Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 226/2023-T
Data da decisão: 2024-01-02  IRS  
Valor do pedido: € 513.243,67
Tema: IRS – Residência fiscal em Portugal nos termos do artigo 16.º do CIRS; Prova da não residência.
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Sumário:

Considerando o disposto no artigo 16.º, n.ºs 1, alínea a), e 15, alínea b), do Código do IRS, são residentes fiscais em território português, em 2016, aqueles que nele tenham permanecido, nesse ano, 213 dias, e a taxa de tributação aplicável a rendimentos auferidos num Estado terceiro tenha sido inferior a 60% daquela a que se encontraram sujeitos em território nacional.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

A..., contribuinte fiscal número..., residente na Rua..., ..., ...– ... Leça da Palmeira, por si e na qualidade de representante fiscal de B..., contribuinte fiscal n.º..., apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 3.º, alínea a) do n.º1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando a anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios respeitantes aos anos de 2016 e 2017, com os n.ºs 2020... e 2020..., nos montantes de € 229.529,09 e € 283.714,88 respetivamente, que foram objeto de reclamação graciosa indeferida pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto por despacho de 01.12.2022, comunicado através do Ofício no 2022..., datado de 05.12.2022.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 30-11-2022, os Requerentes alegam, em síntese, que os atos tributários que constituem o objeto do presente processo se encontram feridor de ilegalidade, porquanto, o Requerente B... foi indevidamente qualificado com residente e como tal sujeito a tributação em Portugal.

           

2.1 O Requerente B... é treinador de futebol profissional.

2.2 Na época de 2016/2017 foi contratado como treinador principal da primeira equipa do C..., da Super Liga Chinesa, através de contrato de trabalho celebrado em 1 de agosto de 2016.

2.3 Para o efeito, viajou para ... em finais de junho de 2016 para participar nas negociações relacionadas com este contrato (cfr. Doc 2 junto à Reclamação Graciosa) e aí permaneceu até 31 de agosto de 2017 conforme atesta a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Pequim (Cfr. Doc. 2 junto ao Pedido).

2.4 Posteriormente, passou a residir no Brasil, onde ministrou um estágio de 3 meses no D... Clube e permaneceu até finais de janeiro de 2017 (Cfr. Doc. 4).

2.5 Em 2020, os Requerentes foram objeto de procedimento interno de inspeção tributária levado a cabo pela Direção de Finanças do Porto, de que resultaram liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 2016 e 2017, por ter sido considerado por aqueles Serviços que, não tendo o Requerente comunicado a alteração do seu domicílio no prazo de 60 dias previsto no n.º 5 do artigo 19.º da Lei Geral Tributaria, os rendimentos do trabalho por si auferidos na qualidade de treinador da equipa do C... são tributados em Portugal.

2.6 Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, em que alegaram que o Requerente foi residente em território nacional em parte do ano de 2016, no período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de junho, e foi não residente em Portugal desde 1 de julho de 2016 até finais de janeiro de 2018.

2.7 Dado ter residido na China desde 1 de julho de 2016 até 31 de agosto de 2017 e depois passado a residir no Brasil, onde permaneceu até finais de janeiro de 2018, devendo, assim, ser tributado de acordo com o determinado nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 15º do Código do IRS, ou seja, como residente parcial em 2016 e como não residente em 2017.

2.8 Tendo assumido o lapso de não ter comunicado a alteração de residência, foi solicitada à AT, através do portal das finanças, a alteração do domicílio fiscal do Requerente marido com efeitos retroativos, indicando as moradas em que residiu nos anos de 2016 e 2017 aqui em causa, com vista à apresentação de declarações de IRS substitutivas das anteriores com menção dos estatutos de residente parcial e não residente (Cfr. Doc. 6).

2.9 O pedido não foi aceite porque AT recusou proceder à alteração solicitada por falta de apresentação de “certificados de residência fiscal” emitidos pelas Administrações Fiscais dos respetivos países – invocando o teor das Instruções de Serviço n.º .../2017, de 03.08 e n.º .../2020, de 12.02, da Área da Cobrança.

2.10 Em sede de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa apresentada, os Requerentes alegaram junto da AT que (i) não há qualquer normativo legal, seja no direito interno ou no direito convencional, que preveja e/ou obrigue à apresentação dos “certificados de residência fiscal”; (ii) as “Instruções de Serviço” não vinculam os cidadãos nem podem sobrepor-se ao que determina a Lei ou as Convenções Internacionais em matéria de impostos sobre o rendimento; (iii) a documentação integrada no procedimento constitui prova bastante de que o Requerente não residiu em Portugal desde 1 de julho de 2016.

