.124,29
Tema: ISV – Artigo 8º do Código do ISV – Veículo automóvel híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-membro da UE – Taxas intermédias - Interpretação do artigo 110º do TFUE.
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SUMÁRIO

  1. A introdução no consumo de um veículo proveniente de qualquer Estado-membro da União Europeia constitui facto gerador relevante para efeitos do artigo 5º do Código do ISV.
  2. O princípio da não discriminação implica que nenhum Estado-membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos de outros Estados-membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
  3. O artigo 110° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado‑Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado‑Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

 

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A..., Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20-05-2022, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., Lda., Pessoa Colectiva nº..., com sede na ..., ... e ..., em Vila Real (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 07-03-2022, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente vem, na sequência do indeferimento expresso da reclamação apresentada relativa ao acto de liquidação de ISV em crise, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com fundamento na sua ilegalidade parcial, requerendo a anulação daquela decisão com a consequente anulação parcial daquele acto de liquidação de ISV, com fundamento em vício de violação de lei e a condenação da Requerida na restituição do imposto que alega ter pago em excesso (e que quantifica em EUR 2.124,29), bem como peticionando que sobre este montante incidam juros indemnizatórios.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 09-03-2022 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 02-05-2022, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 20-05-2022, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 20-06-2022, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e impugnação, concluindo a mesma no sentido de “(…) atenta a exceção invocada, ser [a Requerida] absolvida da instância, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1. Adicionalmente, a Requerida, veio requerer que “(…) subsistindo dúvidas quanto à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, face ao direito da União Europeia, designadamente quanto ao disposto no artigo 110.º do TFUE, deverá o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para uma interpretação à luz do TFUE, no sentido de saber se uma norma como a constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, relativa a uma isenção parcial (redução de taxa), a aplicar a todos os veículos ligeiros de passageiros, nacionais e de outros Estados-membros, que não faz depender a aplicação do benefício do ano da 1ª matrícula, mas da verificação das condições nela previstas, viola os princípios que regulam o mercado interno, designadamente o seu artigo 110.º do TFUE”.

 

  1.  Na mesma data, a Requerida anexou cópia do processo administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 20-06-2022, o Tribunal Arbitral “tendo em consideração: a) A Resposta apresentada pela Requerida, em 20-06-2022, na qual esta se defendeu por impugnação e por excepção; b) A junção aos autos, na mesma data, pela Requerida, de cópia do Processo Administrativo; c) O facto de a posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental apresentados (…)” decidiu “ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…): 1. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT; 2. Determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho; 3. Determinar que a Requerente se pronuncie, no prazo de 10 dias concedido para alegações, e caso assim o entenda, sobre o teor da matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta; 4. Agendar a prolação da decisão arbitral para o dia
    16-09-2022”.

 

  1. No âmbito do referido despacho, foi ainda a Requerente advertida que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 22-06-2022).

 

  1. A Requerente apresentou, em 24-06-2022, as suas alegações escritas no sentido de reiterar, em conformidade com o pedido de pronúncia arbitral, que “a decisão da Reclamação Graciosa deve ser anulada, com a consequente anulação parcial do ato de liquidação de ISV, por vício de violação de lei” e, “em consequência da anulação da liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá ser condenada a restituir à Requerente o montante de imposto ilegalmente pago, ou seja, EUR 2.124,29, bem como reconhecendo o direito a juros indemnizatórios”.

 

  1. Adicionalmente, na mesma peça processual, a Requerente apresentou a sua defesa quanto à excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida na Resposta, no sentido de referir, em síntese, que “(…) a requerente no pedido arbitral, pretende apenas a declaração de ilegalidade deste ato tributário em concreto” e “no que diz respeito à competência dos Tribunais Arbitrais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, esta compreende, nomeadamente, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, concluindo que “(…) este Tribunal [é] competente para conhecer do presente pedido arbitral”.

 

  1. A Requerida apresentou, em 07-07-2022, alegações escritas, nas quais manteve a posição evidenciada na Resposta, incluindo a relativa à excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral e referindo que “(…) sem prejuízo do invocado quanto à verificação da exceção de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, (…), no que concerne ao reenvio de questão prejudicial junto do TJUE, que, no Proc. n.º 700/2021-T, foi decidido, em 23.05.2022, suspender a instância e apresentar junto daquele tribunal questão a título prejudicial”.

 

  1. Em 01-09-2022 foi proferido despacho arbitral com seguinte teor:

 

Não obstante a data da prolação da decisão arbitral ter sido agendada, através do despacho arbitral de 20-06-2022, para o dia 16-09-2022, este Tribunal Arbitral teve conhecimento, através do alegado pela Requerida nas suas alegações escritas (apresentadas em 07-07-2022) que, em pelo menos um processo (o nº 700/2021-T) que corre termos no CAAD com objeto análogo ao do presente processo, foi proferida decisão de reenvio prejudicial para o TJUE (em 23-05-2022) e, consequentemente, foi suspensa aquela instancia arbitral até pronúncia do TJUE sobre o respectivo reenvio prejudical. O referido processo corre termos naquele Tribunal sob o nº C-349/22, de 31-05-2022. Ponderando o princípio da aplicação uniforme do direito previsto no artigo 8º, do Código Civil ("nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito"), bem como a primazia da jurisprudência do TJUE, afigura-se conveniente a suspensão da instância até à prolação de decisão no processo de reenvio prejudicial nº C-349/22, acima referido. Nestes termos, notifiquem-se as Partes para se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a referida possibilidade de suspensão da instância. No mesmo prazo, deverá a Requerente anexar ao processo procuração legal que habilite a actuação da sua mandatária no mesmo”, a qual foi anexada em 07-09-2023.

 

  1. As Partes nada vierem dizer ao processo relativamente à questão da possibilidade de suspensão da instância referida no ponto anterior.

 

  1. Por despacho arbitral de 12-09-2022, decidiu este Tribunal suspender a instância arbitral, nos termos dos artigos 269º, nº 1, alínea c) e 272º, nº 1 do CPC (subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT), até que viesse a ser proferida pelo TJUE decisão no âmbito do processo C-349/22, de 31-05-2022, ficando assim sem efeito a data de 16-09-2022 como data de prolação da decisão arbitral.

 

  1. Em 15-11-2023, a Requerente veio apresentar substabelecimento.

 

  1. Em 16-11-2023, o Tribunal proferiu despacho arbitral com o seguinte teor:

 

Na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) da UE de hoje (16-11-2023) proferido, no âmbito do processo C‑349/22 [que teve por objeto o pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo 700/2021-T], determina-se o levantamento da suspensão da instância instaurada na sequência do despacho arbitral de 12-09-2022. (…)”.

 

  1. Adicionalmente, no âmbito do referido despacho arbitral, foi agendada para 30-11-2023 a data da prolação da decisão arbitral.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente começa por referir que se dedica “(…) nomeadamente, ao comércio por grosso e a retalho de veículos automóveis ligeiros (até 3500 kg), novos ou usados, para transporte de passageiros (…), para transporte de mercadorias, mistos e veículos todo-o-terreno (…)” sendo que “no âmbito do seu objeto social, a Requerente procede, inúmeras vezes, à importação de veículos automóveis usados, provenientes de Estados-membros da União Europeia, para introdução ao consumo”.

 

2.2.   Esclarece a Requerente que dado que “(…) detém o estatuto de operador registado”, “em 12.07.2021 foi apresentada na Alfândega de Braga - Delegação Aduaneira do Peso da Régua, a Declaração Aduaneira de Veículo (adiante DAV) para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca MERCEDES-BENZ, modelo 204 X, movido a ELECT./GASOLINA- HÍBRIDO, cilindrada 1991 cc, com a matrícula definitiva ... , atribuída em Itália em 22.11.2017” tendo na referida DAV (“à qual foi atribuído o nº2021/...”) sido especificadas a origem da viatura, os kms percorridos, as características do veículo e a sua autonomia no modo eléctrico (34 km).

 

2.3.   Prossegue a Requerente referindo que “na liquidação do Imposto Sobre Veículos (…), o veículo foi considerado veículo ligeiro de passageiro equipado com motor híbrido plug-in, tendo, por isso, sido aplicada a tabela A prevista no d) do artigo 8.º do Código do Imposto Sobre Veículos (…)”.

 

2.4.   Segundo refere a Requerente, “tratando-se de veículo proveniente de outro Estado-membro, foi ainda objeto de atribuição de matrícula nacional (...), conforme resulta da informação constante da documentação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P (…)” tendo sido aplicada, ao veículo em questão, para efeitos de aplicação da tabela A prevista na d) do artigo 8.º do CISV, “(…) uma taxa de 100% que originou o valor de EUR 4.357,53”. “quando na verdade deveria ter sido aplicada a taxa de 25%, originando um valor de EUR 3.268,14”.

 

  1. Em consequência, depois de aplicada a redução de anos de uso derivada da componente cilindrada e da componente ambiental, o montante de ISV a pagar ascendeu a
    EUR 2.783,41.

 

  1. Neste âmbito, e porque a Requerente não concorda com a liquidação de ISV efectuada, refere que “a nova redação do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, e que, por essa razão verifica-se o desrespeito pelo artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia”, ou seja, “a presente liquidação do ISV viola o disposto no artigo 110.º do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de outro Estado-membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal”.

