Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 243/2017-T
Data da decisão: 2017-11-08  IRS  
Valor do pedido: € 21.480,85
Tema: IRS - Directiva da Poupança - Rendimentos de capitais obtidos no Luxemburgo - Duplicação de colecta.
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Decisão Arbitral

 

Partes

 

Requerentes: A…, NF … e B…, NF …, residentes na …, n.º…, …, Lisboa;

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 05 de Abril de 2017, os Requerentes apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular (TAS), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

O PEDIDO

 

  1. Os Requerentes impugnam a liquidação adicional de IRS n.º 2016…, de 25.11.2016, no valor de euros 21.480,85 (vinte e um mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), incluindo juros compensatórios, no valor de euros 1.311,27 (mil trezentos e onze euros vinte e sete cêntimos), tudo referente ao ano de 2012, de que resultou um valor adicional a pagar de 10 710,67 euros.
  2. Terminam, pedindo que sejam declaradas ilegais estas liquidações e sejam reembolsados do montante pago a mais, de 10 710,67 euros, acrescendo os juros indemnizatórios.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

  1. Os Requerente invocam que “os rendimentos de capitais gerados em 2012 pelos ativos detidos ... no Banque C… foram declarados na respetiva Declaração Periódica de Rendimentos, tendo os mesmos sido objeto de tributação através das liquidações de IRS emitidas em 2013 e 2015”. E que “as referidas liquidações de IRS foram pagas ...”.
  2. Mas que “... em 2016, por referência aos mesmos rendimentos de 2012, já tributados e pagos em 2013 e 2015, a Requerida emite uma nova liquidação de IRS aos mesmos sujeitos passivos”, concluindo que se verifica “... que o tributo inicial já tinha sido pago, que o tributo é exigido aos mesmos sujeitos passivos, e que o tributo respeita os mesmos factos tributários ocorridos no mesmo período temporal”, ocorrendo duplicação de colecta.
  3. Por outro lado, invocam que no procedimento de liquidação seguido pela AT, os elementos de prova que aduziram em sede de audição prévia, não foram ponderados na decisão final, tendo-se feito apenas a referência à proposta de realocação dos valores constantes da declaração de rendimentos, caso se entendesse que tinham sido inseridos em campo diverso, nos seguintes termos: “no entanto, não é perceptível, em que valor deverá ser feita a “realocação de rendimentos” dado que os outros campos do anexo, que foram preenchidos 2 anexos J (campos 420, 408, 423 e 414) dizem respeito a outros tipos de rendimento daqueles que são enumerados no artigo 4 do referido Decreto-Lei 62/2005, e que motivaram o presente processo”.
  4. Assacando às liquidações impugnadas os vícios de (1)violação do artigo 45.º do CPPT, da alínea e) do número 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (adiante LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (adiante RCPIT) e violação do número 5 do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa (adiante CRP) – não ponderação dos factos alegados em sede de Direito de Audição” e de (2)violação do artigo 205.º do CPPT e 62.º da CRP - duplicação de coleta”.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

  1. O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 19-04-2017.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 05.06.2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O Tribunal Arbitral Singular encontra-se, desde 27.06.2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
  4. Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 27.06.2017 que aqui se dá por reproduzida.
  5. Logo em 27-06-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 28.09.2017, juntando o Processo Administrativo (PA), composto por dois ficheiros informatizados, contendo 145 folhas e oferecendo o mérito da posição da AT, constante do PA.
  6. Não se realizou a reunião de partes, nos termos e para os efeitos do artigo 18º do RJAT, tendo em conta a posição concordante dos Requerentes e da Requerida, que resulta do seu silêncio, após notificação para se pronunciaram, conforme despacho de 11.09.2017.
  7. Foi conferido prazo às partes, por despacho de 29.09.2017, para apresentação de alegações escritas e sucessivas, não tendo, ambas, usado desta faculdade.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  • Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 
  • Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea l) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
  • Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.  Aliás, a AT não colocou em crise a tempestividade de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

