Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 203/2023-T
Data da decisão: 2024-04-01  IRC  
Valor do pedido: € 266.464,30
Tema: IRC – Benefício Fiscal – RFAI – Compatibilidade com o Direito da União Europeia.
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SUMÁRIO

 

  1. O Código Fiscal de Investimento, e a respetiva regulação que consta do RFAI e Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR; nesse sentido a Portaria apenas pode ser tida como um diploma de execução das disposições de direito europeu;
  2. Não se encontra justificação, tendo em conta a interpretação referida, para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre a disposição do artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do RGIC, para efeito de afastar a atribuição de benefício fiscal RFAI. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (Presidente), Dr. Jesuíno Alcântara Martins e Professora Doutora Marisa Almeida Araújo (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 6 de junho de 2023, decidem:

 

  1. Relatório

 

A... – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., NIF ..., com sede em ..., ...-... ..., (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

A Requerente pretende que o Tribunal declare a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, bem como do ato tributário de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2017 e das respetivas liquidações de juros compensatórios, e, ainda, da correspondente demonstração de acerto de contas que se lhe encontram subjacentes, sendo ordenada a sua integral anulação; que seja ordenada a anulação do processo de execução fiscal instaurado em resultado do não pagamento da dívida tributária; e, ainda ser a AT condenada a indemnizar a Requerente das despesas por esta suportadas, bem como as que vier a suportar, com a garantia prestada na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva das quantias liquidadas, nos termos do disposto no artigo 53.º da LGT, tudo com as demais consequências legais.

 

A Requente alega, sumariamente, que

- É a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC, sendo que, no período de tributação de 2017, a Requerente era (continuando-o a ser atualmente), a sociedade dominante do perímetro do grupo sujeito ao RETGS, o qual, incluía as seguintes sociedades dominadas:

... B..., Unipessoal, Lda.

… C..., Unipessoal, Lda.

... D..., Unipessoal, Lda.

... E..., Unipessoal, Lda.

... F..., Lda.

... G..., Unipessoal, Lda.

... H..., S.A.

... I... Lda.

... J..., Lda.

... K..., S.A.

... L..., Lda.

... M..., SGPS, S.A.

... N..., S.A.

... O..., Lda.

... P..., S.A. (abreviadamente designada por “P...”)

... Q..., S.A.

 

- Por referência ao período de tributação de 2017, a Requerente procedeu, a 30 de maio de 2019, à submissão da 3/55 Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo. Sendo que, de entre as várias entidades que compõem o RETGS da A... inclui-se a P..., S.A. (doravante “P...”), com NIF ... com sede em ..., ...-... ..., uma sociedade anónima no campo do CAE principal “10395 – Preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos” e dos CAEs secundários “01130 – Cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos” e “10893 – Fabricação de outros produtos alimentares diversos, não especializado”.

- A P... dedica-se essencialmente à transformação em moldes industriais de tomate, submetendo-o a várias operações de base física e química de modo a produzir produtos alimentares destinados ao consumo e dispõe de dois estabelecimentos produtivos em Portugal, sitos na ... e em ... (sede social), ambos pertencentes à R... ... e S... ....

- Em 2010, a P... deu início ao seu processo de expansão internacional com a aquisição de uma fábrica em Espanha (Sevilha), duplicando a capacidade de produção da Empresa. Posteriormente, em 2012, foram adquiridas mais duas unidades produtivas, no Chile, em regiões de grande produção de tomate que visavam garantir mais uma colheita por ano.

- No decurso do ano de 2021, os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) deram início a um procedimento de inspeção tributária interna (ao abrigo da ordem de serviço OI2020...) que teve por objeto a validação dos requisitos subjacentes aos benefícios fiscais de SIFIDE e RFAI de que a P... beneficiou no período de tributação de 2017.

- No seguimento da inspeção, a P... foi notificada do projeto de correções do relatório de inspeção pelo ofício n.º ... de 28/07/2021, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2020... da divisão DPIT2, equipa 22 dos Serviços de Inspeção Tributária pertencentes à Direção de Finanças de ... . Entende a Requerente que a AT não identificou da melhor forma o grau de detalhe de informação e esclarecimentos que pretendia obter da P... em relação a dezenas de investimentos, considerou, em sede de projeto de relatório de inspeção, que «(…) pela análise dos investimentos referentes aos vários investimentos efetuados e imputados à tipologia “aumento de capacidade do estabelecimento já existente”, e apesar de alguns deles poderem visar um aumento da rentabilidade da empresa, um aumento da eficácia da produção, e/ou a redução do desperdício e modernização da empresa, não foi comprovado que se tratam de “investimento inicial” no conceito da legislação já referida, e que os mesmos se inseriam numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”» (cf. página 27 do projeto de relatório de inspeção).

- A AT propôs a desconsideração do montante total de RFAI de que a REQUERENTE beneficiou em 2017, o qual se cifrou em € 234.984,13.

- A P..., por não se conformar com as correções propostas no projeto de relatório, exerceu tempestivamente o seu direito de audição prévia, no entanto, a AT, viria a manter todas as correções no âmbito de relatório final de inspeção dirigido à P... em setembro de 2021.

- Posteriormente, a Requerente foi notificada de novo projeto de correções, destinado a incorporar a correção feita ao RFAI da P... no RETGS do Grupo A... e, mais uma vez, a Requerente expôs posição para, no seu entender, sinalizar as ilegalidades associadas às correções em causa sendo que, não obstante, a AT manteve as correções. Tais correções foram posteriormente concretizadas através da emissão de um ato de liquidação adicional de imposto, liquidação de juros compensatórios e respetiva demonstração de acerto de contas, dirigidos à Requerente enquanto sociedade dominante do grupo.