 

  1. Tendo a Requerente procedido ao integral pagamento do imposto liquidado, entende que se deverá proceder “(…) à anulação parcial do ato de liquidação de ISV e pela restituição do montante de EUR 2.124,29, acrescido de juros indemnizatórios” por ser aquele o valor de ISV pago em excesso, pelo que:

 

  1. Apresentou, “no dia 06/10/2021, Reclamação, junto da Alfândega de Braga” (nº ...2021...), a qual foi objecto de decisão de indeferimento, comunicada através da notificação do Ofício nº ..., de 17-12-2021;
  2. Apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral [dado que “não concorda com a liquidação, nem com as ficcionadas razões pelas quais o pedido de reclamação graciosa foi indeferido (…)”] com base na alegada ilegalidade da liquidação de ISV em crise, suportando a sua pretensão no entendimento de que tratando-se o veículo em causa nos autos “de um veículo híbrido que foi matriculado pela primeira vez, no país de origem, em 2017, (…), deveria ter sido aplicada a taxa da tabela A na redação anterior da alínea d) do nº 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros”, “e não a taxa de 100% como foi aplicada”, sendo que “não foi considerado qualquer abatimento pelo facto de estar equipado com motor híbrido plug-in”.

 

  1. Nestes termos, reitera a Requerente que “foi violado o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia” porquanto “se tivesse adquirido idêntica viatura usada em Portugal, a mesma não seria onerada com a aplicação da taxa de 100% do ISV” sendo que, “entre 2015 e 2020, tais viaturas eram tributadas a 25%, desde que a bateria pudesse ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tivesse uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros” e “caso não reunissem um destes requisitos, seriam tributados a 100%”.

 

  1. Adicionalmente, defende a Requerente que “a introdução no consumo do veículo em Itália deve ser entendida como o facto gerador relevante para efeitos do artigo 5.º do CISV português, uma vez que, constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal, e não, o momento do registo da matrícula em Portugal”.

 

  1. Assim, alega a Requerente que “o artigo 5.º do CISV deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares” sendo “(…) com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV (…)”.

 

  1. Para a Requerente, “no caso concreto, se a primeira matrícula do veículo é datada de
    22-11-2017([2]), (…), é esta a data relevante para aplicação do conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV e que faz aplicar a taxa intermédia em vigor à data da primeira matrícula constante da alínea d) do nº 1 do artigo 8º do CISV em vigor à data (2017)
    ”.

 

  1. Diga-se aliás que este entendimento alargado de facto gerador decorrente do princípio da não discriminação europeia vem confirmar, por estarmos perante uma taxa intermédia e especial e consequentemente perante um benefício fiscal, que o reconhecimento confere ex lege a sua eficácia declarativa (ex tunc e não ex nunc, o que exige a verificação dos pressupostos no momento da primeira aquisição e não das aquisições derivadas, desde que em espaço europeu) conforme resulta do artigo 5.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerente, “(…) a liquidação de ISV efetuada pela AT, que aplicou o artigo 8.º do CISV na versão de 2021, e não na versão em vigor entre 2015 e 2020, foi efetuada em desconformidade com a lei nacional e o direito comunitário, incumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º do TFUE e o artigo 103.º da Constituição” porquanto “ao decidir em sentido contrário a AT incorreu, em ilegalidade, devendo a liquidação ser anulada e reconhecido o direito à taxa intermédia de 25% constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação dada pela Lei nº 82-D/2014, de 31/12, com as legais consequências”.

 

  1. Em consequência, entende a Requerente que deve ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta e lhe deve ser restituído o montante de ISV pago em excesso (EUR 2.124,29), acrescido dos repectivos juros indemnizatórios, à taxa legal, porquanto entende que estamos “perante um erro imputável aos serviços”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

POR EXCEÇÃO - Da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

 

3.1.   Começa a Requerida por referir que “decorre do (…) (PPA) (…) que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Impostos sobre Veículos na redação que vigorava antes da versão atual (…)”, “sendo indicado que a Requerente pretende a restituição de quantia a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV)”.

 

3.2.   Ora, segundo entende a Requerida, “sucedendo que o artigo 8.º do CISV (…) se refere a um benefício fiscal, consagrando as designadas “Taxas intermédias (…) isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, “(…) resulta clara a pretensão da Requerente (…), já que visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o ato, decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente visa, efetivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objetivo de afastar a tributação regra”.

 

3.3    Assim, para a Requerida, “(…) tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT” porquanto alega que “(…) no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação”.

 

3.4.   Assim, conclui a Requerida que não resulta “(…) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que define os tipos de pretensões que podem ser apreciados pelo tribunal arbitral em matéria tributária, a competência para sindicar o ato que ora foi submetido a este tribunal”.

 

  1. Nestes termos, defende a Requerida que “(…) em face do que veio a ser estabelecido no RJAT, (…), o legislador optou por não contemplar neste a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária” pelo que entende que “não se suscitam, assim, quaisquer dúvidas, também face ao previsto [no] Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que estabelece uma regra geral quanto à impugnação de actos administrativos em matéria tributária no processo judicial tributário, mediante impugnação judicial ou acção administrativa, consoante tais actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação, que o tribunal arbitral é incompetente para apreciar as pretensões que ora lhe foram submetidas”.

 

  1. Não obstante, alega ainda a Requerida que “caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria nos termos supra invocados, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral por outra via” porquanto “(…) conforme resulta do pedido formulado, pretende a Requerente que a liquidação efetuada (…) seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo da Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito”.

 

  1. Segundo a Requerida, “tal pedido, independentemente, de tal benefício (…) não abranger o veículo em questão, consubstancia por parte da Requerente uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de uma nova liquidação, que não a resultante da tributação regra”, “sendo que a tributação regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, é efetuada nos termos dos artigos 7.º e 11.º do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante a Requerente afirme pretender a correção da liquidação, o que resulta numa contradição (…)”.

 

  1. Nesta medida, pugnando a Requerente pela realização de uma segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de um novo ato de liquidação”, “resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada” “e, nesta medida, o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (…) uma vez que não está em causa a intimação para um comportamento do seu direito, a qual não resulta diretamente da lei”.

 

  1. Segundo alega a Requerida, “tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe, como se referiu, à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade” concluindo “(…) que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC”.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

  1. Em matéria de impugnação dos factos apresentados pela Requerente, alega a Requerida que “o processamento da DAV foi efetuado por transmissão eletrónica de dados, tendo sido declarado o veículo ligeiro de passageiros, com as características descritas na declaração, e nos demais documentos, tratando-se de veículo proveniente de outro Estado-membro (…)”, sendo que “a liquidação do Imposto Sobre Veículos (ISV) assenta nos elementos declarados e características físicas e técnicas do veículo constantes da respetiva documentação, tendo sido, para o efeito, aplicadas as disposições do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) atinentes às taxas em vigor, incidência, facto gerador e exigibilidade do imposto”.

 

  1. Assim, segundo refere a Requerida, “tratando-se de veículo proveniente de outro Estado-membro, foi ainda objeto de atribuição de matrícula nacional (…)” tendo o cálculo do imposto sido efectuado “(…) com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos (…) do artigo 7.º e tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos (…)”, das quais resultou o “(…) ato de liquidação n.º 2021/..., de 09.07.2021, no valor 2.783,41 €, a título de ISV”.

 

  1. Refere ainda a Requerida que “em 04.10.2021, por correio eletrónico enviado à Alfândega de Braga e à Delegação Aduaneira de Peso da Régua, a ora Requerente apresentou um pedido de reclamação graciosa do ato de liquidação (…), tendo sido notificado (…) da intenção do indeferimento, para exercer o direito de audição prévia, através de ofício de 19.11.2021” sendo que “em 16.12.2021, o pedido de reclamação graciosa veio a ser objeto de decisão de indeferimento, pelo Diretor da Alfândega de Braga, a qual, por ofício de 17.12.2021, foi notificada à Requerente em 29.12.2021”.

 

  1. No que diz respeito ao enquadramento da liquidação em crise, refere a Requerida que “o regime do imposto sobre veículos encontra-se previsto no Código do Imposto sobre Veículo (…) aplicável à data dos factos em litígio, com as últimas alterações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro” sendo que, após enquadramento legal da questão ora submetida à sindicância do tribunal, a Requerida refere que “quanto às taxas do imposto, releva o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do CISV, que, nas alíneas a) e b) do n.º 1, consagra a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, e aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia”.

 

  1. Esclarece ainda a Requerida que “(…) o artigo 11.º do CISV (Taxas - veículos usados) estabelece as taxas aplicáveis aos veículos usados, que, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (…) dispõe (…)” que “1-O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo -se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos (…)”.

 

  1. Segundo a Requerida, “a par das isenções totais estabelecidas no CISV, estão ainda previstas, nos artigos 8.º e 9.º, isenções parciais (reduções de taxas), criadas em função da prossecução de interesses públicos extrafiscais relevantes, nestes casos de natureza ambiental e económica” sendo “(…) a aplicação de taxas intermédias nos seguintes termos: 1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos: a) 60%, aos automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou de gasóleo, desde que apresentem uma autonomia em modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km. b) 40%, aos automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável; c) 40%, aos automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gás natural; d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km (…)”.

 

  1. Contra os argumentos apresentados pela Requerente, de “(…) que a liquidação de ISV é ilegal por entender que, tratando-se de veículo matriculado pela primeira vez, ainda que noutro Estado-membro, na vigência da redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, deveria beneficiar da redução então prevista na referida norma”, alega a Requerida que “(…) o ISV, cujo regime se encontra previsto no CISV, é um imposto sobre o consumo, interno, de natureza específica, incidente sobre veículos, sendo exigível no momento da introdução no consumo de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, reiterando que “o ISV não é um imposto harmonizado na União Europeia (UE), não se encontrando, assim, o seu regime, regulamentado ao nível europeu, como ocorre relativamente aos impostos especiais de consumo incidentes sobre outros produtos (álcool e bebidas alcoólicas, tabacos e produtos petrolíferos e energéticos), nem existindo, de qualquer modo, como, aliás, até sucede no caso dos impostos incidentes sobre o consumo harmonizados, harmonização das taxas em sede de ISV, não estando sujeitas ao princípio do primado do Direito da UE”.