  1. Os Requerentes referem que “são titulares da conta bancária n.º…, IBAN …, do Banque C…, sito no …” e que “durante o ano de 2012, a referida conta bancária gerou diversos rendimentos e ganhos” ... conforme extracto bancário que juntam.
  2. Referem que a forma como são “descritos no referido extrato não são passíveis de uma imediata transposição para a Declaração Periódica de Rendimentos dos Requerentes pelo facto de não terem sido determinados de acordo com as regras de qualificação e quantificação do Código do IRS”.
  3. Uma vez que “em março de 2013, ... foram informados pelo Banque C… que os rendimentos auferidos por seu intermédio seriam igualmente comunicados à Autoridade Tributária do Luxemburgo, ao abrigo da Diretiva 2003/48/CE”, em 30.07.2013 apresentaram uma Declaração de Rendimentos de Modelo 3 do IRS, referente ao ano de 2012, de substituição, indicando na mesma o número conta bancária acima referida, no quadro 5 do anexo J da declaração.
  4. Antes, por “forma de permitir a correta quantificação e qualificação dos rendimentos gerados pela conta bancária detida no Banque C… de acordo com as regras do Código do IRS em vigor à data dos factos, foram elaboradas as tabelas de apoio” que veio a apresentar à AT aquando do exercício do direito de audição, antes de realizada as liquidações (IRS e juros) aqui impugnadas.
  5. E continuam a referir que “em Outubro de 2013, com base na Declaração de Rendimentos de Substituição, a Requerida emitiu a demonstração de liquidação de IRS n.º 2013 … e número de liquidação 2013…, no valor de 10.021,13 EUR” que juntam. Em 08.11.2013 procederam ao pagamento do valor liquidado. 
  6. Ainda relativamente ao ano de 2012 ocorreu uma segunda liquidação de IRS, tendo os Requerentes recebido em Julho de 2015 “...uma nova demonstração de liquidação de IRS, com o número de liquidação 2015…, de 04.07.2015, no valor de 10.770,18 EUR”, resultando uma “... demonstração de acerto de contas, através da qual era reclamado o pagamento de 749,05 EUR, montante correspondente à diferença entre o montante liquidado em 2015 e o montante liquidado e pago em 2013”, valor que também pagaram, em 27.08.2015.
  7. Quanto ao período de tributação do ano de 2012, em 11.10.2016, a AT enviou aos Requerentes um projecto de decisão de alterações, em sede de audição prévia, onde indica um IRS corrigido, no valor de 18 798,80 euros, por cada um.
  8.  Foi então que os Requerentes, em sede de audição prévia, apresentaram à AT a tabela a que se alude na alínea u) supra.
  9. Referem que a AT desconsiderou a tabela e em “... dezembro de 2016, através do ofício n.º…, de 29.11.2016, a Requerida notificou diretamente os Requerentes que iria corrigir oficiosamente a declaração de rendimentos apresentada”, o que não fizeram.
  10. Pelo que em 05.12.2016, os Requerentes foram notificados das liquidações adicionais de IRS e juros, aqui impugnadas, de que resultou um valor a pagar de EUR 10.710,67, montante que pagaram em 05.01.2017.
  11.  Com base nestes factos, os Requerentes propugnam pela ocorrência das desconformidades com a lei referidas em g) deste relatório, terminando pedindo conforme se refere em b) e c) deste relatório.     

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida ofereceu o merecimento da posição da AT constante do PA e que consta do projecto de decisão de alterações e ainda no parecer emitido, após audição prévia dos Requerentes, que têm o seguinte teor, respectivamente:

 

  1. Termina referindo que “... deverá ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

De acordo com os artigos 123º e 124º do CPPT, o TAS apreciará os vícios apontados na alínea g) do Relatório, abordando, em primeiro lugar, a alegada duplicação de colecta e depois os restantes vícios alegados, caso esta invocação não proceda.

 

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

 

  1. Os Requerentes, residentes em Portugal, no ano de 2012, eram titulares de uma conta bancária com o n.º…, IBAN …, do Banque C…, sito no …, onde eram creditados rendimentos e ganhos, constantes de um “rapport fiscal genérique”, nomeadamente os resultantes da venda de obrigações da República Helénica, proveitos que foram comunicados automaticamente à AT, pela Administração Fiscal Luxemburguesa, no âmbito da Directiva da Poupança (Directiva 2003/48/CE) transposta para o direito interno português, pelo Decreto-Lei nº 62/2005, de 11 de Março – conforme artigos 6º, 7º, 15º e 16º do pedido de pronúncia arbitral (ppa),  páginas 1 e 82 do PA junto pela AT com a resposta e documento nº 3 junto com o ppa.
  2. Em dia não apurado de Março de 2013, os Requerentes foram informados pelo Banque C…, da troca de informação automática entre Administrações Tributárias, referida no número anterior – conforme artigo 14º do ppa e documento nº 8 junto com o ppa.
  3. Em 30.07.2013 os Requerentes apresentaram uma Declaração de Rendimentos, referente ao ano de 2012, de substituição, indicando o número da conta bancária referida em 1., no quadro 5 do anexo J da declaração de Modelo 3 do IRS, e na qual refletiram os rendimentos e ganhos referidos na comunicação do Banque C…, tendo elaborado um documento de apoio, por forma a quantificar e qualificar os proveitos auferidos no Luxemburgo, em face da lei fiscal portuguesa – conforme artigos 9º e 10º do ppa, documentos nºs 2, 4 e 5 juntos com o ppa e posição global da AT adoptada no PA.
  4. Em 05.10.2013, com base na declaração de rendimentos de substituição atrás referida, a AT emitiu as notas de liquidação de IRS n.º 2013 … e nº 2013 …, de que resultou IRS a pagar no valor de 10.021,13 euros, valor este que os Requerentes pagaram em 08.11.2013 – conforme artigos 12º e 13º do ppa e documentos nºs 6 e 7 juntos com o ppa.
  5. Em 04.07.2015 a AT emitiu uma liquidação adicional de IRS, do ano de 2012, com o número 2015 …, de 04.07.2015, no valor de 10.770,18 EUR, resultando um valor a pagar de 749,05 EUR, montante correspondente à diferença entre o montante liquidado em 2015 e o montante liquidado e pago em 2013, valor que os Requerentes pagaram em 27.08.2015 – conforme artigos 17º, 18º e 21º do ppa. e documentos nºs 9, 10 e 11 juntos com o ppa.
  6. Em 11.10.2016 a AT notificou os Requerentes, pelo ofício n.º…, de 04.10.2016, da Direção de Finanças de Lisboa, do “projeto de decisão das alterações a efectuar à sua declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2012”, e para exercerem o Direito de Audição, com a seguinte fundamentação:

“Projeto de decisão de Alterações

Fundamentação:

Face ao disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS, os rendimentos sob a forma de juros, abrangidos pela Directiva da Poupança (Directiva n.º 2003/48/CE), transposta para o ordenamento jurídico interno pelo Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março, são de declaração obrigatória na declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, no respectivo anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro), campo 422.

De acordo com a informação que nos foi transmitida ao abrigo daquela Directiva, pelo Estado/País/território Luxemburgo, no ano de 2012 ou sujeito passivo A auferiu rendimentos de juros no valor de € 18.798,80, e o sujeito passivo B auferiu rendimentos de juros no valor de € 18.798,80, que não foram indicados na declaração Modelo 3 de IRS, pelo que se irá proceder à inclusão dos mesmos no quadro 4 dos anejos J da referida declaração de rendimentos.

Face ao exposto informamos V. Ex.ª que, caso até ao prazo indicado na notificação (15 dias) não proceda à entrega de declaração de substituição, efectuar-se-á uma liquidação corrigindo as anomalias existentes” – conforme artigo 22º do ppa e página 1 do PA junto pela AT com a resposta.

  1. Em 24.10.2016 os Requerentes exerceram o direito de audição, por escrito, e juntaram o documento de apoio referido em 3. supra, com o seguinte teor:

e que continha ainda as seguintes indicações:a) Na coluna A, encontramos espelhados os valores descriminados pela carta remetida pelo Banco à Autoridade Tributária do Luxemburgo, (vide doc. n.º 4 que se juntou); b) Na coluna B, encontramos o equivalente desses montantes convertidos em Euros, os quais totalizam o € 37 639,47; c) Na coluna C, encontramos os valores referentes a cada um dos ativos identificados na carta remetido pelo banco à Autoridade Tributária, reportados na declaração de IRS, e que constam do quadro auxiliar à elaboração de declaração (vide doc. n.º 2 junto aos autos – coluna “Rendimentos de juros da Diretiva Poupança”); d) Na coluna D, verificamos a diferença entre os montantes efetivamente reportados e os valores constantes da carta remetida pelo banco, onde se contata que os montantes declarados inicialmente na Declaração Periódica são superiores aos montantes comunicados à Autoridade Tributária – discrepância que os Exponentes não sabem explicar, pese embora sejam prejudicados” – conforme artigos 25º e  26º do ppa e página 40 do PA junto pela AT com a resposta.

  1. Em dia não apurado de Dezembro de 2016, através do ofício n.º…, de 29.11.2016, a AT notificou os Requerentes de que iria corrigir oficiosamente a declaração de rendimentos apresentada, juntando a fundamentação da decisão – informação nº 23/5/2016 - com o seguinte teor:

- conforme páginas 82 e 85 do PA junto pela AT com a resposta e artigos 31º a 33º do ppa.