- Tais atos tributários foram emitidos entre 7 e 9 de fevereiro de 2022, apenas tendo sido disponibilizados à Requerente através do Via CTT a 10 de fevereiro de 2022.

- Os montantes que a AT se propôs a cobrar através destes atos tributários foram devidamente garantidos pela Requerente mas esta, por não se conformar com o ato de liquidação aqui em causa, apresentou a respetiva reclamação graciosa, pugnando pela sua integral anulação, que acabou por ser indeferida.

- Segundo a Requerente, a AT suporta a sua atuação em duas linhas de argumentação a saber: i) alegada não elegibilidade da atividade da P... para o âmbito de aplicação do RFAI; e ii) suposta não elegibilidade dos investimentos que, em concreto, foram realizados para os benefícios do RFAI. No âmbito do primeiro argumento está em causa uma questão de natureza essencialmente jurídica em que o Fisco cita uma visão restritiva por si assumida no passado, e já declarada ilegal em sede judicial, de acordo com a qual a atividade da P... estaria excluída do âmbito de aplicação do RFAI por, supostamente, redundar na transformação de um produto agrícola noutros que mantêm a qualificação enquanto produtos agrícolas. No âmbito do segundo argumento, a AT procura, segundo a Requerente, descaracterizar a elegibilidade dos investimentos realizados para efeitos de RFAI, alegando, nomeadamente, que os mesmos não contribuíram para o aumento da capacidade produtiva ou correspondem a meras substituições de ativos.

- Quanto a esta posição entende a Requerente que a AT não tem razão alegando que a P... é uma entidade integrada no RETGS dominado pela REQUERENTE, tem como CAE principal “10395 –Preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos”, dedicando-se essencialmente à transformação em moldes industriais de tomate, submetendo-o a várias operações, de base física e química, de modo a produzir produtos alimentares destinados ao consumo. Faz parte do Grupo P..., que é atualmente um dos maiores produtores e transformadores de tomate a nível mundial e tem instalações fabris localizadas em ... e na ..., especificamente dedicadas à fabricação e transformação de produtos à base de tomate.

- Produz e transforma atualmente nessas instalações fabris uma grande variedade de produtos, desde concentrados de tomate até produtos pré-cozinhados (e.g., molho de tomate com legumes, ketchup, molho de francesinha, entre outros). Em Portugal, opera no mercado através da marca “...”, desde 1945. A atividade económica que é levada a cabo pela P... consiste, portanto, na produção e transformação industrial de produtos agroalimentares à base de tomate para posterior venda a segmento de retalho ou a segmento industrial.

- Esta atividade pode ser resumida em quatro etapas, a saber: i) a etapa de receção, avaliação e tratamento primário da matéria-prima; ii) a etapa de processamento e transformação para venda; iii) a etapa do enchimento, embalamento e rotulagem; e iv) a etapa de armazenagem.

No âmbito da primeira etapa, a matéria-prima é sujeita a uma linha de processamento de produção de tomate industrial, no âmbito do qual o mesmo é objeto de receção, classificação e validação de qualidade. Posteriormente, a matéria-prima é sujeita a um tratamento primário de lavagem, trituração, aquecimento e refinação para obtenção de sumo de tomate. De seguida, o tomate é submetido a um processo de evaporação (ou corte e pelagem), para a obtenção do extrato de tomate. Por último, o tomate é submetido a processos de pasteurização e enchimento asséptico dos sacos.

- Desta primeira etapa resultam três tipos de produto: i) concentrado de tomate; ii) molho de pizza; e iii) tomate em cubos; sendo os mesmos sujeitos a novos momentos de transformação na segunda etapa de produção.

No âmbito da segunda etapa, a matéria-prima é encaminhada para uma linha de processamento de transformação para retalho e foodservice onde é misturado e cozido o tomate industrial com outros ingredientes, dando-se nova pasteurização. Posteriormente, os produtos produzidos passam para as supra referidas etapas de embalamento, rotulagem e armazenamento em paletes.

- Os procedimentos de produção aqui em causa, envolvem ainda a manipulação e transformação do tomate através de outros mecanismos, tais como a esterilização e a pasteurização, concluindo a Requerente que, não obstante esteja em causa a manipulação de uma matéria-prima de base agrícola, a mesma é sujeita a transformação em moldes industriais.

- Quanto aos investimentos realizados pela P..., alega a Requerente que os investimentos de modernização são relevantes para permitir ganhos de eficiência no processo produtivo e de transformação das matérias-primas. Por outro lado, os investimentos de expensão são absolutamente relevantes para que a P... consiga aumentar a sua capacidade instalada. Acrescenta a Requerente que tais investimentos têm permitido o aumento do número de postos de trabalho da P... de forma consistente, nos termos que se passam a expor: i) 2016: 319; ii) 2017: 378; iii) 2018: 344; iv) 2019: 381; e v) 2020: 468.

- Os investimentos efetuados no âmbito de um plano de expansão anual são posteriormente validados, por forma a avaliar a sua elegibilidade para efeitos de RFAI. Sendo que, para além desse controlo interno inicial realizado pela P..., esta tem ainda as suas contas auditadas por auditores independentes, pelo que entende que o procedimento geral de realização de investimentos elegíveis para efeitos de RFAI garante o cumprimento dos pressupostos de que depende a aplicação do regime. 