 

  1. Segundo entende a Requerida, “(…) o ISV regulamentado pelo CISV tem a natureza de um imposto interno, não harmonizado no seio da UE e, nesse sentido, não sujeito às taxas, regras e procedimentos, que são aplicáveis, por exemplo, aos impostos especiais de consumo sobre os tabacos, bebidas e petróleos, não se encontrando, consequentemente, o conceito de facto gerador harmonizado ao nível da UE”.

 

  1. Prossegue a Requerida referindo que “com efeito, a fiscalidade automóvel não está harmonizada na UE (divergindo consideravelmente de um Estado-Membro para outro) incumbindo aos Estados-Membros gerirem da melhor forma a tributação incidente sobre os veículos novos sem matrícula e/ou portadores de matrículas estrangeiras (usados), pautando-se por critérios e opções de vária ordem, tendentes a satisfazer resultados e necessidades, designadamente, quer ao nível do ambiente, da receita fiscal e da segurança rodoviária” sendo os Estados-Membros “(…) livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional, sendo que esta última constitui requisito essencial para a circulação do veículo no Estado-Membro onde irá ser realmente utilizado, no caso em Portugal”.

 

  1. Ora, “sendo que (…), constitui facto gerador do imposto a admissão de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, resulta para a Requerida que “(…) em consonância com o procedimento que está subjacente à liquidação do ISV, o facto tributário em análise teve por base o facto gerador de imposto (admissão de veículo em território nacional destinado a matrícula em Portugal) e a apresentação da DAV n.º 2021/..., datada de 12.07.2021, com aceitação em 09.07.2021”.

 

  1. Assim, entende a Requerida que, “(…) quanto à exigibilidade do imposto (…), o ISV torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada com a apresentação da DAV, determinando o nº 3, da mesma disposição legal, que o imposto a aplicar é aquele que estiver em vigor no momento em que se torna exigível” pelo que “por força do estabelecido na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CISV, para os particulares, e no n.º 1 do artigo 18.º para os operadores registados, a apresentação da DAV assume-se como a obrigação declarativa decorrente da verificação do facto gerador do imposto (admissão do veículo no território nacional), tornando o imposto exigível na introdução no consumo do veículo” pelo que defende a Requerida que “a introdução no consumo de um veículo efetuada num outro Estado-Membro, que se quer regularizar agora em território nacional, não pode relevar ou ser considerada, como é pretendido pela Requerente, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto, na aceção do n.º 1 do artigo 5.º do CISV”.

 

  1. Ora, “concluindo-se que, in casu, somente a entrada do veículo no território nacional/admissão pode configurar facto gerador de imposto, o qual, mediante a obrigação declarativa de apresentação da DAV, determina a taxa de imposto a pagar (…)” porquanto “(…) em sede de ISV, a ocorrência do facto gerador faz nascer a obrigação declarativa e a obrigação tributária do imposto, sendo que a DAV de introdução no consumo constitui condição sine qua non da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada, aplicando-se a taxa em vigor no momento da exigibilidade do imposto”.

 

  1. Nestes termos, entende a Requerida que “sendo que a data da exigibilidade do imposto, isto é, a data da entrada do veículo no território nacional, constitui igualmente o momento da verificação de todos os pressupostos legalmente previstos para efeitos de aplicação de um benefício fiscal”.

 

  1. Por outro lado, segundo a Requerida, “preconizando a Requerente a aplicação da uma taxa reduzida/isenção parcial, sempre se dirá que, de acordo com o artigo 2.º do EBF, consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, (…) as reduções de taxas (…)”.

 

  1. E, “no que concerne ao regime dos benefícios fiscais propriamente dito, há, desde logo, que ter em consideração a definição de benefício fiscal (o qual se traduz num incentivo de natureza económica, social ou cultural), representando vantagens/benefícios atribuídos aos sujeitos passivos, tendo em vista a realização de um determinado comportamento” porquanto “a concessão de um benefício fiscal opõe-se à aplicação do sistema normativo de tributação regra, traduzindo-se num facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária, pelo que, as normas que presidem à sua criação, e que legitimam a sua concessão, são: a) Juridicamente especiais e; b) Factualmente excecionais, porquanto encontram-se fundamentadas em interesses públicos, extrafiscais, mas constitucionalmente relevantes”, desenvolvendo os tipos de benefícios fiscais.

 

  1. Ora, segundo a Requerida, “configurando as taxas intermédias previstas no artigo 8.º, bem como as taxas reduzidas previstas no artigo 9.º do CISV, isenções parciais ou reduções de taxas, a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º do EBF, relativo ao Conceito de benefício fiscal e de despesa fiscal e respectivo controlo”, e tendo em consideração que “quer as taxas previstas no artigo 8.º, como as taxas reduzidas previstas no artigo 9.º do CISV, constituem isenções parciais/reduções de taxas cuja racionalidade assenta na natureza ambiental ou na natureza económica, pretendendo-se, por um lado, incentivar o uso de veículos menos poluentes que, designadamente, utilizem motores elétricos e emitam valores mais reduzidos de C02, ou, por outro, proteger determinadas atividades económicas, por força da afetação dos veículos a tais atividades (turismo, hotelaria e comércio)”, alega a Requerida que “(…) quanto aos benefícios fiscais consagrados no CISV, encontram-se previstas isenções totais e parciais, bem como reduções de taxas, sendo que, dentro do espectro dos benefícios fiscais, as taxas previstas nos artigos 8.º e 9.º configuram reduções de taxas, que se concretizam em percentagens de reduções das taxas resultantes da aplicação da tabela A ou da tabela B”.

 

  1. E, quanto aos benefícios previstos no artigo 8.º do CISV, e concretamente, no que concerne ao benefício consagrado na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, dele beneficiam, exclusivamente, os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km (…)”.

 

  1. Ora, segundo defende a Requerida, “tendo o facto tributário como base o facto gerador e a apresentação de DAV efetuada em 2021, na data acima indicada, a verificação dos pressupostos para efeitos da aplicabilidade da taxa reduzida de 25% deve reportar-se àquele ano, independentemente de o veículo em causa ter obtido a primeira matrícula em ano anterior noutro Estado-Membro da EU”, “até porque a data da primeira introdução no consumo ou da atribuição da primeira matrícula noutro Estado-membro não constitui facto gerador do imposto para efeitos de tributação em Portugal, conforme resulta expressamente do artigo 5.º do CISV”.

 

  1. Relevando a data da matrícula anterior, no contexto da tributação em sede de ISV, para determinação da desvalorização dos veículos, em função dos anos de uso dos mesmos, para a consequente aplicação das percentagens de redução previstas nos artigos 7.º e 11.º do CISV” e dado que “a legislação do Estado-membro de proveniência do veículo não é aplicável em Portugal, não relevando, juridicamente, o conceito de facto gerador adotado pela legislação italiana, como inversamente, não releva em Itália, ou noutro Estado-membro, para efeitos de tributação nesses países, o facto de um veículo ter sido introduzido anteriormente em Portugal, o que determinaria, a sua não tributação no destino” não pode, segundo entende a requerida, “(…) em 2021, vir a ser concedido um benefício fiscal (redução de taxa) a automóveis ligeiros de passageiros que não reúnam (…) os requisitos e condicionalismos exigidos na lei aplicável em vigor (…) à data da introdução no consumo em Portugal”.

 

  1. Segundo entende a Requerida, “o veículo em causa, não obstante esteja equipado com motor híbrido plug-in não possui, como é exigido na norma de isenção em vigor, cumulativamente, uma autonomia, no modo elétrico, de 50 km, nem emissões oficiais inferiores a 50 g CO2km” e, “não havendo lugar à aplicação de taxa reduzida, o veículo foi tributado de acordo com a tributação regra, nos termos da lei, e conforme decorre do prescrito no EBF”.

 

  1. Segundo entende a Requerida, imposta referir que “(…) o veículo em causa nos presentes autos foi objeto de introdução no consumo através de DAV, com data e aceitação em 2021, sendo que, naquela mesma data, já se encontrava em vigor a nova redação do artigo 8.º do CISV que (…) resultou da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro” e, “aplicando-se as normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor, conforme dispõe expressamente o n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), relativo à aplicação da lei tributária no tempo, não se suscita qualquer dúvida de que ao facto tributário em causa se aplica a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV atualmente em vigor”.

 

  1. Adicionalmente, entende ainda a Requerida que “(…) na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam devem ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (cf. n.º 1 do artigo 11.º da LGT), devendo o intérprete socorrer-se dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua razão de ser/ratio legis, não se admitindo, quanto aos benefícios fiscais, a integração analógica”.

 

  1. Assim, segundo reitera a Requerida, “no que concerne à alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, não pode retirar-se desta norma outra interpretação que não seja a de aplicar uma taxa intermédia, ao imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo 7.º, de 25%, apenas aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/km, constituindo, estas, condições cumulativas para a aplicação da referida taxa” sendo “a intenção do legislador (…) clara surgindo evidente que um veículo híbrido plug in, com as características indicadas na mesma alínea na redação atualmente em vigor, resulta menos poluente que um veículo, não obstante um híbrido equipado com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenha uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, conforme resultava da versão anterior”.

 

  1. Assim, no caso concreto, o veículo foi tributado por se verificar um dos factos geradores do imposto previstos no n.º 1 do artigo 5.º, isto é, a admissão de veículo no território nacional que está obrigado à matrícula em Portugal, tornando-se o ISV exigível no momento da apresentação da DAV, por força da alínea a), do n.º 1, do artigo 6.º do CISV” “e, considerando que o operador registado, ora Requerente, solicitou a introdução no consumo do veículo em 2021, através da submissão da DAV supra identificada, por força do n.º 3 do artigo 6.º do CISV o imposto liquidado refletiu a taxa em vigor nessa data”, “não reunindo as características de cuja verificação a lei faz depender a aplicação da taxa de 25%, o veículo tem de ser tributado pela taxa geral de 100% da tabela A, enquadrável fiscalmente na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do CISV, tal como sucedeu, não enfermando a liquidação efetuada de qualquer ilegalidade”.