2.11 A reclamação graciosa foi também indeferida com o mesmo fundamento: “No caso concreto, os documentos apresentados pelo sujeito passivo, ainda que sejam emitidos por uma entidade pública estrangeira ou nacional não têm qualquer valor probatório da residência fiscal nos termos da CDT celebrada entre Portugal e China e CDT celebrada entre Portugal e o Brasil. Pelo que, até apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais chinesas e/ou brasileiras nos termos do art.º 4.º da CDT celebrada entre Portugal e aqueles países, deverá o sujeito passivo ser considerado residente em Portugal.” (pontos 9 e 10 da Decisão).

2.12 Alegam os Requerentes “...ser totalmente falso que as Convenções Internacionais celebradas entre Portugal e a China e entre Portugal e o Brasil, ou quaisquer outras, prevejam que a residência seja comprovada «através da exibição de certificados de residência fiscal»”.

2.13 Como vem sendo amplamente defendido pela Jurisprudência e pela Doutrina, consideram que não há́ qualquer condicionalismo ou limitação no que diz respeito à prova da residência fiscal, podendo a mesma ser efetuada por outros meios além do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país (Veja-se as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 36/2022-T, 63/2022-T, 85/2022-T,155/2022-T e 394/2021-T).

2.14 Acrescentam ainda que, conforme resulta dos Acórdãos do STA de 22.06.2011, proferido no Proc. 283/11, e de 14.12.2016, proferido no Proc. 141/14, a prova da residência não é um elemento constitutivo de aplicação das Convenções Internacionais, mas um mero ato de reconhecimento dos pressupostos estabelecidos nessas Convenções.

2.15 Por outro lado, também vem sendo amplamente sublinhada pela Jurisprudência a importância da troca de informações entre as autoridades fiscais no âmbito da aplicação das Convenções Internacionais modelo OCDE em matéria de impostos sobre o rendimento, prevista em todas as Convenções Internacionais, e que se destina a confirmar a verificação dos pressupostos da tributação ao abrigo dessas Convenções, permitindo à AT apurar a residência do titular do rendimento (Decisões do CAAD proferidas nos Processos nºs 394/2021-T e 769/2020-T.

2.16 Alegam, por fim, que os conceitos de domicílio fiscal – relevante para efeitos processuais, por ser esse o local de contacto por parte da administração fiscal, através de notificações ou citações - e de residência fiscal - critério adotado para estabelecer o âmbito de aplicação do IRS, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes – são distintos. Donde, retirar desse facto, como consequência, que a não atualização ou comunicação da alteração do seu domicílio determina o enquadramento como residente fiscal, é ultrapassar o previsto na lei, seja na sua letra, seja no seu espírito.

2.17 Concluem pela ilegalidade da decisão do indeferimento da reclamação graciosa em face, não apenas da prova documental reunida pelo Requerente e que permite concluir nos termos acima indicados, mas também pela falta de promoção de qualquer diligência por parte da AT no sentido de confirmar ou infirmar os factos aqui em causa.

 

3. Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, considerando dever manter-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, decidindo-se pela absolvição da entidade requerida, nos seguintes termos:

3.1 Atento ao ónus da prova a que a Requerente está obrigada, a Requerida afirma que não foi feita prova dos factos alegados.

3.2 Com efeito, os Serviços de Inspeção Tributária – SIT – procederam à verificação, por parte de B..., dos critérios definidores da localização da residência em Portugal constantes do art.º 16.º que estatui, no n.º 1, nas alíneas a) e b), nos seguintes termos:

Ano de 2016

a) Num primeiro momento, concluíram que, “tendo o contrato de trabalho sido celebrado e entrado em vigor em 01-08-2016, isto é, após decorridos 213 dias desde o início do ano, nada indicia que B... não tenha permanecido em Portugal mais de 183 dias”, e dada a omissão de comunicação de mudança de residência, nos termos do art.º 19.º da LGT, restava considerar que o Requerente manteve, em 2016, o estatuto de residente.

b) Mais precisamente, por ser desconhecido o dia exato em que ocorreu a saída para o estrangeiro, para efeitos de confirmar se o sujeito passivo teria permanecido em Portugal mais de 183 dias, os SIT consideraram que não sendo produzida a prova necessária, só́ lhe poderia ser atribuído o estatuto de

não residente a partir do último dia de permanência em território português, nos termos do n.º 4 do art.º 16.o do CIRS”.

c) Mais precisamente, por ser desconhecido o dia exato em que ocorreu a saída para o estrangeiro, para efeitos de confirmar se o sujeito passivo teria permanecido em Portugal mais de 183 dias, os SIT consideraram que não sendo produzida a prova necessária, só lhe poderia ser atribuído o estatuto de

“não residente a partir do último dia de permanência em território português, nos termos do n.º 4 do art.º 16.o do CIRS”.