- No que tange aos investimentos realizados durante o exercício de 2017, os investimentos realizados pela P..., em conformidade com o seu plano de expansão anual, tiveram essencialmente por propósito adquirir um conjunto de equipamentos produtivos que permitiram dotar as suas unidades industriais com tecnologias mais avançadas, com uma maior capacidade de processamento e transformação da matéria-prima, dos produtos industriais à base de tomate, bem como de adequar a estrutura de embalamento, rotulagem e armazenamento a este aumento da capacidade de produção instalada. Estes investimentos foram, portanto, realizados nas várias fases do processo produtivo de forma a aumentar a capacidade de produção da P..., medida em termos de toneladas de produtos industriais à base de tomate suscetíveis de serem produzidos.

- Neste seguimento alega a Requerente que a P... efetuou os seguintes investimentos nas diversas fases do seu processo produtivo, os quais contribuíram – e continuam a contribuir – para o aumento da sua capacidade produtiva instalada, a saber: aumento da capacidade de linha de plástico; investimento em rotuladora para aumento da capacidade e eficiência da linha de rotulagem da fábrica de ...; investimentos na melhoria de processo da fábrica de ...; investimentos na melhoria de processo da fábrica da ...; investimento na melhoria do processo de esterilização da fábrica de ...; e investimento em enchedora para linha de sacos da área de retalho.

- Todos os investimentos aqui em causa foram feitos, segundo a Requerente, em ativos adquiridos em estado novo, com exceção do investimento na enchedora para linha de sacos, montante de € 117.960,00, o qual, contudo, não poderá ser corrigido pelo ato aqui em causa na medida em que tal ato apenas foi notificado à Requerente, segundo esta, depois de ter expirado o correspondente direito de liquidação de imposto.

- Estes investimentos, segundo a Requerente, foram comprovadamente bem-sucedidos no seu propósito, tendo logrado contribuir para o efetivo aumento da produção da P... .

- Apesar destes investimentos, segundo a Requerente, a AT desconsiderou a totalidade das aplicações do RFAI que foram efetuadas pela entidade P... no exercício de 2017, negando-lhe assim a totalidade deste benefício e procedendo à liquidação adicional de imposto e juros compensatórios em conformidade. Os fundamentos utilizados pela AT para este efeito consistem, segundo a Requerente, essencialmente numa: i) alegada não elegibilidade da atividade da P... para o âmbito de aplicação do RFAI; bem como numa ii) suposta não elegibilidade dos investimentos que, em concreto, foram realizados para os benefícios do RFAI, por, alegadamente, não preencherem o conceito de “investimento inicial”.

- Posição que a Requerente não aceita alegando que tais fundamentos mais não são do que o fruto de uma interpretação errada dos normativos fiscais aplicáveis, possivelmente fundada numa apreensão e compreensão indevida da matéria de facto aqui em apreço, não tendo a AT logrado perceber devidamente o tipo negócio da P..., o quotidiano da sua atividade, o seu modelo de organização e o tipo de investimentos que a estas várias dimensões se encontram subjacentes e que se revelam como absolutamente necessários para que a  P... continue a obter sucesso.

- Quanto à sua posição, entende a Requerente que, por um lado, apenas foi notificada do ato tributário aqui em crise a 25 de fevereiro de 2022, data em que inequivocamente já se tinha verificado a caducidade do direito de liquidação de imposto. Em virtude do exposto, sempre terá de ser ordenada a integral anulação dos atos tributários aqui em referência, com fundamento na violação das regras de caducidade previstas no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.

- Por outro entende que a AT, tendo em vista a fundamentação dos atos aqui em causa, limitou-se a tecer algumas conclusões no sentido de negar à entidade dominada pela ora Requerente o benefício do RFAI, nunca concretizando nem esclarecendo devidamente as razões pelas quais entende não ser o mesmo aplicável nem nunca tendo esclarecido, como lhe competia, com que tipo de elementos e documentação adicional pretendia ser provida, de forma a clarificar as suas questões.

Pelo que conclui que a AT não cumpriu o dever de justificar por que razão considera não serem os investimentos aqui em causa elegíveis para efeitos de RFAI, acabando por estabelecer uma aparente presunção, infundada e ilegal, assente meramente nas suas convicções e ao completo arrepio da lei, para dar uma aparência de fundamentação à sua atuação, mas sempre sem explicar quais são, em concreto, as razões de facto e de direito para assim decidir.

- Por outro lado, entende a Requerente que a sua atividade é de cariz industrial de produção e transformação de produtos à base de tomate. Pelo que se encontra plenamente coberta pelo âmbito de aplicação do RFAI, conforme delimitado pelos instrumentos legais nacionais e de Direito Europeu aplicáveis. O que, desta forma, o ato de liquidação adicional de imposto e demais atos tributários sub judice terão de ser declarados ilegais, sendo ordenada a sua imediata e integral anulação com todos os efeitos legais daí decorrentes.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 23 de março de 2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 24 de março de 2023 e seguiu a sua normal tramitação. 

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 17 de maio de 2023, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 6 de junho de 2023.

 

Notificada para o efeito em 6 de junho de 2023, a Requerida apresentou Resposta em 14 de julho de 2023, pugnando pela improcedência do pedido e consequente absolvição do pedido quanto às liquidações em apreço nos autos e, juntou o processo administrativo.

 

Sumariamente, a Requerida invoca que,

- O ppa tem por objeto a decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa nº ...2022..., deduzida na sequência da liquidação identificada pelo n.º 2022..., bem como da respetiva liquidação de juros compensatórios e de mora e, ainda, da demonstração de acerto de contas identificada pelo n.º 2022..., todas associadas à compensação n.º 2022..., emitidas na decorrência da ação inspetiva levada a cabo pelos serviços da Requerida através da Ordem de Serviço: OI2020..., referente ao período de 2017.