 

  1. Mas referindo-se a Requerente a uma alegada violação ao artigo 110.º do TFUE, comummente associada à versão anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, que não previa a aplicação de percentagens de redução para a componente ambiental em função dos anos de uso, analisada a DAV, verifica-se que ao imposto resultante da tabela A foram aplicadas as percentagens de redução previstas atualmente na tabela D (n.º 1 do artigo 11.º do CISV), tendo em conta a componente cilindrada e a componente ambiental, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos” pelo que, segundo a Requerida, “a taxa de ISV aplicada ao veículo, ou melhor, o imposto resultante da aplicação da tabela A foi reduzida tendo em conta os anos de uso do veículo que decorreram entre a data da 1.ª matrícula e o termo do prazo de apresentação da respetiva DAV de introdução no consumo no território nacional”.

 

  1. Ora, no caso de veículos já matriculados em território nacional, o montante do imposto pago por esse veículo já é incorporado no valor do veículo” pelo que “quando um veículo registado em Portugal é vendido como veículo usado no nosso país, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de registo, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial”.

 

  1. Por conseguinte, só existe uma violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (…)” e, “no caso de veículos já matriculados em território nacional, o montante do imposto pago por esse veículo já é incorporado no valor do veículo”.

 

  1. Ora, segundo a Requerida, “no caso em apreço, constata-se que o imposto, que Portugal fez incidir no momento da introdução no consumo do veículo em causa, teve como base a tributação dos veículos novos, similares, que foram introduzidos no consumo durante o ano 2021, tendo sido liquidado considerando o tempo de uso do veículo, com aplicação das percentagens de redução da tabela A, tendo em conta os anos de uso do veículo que decorreram entre a data da 1.ª matrícula e o termo do prazo de apresentação da respetiva DAV, tendo desse modo o imposto sido calculado pelo método clássico”, “tendo sido, igualmente, aplicadas as percentagens de reduções da tabela D constantes da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados”.

 

  1.  Segundo a Requerida, “defende a Requerente, para sustentar a sua posição que a liquidação de ISV efetuada ao abrigo de uma norma legal que entrou em vigor em 2021, um entendimento alargado de facto gerador decorrente do princípio da não discriminação europeia”, “por estarmos perante um benefício fiscal de reconhecimento” “importando, por isso, clarificar, em primeiro lugar, que o benefício fiscal em causa é de natureza automática, não dependendo a sua concessão de qualquer ato de reconhecimento da administração tributária, aliás, como bem sabe a Requerente, que não efetuou nenhum pedido junto da alfândega com vista ao reconhecimento do benefício fiscal em causa, resultando o benefício direta e imediatamente da lei, opera ope legis, pela simples verificação dos respetivos pressupostos (artigo 5.º, n.º 1, do EBF), pelo que improcede a consideração relativa aos efeitos do reconhecimento do benefício fiscal”.

 

  1. E, reitera a Requerida, “quanto à alusão a um “princípio da não discriminação europeia, não se vislumbra em que medida, e de que forma, em concreto, a existência de um imposto interno sobre os veículos e sua legislação nacional, mormente os artigos 5.º e 8.º do CISV, colidem com o estabelecido, desde já, nos artigos 26.º e 28.º do TFUE” porquanto “os princípios relativos ao funcionamento do mercado interno e da livre circulação de mercadorias não se opõem à existência, no ordenamento jurídico e fiscal dos Estados-membros, de impostos internos, porquanto, como já se aludiu, não existe harmonização fiscal no seio da União Europeia, podendo, inclusivamente os Estados-membros criar tributos que não existam noutros ordenamentos jurídicos”.

 

  1. E, “não constituindo um entrave à circulação o facto de um veículo que foi introduzido e declarado num Estado-Membro, ser posteriormente introduzido noutro Estado-membro, como ocorreu no caso vertente, em Portugal, relativamente ao veículo em causa, o mesmo sucedendo no caso de um veículo nacional que fosse admitido noutro país da União Europeia”, “sucedendo que, aquando da admissão de um veículo proveniente de outro Estado-membro que já tenha sido introduzido no consumo no país de origem, atendendo a que a admissão (entrada) constitui facto gerador do imposto nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do CISV, o veículo está sujeito a tributação, o mesmo se verificando nos outros Estados-membros, que acolheram nos respetivos ordenamentos jurídicos a admissão, ou entrada, de veículos nos seus territórios como “facto gerador” do imposto sobre veículos”.

 

  1. E embora a livre circulação de mercadorias tenha sido garantida através da união aduaneira entre os Estados-Membros, envolvendo a eliminação de direitos aduaneiros, restrições quantitativas nas trocas comerciais e medidas de efeito equivalente e o estabelecimento de uma pauta aduaneira comum para a União, a realização do mercado interno surge de forma dinâmica e constante, mas não inclui, atualmente, uma união fiscal”.

 

  1. Ora, segundo entende a Requerida, “no caso concreto, o conceito de facto gerador não impede que os veículos de outros Estados-membros circulem e sejam colocados no mercado nacional, o que, aliás, ao invés, ocorreu com o veículo da Requerente, que foi admitido e tributado nos termos gerais, não tendo sido aplicada qualquer medida impeditiva quanto à sua entrada, circulação e comercialização e, até, atribuição de matrícula”, “não existindo, por conseguinte, qualquer efeito discriminatório até porque, em todos os casos, independentemente do facto gerador em causa, os veículos são tributados nos termos do artigo 7.º, sendo que, no caso dos veículos usados ainda lhes são aplicadas as reduções previstas na tabela D, do n.º 1, do artigo 11.º do CISV”.

 

  1. Assim, para a Requerida, “assentando a Requerente a sua pretensão no pressuposto erróneo de que a taxa aplicada ao veículo o discrimina negativamente pelo facto de tal veículo ser proveniente de outro Estado-Membro, reivindicando, a coberto disso, a concessão de um benefício fiscal (taxa reduzida) consagrado numa norma que deixou de vigorar no final de 2020, não se poderá concluir que a tributação em causa assenta numa alegada violação do artigo 110.º do TFUE” porquanto “o que, de facto, ocorreu foi, tão só, a aplicação da taxa de 100 % da tabela A do artigo 7.º, em conformidade com o que se encontra legalmente previsto, para qualquer veículo ligeiro de passageiros, nacional ou de outro EM, por o veículo, para o qual foi solicitada a introdução no consumo, em 2021, e, portanto, já na vigência da nova redação dada à alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º do CISV, não possuir as características exigidas nesta disposição legal”.

 

  1. Entende assim a Requerida que “carecendo, assim de total enquadramento legal, tanto no direito nacional como no direito da UE, que veículos matriculados noutro Estado-Membro durante a vigência do benefício fiscal consagrado na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º do CISV na redação resultante do artigo 7.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, e que vigorou até final de 2020, possam, em 2021, dele beneficiar em Portugal, não obstante o referido benefício fiscal já não se encontrar em vigor para veículos detentores dessas caraterísticas” conclui a Requerida que “(…) não assiste razão à Requerente quando pretende vincular o nascimento da obrigação tributária, retroagindo, ao arrepio da lei, a situação geradora de imposto ao momento da atribuição da matrícula pelo Estado-Membro de proveniência, ou seja, a um momento temporal anterior à real verificação de todos os pressupostos legalmente previstos, apenas no intuito de usufruir de um benefício fiscal (redução de taxa) que à data da entrada do veículo no território nacional já não se encontrava em vigor”.

 

  1. Reitera a Requerida que “(…) pretendendo a Requerente ver aplicada ao veículo declarado, de sua propriedade, uma taxa reduzida que não se encontra prevista na lei, tal constituiria uma clara violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que dispõe que os benefícios são criados por lei, e bem assim, ao pretender que lhe seja aplicada uma norma que já não existe na ordem jurídica, uma violação do princípio ínsito no artigo 12.º, n.º 1, da LGT, sobre a aplicação da lei tributária no tempo, de acordo com o qual as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, decorrente do princípio geral da aplicação das leis no tempo, previsto no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual a lei só dispõe para o futuro”.

 

  1. Termos em que se conclui que a tributação em causa, além de não violar qualquer princípio do TFUE, mormente o previsto no artigo 110.º, foi efetuada em cumprimento do previsto na lei em vigor aplicável aos factos, resultando, assim, comprovados os seus pressupostos devendo, por conseguinte, ser mantido o ato tributário de ISV ora impugnado”.

 

  1. Contudo, subsistindo dúvidas quanto à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, face ao direito da União Europeia, designadamente quanto ao disposto no artigo 110.º do TFUE, deverá o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para uma interpretação à luz do TFUE, no sentido de saber se uma norma como a constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, relativa a uma isenção parcial (redução de taxa), a aplicar a todos os veículos ligeiros de passageiros, nacionais e de outros Estados-membros, que não faz depender a aplicação do benefício do ano da 1ª matrícula, mas da verificação das condições nela previstas, viola os princípios que regulam o mercado interno, designadamente o seu artigo 110.º do TFEU”.

 

  1. Quanto ao pedido de restituição de quantia certa de imposto, entende a Requerida que “(…) conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV” e quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, entende a Requerida que “(…) ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, o que só por dever de raciocínio se concebe, não poderá, todavia, aquele proceder” porquanto “(…) o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido”, “e, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) atenta a exceção invocada, ser absolvida da instância, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.   O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.2.   Foi suscitada, pela Requerida, a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido a qual, a proceder, determinaria a absolvição da Requerida do pedido de pronúncia arbitral. A análise desta excepção será efectuada preliminarmente no Capitulo 6. desta Decisão (Matéria de Direito) mas desde já se antecipa aqui que a mesma não procede porquanto se entende que este Tribunal Arbitral é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.3.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.4.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.5.   Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.   Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.   A Requerente dedica-se, nomeadamente, ao comércio por grosso e a retalho de veículos automóveis ligeiros (até 3500 kg), novos ou usados, para transporte de passageiros (incluindo veículos especializados, tais como ambulâncias, miniautocarros, etc.), para transporte de mercadorias, mistos e veículos todo-o-terreno.