Ano de 2017

  1. Relativamente ao ano de 2017, os factos relativos à “data da última transferência recebida (16-06-2017) e à data de demissão constante da Wikipédia (30-05-2017)”, foram qualificados pelos SIT como indícios fortes aptos a sustentar a convicção que B... permaneceu mais de 183 dias em Portugal (de julho a dezembro de 2017).
  2. No entanto, num segundo momento, os SIT analisaram a verificação o estatuto de residente fiscal de B... à luz do critério previsto no art.º 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS.
  3. Como o Requerente, dispunha, no ano de 2017, “de uma habitação própria e permanente onde tinha e tem o seu domicílio fiscal, que foi indicada como sua residência em contrato-promessa celebrado 14-07-2017, em contrato de empréstimo celebrado em 27-02- 2018 e em escritura celebrada em 11-07-2018”, consideraram os SIT que o critério estava satisfeito, pelo que o sujeito passivo foi qualificado como residente fiscal no ano de 2017 desde o início do ano, nos termos do n.º 3 do art.º 16.º do CIRS.

3.3 De seguida, atendendo a que as cláusulas do contrato celebrado entre B... e o C... Co, Ltd da China lhe atribuíram aí residência, os SIT aplicaram as regras especiais de desempate (tiebreaker rules) enunciadas no art.º 4.º, n.º 2, da CDT e concluíram que “Relativamente às suas relações pessoais, são mais estreitas em Portugal, uma vez que aqui habitam e trabalham ou estudam todos os outros elementos do seu agregado familiar. Quanto às suas relações económicas, não obstante auferir mais rendimentos na China, estes são recebidos em Portugal e em euros, o que aponta claramente para ser em Portugal que B... tem as suas relações económicas mais estreitas”.

3.4 Em complemento desta constatação acrescentam os SIT que também se localizavam em Portugal outras fontes de rendimentos auferidos pelo sujeito passivo (juros, rendas) provenientes de investimentos em instrumentos mobiliários e imobiliários, além da aquisição de bens de carácter duradouro.

3.5 Foi também dado relevo em ordem a evidenciar as relações pessoais e familiares, a inclusão nos contratos de trabalho celebrados com o Clube de Futebol da ... de uma clausula a estipular 7 (sete) viagens a Portugal, em cada um dos anos de 2016 e 2017, reforçando assim as bases de sustentação suscetíveis de conduzir à conclusão de que o “centro de interesses vitais” se situava em Portugal.

3.6 Apesar deste resultado, os SIT prosseguiram a sua análise com a aplicação das restantes regras especiais das alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 4.º da CDT, tendo concluído que: “Ainda que se não considerasse localizado em Portugal o centro de interesses vitais de B..., o que não se concede, atendendo a que a relação laboral na China iniciou em agosto de 2016 e terminou (de acordo com a evidência reunida) no final do primeiro semestre de 2017, o Estado em que B... permaneceu habitualmente, em cada um dos anos de 2016 e de 2017, foi em Portugal pelo que é neste Estado que é considerado residente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 4.º da CDT.

“...Finalmente, ainda que se considerasse que permaneceu habitualmente em ambos os Estados (ou, que não permaneceu habitualmente em nenhum deles), porque é de nacionalidade portuguesa, B... seria considerado residente em Portugal, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 4.º da CDT.”

3.7 Relativamente à troca de informações com base no artigo 26.º da CDT, o teor da resposta recebida das autoridades fiscais requeridas limitou-se a comunicar os rendimentos auferidos, omitindo qualquer informação sobre se B... teve o estatuto de residente fiscal, nesse Estado, nos anos de 2016 e 2017.

3.8 Relativamente ao documento que atesta a residência fiscal, a Requerida alega que não têm valor probatório, para efeitos de aplicação das CDTs, os documentos apresentados pelo sujeito passivo, quando não sejam emitidos por uma entidade pública estrangeira ou nacional.