O fundamento da oposição às correções efetuadas às liquidações de IRC da Requerente assentam na (i) alegada falta de fundamentação do RIT; (ii) alegada caducidade da liquidação do IRC resultante da desconsideração das aplicações relevantes - investimentos na enchedora para linha de sacos no montante de €117.960,00, por incumprimento do disposto no artigo 22.º, n.º 2 , alínea a) do CFI (artigo 81º da PI) e (iii) a argumentação da AT que assenta nas teses: (1) da falta de elegibilidade da atividade da P... para a aplicação do RFAI; e (2) da não-elegibilidade dos investimentos para usufruir dos benefícios do RFAI.

- Na sua análise, entenderam os SIT que a interpretação deve ser feita nos termos do disposto nos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 282/2014, de 30/12 e 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21/09.

- No caso em concreto da P..., entende a AT que se está perante uma indústria transformadora (CAE 10395) que fabrica produtos relacionados com a transformação de “tomate”: “polpa tomate”; “tomate pelado”; “molhos de tomate simples”; “molhos de tomate com outros condimentos”; “ketchup”; “molhos para pizzas”, etc. Como, segundo o “Capítulo 7” do Anexo I do Tratado (TFUE), respeitante a “PRODUTOS HORTÍCOLAS, PLANTAS, RAÍZES E TUBÉRCULOS, COMESTÍVEIS”, consta o “tomate”, e no “Capítulo 20”, respeitante a “PREPARAÇÕES DE PRODUTOS HORTÍCOLAS, FRUTA OU DE OUTRAS PARTES DE PLANTAS”, constam os “Tomates preparados ou conservados, exceto em vinagre ou em ácido acético”, entende a AT que se deve recorrer ao Regulamento (CEE) n.º 2658/87 do Conselho, de 23/07, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (Nomenclatura Combinada), e também ao documento (respeitante a 2016) que é publicado anualmente pelo Instituo Nacional de Estatística (INE) sobre o mesmo tema.

- Assim, conclui a AT que os produtos fabricados pela P... estão maioritariamente contemplados no “Capítulo 20”, enquanto produtos preparados apenas de “tomate”, sem adição de outros condimentos, constando esse capítulo no ANEXO I do TFUE, e por isso, excluídos de poder usufruírem do benefício fiscal RFAI, no que respeita aos investimentos a eles inerentes. Por outro lado, a P... também produz e comercializa (aproximadamente 18% do volume de negócios), alguns produtos (“ketchup” e “outros molhos de tomate com adição de ervas aromáticas”, “molhos para pizzas”; “molhos para bolonhesas”, etc.), que ao se enquadrarem no “Capítulo 21” (PREPARAÇÕES ALIMENTÍCIAS DIVERSAS), da Nomenclatura Combinada, não constam do ANEXO I do TFUE, e como tal, não estarão, supostamente, excluídos da possibilidade de usufruírem do benefício fiscal RFAI, no que respeita aos investimentos específicos a eles inerentes.

- No seguimento de envio por parte da Requerente do ficheiro SAFT da P..., os serviços da inspeção procederam à decomposição do volume de negócios no ano de 2017 por categoria de produto donde, em face dessa informação concluíram que a atividade da P... se concretiza, maioritariamente (mais de 79%), pela produção e venda de produtos enquadrados no Capitulo 20 da Nomenclatura Combinada, capítulo este que integra o já referido Anexo I do TFUE, e que se encontra excluído da possibilidade de usufruição do benefício fiscal RFAI, conforme fundamentos já descritos.

- Para o fabrico dos restantes produtos enquadrados no Capítulo 21 da Nomenclatura Combinada (NC), designadamente: “ketchup”; “molhos de tomate com adição de ervas aromáticas”; “molho francesinha”; “molho italiana”; “bolonhesa”; “molhos para pizza”, etc., a matéria-prima presente na quase totalidade de cada um desses produtos é o próprio “tomate” (capítulo 7 – tomate fresco, ou capítulo 20 – enquanto, preparado de tomate).

- Para além disso, alega a AT que os serviços da inspeção procederam à identificação dos investimentos realizados no ano de 2017 e a análise da sua elegibilidade e daí concluíram que para que o investimento efetuado em aplicações relevantes seja elegível, é necessário que integre o conceito de “investimento inicial”, não se considerando como aplicação relevante a “aquisição isolada” de ativos que não integrem tal conceito e, ainda, não sendo elegível como aplicação relevante o investimento na “aquisição de equipamentos de substituição”.

Os serviços concluíram que, não obstante os investimentos em causa terem como objetivo comum o aumento da rentabilidade da empresa, o aumento da produtividade, redução do desperdício e modernização da empresa, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas: “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, ”diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento”, ou “alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento já existente” atenta a atividade desenvolvida pela entidade.

- Daqui resultou a correção dos valores deduzidos à coleta no período de 2017, no montante de 234.984,13€, por não estarem cumpridos os requisitos dos artigos 22º a 26º do CFI, conjugado com a alínea c) do n.º 2 do artigo 90º do CIRC».

- A AT refuta também os argumentos da Requerente relativos à caducidade e falta de fundamentação dos atos tributários, pugnando pela manutenção dos mesmos e indeferimento do pedido de pronúncia arbitral.

 

            Tendo em conta a resposta da AT, a Requerente veio, a 27 de julho de 2023, juntar aos autos requerimento exercendo contraditório relativo à natureza do procedimento de inspeção.