 

5.4.   No âmbito do seu objecto social, a Requerente procede à importação de veículos automóveis usados, provenientes de Estados-membros da União Europeia, para introdução ao consumo, detendo o estatuto de operador registado.

 

  1. Em 12-07-2021 a Requerente apresentou na Alfândega de Braga- Delegação Aduaneira do Peso da Régua, a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros usado, da marca MERCEDES-BENZ, modelo 204 X, movido a ELECT./GASOLINA- HÍBRIDO, cilindrada 1991 cc., com 71.379 kms, com primeira matrícula (...) atribuída em Itália em 22-11-2017.

 

  1. À DAV referida no ponto anterior foi atribuído o nº 2021/... .

 

  1. No Quadro E (Características do Veículo) da DAV acima identificada, atinente às características do veículo, no item 51 (relativo à Emissão de partículas) consta o valor de 0,0004 g/Km e no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de 59g/Km.

 

  1. Quanto à autonomia no modo elétrico, de acordo com o certificado de conformidade da marca, a mesma é de 34 kms.

 

  1. À viatura identificada nos pontos anteriores foi atribuída, em 12-07-2021, a matrícula nacional ..., emitida pela Delegação Distrital de Viação de Vila Real, conforme resulta da informação constante da documentação do IMT anexada.

 

  1. No quadro T (Liquidação) da DAV acima identificada consta, igualmente, a identificação do acto de liquidação de imposto (nº 2021/...), bem como a data da liquidação
    (09-07-2021), o montante de ISV a pagar (EUR 2.783,41), o termo do prazo de pagamento (23-07-2021) e a data de cobrança (09-07-2021).

 

  1. No âmbito da referida liquidação, os valores apurados no quadro R (Cálculo do ISV) foram os seguintes:

 

 

TAXA

MONTANTE (EUR)

Componente cilindrada 1991 [cc] x 5.08 [tx] - 5616.8 [ded]

 

4.497,48

Componente ambiental 59 [co2] x 4.19 [tx] - 387.16 [ded]

 

139,95

Taxa aplicável da tabela (4497.48 -139.95)

100%

4.357,53

Redução de Anos de Uso (Componente Cilindrada) Mais de 3 a 4 anos (4497.48€ * 100%) * 35%

35%

1.574,12

Redução de Anos de Uso (Componente Ambiental) Mais de 2 a 4 anos (-139.95€ * 100%) * 20%

20%

27,99

Agravamento Partículas

 

0,00

Redução de Anos de Uso (Partículas) Mais de 2 a 4 anos 0€ * 0%

 

0,00

SUBTOTAL

 

2.783,41

 

  1. A Requerente entende que deveria ter sido aplicada, sobre o somatório da Componente Cilindrada e Componente Ambiental, a taxa de 25% (e não de 100%), prevista na anterior redação da Tabela A prevista na alínea d) do artigo 8º do Código do ISV, pelo que o valor daí resultante deveria ter ascendido a EUR 3.268,14 (e não aos EUR 4.357,53 apurados) com a necessárias reformulações subsequentes.

 

  1. Depois de aplicada a redução de anos de uso derivada da componente cilindrada e da componente ambiental, o montante de ISV a pagar ascendeu a EUR 2.783,41.

 

  1. A Requerente pagou o ISV liquidado dentro do prazo (em 07-09-2023).

 

  1. A Requerente apresentou, em 06-10-2021, Reclamação Graciosa na Alfandega de Braga com fundamento na ilegalidade da liquidação, requerendo a devolução do ISV que entende ter pago em excesso (EUR 2.124,29).

 

  1. À Reclamação Graciosa identificada no ponto anterior foi atribuído o nº ...2021....

 

  1. A Requerente foi notificada, através de Ofício da Alfandega de Braga (Justiça Tributária), datado de 19-11-2021, para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição ao projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

  1. A Requerida suportou o projecto de indeferimento nos seguintes termos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerente não exerceu o direito de audição.

 

  1. A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa (acima identificada) através do Ofício nº ... da Alfandega de Braga (Justiça Tributária), datado de 17-12-2021, suportado nos argumentos apresentados no projeto de decisão de indeferimento anteriormente notificado (vide ponto 5.18., supra).

 

  1. A Requerente apresentou este pedido de pronúncia arbitral em 07-03-2022.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requeria (processo administrativo).

 

 

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes e decidir a qual das Partes assiste razão quanto à posição apresentada.

 

6.2.   Assim, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente na sequência da decisão de indeferimento da reclamação apresentada relativa ao acto de liquidação de ISV em crise, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com fundamento na sua ilegalidade parcial, requerendo a anulação daquela decisão de indeferimento com a consequente anulação da liquidação de ISV com a condenação da Requerida na restituição do imposto que alega ter pago em excesso (e que quantifica em EUR 2.124,29), bem como peticionando que sobre este montante incidam juros indemnizatórios, calculados à taxa legal.

 

6.3.   Com efeito, no caso em análise, a Requerente apresentou DAV para “(…) introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca MERCEDES-BENZ, modelo 204 X, movido a ELECT./GASOLINA- HÍBRIDO, cilindrada 1991 cc, com a matrícula definitiva ... , atribuída em Itália em 22.11.2017” sendo que “na liquidação do Imposto Sobre Veículos (…), o veículo foi considerado veículo ligeiro de passageiro equipado com motor híbrido plug-in, tendo, por isso, sido aplicada a tabela A prevista no d) do artigo 8.º do Código do Imposto Sobre Veículos (…)”, em vigor à data:

 

6.3.1.     Tendo sido aplicada, ao veículo em questão, para efeitos de aplicação da referida tabela, uma taxa de 100%, da qual resultou, após redução por anos de uso, um montante de ISV de EUR 2.783,41;

6.3.2.     Quando deveria ter sido aplicada, segundo alega a Requerente, “(…) a taxa de 25% (…)”, sendo devido apenas ISV no montante de EUR 659,12, requerendo a devolução do imposto que alega ter pago em excesso (EUR 2.124,29).

 

6.4.   Entende a Requerente que “a nova redação do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, e que, por essa razão verifica-se o desrespeito pelo artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia”.

 

6.5.   Ou seja, “a presente liquidação do ISV viola o disposto no artigo 110.º do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de outro Estado-membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal”.

 

6.6.   E, tendo a Requerente procedido ao integral pagamento do ISV liquidado
(EUR 2.783,41), entende que se deverá proceder “(…) à anulação da liquidação”, devendo a Requerida ser condenada a restituir à Requerente o montante de imposto ilegalmente pago [no valor de ] EUR 2.124,29 (…)”, acrescido de juros indemnizatórios.

 

6.7.   A Requerida, na sua Resposta, defendeu-se por excepção (suscitou a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria) e por impugnação.

 

6.8.   Em matéria de impugnação, alega a Requerida, em síntese, que “tendo o facto tributário como base o facto gerador e a apresentação de DAV efetuada em 2021, (…), a verificação dos pressupostos para efeitos da aplicabilidade da taxa reduzida de 25% deve reportar-se àquele ano, independentemente de o veículo em causa ter obtido a primeira matrícula em ano anterior noutro Estado-Membro da UE”, “até porque a data da primeira introdução no consumo ou da atribuição da primeira matrícula noutro Estado-membro não constitui facto gerador do imposto para efeitos de tributação em Portugal, conforme resulta expressamente do artigo 5.º do CISV”.

 

6.9.   Segundo entende a Requerida, “assentando a Requerente a sua pretensão no pressuposto erróneo de que a taxa aplicada ao veículo o discrimina negativamente pelo facto de tal veículo ser proveniente de outro Estado-Membro, reivindicando, a coberto disso, a concessão de um benefício fiscal (taxa reduzida) consagrado numa norma que deixou de vigorar no final de 2020, não se poderá concluir que a tributação em causa assenta numa alegada violação do artigo 110.º do TFUE” porquanto ocorreu “(…) a aplicação da taxa de 100% (…) em conformidade com o que se encontra legalmente previsto, para qualquer veículo ligeiro de passageiros, nacional ou de outro EM, por o veículo, para o qual foi solicitada a introdução no consumo, em 2021, e, portanto, já na vigência da nova redação dada à alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º do CISV, não possuir as características exigidas nesta disposição legal”.

 

6.10. E, segundo alega a Requerida, “carecendo (…) de total enquadramento legal, tanto no direito nacional como no direito da UE, que veículos matriculados noutro Estado-Membro durante a vigência do benefício fiscal consagrado na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º do CISV na redação resultante do artigo 7.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, e que vigorou até final de 2020, possam, em 2021, dele beneficiar em Portugal, não obstante o referido benefício fiscal já não se encontrar em vigor para veículos detentores dessas caraterísticas”, “(…) não assiste razão à Requerente quando pretende vincular o nascimento da obrigação tributária, retroagindo, ao arrepio da lei, a situação geradora de imposto ao momento da atribuição da matrícula pelo Estado-Membro de proveniência, ou seja, a um momento temporal anterior à real verificação de todos os pressupostos legalmente previstos, apenas no intuito de usufruir de um benefício fiscal (redução de taxa) que à data da entrada do veículo no território nacional já não se encontrava em vigor” o que a ocorrer, “(…) constituiria uma clara violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que dispõe que os benefícios são criados por lei, e bem assim, ao pretender que lhe seja aplicada uma norma que já não existe na ordem jurídica, uma violação do princípio ínsito no artigo 12.º, n.º 1, da LGT, sobre a aplicação da lei tributária no tempo, de acordo com o qual as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, decorrente do princípio geral da aplicação das leis no tempo, previsto no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual a lei só dispõe para o futuro”.