3.9 Além do mais, como acima foi referido, perante as dificuldades suscitadas pela contagem dos dias de permanência física do ora Requerente B... em Portugal e na China, se o critério definidor da residência fiscal fosse a existência de residência em cada um dos Estados, as regras especiais de desempate do art.º 4.º, n.º 2 da CDT, atribuem prevalência ao Estado onde se localiza o “centro de interesses vitais”.

3.10 Conclui, por fim, que não se mostra verificado o preenchimento do requisito que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços, pois não se descortinou ter sido cometida qualquer ilegalidade, não sendo devidos juros indemnizatórios.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 31-03-2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 06-06-2023.

 

7. As partes, devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

8. No dia 17 de outubro de 2023 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foram ouvidas as testemunhas arroladas pelos Requerentes.

 

9. As partes apresentaram alegações por escrito.

 

10. Foi indicada como data limite para prolação da decisão arbitral o dia 06-02-2024.

 

II. Matéria de facto

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base no acervo documental junto aos autos, mormente o processo administrativo e documentos que o integram, se consideram provados:

 

12.1 Na época de 2016/2017, o Requerente B..., adiante apenas Requerente, foi contratado como treinador principal da primeira equipa do C..., na China, com a duração previstas nos contratos de 01-08-2016 a 2016-12-31e 01-01-2017 a 31-12-2017 (Cfr. Anexo 1 junto ao Relatório de Inspeção Tributária).

 

12.2 O contrato inicial foi assinado em 01-08-2016, tendo o segundo contrato, de acordo com informação pública aceite pelas partes, terminado a 30-05-2017.

 

12.3 No período de setembro de 2016 a junho de 2017, o Requerente auferiu rendimentos líquidos pagos por aquela entidade de € 454.283,24, no ano de 2016, e € 709.909,40, no ano de 2017 (Cfr. Anexo 3 do Relatório de Inspeção), tendo suportado o valor de imposto sobre o rendimento pago na China de € 44.204,53 e € 239.286,87.

 

12.4 Pelo ofício n.º 2019..., 05-11-2019, os Requerentes foram notificados pela Direção de Finanças do Porto para justificação da fonte de acréscimo de património ou despesa efetuada.

 

12.5 Na sequência do processo interno de inspeção tributária e aduaneira, os Requerentes foram notificados no dia 23 de outubro de 2020, das correções resultantes da ação de inspeção, das quais resultaram as liquidações n.º 2020..., relativa ao período de 2016, e n.º 202..., relativa ao período de 2017, nos montantes de € 229.529,09 e € 283.714,88, respetivamente.

 

12.6 Em 25 de janeiro de 2021, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa daquelas liquidações.

12.7 Em 20 de janeiro de 2021, o Requerente solicitou também, através do portal das finanças, alteração da morada fiscal, relativamente aos períodos entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2017 e entre 27 de outubro de 2017 e 26 de janeiro de 2018, com efeitos retroativos, indicando as respetivas moradas, pedido indeferido por ofício n.º..., com fundamento na falta de entrega dos certificados de residência emitidos pelas administrações fiscais dos respetivos países.

 

12.7 Por ofício de 15 de dezembro de 2021, os Requerentes foram notificados para exercício do direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão da reclamação graciosa, o que fizeram em 6 de janeiro de 2022.

 

12.8 A reclamação graciosa foi indeferida e notificada aos Requerentes por ofício n.º 2022..., datado de 05-12-2022.

 

12.9 Deste indeferimento e liquidações reclamadas, apresentaram os Requerentes o presente pedido arbitral.

 

13. A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada, designadamente a constante do processo administrativo junto pela Requerida.

 

14. Com relevância para os autos não ficou provada, sem margem para dúvidas, a alegação do Requerente que teria saído de Portugal em finais de junho de 2016.

 

III. Matéria de direito

 

  1. “Residência fiscal” vs “domicílio fiscal”

 

Conforme factos considerados provados, o Requerente não comunicou, em 2016, a alteração da sua residência fiscal para a China.

 

Sobre a prova da residência, a jurisprudência do CAAD e dos tribunais administrativos e fiscais é pacífica ao considerar que a não alteração do domicílio fiscal não significa que o Requerente é residente em Portugal. Como se escreveu na Decisão tomada no Processo CAAD nº 36/2022-T, “Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais. [A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efectivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de residência.” 

 

No mesmo sentido, também os tribunais superiores consideram que:

II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art.º 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art.º 43.º do CPPT quer no então art.º 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.”

” (Acórdão do TCAS, de 11-11-2021, proferido no processo n.º 2369/09.7BELRS).

 

“(...) III) O conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária, o que significa que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o factor “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes.”