Entende a Requerente que o mesmo não tendo envolvido qualquer diligência às instalações da Requerente ou de terceiros, não pode ser classificado como “externo”, pelo que deve, mormente para efeitos da caducidade suscitada, ser entendido como “interno”.

            No mesmo requerimento a Requerente invoca outra decisão jurisprudencial relativa a matéria de facto análoga e adita testemunha ao respetivo rol.

 

            Em 12 de setembro, para aferir da pertinência da inquirição de testemunhas arroladas, foi a Requerente notificada para indicar os pontos da matéria de facto a que as testemunhas iriam depor, e, em consequência, garantir o contraditório da Requerida.

A Requerente pronunciou-se em 25 de setembro e por despacho de 16 de outubro é agendada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, que se realiza a 17 de novembro de 2023 com inquirição de testemunhas e continua a 4 de janeiro de 2024 para inquirição de testemunha impossibilitada de comparecer na primeira data.

 

            Notificadas para apresentarem as respetivas alegações, a Requerente e a Requerida apresentam as suas alegações a 25 de janeiro de 2024 mantendo, no essencial, as posições assumidas nos doutos articulados.

            No dia 5 de Fevereiro foi prorrogado o prazo para a prolação da decisão, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.

 

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria – conforme decidido infra -, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não há nulidades ou outra matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.

 

 