 

6.11. Assim, entende a Requerida que terá de se concluir “(…) que a tributação em causa, além de não violar qualquer princípio do TFUE, mormente o previsto no artigo 110.º, foi efetuada em cumprimento do previsto na lei em vigor aplicável aos factos, resultando, assim, comprovados os seus pressupostos devendo, por conseguinte, ser mantido o ato tributário de ISV ora impugnado”.

 

6.12. Neste âmbito, cumpre ao Tribunal Arbitral analisar o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente de modo a decidir, face à posição assumida por cada uma das Partes, a qual das duas assiste razão sendo que, para este efeito, terá este Tribunal Arbitral de avaliar se a liquidação de ISV relativa à viatura usada identificada nos autos (pontos 5.5. a 5.9., supra) padece ou não de ilegalidade parcial devendo, em caso afirmativo, mandar-se anular aquele acto tributário (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, deverá tal acto de liquidação de ISV ser integralmente mantido na ordem jurídica, como defende a Requerida, por não enfermar da ilegalidade apontada pela Requerente.

 

Questão prévia – excepção da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

 

6.13. A Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto entende que a pretensão da Requerente, “(…) conforme formulado no PPA, visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o ato, decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente visa, efetivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objetivo de afastar a tributação regra” pedido que, face ao disposto na lei “(…) não pode ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT”.

 

6.14. Reitera a Requerida que “(…) no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação”, concluindo pela alegada incompetência do Tribunal Arbitral para sindicar o acto tributário.

 

6.15. A Requerente quando à referida excepção alegada pela Requerida, veio referir que “(…) no pedido arbitral, pretende apenas a declaração de ilegalidade deste ato tributário em concreto” e “no que diz respeito à competência dos Tribunais Arbitrais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, esta compreende, nomeadamente, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, concluindo que “(…) este Tribunal competente para conhecer do presente pedido arbitral”.

 

6.16. Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência desta excepção.

 

6.17. Em termos gerais, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso).

 

6.18. O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

6.19. E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:[3]

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo” (sublinhado nosso).

 

6.20. A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral mas, tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.[4]

 

6.21. Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.

 

6.22. Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

6.23. Uma vez que a Requerente formula o seu pedido no sentido de ser anulada (parcialmente) a liquidação de ISV em crise, com os fundamentos que apresenta (vício de errada aplicação da taxa para o seu cálculo), decide-se que o tribunal arbitral é competente nos termos legais referidos, para conhecer do mérito da causa, improcedendo a alegada excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

 

Questão prévia - excepção da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

 

6.24. Adicionalmente, alega a Requerida que “caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria nos termos supra invocados, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral (…)” porquanto “(…) pretende a Requerente que a liquidação efetuada (…) seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo da Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito”.

 

6.25. Segundo entende a Requerida, “tal pedido (…) consubstancia por parte da Requerente uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de uma nova liquidação, que não a resultante da tributação regra”, “sendo que a tributação regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, é efetuada nos termos dos artigos 7.º e 11.º do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante a Requerente afirme pretender a correção da liquidação, o que resulta numa contradição (…)”.

 

6.26. E, segundo alega a Requerida, não podendo ser assacado à liquidação qualquer vício, resulta “(…) evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada” “e, nesta medida, o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (…) uma vez que não está em causa a intimação para um comportamento do seu direito, a qual não resulta diretamente da lei”.

 

6.27. Ainda a este respeito, alega a Requerida que “tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral (…)” concluindo “(…) que (…) deve a Requerida ser absolvida da instância (…)”.

 

6.28. Uma vez mais cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção suscitada.

 

6.29. Neste âmbito, refira-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede também esta excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, porquanto a arguição da excepção pela Requerida assenta num evidente equívoco.

 

6.30. Com efeito, a Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral (na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, em 06-10-2021, junto da Alfândega de Braga), relativa à declaração de ilegalidade do acto de liquidação de ISV praticado pela Requerida (com base na Declaração de Introdução no Consumo - DAV) apresentada para efeitos de introdução em território nacional do veículo marca MERCEDES-BENZ, modelo 204 X, oriundo de Itália (identificado no processo) e, bem assim, relativo ao acto de liquidação de ISV em crise, tendo invocando como causa de pedir a ilegalidade da referida liquidação com fundamento em violação do disposto no artigo 110º do TFUE.

 

6.31. A este respeito, refira.se que a desaplicação de normas pelos Tribunais, por iniciativa oficiosa ou por iniciativa das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281º da CRP).

 

6.32. Por outro lado, o referido artigo 204° da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre Tribunais Estaduais e Tribunais Arbitrais e o artigo 280°, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

 

6.33. E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.

 

6.34. No caso, estando em causa a desconformidade do regime do ISV em vigor à data da liquidação em crise com o regime previsto no TFUE, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

 

6.35. Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8º da Constituição).

 

6.36. A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

 

6.37. Torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do acto de liquidação baseado em desconformidade do regime do ISV com o previsto no artigo 110º do TFUE sendo, nestes termos, considerada improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

6.38. Analisando agora o mérito da causa.

 

Do direito interno

 

6.39. De acordo com o disposto no Código do ISV estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3º, nº 1).

 

6.40. Nos termos do artigo 4º, nº 1 do referido Código, “o imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade: a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado (…) ou ao abrigo do Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros (…), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica”.

 

6.41. O nº 1 do artigo 5º do Código do ISV determina que “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.

 

6.42. É ainda facto gerador do imposto, nos termos da al. c) do nº 2 a “cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados”.

 

6.43. No que diz respeito à exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b), “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”, sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3).

 

6.44. Quanto à introdução no consumo, estabelece o artigo 17º, nº 1 do referido Código que “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”.

 

6.45. Nos termos do nº 3 do artigo 27º do Código do ISV, os veículos não podem ser matriculados sem que a AT tenha comunicado ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P./Instituto Mobilidade e dos Transportes (IMT) ou às direções regionais de transportes terrestres das regiões autónomas, informação comprovativa de que o imposto sobre veículos e, se for o caso, os direitos aduaneiros e o imposto sobre o valor acrescentado, se encontram pagos ou garantidos, ou de que foi reconhecida a sua isenção ou a não sujeição ao imposto sobre veículos.

 

6.46. De acordo com o disposto nos artigos 7º a 11º do Código do ISV, as taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados.

 

6.47. O artigo 8°, n° 1, alínea d), do Código do ISV, na redação introduzida pela Lei n° 82‑D/2014, de 31 de Dezembro, em vigor entre 1 de Janeiro de 2015 e 31 de Dezembro de 2020, previa que era aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n° 1 do artigo 7º, de 25 %, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug‑in, cuja bateria podia ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tivesse uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.

 

6.48. Na redação introduzida pela Lei n° 75‑B/2020, Orçamento do Estado para 2021, de 31 de Dezembro de 2020, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2021, o referido artigo 8°, nº 1, alínea d) do Código do ISV dispõe que é aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n° 1 do artigo 7º, de 25 %, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug‑in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

 

6.49. E foi neste quadro legal introduzido pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro que a Requerida procedeu à liquidação de ISV em crise, ou seja, aplicando o regime legal em vigor a partir de 2021 e, em conformidade, entendeu que o veículo em causa não cumpria os requisitos legais para beneficiar da taxa intermédia de 25% porquanto subjacente à referida liquidação o veículo em causa tem uma autonomia em modo elétrico inferior a 50 km (34 km).

 

6.50. De facto, conforme teor documental junto aos autos, a autonomia mínima do veículo no modo elétrico é inferior a 50 km tendo em conta os certificados de conformidade da marca do veículo em causa, quanto à autonomia no modo eléctrico, resultando daqueles documentos, conforme factualidade data como provada, o valor de 34 km.

 

6.51. Tendo em conta esta questão importa, agora, determinar a lei aplicável ao caso concreto, i.e., se deve ser aplicado o artigo 8º do Código de ISV tendo em consideração a redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro ou a redação anteriormente vigente, aprovada pela Lei nº 82-D/2014, de 31 de Dezembro.

 

6.52. Para o efeito, há dois momentos temporais a considerar.

 

6.53. A data da primeira matrícula em Itália, no ano de 2017 ou a data a introdução no consumo titulada pela Declaração Aduaneira de Veículos, no ano de 2021.

 

6.54. A Requerente alega que, em substância, à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo (22-11-2017), estava em vigor o artigo 8°, n° 1, alínea d), do Código do ISV, na redação introduzida pela Lei n° 82‑D/2014 e que, nos termos desse artigo, era aplicável uma taxa reduzida de 25 % do imposto aos veículos ligeiros equipados com um motor híbrido plug‑in com uma autonomia mínima de 25 quilómetros em modo eléctrico.

 

6.55. Em contrapartida, na data em que apresentou uma declaração aduaneira relativa a esse veículo (2021), era aplicável o artigo 8°, n° 1, alínea d), do Código do ISV, na redação introduzida pela Lei n° 75‑B/2020 a qual, contrariamente à versão deste artigo que se encontrava em vigor em 2017, já não permite que os veículos com características análogas ao que está em causa no processo beneficiem de uma taxa reduzida de imposto igual a 25 % porquanto a nova redação preconiza a necessidade de uma autonomia mínima de 50 quilómetros em modo eléctrico (e o veículo em causa tem 34 km).

 

6.56. A Requerente sustenta, por conseguinte, que um veículo com essas características e inicialmente matriculado noutro Estado‑Membro da União, que seja posteriormente introduzido em Portugal, sofre um tratamento desfavorável relativamente a um veículo com características similares, mas inicialmente adquirido e matriculado em Portugal, na medida em que esse primeiro veículo não pode beneficiar da aplicação da taxa reduzida do referido imposto igual a 25 %.

 

6.57. Assim sendo, segundo alega a Requerente, os veículos inicialmente matriculados noutro Estado‑Membro da União são onerados de forma mais gravosa em relação aos veículos que apresentam características similares e originalmente matriculados em Portugal, em desrespeito pelo artigo 110° TFUE.