(Acórdão do TCAN, de 17-09-2015, proferido no Proc. 00546/10.2BEVIS)

 

III. Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicilio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

 

IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.”

Acórdão do TCAS, de 08-07-2021, proferido no Proc. 803/05.0BESNT).

 

Pelo exposto, no caso, o facto de o Requerente não ter alterado o seu domicílio fiscal não tem qualquer consequência na determinação da respetiva residência.

 

Sobre a prova da residência, ao contrário do alegado pela Requerida no artigo 63.º da Resposta, o Código do IRS não limita a prova da sua residência à entrega do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do outro país.

 

Tem sido também este o entendimento da jurisprudência do CAAD. Veja-se, a título de exemplo, as Decisões relativas aos Processos n.ºs 36/2022-T, 63/2022-T, 85/2022-T e 155/2022-T. No Processo nº 36/2022-T diz-se que “inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país”.

 

Acrescenta-se ainda, com aplicação também no presente processo, que “A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário”.

 

Conclui-se, pois, que não há qualquer norma legal que limite os meios de prova a que os contribuintes podem lançar mão para provar a sua residência ou não residência fiscal, face aos critérios constantes do artigo 16º do CIRS.

 

Analisemos agora o enquadramento definido no CIRS para a qualificação como residente em território nacional.

 

  1. Residência fiscal

 

A definição de residência constitui um elemento de conexão fundamental para a definição da competência do Estado tributar: relativamente aos residentes, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora de território português (artigo 15.º, n.º 1 do CIRS); os não residentes – estão sujeitos a IRS unicamente quanto aos rendimentos obtidos em território português (artigo 15.º, n.º 2 do CIRS).

 

Da delimitação de competências definidas no artigo 15.º do Código do IRS resulta que os residentes estão sujeitos ao princípio da tributação universal ou ilimitada pelo Estado da residência – todos os rendimentos obtidos são tributados no Estado da residência, independentemente do local onde sejam obtidos.

 

Os sujeitos passivos não residentes estão sujeitos ao princípio da fonte – apenas os rendimentos que se considerem obtidos em território português são aqui tributados.

 

Conforme refere Rui Duarte Morais, “a condição de residente supõe, por regra, a presença física, real ou presumida, no território de um determinado Estado, implicar uma ligação económica (mesmo que só ao nível do consumo) e um certo grau de integração social (participação na vida da comunidade e, portanto, o desfrute dos bens e serviços proporcionados por esse Estado).” (RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, p. 11)

 

Nos termos do artigo 16.º do CIRS, consideram-se residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

 

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

 

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.

(…)

Todos aqueles que preencham as condições previstas numa destas alíneas, tornam-se residentes desde o primeiro dia de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

 

Fruto das alterações introduzidas pela Reforma do IRS de 2014, há que atender também ao denominado regime de residência parcial, previsto no n.º 4 do artigo 15.º, que determina que a perda de qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.ºs 14 e 16.

 

Ou seja, a perda da qualidade de residente passa a ocorrer no último dia de permanência no território português, salvo as exceções previstas nos n.ºs 14 e 16.

 

Na primeira exceção, o n.º 14 prevê que um sujeito passivo continua a ser considerado residente fiscal em Portugal até ao final do ano civil em que perdeu a residência se a) permanecer em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e b) obtiver, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente fiscal em território português.

 

O n.º 15 do artigo 16.º do Código do IRS constitui, no entanto, uma derrogação a esta exceção: o n.º 14 não se aplica (ou seja, o sujeito passivo não continua a ser tratado como residente fiscal em Portugal) se for demonstrado que os rendimentos obtidos após o último dia de permanência em território português são tributados, no novo Estado de residência ou domicílio por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS (i) noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade ou (ii) outro Estado em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60% daquela que lhes seria aplicável, caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português.

 

A segunda exceção, prevista no n.º 16, determina que um sujeito passivo é ainda considerado residente fiscal em Portugal, durante a totalidade do ano, sempre que volte a adquirir a qualidade de residente fiscal durante o ano subsequente àquele em que perdeu aquela qualidade.

 

Refere-se ainda no n.º 5 que a residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.

 

Para melhor compreensão, analisemos cada um dos critérios relevantes, para o caso, do n.º 1 do artigo 16.º.

 

  1. Permanência por mais de 183 dias

 

Nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 16.º citada, o sujeito passivo que permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa é considerado residente fiscal em Portugal.