  1. Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
  1. A P... é uma entidade integrada no RETGS dominado pela Requerente tem como CAE principal “10395 – Preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos” (doc. n.º 6, testemunhos de T..., U..., V..., W... e X...);
  2. A P... dedica-se essencialmente à transformação em moldes industriais de tomate, numa base de laboração contínua e ininterrupta de 24 horas por dia e 7 dias por semana, nos meses de campanha de tomate, submetendo-o a várias operações, de base física e química, de modo a produzir produtos alimentares destinados ao consumo, desde concentrados de tomate até produtos pré-cozinhados (docs. n.º 17 a 27, testemunhos de T..., U..., V... e X...);
  3. Dispõe atualmente de instalações fabris localizadas em ... e na ..., especificamente dedicadas à fabricação e transformação de produtos à base de tomate (testemunhos de T..., V..., U... e X...)
  4. A atividade económica que é levada a cabo pela P... consiste na produção e transformação industrial de produtos agroalimentares à base de tomate para posterior venda a retalho / restauração (docs. n.º 17 a 27, bem como os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  5. Esta atividade tem quatro etapas, a saber: i) a etapa de receção, avaliação e tratamento primário da matéria-prima; ii) a etapa de processamento e transformação para venda; iii) a etapa do enchimento, embalamento e rotulagem; e iv) a etapa de armazenagem (docs. n.º 17 a 27, bem como os testemunhos de T...,  V..., e U...).
  6. No decurso do ano de 2021, a AT deu início a um procedimento de inspeção tributária interna à P... (ao abrigo da ordem de serviço OI2020...) que teve por objeto a validação dos requisitos subjacentes aos benefícios fiscais de SIFIDE e RFAI de que esta entidade beneficiou no período de tributação de 2017 (cf. docs. n.º 7 e 9).
  7. Atenta a sua natureza interna, esta inspeção tributária em causa foi conduzida essencialmente à distância (docs. n.º 7 e 9, bem como testemunho de X...).
  8. A AT conclui, em sede de projeto de relatório de inspeção, que «(…) pela análise dos investimentos referentes aos vários investimentos efetuados e imputados à tipologia “aumento de capacidade do estabelecimento já existente”, e apesar de alguns deles poderem visar um aumento da rentabilidade da empresa, um aumento da eficácia da produção, e/ou a redução do desperdício e modernização da empresa, não foi comprovado que se tratam de “investimento inicial” no conceito da legislação já referida, e que os mesmos se inseriam numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”» (cf. página 27 do projeto de relatório de inspeção).
  9. A AT propôs a desconsideração do montante total de RFAI de que a Requerente beneficiou em 2017, o qual se cifrou em € 234.984,13 (cf. doc. n.º 7), tendo mantido a sua posição no relatório final de inspeção (cf. doc. n.º 9 junto ao r.i.), desconsiderando por completo a audição prévia entretanto exercida pela P... (cf. doc. n.º 8).
  10. A Requerente foi notificada de novo projeto de correções, destinado a incorporar a correção feita ao RFAI da P... no RETGS do Grupo A...– cf. projeto de correções dirigido à A... (doc. n.º 10).
  11. A Requerente suscitou as ilegalidades associadas às correções em causa – cf. direito de audição prévia da A... (doc. n.º 11);
  12. A AT manteve as correções por si propostas (doc. n.º 12)
  13. A deslocação da AT às instalações da Requerente visou essencialmente proceder à “entrega em mão” da ordem de serviço de inspeção e indicar a documentação de que pretendia ser provida, a qual acabou depois por ser disponibilizada através de meios informáticos (testemunho de W...).
  14. Estas correções foram posteriormente concretizadas através da emissão de um ato de liquidação adicional de imposto, liquidação de juros compensatórios e respetiva demonstração de acerto de contas, dirigidos à Requerente enquanto sociedade dominante do grupo, os quais foram emitidos entre 7 e 9 de fevereiro de 2022, apenas tendo sido disponibilizados à Requerente através do Via CTT a 10 de fevereiro de 2022 (doc. n.º 2, 3 e 4)
  15. Os montantes foram devidamente garantidos pela Requerente (doc. n.º 13)
  16. A Requerente apresentou a respetiva reclamação graciosa, pugnando pela sua integral anulação (doc. n.º 14)
  17. A mesma foi objeto de integral indeferimento por parte da AT (docs. n.º 15, 16 e 1).
  18. Para a adequada prossecução da atividade da P..., em especial para o adequado reforço da sua posição de mercado, é importante a realização recorrente de investimentos destinados a modernizar e expandir as suas instalações fabris sitas em ... e na ... – cf. os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  19. Os investimentos de modernização e expansão são realizados numa base anual e são relevantes para permitir ganhos de eficiência no processo produtivo e de transformação das matérias-primas, bem como para permitir o aumento da capacidade produtiva instalada, sendo este espírito de inovação e expansão um fator absolutamente fulcral para aumentar a capacidade produtiva da P... e os seus ganhos de eficiência, por forma a gerar maior valor para todos os seus “stakeholders” (nomeadamente, trabalhadores, fornecedores, clientes e acionistas) – cf. os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  20. Em particular, estes investimentos têm permitido um aumento progressivo do número de trabalhadores afetos à P... desde 2017 – cf. os testemunhos de V... e X... .
  21. No que concerne à forma como os investimentos a realizar são decididos, cumpre esclarecer que os mesmos são, por um lado, identificados pelos responsáveis pelas instalações industriais da P... e pelos colaboradores e, por outro lado, alguns investimentos de natureza estratégica são diretamente sinalizados pela própria administração da empresa – cf. os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  22. Em muitas ocasiões, tais investimentos são solicitados por potenciais clientes, os quais se regem pelos mais elevados padrões de segurança, higiene e qualidade, exigindo uma modernização permanente das instalações da P..., por forma a manter e/ou a celebrar contratos de aquisição de produtos à base de tomate e chegando, inclusive, a realizar auditorias às instalações fabris para avaliar o processo produtivo da mesma – cf. os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  23. Através deste procedimento, é assim definido o plano de expansão anual da P... e da sua atividade, designado por “... Expenditure”, o qual, naturalmente, não abarca os investimentos de mera reparação e manutenção (cf. testemunhos de T...,  V..., U... e X...).
  24. Os investimentos efetuados no âmbito deste plano de expansão anual são posteriormente validados, por forma a avaliar a sua elegibilidade para efeitos de RFAI – cf. os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  25. No ano de 2017, e à semelhança do que se verificou em anos anteriores, designadamente 2016, os investimentos realizados pela P..., em conformidade com o seu plano de expansão anual, tiveram essencialmente por propósito adquirir um conjunto de equipamentos produtivos que permitiram dotar as suas unidades industriais com tecnologias mais avançadas, com uma maior capacidade de processamento e transformação da matéria-prima, dos produtos industriais à base de tomate, bem como de adequar a estrutura de embalamento, rotulagem e armazenamento a este aumento da capacidade de produção instalada, por forma a evitar “bottlenecks” na linha de produção (i.e., limitações numa determinada fase do processo produtivo que anulem/não permitam aproveitar os aumentos de capacidade efetuados em momentos anteriores desse processo produtivo) -– cf. os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  26. Estes investimentos foram, portanto, realizados nas várias fases do processo produtivo de forma a aumentar a capacidade de produção da P... de produtos industriais à base de tomate suscetíveis de serem produzidos – cf. os testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  27. A P... efetuou investimentos nas fases do seu processo produtivo, os quais contribuíram – e continuam a contribuir – para o aumento da sua capacidade produtiva.
  28. Aumento da capacidade de linha de plástico (etapa de enchimento, embalamento e rotulagem) - € 227.241,88;
  29. Investimento em rotuladora para aumento da capacidade e eficiência da linha de rotulagem da fábrica de ... (etapa de enchimento, embalamento e rotulagem) - € 51.724,00;
  30. Investimentos na melhoria de processo da fábrica de ... (etapa de processamento e transformação) - € 373.098,61;
  31. Investimentos na melhoria de processo da fábrica da ... (etapa de processamento e transformação) - € 79.896,95;
  32. Investimento na melhoria do processo de esterilização da fábrica de ... (etapa de processamento e transformação) - € 90.014,98; e
  33. Investimento em enchedora para linha de sacos da área de retalho (etapa de enchimento, embalamento e rotulagem) - € 117.960,10.
  34. Todos os investimentos foram feitos em ativos adquiridos em estado novo, com exceção do investimento na enchedora para linha de sacos, no montante de € 117.960,00 – cf. testemunhos de T...,  V..., U... e X... .
  35. No que concerne ao “investimento no aumento de capacidade de linha de plástico” o investimento visou aumentar a cadência da linha de embalamento em plástico da Requerente, através da aquisição de uma etiquetadora destinada a permitir aumentar a capacidade de etiquetar produto embalado (i.e., “ketchup”) em complemento e conjugação com o aumento da capacidade instalada de transformação e produção de bens à base de tomate que foi levada a cabo na fábrica de .. – cf. docs. n.º 30 e 33 junto ao r.i., bem como os testemunhos de  V... e U... .
  36. Para a concretização deste investimento foi igualmente relevante o pedido do grupo britânico Y... Limited, cliente da P..., para que este investimento fosse realizado tendo em vista o reforço da capacidade de resposta da P... aos pedidos de fornecimento deste cliente – cf. testemunho de V...;
  37. O valor deste investimento cifrou-se em € 227.241,98 e todo ele foi efetuado em ativos em estado novo – doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e U... .
  38. Este investimento permitiu efetivamente a verificação do aumento de cadência da linha de embalamento em plástico, a qual se estima ter permitido um aumento da capacidade de etiquetagem em cerca de 20% em relação à situação anterior (cf. docs. n.º 30 e 33 juntos ao r.i., bem como testemunhos de V... e U...).
  39. Quanto ao “investimento em rotuladora” para aumento da capacidade e eficiência da linha de rotulagem da fábrica de ... este consistiu na aquisição de uma nova rotuladora para a linha de rotulagem da fábrica de ... (...) – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de  V... e T... .
  40. O valor deste investimento cifrou-se em € 51.724,00 e a rotuladora foi adquirida em estado novo – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  41. Em relação aos “investimentos realizados na melhoria do processo da fábrica de B...” ascenderam ao montante global € 373.088,51 – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  42. Todas as aplicações foram efetuadas em ativos adquiridos em estado novo – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  43. Os “investimentos realizados na melhoria do processo na fábrica da...”, ascenderam ao montante global € 79.896,95 – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  44. Todas as aplicações foram efetuadas em ativos adquiridas em estado novo – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  45. Estas aplicações foram efetuadas tendo em vista o aumento da capacidade produtiva instalada da P..., sendo aptas para esse fim – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  46. O “investimento no esterilizador da linha 11 da fábrica de ...”, ascendeu ao montante de € 90.014,98 – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  47. Este investimento visou essencialmente a instalação de nova tubagem de esterilização do produto numa das linhas de produção da fábrica de ..., contribuindo dessa forma para o aumento da capacidade do processo de esterilização da fábrica – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de V... e T... .
  48. Todas as aplicações foram adquiridas em estado novo – cf. doc. n.º 30 junto ao r.i., bem como os testemunhos de  V... e T... .
  49. O investimento aqui em causa foi assim apto a permitir um maior grau de produção por parte desta fábrica, assumindo-se, portanto, como elegível para efeitos do aumento da capacidade instalada.
  50. A Requerente apresentou o pedido de pronuncia arbitral em 23 de março de 2023.

