Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 386/2017-T
Data da decisão: 2017-11-10  Selo  
Valor do pedido: € 32.365,40
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS - Inutilidade superveniente da lide.
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Decisão Arbitral

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A., sociedade comercial com o número de pessoa colectiva …, e com sede na Rua …, n.º …, …, …, …, …-… Lisboa (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada da liquidação de Imposto do Selo (IS) referente ao ano de 2013, no montante de €32.365,40, apresentou, em 23/6/2017, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 76.º, n.º 2, 102.º, n.º 1, e 99.º, todos do CPPT, e artigo 2.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT»), em que é Entidade Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT»), tendo em vista que seja “declarada a ilegalidade da Liquidação de Imposto do Selo 2013…, dividida em três prestações [a que] corresponde[m] [os] documentos de cobrança números 2014 … (Documento 3), 2014… (Documento 4) e 2014… (Documento 5), e por consequência ser reembolsada a Requerente do montante já pago, acrescido de juros indemnizatórios.”

 

            1.2. A 29/8/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. Em 30/8/2017, a AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 29/9/2017, tendo argumentado, em síntese, no sentido da procedência do pedido da ora Requerente.

           

1.4. Por despacho de 2/11/2017, o Tribunal considerou, ao abrigo do artigo 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e que processo estava pronto para decisão. Nestes termos, o Tribunal fixou a prolação da decisão arbitral para o dia 10/11/2017.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Alega a ora Requerente, na sua petição inicial, que: a) “a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante «AT», entende que a norma de incidência ínsita à Verba 28.1 da TGIS, e na letra da lei em vigor no momento do facto tributário a 31 de Dezembro de 2013, se aplica a um simples terreno para construção, reconhecendo-lhe afectação habitacional, ainda que nele nada haja sido construído ou edificado”; b) “o thema decidendum do presente pedido [...] é o de saber da susceptibilidade dos terrenos para construção integrarem a previsão normativa da norma de incidência ínsita à Verba 28.1 da TGIS, segundo a letra da lei em vigor para o ano fiscal de 2013, ou seja, se um mero terreno para construção pode ser considerado, para efeitos de aplicação da referida Verba, prédio com afectação habitacional”; c) “a Requerente entende que não se pode considerar que «terreno para construção» se enquadre no conceito de prédios «com afectação habitacional» para efeitos de incidência de Imposto do Selo segundo a letra da Verba 28.1 da TGIS”; d) “o prédio urbano de que a Requerente é proprietária é um terreno para construção, conforme se poderá comprovar pela caderneta predial urbana que se anexou enquanto Documentos 6 e 7, sendo que na presente data não existe nele qualquer construção realizada”; e) “os terrenos para construção que não têm utilização definida não podem ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, prédios com afectação habitacional por não terem ainda nenhuma afectação efectiva nem destino que não seja a construção de tipo desconhecido”; f) “o termo «afectação» utilizado na Verba 28.1 da TGIS é utilizado para referenciar situações já existentes e concretas e não situações meramente futuras, mesmo que previsíveis, como o destino final”; g) “temos [...] que concluir inequivocamente que a qualidade de «terreno para construção» não está abrangida pelo escopo da norma de incidência, na letra da Lei n.º 55-A/2012”; h) “a liquidação de Imposto do Selo para o ano de 2013 à margem identificada, está, portanto, ferida de ilegalidade pois os terrenos para construção não se enquadram no conceito de «prédio com afectação habitacional» previsto na Verba 28.1 da TGIS.”  