 

Para cálculo dos dias de presença em Portugal, o n.º 2 do artigo 16.º do Código do IRS determina que um dia de presença em território português é qualquer dia, completo, ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

 

Atendendo à conciliação do disposto na al. a) do n.º 1 e n.ºs 2 e 3, resulta, citando Pedro Roma, que “(i) um sujeito passivo é considerado residente fiscal se, em qualquer período de 12 meses, permanecer mais de 183 dias (que incluam dormida) em Portugal e (ii) será considerado residente fiscal em Portugal desde o primeiro dia de permanência daquele período de 183 dias”. (PEDRO ROMA, Residência Fiscal Parcial em IRS, p. 132)

 

Nos termos do disposto no n.º 4, o sujeito passivo será sempre qualificado como residente até ao último dia de permanência no nosso território, independentemente do número de dias que permanecer no ano da saída.

 

  1. Disposição de habitação que faça supor a intenção de a manter e ocupar

 

A alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º determina que são ainda residentes em Portugal os sujeitos passivos que tendo permanecido por menos tempo de 183 dias, aqui disponham, num qualquer dia do período, de habitação que façam supor a intenção atual de a manter e ocupar. Estamos, assim, perante um critério alternativo ao previsto na al. a). Se não permanecer mais de 183 dias, poderá ainda ser considerado residente se dispuser aqui de uma habitação nas condições aqui exigidas.

 

A referência expressa da lei à intenção de “manter e ocupar” a habitação permite concluir, citando Pedro Roma, que“ (…) a mera disposição de uma habitação não é suficiente para que se possa concluir pelo preenchimento deste critério de residência fiscal em Portugal [critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS], pois é necessária a existência de “condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual”.

 

Em primeiro lugar, deverá tratar-se de uma residência habitual, o que significa que não basta a existência de um imóvel em Portugal que é ocupado ocasionalmente (v.g. em período de férias ou fins-de-semana) para que o mesmo qualifique para este efeito.

 

Por outro lado, veio a nova redação desta norma esclarecer que temos que estar perante uma intenção “atual”, o que significa que o imóvel em questão até pode ter sido adquirido para que no futuro venha a ser utilizado como residência habitual do sujeito passivo – contudo, se no momento em questão o mesmo não estiver a ser ocupado com esse propósito, não poderá ser considerado uma residência habitual para este efeito.

 

Por último, no que respeita às “condições que [fazem] supor” a intenção de manter e ocupar uma habitação, como residência habitual, verificamos que o legislador decidiu não concretizar que condições são essas, deixando-as ao critério do intérprete. 

 

Considera ainda o Autor que não se pode “(...) concluir pela existência de uma residência habitual neste território, apenas pelo facto de a restante família do sujeito passivo aqui residir. Julgamos que a eliminação da residência por dependência, que se encontrava prevista no artigo 16.º, n.º 3, do Código do IRS até ao final de 2014, bem como a introdução da possibilidade de tributação separada dos sujeitos passivos casados nos dá indicações claras neste sentido.” (PEDRO ROMA, Idem, pp. 143-144).

 

Feito o enquadramento dos requisitos legais, cabe verificar se o Requerente preenche ou não os requisitos para ser qualificado com residente em território nacional nos anos de 2016 e 2017.

 

Ano de 2016

 

Conforme descrito nos artigos 20.º a 22.º da Resposta apresentada pela Requerida:

20.º

“(...) E, num primeiro momento, concluíram que,

“tendo o contrato de trabalho sido celebrado e entrado em vigor em 01-08-2016, isto é, após decorridos 213 dias desde o início do ano, nada indicia que B... não tenha permanecido em Portugal mais de 183 dias”,

 

e dada a omissão de comunicação de mudança de residência, nos termos do art.º 19.º da LGT, restava considerar que o Requerente manteve, em 2016, o estatuto de residente

 

21.

Mais precisamente, por ser desconhecido o dia exato em que ocorreu a saída para o estrangeiro, para efeitos de confirmar se o sujeito passivo teria permanecido em Portugal mais de 183 dias, os SIT consideraram que não sendo produzida a prova necessária, só́ lhe poderia ser atribuído o estatuto de

“não residente a partir do último dia de permanência em território português, nos termos do n.º 4 do art.º 16.º do CIRS”.

22.

Todavia, à luz do disposto no n.º 16 do mesmo artigo, segundo o qual

“um sujeito passivo considera-se, ainda, residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que, nos termos do n.º 4, perdeu aquela mesma qualidade”,

concluíram os SIT pela residência em Portugal do sujeito passivo durante todo o ano de 2016, mesmo na

“hipótese, não comprovada pelo sujeito passivo, de não ter permanecido em Portugal mais de 183 dias”.