 

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo e com base nos depoimentos das testemunhas que esclareceram os factos, tendo em conta o suporte documental, bem como a realidade existente e as particularidades do negócio da Requerente.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, os depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

 

III.II Matéria de Direito (fundamentação)

 

Face à posição assumida pelas partes, vertidas nas suas peças processuais, cabe ao Tribunal apreciar e decidir sobre as seguintes questões controvertidas:

  1. Da elegibilidade da atividade da Requerente para o âmbito de aplicação do RFAI;
  2. Da elegibilidade dos investimentos que, em concreto, foram realizados para os benefícios do RFAI;
  3. Da inspeção realizada à Requerente ser qualificada como “externa”.

 

Quanto às questões controvertidas em apreço nos autos o Tribunal adere à posição vertida na decisão proferida no âmbito do processo n.º 447/2022-T (disponível em www.caad.pt).

Nos termos da decisão referida, que se refere ao exercício de 2015 da Requerente, já a AT havia desconsiderado a aplicação do RFAI que a P... beneficiou em 2016 – em tudo idêntico à matéria em apreço nos presentes autos – tendo sido esse ato de liquidação adicional de imposto relativo ao ano de 2016 sido objeto de apreciação arbitral.

Esse ato foi anulado pelo tribunal arbitral com os fundamentos a que se adere e que aqui, tendo em conta o objeto do processo, se aplicam.

 

Vejamos, aderindo à interpretação vertida na decisão supra referida,

“O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.

Referindo-se ao âmbito objetivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, dispõe o seguinte:

2. Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3. Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

 

O CFI estabelece igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1:

 1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, tem a seguinte redação:

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

 

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

 

O  preâmbulo desta Portaria justifica a “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.

Importa salientar que o normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como atividade económica elegível, à “indústria transformadora”. 

Por outro lado, como ficou consignado no acórdão proferido no Processo n.º 545/2018-T, e reiterado no processo n.º 434/2020-T, que abordou esta matéria, importa ter presente que o elenco de atividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de atividades económicas abrangidas pelos projetos de investimento a título meramente exemplificativo. Em todo o caso, como resulta do proémio desse artigo 2.º, a atividade económica elegível haverá de respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

A elegibilidade dos projetos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

No caso concreto, tal como foi visto e devidamente provado em sede de matéria de facto, a Requerente tem como CAE principal “10395 –Preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos” (Código CAE pertencente à divisão “10 –Indústrias alimentares” e enquadrado na secção “C –Indústrias transformadoras”).

Pelo que se conclui que a Requerente se dedica a uma atividade transformadora, constante da divisão 10 da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE -Rev.3), em observância do disposto nos artigos 22.º, n.º 1 e 2.º, n.ºs 2 e 3 do CFI, bem como do disposto no artigo 2.º, alínea b) da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.

 

Como ficou consignado no Acórdão proferido no processo n.º 434/2020-T, “Em todo este contexto, interessa começar por chamar à colação o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que declara as categorias de auxílio que podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno, e em especial o seu artigo 1.º, que define o âmbito de aplicação do Regulamento.

“Esse artigo, no seu n.º 1, enuncia um conjunto de categorias de auxílio a que o Regulamento é aplicável, aí se incluindo os auxílios com finalidade regional (alínea a)), e os subsequentes n.ºs 2, 3 e 4 enumeram os auxílios que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação. Pela sua direta conexão com o caso em análise, releva sobretudo o que dispõe o artigo 1º, n.º 3, alínea c), em que se consigna o seguinte:

“O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

[…]

c) Auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas nos seguintes casos:

(i) sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa;

(ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.