 

6.58. Em contrapartida, a Requerida sublinha que o facto gerador do imposto é a admissão no território português de um veículo que aí esteja obrigado à matrícula e que o imposto em causa se torna exigível no momento da introdução desse veículo no consumo em Portugal, entendendo ser assim aplicável o regime que resulta da redação dada ao artigo 8º do Código do ISV que resulta da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro uma vez que, segundo entende, é relevante a legislação em vigor no momento da introdução no consumo, em Portugal, titulada pela Declaração Aduaneira de Veículos (ano de 2021).

 

6.59. Não seguimos esta orientação.

 

6.60. Quanto a esta matéria sufragamos a posição defendida pela Requerente e vertida em diversas decisões arbitrais, nomeadamente na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 350/2022-T, de 30-01-2023.

 

6.61. Conforme resulta desta decisão, o que está em causa nos presentes autos a aplicação da lei no tempo, conjugada com o conceito de facto gerador constante do artigo 5º do Código do ISV.

 

6.62. De facto, como se extrai desta decisão, à qual aderimos, “[…] da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta que o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a introdução ao consumo do veículo é na Alemanha, […], que é a data de atribuição da sua primeira matrícula. E, que qualquer interpretação contrária colidiria com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE, ou mesmo pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia. Pelo que, o conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja, na data da sua primeira matrícula no país de origem que é de 29-12-2016 e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data.

Com efeito, o conceito de facto gerador estabelecido no art. 5º do CISV não pode deixar de ser considerado como estando em estreita relação com o princípio da não discriminação estabelecido no art. 110º do TFUE que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Princípio este que é reforçado pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia, a ver: - Proibição dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros – art. 28º, nº 1 e art. 30º do TFUE. - Proibição das medidas de efeito equivalentes a restrições quantitativas – art. 34º e 35º do TFUE.

No que a esta matéria diz respeito, convém ter presente que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é diretamente aplicável em território nacional.

Na verdade, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.

O Tribunal de Justiça tem sustentado que, apesar de só os Estados-Membros terem competência em matéria de impostos diretos, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente a livre circulação de mercadorias (artigos 28º e seguintes do TFUE).

O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação. Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários podendo ser invocados perante os tribunais. Enfatizando que os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26º e 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP.

Apresenta-se, pois, como claro que, para que a Convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas, sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa.

Assim sendo, e, tendo presente estar excluído qualquer modelo de tributação num Estado-Membro que produza, um efeito discriminatório, em consequência dos referidos princípios estabelecidos na legislação da União Europeia, é possível fixar o conceito de facto gerador não discriminatório, com base no qual deve ser aplicada corretamente no tempo a taxa intermédia preceituada na alínea d) do nº 1 do art. 8º do CISV para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-Membro da União Europeia” (sublinhado nosso).

 

6.63. Face ao exposto, concluímos que, tendo em conta que o veículo identificado nos autos foi matriculado pela primeira vez em Itália, no ano 2017, conforme factualidade dada como provada, será esta a data relevante para aplicação do facto gerador de imposto previsto no artigo 5º do Código do ISV o que, assim sendo, determina a aplicação da taxa intermédia que resulta da alínea d), do nº 1 do artigo 8º do Código do ISV, na redação que estava em vigor à data dessa primeira matrícula.

 

6.64. Por outro lado, haverá que se considerar o teor do Acórdão proferido pelo TJUE no âmbito do processo C-349/22, de 16-11-2023 [pedido de reenvio prejudicial apresentado no âmbito de um litígio nacional a respeito de um acto de liquidação de ISV que incidiu sobre um veículo importado para Portugal, formulado no âmbito do processo CAAD 700/2021-T, de 23-05-2022], cujo objecto foi a interpretação do artigo 110º do TFUE.

 

6.65. A este respeito, aquele Tribunal Arbitral formulou, no âmbito do pedido de reenvio prejudicial, a seguinte questão, cuja resposta dada à mesma aproveita também ao caso da Requerente:

 

O artigo 110.° [TFUE] opõe‑se a que norma do direito nacional ‑ constante da alínea d) do n.° 1 do artigo 8.° do [Código do Imposto sobre Veículos] ‑ que concede desagravamento para 25 % do [imposto], em benefício de veículos ligeiros de passageiros que cumpram determinados critérios ambientais, vigore e seja objeto de aplicação, na redação com início de vigência em 1 de janeiro de 2021, mais restritiva do que a até então vigente, tanto a veículos nacionais novos, como a veículos usados provenientes de outros Estados‑Membros da União Europeia, matriculados pela primeira vez em Portugal a partir dessa data, conferindo tratamento tributário igual entre tais veículos, mas resultando numa situação que pode ser tida como de desigualdade, entre veículos usados, com o mesmo tempo de uso, que cumpram os critérios ambientais menos exigentes anteriormente em vigor, mas não cumpram os da lei nova, consoante (a) tenham sido comercializados e matriculados originariamente em Portugal antes da data de entrada em vigor da nova redação, caso em que terão sido desagravados para 25 % do valor do imposto, o que se pode entender tender a refletir‑se no respetivo preço de transação como usados, ou (b) tenham sido matriculados noutro Estado‑Membro em data em que vigorava a redação anterior e sejam introduzidos no consumo em Portugal após aquela mesma data, caso em que suportam 100 % do valor do imposto?” (sublinhado nosso).

 

6.66. No que diz respeito á resposta dada pelo TJUE à questão prejudicial, propriamente dita, atente-se no seguinte:

 

19 Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado‑Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado‑Membro. 20 A título preliminar, importa recordar que (…) a tributação dos veículos automóveis não foi harmonizada a nível da União. Os Estados‑Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito da União [Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula), C‑552/15, EU:C:2017:698, n.° 71 e jurisprudência referida]. 21 (…) um imposto sobre veículos automóveis cobrado por um Estado‑Membro aquando do registo desses veículos com vista à sua entrada em circulação no seu território não constitui nem um direito aduaneiro nem um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção dos artigos 28.° e 30.° TFUE. Além disso, tal imposto também não pode ser apreciado à luz do artigo 34.° TFUE, que proíbe as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente a essas restrições. Com efeito, um imposto como o que está em causa no processo principal constitui uma imposição interna e deve, portanto, ser examinado à luz do artigo 110.° TFUE (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 32 e 33, e de 17 de dezembro de 2015, Viamar, C‑402/14, EU:C:2015:830, n.° 33 e jurisprudência referida). 22 O artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados‑Membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C‑76/14, EU:C:2015:216, n.° 28). Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos), C‑169/20, EU:C:2021:679, n.° 34 e jurisprudência referida]. 23 Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados e, por conseguinte, obriga cada Estado‑Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 56, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C‑640/17, EU:C:2018:275, n.° 17). 24 Ora, os veículos automóveis presentes no mercado de um Estado‑Membro são produtos nacionais desse Estado, na aceção do artigo 110.° TFUE. (…) Com efeito, os veículos usados comprados no mercado do referido Estado‑Membro e os comprados, para importação e entrada em circulação no mesmo, noutros Estados‑Membros, constituem produtos concorrentes (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 55, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C‑640/17, EU:C:2018:275, n.° 16). 25 Assim sendo, existe uma violação do artigo 110.° TFUE sempre que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro exceder o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional. Com efeito, tal situação pode favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar assim a importação de veículos usados similares (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C‑437/12, EU:C:2013:857, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida). 26 No caso em apreço, resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, por um lado, o imposto em causa é um imposto sobre o consumo cobrado, nomeadamente, a todos os veículos obrigados à matrícula em Portugal e que é exigível no momento em que esse veículo é aí introduzido no consumo. Assim sendo, este imposto é aplicável aos veículos novos e aos veículos usados importados, uma vez que só é cobrado uma única vez, no momento da introdução no consumo de um determinado veículo no território português. 27 Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o artigo 8.° do Código do Imposto sobre Veículos foi objeto de uma alteração posterior à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo principal na Alemanha, mas antes da sua introdução no consumo em Portugal. A referida alteração destinava‑se a tornar mais exigentes as condições para que um veículo pudesse beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 %. 28 Com efeito, como resulta do pedido de decisão prejudicial, na vigência do regime que era aplicável em Portugal ao abrigo do artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na versão introduzida pela Lei n.° 82‑D/2014, à data da primeira matrícula do veículo em causa (…) esse veículo tinha direito a beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 %. Em contrapartida, à data da sua introdução no consumo em Portugal, o referido veículo não preenchia os requisitos para beneficiar dessa taxa reduzida na vigência do regime previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 75‑B/2020. 29 Daqui resulta que veículos usados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste, que, assim sendo, são produtos similares na aceção da jurisprudência mencionada no n.° 24 do presente acórdão, podem ser sujeitos a imposto a uma taxa diferente consoante tenham sido introduzidos no consumo em Portugal antes ou depois da alteração legislativa descrita nos n.os 27 e 28 do presente acórdão. 30 Neste contexto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no momento da introdução no consumo em Portugal de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, tal aplicação da legislação relativa ao imposto sobre veículos conduz a que o imposto que incide sobre o veículo usado em causa exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, criando, assim, o risco de favorecer a venda de veículos usados nacionais e de desencorajar a importação de veículos usados similares, na aceção da jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão. 31 Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional deverá ter em conta, por um lado, o facto de o imposto ser cobrado à taxa plena no momento da importação e da introdução no consumo do referido veículo proveniente de outro Estado‑Membro, mesmo quando preenchia os requisitos para beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento em que foi matriculado pela primeira vez nesse outro Estado‑Membro. Por outro lado, deverá ter em conta que o adquirente de um veículo usado similar, já presente no mercado português, apenas deve suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, sendo que, além disso, o valor desse imposto está ligado à referida taxa reduzida paga no momento da introdução inicial desse veículo no consumo. 32 A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça esclareceu que os Estados‑Membros não podem instituir novos impostos ou introduzir modificações nos impostos existentes que tenham por objeto ou por efeito desencorajar a venda de produtos importados em benefício da venda de produtos similares disponíveis no mercado nacional e introduzidos no mesmo antes da entrada em vigor dos referidos impostos ou modificações (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C‑437/12, EU:C:2013:857, n.° 35). 33 Em segundo lugar, resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que as modalidades de cálculo do imposto foram sendo progressivamente alteradas através de várias reformas legislativas, a fim de que a componente ambiental desse imposto passasse a ter em conta a depreciação resultante do tempo de uso dos veículos usados importados para Portugal. 34 No entanto, sob reserva das verificações que o órgão jurisdicional de reenvio deverá efetuar, tais reformas legislativas não parecem ser suscetíveis de garantir, por si só, uma aplicação do imposto compatível com o artigo 110.° TFUE. Com efeito, como resulta, em substância, do n.° 31 do presente acórdão, o valor comercial dos veículos similares a um veículo como o que está em causa no processo principal, que também são comercializados no mercado português dos veículos usados e que beneficiaram da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento da sua introdução no consumo, inclui o montante residual do referido imposto. Ora, é em relação à taxa a que este imposto foi pago que esse montante residual deve ser avaliado. 35 Tendo em conta os fundamentos acima expostos, há que responder à questão submetida que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado‑Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado‑Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados” (negrito e sublinhado nosso).