 

No seu pedido, o Requerente alega que “perdeu a qualidade de residente a partir do último dia de permanência em Portugal, que ocorreu em finais de junho e em dia que não consegue precisar, sendo certo que em 1 de julho já era residente em ..., motivo porque permaneceu em Portugal.”

 

Como prova, o Requerente apresentou um documento emitido pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Pequim em que se declara que o Requerente “residiu em ... (...) entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2017”.

 

Conforme supra referido, a prova da residência é feita com recurso a qualquer meio de prova em direito admitida. No caso, a prova apresentada não é, todavia, suficiente para gerar no presente tribunal a convicção dos factos alegados. Desde logo, o documento citado não afirma que o Requerente residiu na China “de 1 de julho de 2016 a 31 de agosto de 2017,” mas “entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2017”, o que constitui uma declaração imprecisa quanto ao tempo efetivo – pode ser um dia ou todos os dias entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2017. Por outro lado, também nada nos é dito sobre as razões e fundamentos que seriam do conhecimento do consulado para emitir tal declaração.

Ao Requerente competia provar o dia em que saiu do território nacional, o que poderia ter feito, por exemplo, através da apresentação dos bilhetes de avião, contratos de arrendamento ou comprovativos de estadia em hotéis na China (documentação que entregou para prova da permanência no Brasil).

 

Não tendo feito prova de forma clara e capaz de gerar no presente tribunal a convicção de veracidade do alegado, resta-nos concluir que não ficou provado que tivesse saído do território nacional em junho de 2016.

 

Sem prejuízo, resulta que o Requerente iniciou as suas funções, nos termos do contrato celebrado, a partir do dia 1 de agosto de 2016, pelo que, à falta de prova em contrário, o “último dia de permanência” em território nacional foi o dia 31 de julho.

 

Tendo o dia 31 de julho o último dia de permanência em Portugal, nos termos do n.º 4 do artigo 16.º, a perda qualidade de residente ocorreu no dia 31 de julho de 2016, salvo o disposto nos n.ºs 14 e 16.

 

No caso, estão verificados os requisitos do n.º 14, a saber: a) permaneceu em Portugal mais de 183 dias seguidos (de 1 de janeiro de 2016 a 31 de julho de 2016 são 213 dias); e b) obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português, o que se verificou, nos termos do artigo 2.º do Código do IRS, conforme liquidação efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Ainda assim, o Requerente poderia ser considerado como não residente em território nacional caso tivesse sido sujeito a um imposto não inferior a 60% daquele a que foi sujeito em Portugal, o que não aconteceu. Relativamente a 2016, o Requerente foi sujeito a imposto na China no valor global de € 44,204,53, claramente inferior a 60% do imposto que suportou em Portugal.

 

Pelo exposto, o Requerente é considerado residente em território nacional no ano de 2016, sendo aqui sujeito a IRS pelos rendimentos obtidos fora do território nacional, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS, pelo que não procede o pedido do Requerente quanto ao ano de 2016.

 

Ano de 2017

 

Para sustentar a liquidação ora impugnada, a Requerida alega que:

 

“23.

Relativamente ao ano de 2017, os factos relativos à

“data da última transferência recebida (16-06-2017) e à data de demissão constante da Wikipédia (30-05-2017)”,

foram qualificados pelos SIT como indícios fortes aptos a sustentar a convicção que B... permaneceu mais de 183 dias em Portugal (de julho a dezembro de 2017).

24.

No entanto, num segundo momento, os SIT analisaram a verificação o estatuto de residente fiscal de B... à luz do critério previsto no art.º 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS que estatui:

“Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual”.

 

25.

Como o Requerente, dispunha, no ano de 2017,

“de uma habitação própria e permanente onde tinha e tem o seu domicílio fiscal, que foi indicada como sua residência em contrato-promessa celebrado 14-07-2017, em contrato de empréstimo celebrado em 27-02- 2018 e em escritura celebrada em 11-07-2018”,

consideraram os SIT que o critério estava satisfeito, pelo que o sujeito passivo foi qualificado como residente fiscal no ano de 2017

desde o início do ano, nos termos do n.º 3 do art.º 16.º do CIRS”.

 

Em sentido contrário, o Requerente alega que “é não residente em Portugal durante todo o ano (12 meses) uma vez que foi residente em ... até 31 de agosto de 2017 e passou a residir no Brasil,  ..., entre 27 de outubro de 2017 e 26 de janeiro de 2018.”