 

            2.2. Conclui a ora Requerente que, em face do supra exposto, deve ser “declar[ada] a ilegalidade da Liquidação de Imposto do Selo 2013…, por indevida, procedendo[-se] ao reembolso das quantias já pagas, assim como ao pagamento dos juros indemnizatórios devidos desde a data da realização do pagamento do imposto até ao efectivo e integral reembolso do imposto, à taxa legalmente devida.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT alegou e informou, na sua resposta, que: a) “a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo- verba 28 – n.º 2013…, do ano de 2013, referente ao imóvel – terreno para construção – inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia da …, no valor de €32.365,40. Requer o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios”; b) “contudo, a Requerente solicitou revisão oficiosa do ato de liquidação de Imposto do Selo-verba 28, n.º…, datado de 2014-03-17, no montante de € 32.365,40, sobre o prédio urbano (terreno para construção) acima identificado”; c) “conforme despacho de 2017-09-26, da Diretora de Serviços do Imposto s/Transm. Onerosas Imóveis, Imposto Selo, Imp. Único Circulação e Contrib. Especiais, foi deferido o pedido de revisão oficiosa registado sob o n.º …, conforme Documento 1 [apenso aos autos]”; d) “na referida revisão oficiosa foi decidido anular a liquidação em apreço neste processo e a restituição do montante de imposto indevidamente pago”; e) “assim, atendendo a que o objecto do pedido de pronúncia arbitral foi extinto, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente conforme art. 29.º, n.º 1, do Regime da Arbitragem Tributária.”

            2.4. Requer a AT, pelo supra exposto, “a extinção do pedido de pronúncia arbitral, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 277.º, alínea e), do CPC, por aplicação subsidiária do art. 29.º, n.º 1, do RJAT .”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

i) À data dos factos, a Requerente era proprietária do prédio urbano sito na Avenida…, n.º…, e Rua …, …-… Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, em Lisboa, sob o artigo n.º… .

 

ii) O prédio em causa é um terreno para construção (vd. Docs. 6 e 7 apensos).

 

iii) A 31/12/2013, o VPT do referido imóvel era de €3.236.540,00 (vd. Doc. 6 apenso). Em 17/3/2014, foi emitida a liquidação de IS – Verba 28 – n.º…, ora em causa, no valor de €32.365,40 (vd. Docs. 3 a 5 apensos).

 

iv) O referido Imposto do Selo foi pago em três prestações: a primeira, no montante de €10.788,48, em 30/4/2014; a segunda, no montante de €10.788,46, em 31/7/2014; e a terceira, também no montante de €10.788,46, em 28/11/2014 (vd. Docs. 10 a 12 apensos).

 

v) A 29/12/2016, a ora Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação acima identificada (vd. Doc. 2 apenso).

 

vi) A ora Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral a 23/6/2017.

 

vii) Por despacho datado de 26/9/2017, da Diretora de Serviços do Imposto s/Transm. Onerosas Imóveis, Imposto Selo, Imp. Único Circulação e Contrib. Especiais, foi deferido o pedido de revisão oficiosa registado sob o n.º…, conforme doc. apenso aos autos.

 

3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

           

            IV – Do Direito

 

A) Da Inutilidade Superveniente da Lide

 

Como se assinalou supra, na parte do relatório desta decisão, a AT comunicou nos autos – através da sua resposta de 29/9/2017 (e conforme despacho da Diretora de Serviços do Imposto s/Transm. Onerosas Imóveis, Imposto Selo, Imp. Único Circulação e Contribuições Especiais datado de 26/9/2017) – a anulação do acto de liquidação sindicado neste processo, propondo, em consequência, a extinção dos presentes autos por inutilidade superveniente da lide.

 

Impõe-se, assim, antes do mais, que este Tribunal verifique da utilidade da apreciação do pedido formulado pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto do Selo em causa.

Verifica-se inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixa de ter interesse e utilidade, justificando, por essa razão, a extinção da instância (vd. art. 277.º, al. e), do CPC).

 

Como notam Lebre de Freitas, João Rendinha, Rui Pinto (v. Código de Processo Civil anotado, vol. 1, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555), a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.

 

No mesmo sentido, ver, p. ex., a Decisão Arbitral de 2/12/2016, no proc. n.º 220/2016-T: “se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide”.