 “Para densificar o que se entende por «transformação e comercialização de produtos agrícolas» cabe considerar as definições que constam do artigo 2.º do RGIC especialmente as das suas alíneas 9), 10) e 11):

9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos;

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;”

 

Da análise das designações dos produtos constantes no Anexo I do TFUE, conclui-se que a atividade da Requerente de “fabricação de sumos de frutos e de produtos hortícolas” consta do respetivo Capítulo 20- Preparados de produtos hortícolas, de frutas e de outras plantas ou partes de plantas, facto aliás reconhecido pela Requerida.

 

Resulta, assim, de todas estas disposições de direito europeu, interpretadas articuladamente, que a «transformação de produtos agrícolas» inclui a fabricação de sumos de frutos e de produtos hortícolas”, produtos estes que se enquadram no conceito de produto agrícola, constante da alínea 11) do artigo 2.º do RGIC.

Por outro lado, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, atrás referido, só se encontra vedada a aplicação do RGIC a auxílios à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações mencionadas:

“(i) sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa; 

(ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.”

 

Em suma, a exclusão do benefício fiscal exige a verificação destes requisitos, o que não acontece no caso sub judice.  

 

Finalmente importa analisar se a atividade exercida pela Requerente não se encontra também excluída pelas OAR.

Aqui releva o ponto 10 relativo ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional estabelece o seguinte:

 “A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura (10), da agricultura (11) e dos transportes (12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.”

 

A nota (11), aposta ao inciso “da agricultura”, esclarece que “[O]s auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola. E, por conseguinte, reconhece-se aí que a transformação de animais não se inclui no sector da agricultura, enquanto setor de atividade económica que se encontra excluída dos auxílios com finalidade regional.

 

Como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 434/2021-T, “O sentido útil do ponto 10 das OAR, no segmento em que se refere à «transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas», é o de estender a essa atividade os princípios estabelecidos nas orientações aos auxílios com finalidade regional, sem afastar a sua aplicação à transformação de animais, que se encontra salvaguardada pela referida nota (11).

“E assim sendo, não é possível deduzir da norma do ponto 10 da OAR, naquele específico segmento, um princípio-regra de sentido oposto para os casos por ela não abrangidos, pela linear razão de que as orientações são igualmente aplicáveis à transformação de animais, sendo possível articular essa disposição das OAR com a do artigo 2.º, alínea 10), do RIGIC.”

 

Aplicando o exposto ao caso, verifica-se, como decorre do relatório de inspeção tributária,  que a Autoridade Tributária baseou a exclusão do benefício fiscal no disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, no ponto em que aí se refere que não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as “atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”. E também por considerar que a referida atividade se encontra incluída nas definições que constam das alíneas 10) e 11) do artigo 2.º do RGIC.

 

Ora, não obstante a referida Portaria excluir da concessão de benefícios fiscais as atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas segundo a nomenclatura que consta do RGIC, a verdade é que este diploma, ao definir o respetivo âmbito de aplicação, apenas exclui, repete-se, os auxílios concedidos a esse sector de atividade nos casos especificamente descritos nas sobreditas subalíneas i) ou ii) da alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º, ou seja,  “sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa” ou “sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários”.

 

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 434/2020-T, “Tendo sido objetivo do legislador que aprovou o CFI assegurar a conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente, com as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, como ressalta do artigo 2.º, n.º 2, desse diploma, e tendo sido essa também a finalidade da Portaria n.º 282/2014, como se depreende da respetiva nota preambular, as suas disposições não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o direito europeu.

“Com efeito, na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e a Portaria n.º 282/2014 devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria não pode ser tida como um mero regulamento de complementação do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, mas como um diploma de execução de disposições de direito europeu.

“Não há motivo, por conseguinte, para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre a falada disposição do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC.”

 

Desta forma, e mantendo o mesmo entendimento da decisão arbitral que temos vindo a citar e aderindo aos fundamentos da mesma, que aqui se vertem, a Requerida desconsiderou o benefício por entender que não é aplicável ao caso concreto, mas não demonstra, como se imporia nos termos do preceituado no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, que se verificavam, no caso concreto, alguns dos requisitos que permitiam afastar a atribuição do mesmo.

 

Assim, entende este tribunal, aderindo à interpretação e fundamentos da decisão citada e que têm integral cabimento nesta sede tendo em conta que o objeto da ação é idêntico, que o ato tributário em apreço nos autos relativo à liquidação de imposto de IRC relativo ao ano de 2017 é ilegal, com todas as consequências legais.

Concluindo o tribunal, desta forma, pela procedência do pedido arbitral nos termos expostos.

 

Tendo em conta a posição assumida pelo tribunal, fica prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas pela Requerente.

 

Dos juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC respetiva (art.º 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que, tendo em conta os vícios de que enferma esta, justifica-se a anulação daquela e da correspondente demonstração de acerto de acerto de contas.

 

Das despesas

 

Conforme previsto no artigo 53.º da LGT, é devida à Requerente a indemnização correspondente aos encargos suportados com a garantia prestada no processo de execução fiscal.

 

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. 

Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, este Tribunal Arbitral Coletivo decide julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais e, em consequência:

  1. Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa, bem como do ato tributário de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2017, da respetiva liquidação de juros compensatórios e da correspondente demonstração de acerto de contas;
  2. Condenar a Requerida a indemnizar a Requerente das despesas com a garantia prestada na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva das quantias liquidadas, nos termos do disposto no artigo 53.º da LGT.

 

 

  1. Valor do processo

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 266.464,30.

 

  1. Custas

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 4.896,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 1 de abril de 2024

 

O Presidente,

 

 

(Prof. Doutor Vítor Calvete)

 

O Vogal,

 

 

(Dr. Jesuíno Alcântara Martins)

 

A Vogal,

 

 

 

(Prof. Doutora Marisa Almeida Araújo)