 

6.67.    Neste âmbito, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, porquanto o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso).[5]

 

6.68. Em matéria de interpretação de artigos do Código do ISV, face aos direitos nacionais, já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão, nos mercados nacionais, de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE (vide, nomeadamente, o recente Acórdão acima parcialmente transcrito (ponto 6.62., supra).

 

6.69. Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.

 

6.70. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que o disposto no artigo 8º do Código do ISV, na data em que se efectuou a liquidação de ISV aqui impugnada (2021), estava em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto o imposto calculado não poderia ser superior ao montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado membro de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais.

 

6.71. Assim sendo, será de conclui que é de aplicar a taxa intermédia de 25%, constante da alínea d) do nº 1 do artigo 8º do Código do ISV, na redação dada pela Lei 82-D/2014, de 31 de Dezembro, uma vez que o veículo subjacente à liquidação se trata de veículo ligeiro de passageiros, com motor híbrido plug-in, com bateria que pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, com autonomia no modo elétrico de 34 km, sendo, assim, superior aos 25 km mínimos previstos na lei (na redação dada por aquela Lei).

 

6.72. Em consequência, entende-se que a legislação portuguesa vertida no artigo 8º do Código do ISV, na redação em vigor na data em que a liquidação aqui impugnada foi efectuada (2021), não está em conformidade com o disposto no direito da União Europeia, designadamente no artigo disposto no 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o acto tributário de ISV objecto do pedido arbitral porquanto o mesmo padece de ilegalidade, em conformidade com o disposto naquele artigo 110º do TFUE.

 

6.73. Em consequência, será também de anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentado contra a liquidação de ISV agora parcialmente anulada.

 

6.74. Face ao exposto, determina-se a anulação do acto tributário de liquidação de ISV em apreço nos autos, uma vez que padece de ilegalidade dado não ter sido considerada a redução de ISV, resultante da aplicação da taxa intermédia de 25%, constante da alínea d) do nº 1 do artigo 8º do Código do ISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de Dezembro, aos veículos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motor híbridos plug-in, cuja bateria pode ser carregada através de ligação à rede eléctrica e tem uma autonomia, no modo elétrico, no caso de 34 kms, portanto, superior aos 25 kms mínimos prescritos na lei.

 

6.75. Termos em que se determina a anulação parcial do acto tributário de liquidação de ISV objecto do pedido, uma vez que padece de ilegalidade na parte em que não considerou a redução de imposto resultante da aplicação da taxa intermédia de 25%, constante da alínea d), do nº 1 do artigo 8º do Código do ISV, na redacção dada pela Lei nº 82-D/2014, de 31 de Dezembro.

 

6.76. E, consequentemente, uma vez que o Requerente pagou a totalidade do ISV liquidado, deverá ser-lhe restituído o imposto indevidamente pago, por força do disposto nos artigos 24º, nº 1, alínea b) do RJAT e 100º da LGT, no montante de EUR 2.124,29.

 

Questão do reenvio prejudicial

 

6.77. Para o efeito, analisadas as matérias em presença e considerando a questão a decidir, o Tribunal Arbitral entendeu não ser necessário promover o reenvio prejudicial ao TJUE, peticionado pela Requerida, porquanto, no caso concreto, estão preenchidas duas das três exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE.[6]

 

6.78. Por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral e, por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada nos pontos anteriores) que não deixa dúvidas de interpretação do alcance do normativo da UE com o qual o normativo nacional deverá ser concordante.

 

6.79. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não há fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE sendo, por isso, indeferido este pedido apresentado pela Requerida.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.80. A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial da liquidação de ISV identificada no processo, a Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de ISV cobrado em excesso (EUR 2.124,29).

 

6.81. No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.82. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.83. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[7] [8]

 

6.84. Nos processos arbitrais tributários pode, nos termos do disposto nos artigos 43º, nº 1 da LGT, haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, “(…) quando se determine, em (…) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” sendo que, nos termos do artigo 100º, nº 1 da LGT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial (…) de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

6.85. Por outro lado, nos termos da alínea d) do nº 3, do artigo 43º da LGT, “são também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.[9]

 

6.86. Ora, na sequência da declaração de ilegalidade do acto de liquidação de ISV identificado, com os fundamentos acima apontados, terá de haver lugar ao reembolso parcial do montante de ISV pago pela Requerente, relativo ao imposto incidente sobre a parte da liquidação em crise que se deve considerar anulada (EUR 2.124,29), como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.

 

6.87. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente terá direito aos referidos juros, calculados à taxa legal em vigor, sobre a quantia de total de ISV indevidamente cobrada e paga em excesso, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde as datas do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.[10]

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.88. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.89. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.90. Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

 

 

7.      DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação da liquidação de ISV identificada no processo, ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia de ISV liquidada e suportada em excesso, no montante de EUR 2.124,29, acrescida dos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado, bem como determinando-se a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de ISV agora parcialmente mandada anular;

7.1.2.     Indeferir o pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Requerida;

7.1.3.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo;

7.1.4.     Mandar notificar o Ministério Público, nos termos e âmbito do disposto no artigo 280º da CRP e do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do teor desta decisão arbitral.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 2.124,29

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2023

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] A Requerente, por lapso, refere 27-11-2019, mas na DAV está indicado 22-11-2019 (campos 60 e 61 da respectiva DAV).

[3] A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).

[4] A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral” (sublinhado nosso).

[5] Neste âmbito, conforme se escreve na Decisão Arbitral nº 577/2016-T, de 1 de Junho de 2017, “(…) apesar de só os Estados Membros terem competência em matéria de impostos diretos, o Tribunal de Justiça (TJ) tem sustentado, através das suas decisões, que esses Estados devem exercer essa competência em conformidade com o direito da União Europeia. Evitando assim, violações das cinco liberdades económicas fundamentais, designadamente (…) a livre circulação de mercadorias (artigos 28.º e seguintes do TFUE) (…). Ora, é precisamente através da proteção de cada uma destas liberdades, diretamente aplicáveis, que ocorre uma verdadeira harmonização pela via jurisprudencial que se traduz na obrigatoriedade de as legislações nacionais se conformarem a cada uma dessas liberdades. (…) O direito português consagra uma cláusula de receção automática plena do direito convencional internacional, cumpridas as formalidades de aprovação, ratificação e publicação (…). Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados perante os tribunais”. E, prossegue a mesma decisão referindo que “os tratados são superiores hierarquicamente relativamente à lei ordinária. Esta superioridade decorre não só dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, mas igualmente do artigo 8.º n. os 1 e 2 da CRP. Apresenta-se, pois, como claro que, para que a convenção vigore na ordem interna, é necessário que a lei ordinária posterior a não possa revogar. Ou seja, o direito internacional convencional não pode ser afastado por leis ordinárias, surgindo como superior àquelas. Sejam essas leis subsequentes, as quais serão materialmente inconstitucionais se o contrariarem; sejam anteriores, as quais terão de ser suspensas se forem conflituantes com esse direito convencional internacional, só retomando a vigência no caso de suspensão ou cessação da convenção internacional que estiver em causa” (sublinhado nosso).

[6] Neste âmbito, em conformidade com o já decidido pelo TJUE (acórdão Cilfit, de 06/10/1982, processo C-283/81), a obrigatoriedade de reenvio, nos casos em que a mesma exista (sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, como é o caso das decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD), pode ser dispensada quando (i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal, (ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma, (iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (teoria do acto claro, cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram igualmente definidos no referido Acórdão).

[7] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, página 116).

[8] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).

[9] Neste sentido, vide AC TCAS 19/10.3BELRS, de 07-05-2020 (relatora Conselheira Ana Pinhol), nos termos do qual se entende que “III. A Administração Tributária deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (artigo 100.º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT. IV. No caso em presença, a ilegalidade determinante da procedência da impugnação, imputável a erro dos serviços, decorreu da violação de normas comunitárias que prevalecem sobre as normas do direito interno (…)” (sublinhado nosso).

[10] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS nº 1387/11.5BELRA, de 28 de Fevereiro de 2019, nos termos do qual se refere que “o direito a ser indemnizado pelo pagamento de juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (…), reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação. (…). O conceito de erro imputável aos serviços deve ser contraposto ao conceito de vício. (…). O Erro, por seu turno, restringe-se às situações de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, traduzindo-se numa inadequada aplicação do quadro legal à factualidade sujeita a imposto. (…). Apenas os erros são suscetíveis de reparação pelo pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte”.