 

Ora, como resulta do acima exposto, verifica-se que foi trazida prova aos autos de que o acto tributário de liquidação de Imposto do Selo aqui sindicado foi objecto de anulação (conforme o art. 79.º, n.º 1, da LGT), tendo a AT, com o despacho proferido a 26/9/2017 [vd. ponto vii) da factualidade provada], procedido “à anulação da liquidação contestada; [e à] restituição do montante de imposto indevidamente pago, no valor total de €32.365,40”.

 

Decorre da mencionada actuação da AT – confirmada também pela resposta enviada pela Requerida a estes autos – que a pretensão formulada pela ora Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação, por este Tribunal, da liquidação de Imposto de Selo sindicada (n.º 2013…), ficou prejudicada, porquanto a supressão desse acto e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via já depois de iniciada a instância.

 

Nestes termos, e tal como se refere, também, na Decisão Arbitral proferida no proc. n.º 220/2016-T, “a prática posterior do ato expresso de revogação das liquidações impugnadas (cfr. art. 79.º, n.º 1, da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objeto a pretensão impugnatória contra elas deduzida”.

 

Em face do exposto, o presente Tribunal verifica a inutilidade superveniente da lide no que se refere ao pedido de anulação do acto tributário objecto deste processo, o que implica a extinção da correspondente instância, nos termos do disposto no art. 277.º, al. e), do CPC, que é aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

B) Dos Juros Indemnizatórios

 

A Requerente refere (e prova) que procedeu ao pagamento da liquidação em causa nos presentes autos, e requer o reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

Lendo o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, verifica-se que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” – acrescentando, ainda, o n.º 4 do artigo 61.º do CPPT que, “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Ora, nos presentes autos, a anulação do acto de liquidação do Imposto de Selo teve origem no facto de a AT ter entendido que a norma de incidência da redacção anterior à Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31/12) não integrava os terrenos para construção. E que, com a alteração da verba 28.1 da TGIS efectuada pela referida Lei, passaram a estar abrangidos pela incidência de Imposto de Selo, de uma forma expressa, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 

Como se refere na fundamentação da AT para o deferimento da revisão oficiosa (vd. doc. apenso aos presentes autos), “na sequência desta alteração [do art. 194.º da referida LOE para 2014], e de acordo com o entendimento vertido na instrução de serviço n.º 40047 – Série I, de 2017-02-16, proferida em cumprimento do Despacho n.º 6/2017-XXI, de 13 de Janeiro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi determinado que [...] «deve concluir-se que os terrenos para construção não estavam sujeitos a imposto do selo, pelo que devem os Serviços seguir o presente entendimento para todos os processos que estejam em fase procedimental (...).». Pelo que, em cumprimento do disposto na referida instrução, o terreno para construção objecto da liquidação contestada não se inclui, para o ano em causa (2013), na norma de incidência da verba 28.1 da TGIS (na redacção original dada pela Lei 55-A/2012, de 29 de outubro).” 

 

Assim sendo, afigura-se inquestionável o reembolso do imposto pago, por força do disposto no n.º 1 do art. 43.º, e no art. 100.º, da LGT, devendo restabelecer-se a situação que existiria se o acto tributário objecto desta decisão não tivesse sido praticado (ver, no mesmo sentido, e.g., a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 153/2016-T).

 

A ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo é imputável à AT – ilegalidade que foi reconhecida pela mesma como se pôde observar no trecho acima citado, e que conduziu à anulação daquele acto.

 

Em conclusão, estamos na presença de um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT, tendo a ora Requerente direito, de acordo com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de Imposto do Selo indevidamente pago e a juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que serão incluídos (neste sentido, veja-se, também, por ex., a Decisão Arbitral proferida no proc. n.º 152/2016-T).

 

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Julgar extinta a instância no que concerne ao pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto de Selo impugnado nos presentes autos (n.º 2013…), por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável por via do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

            – Julgar procedente o pedido de condenação da AT a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

                       

 

Fixa-se o valor do processo em €32.365,40 (trinta e dois mil trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €1836,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 10 de Novembro de 2017.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.