 

Para prova da não residência, o Requerente apresenta, quanto à residência na China, o certificado de residência emitido pela Embaixada de Portugal na China que refere que aí foi residente “entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2017”. Sobre este documento, remetemos para o suprarreferido quanto ao ano de 2016, não ficando provado que o Requerente permaneceu na China até 31 de agosto de 2016. Ficou provado e é aceite pelas partes que o Requerente cessou o contrato em final de maio de 2017.

 

Para prova da estada no Brasil, o Requerente apresentou uma declaração emitida pela sociedade E... LTDA em como o Requerente residiu num imóvel sua propriedade durante o período de 27-10-2017 a 26-01-2018; Declaração do D... Clube a comprovar que o Requerente ministrou nesse clube um estágio de 27 de outubro de 2017 a 26 de janeiro de 2018; reserva de bilhete de avião na TAP para 26 de outubro de 2017; e Declaração do Consulado Honorário de Portugal em ..., de 1 de novembro de 2017, a declarar que o Requerente “compareceu neste consulado para informar sua residência nesta cidade (...) a partir de 27-10-2017.”

 

Do exposto, mesmo admitindo que o Requerente saiu da China na data de cessação do contrato, fica provado que esteve mais de 183 dias seguidos ou interpolados fora de Portugal, já que, da documentação apresentada, resulta provado que, a partir de 26 de outubro, residiu no Brasil. Assim sendo, o Requerente não pode ser considerado residente em território nacional ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS.

 

Cabe, por fim, aferir se o Requerente cumpre os requisitos para ser considerado residente em Portugal ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS. Para tal, o Requerente tem de dispor em Portugal, num qualquer dia do período de tributação, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.

 

Sendo o Requerente proprietário de um imóvel em Portugal, o primeiro requisito está cumprido. No entanto, a propriedade da habitação não é suficiente para que se possa concluir que ele é residente. É necessária a existência de “condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual”. Ou seja, tem de existir uma intenção “atual” de aqui residir no ano de 2017 em “condições que fazem supor” a sua manutenção e ocupação como residência habitual.

 

Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, relativo ao Proc. 01024/17.4BEAVR, I) Quanto ao critério legal previsto na alínea b) do nº 1 do art. 16º do CIRS «exige a reunião do “corpus” e do “animus”. (...) um “corpus”, constituído por um local de residência, associado a um animus”, que consiste na “intenção” de a manter e ocupar como residência habitual (...)», pelo que «(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.

 

Não resulta provado que, pelo facto de o Requerente ter uma habitação em Portugal tivesse a intenção à data (“atual”) de aí residir (em 2017), atendendo a que a permanência na habitação neste ano foi esporádica ou pontual.

 

Por outro lado, conforme já se referiu, o facto de a família aí residir não constitui prova do Requerente aí residir se ele próprio não a utilizar como residência habitual, atendendo à eliminação da residência por dependência que se encontrava prevista no revogado n.º 3 do artigo 16.º e à expressa consagração no n.º 5 de que a residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo e à clara separação entre os conceitos de domicílio fiscal e residência fiscal.

 

Em conclusão, de acordo com a lei interna, o Requerente não é residente em território nacional.

 

Assim sendo, não se justifica o recurso alegado pela Requerente à Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a China ou com o Brasil para determinar a residência. Com efeito, o n.º 1 do artigo 4.º da Convenção remete para o conceito de residente determinado pela lei de cada Estado, nos termos ora definidos; o recurso aos critérios de desempate previstos no n.º 2 do mesmo artigo 4.º não é devido porque não há um problema de “dupla residência fiscal” já que, conforme demonstrado, o Requerente não é residente em território nacional.

 

Não sendo qualificado com residente em território nacional nem aqui tendo obtido os rendimentos objeto de impugnação arbitral, o Estado português não tem competência para tributar.

 

V. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020... respeitante ao ano de 2016, no montante de € 229.529,09;
  2. Julgar procedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., respeitante ao ano de 2017, no montante de € 283.714,88;
  3. Condenar a Requerida na devolução do imposto pago, por força da liquidação parcialmente anulada.
  4. Condenar os Requerentes e a Requerida nas custas do processo, na proporção de 44,72% e 55,28%, respetivamente, face ao decaimento

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 513.243,67, nos termos apresentados pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.978,00, a pagar pelos Requerentes (44,72%) e pela Requerida (55,28%).

 

Lisboa, 2 de janeiro de 2024

 

Os Árbitros

 

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

 (Amândio Silva)