  1. Em 05.12.2016 os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2016…, de 25.11.2016, no valor de euros 21.480,85 (vinte e um mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), incluindo juros compensatórios, no valor de euros 1.311,27 (mil trezentos e onze euros vinte e sete cêntimos), tudo referente ao ano de 2012, de que resultou um valor adicional a pagar de 10 710,67 euros, com data limite de pagamento até 09.01.2017, valor que pagaram em 05.01.2017 – conforme artigos 35º a 38º do ppa e documentos nºs 1, 2, 12 e 13 juntos com o ppa.
  2. Em 05 de Abril de 2017 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

Os Requerentes provaram, conforme nº 3 da matéria de facto provada, conjugado com as indicações juntas em anexo ao documento reproduzido no nº 7 da matéria de facto provada, que refletiram, na sua declaração de rendimentos, o valor de 37 639,47 euros, referentes a  rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Ou seja, no Anexo J do Modelo 3 do IRS, apresentado em 30.07.2013, este valor foi declarado, incluindo a referência à conta bancária onde os rendimentos tinham sido depositados, no Banco C… .

 

Por seu turno, o que a AT vem exigir, na terceira liquidação de IRS, quanto ao ano de 2012, (a que aqui está em causa), conforme se verifica no nº 6 da matéria de facto provada, são 37 597,60 euros (18 798,80 euros a cada um dos Requerentes).

 

Os valores são muito próximos, sendo que os Requerentes até declararam um pouco mais do que a AT indica.

 

Muito embora se possa discutir que o valor declarado, não constava no campo 422 do quadro 4 do Anexo J da Declaração Modelo 3 do IRS, como o reconhecem os Requerentes no artigo 29º do pedido de pronúncia, o certo é que este TAS ficou convencido que existe duplicação de colecta, ou seja, a liquidação aqui impugnada, não faz sentido, uma vez que os valores em causa já tinham sido declarados e objecto de liquidação de IRS conforme se provou em 4 e 5 da matéria de facto provada.

 

A este propósito, refere-se no acórdão do TCAS, CT – 2º Juízo, Processo 06195/12 de 26-12-20134, o seguinte: “de acordo com a lei (...  artigo 205º do C.P.P.T), a figura jurídico-tributária da duplicação de colecta caracteriza-se pelos seguintes vectores:

a) Unicidade do facto tributário;

b) Identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o que de novo se pretende cobrar;

c) Coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige.

A duplicação de colecta pode configurar-se como o equivalente, no domínio do direito fiscal, ao princípio penal da proibição do “non bis in idem”, sendo causa de ilegalidade do acto tributário”.

 

Face aos elementos de prova que os Requerentes apresentaram, perante a AT,  no processo administrativo de divergências que decorreu antes da liquidação aqui em discussão (nº 9 da matéria de facto assente), nada justificaria que se referisse na fundamentação da decisão que motivou a liquidação adicional de 2016 que “... não é perceptível, em que valor deverá ser feita a “realocação de rendimentos” dado que os outros campos do anexo, que foram preenchidos 2 anexos J (campos 420, 408, 423 e 414) dizem respeito a outros tipos de rendimento daqueles que são enumerados no artigo 4 do referido Decreto-Lei 62/2005, e que motivaram o presente processo”.

 

Os Requerentes tinham apresentado, em sede de audição prévia, o documento reproduzido em 7. da matéria de facto assente, que permite perceber, segundo o direito fiscal português, que tipo de rendimentos estão em causa.

 

Nesta conformidade, só pode proceder o pedido de pronúncia arbitral, com base na constatação de que ocorreu duplicação de colecta, uma desconformidade com a lei que conduz à anulação dos actos aqui impugnados, como se vai proceder.

 

Pelo que sempre se verifica, neste caso, uma desconformidade legal, subsumível à previsão da norma ínsita na alínea a) do artigo 99º do CPPT.

 

Em face da procedência de um dos vícios invocados pelos Requerentes, assacados às liquidações aqui em causa, seria inútil que o TAS se pronunciasse sobre os demais vícios invocados e referidos em g) do Relatório desta decisão.

 

Pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e de reembolso dos montantes pagos a mais

 

Provou-se em 9 da matéria de facto assente que “em 05.12.2016 os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2016…, de 25.11.2016, no valor de euros 21.480,85 (vinte e um mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), incluindo juros compensatórios, no valor de euros 1.311,27 (mil trezentos e onze euros vinte e sete cêntimos), tudo referente ao ano de 2012, de que resultou um valor adicional a pagar de 10 710,67 euros, com data limite de pagamento até 09.01.2017, valor que pagaram em 05.01.2017 – conforme artigos 35º a 38º do ppa e documentos nºs 1, 2, 12 e 13 juntos com o ppa”.

 

E antes, os Requerentes, já tinham pago os valores de IRS que lhe foram liquidados em 2013 e em 2015, quanto ao ano de 2012.

 

Anulando-se, como se vai anular, as liquidações adicionais aqui impugnadas de IRS e juros (de 2016), por estarem em desconformidade com a lei, resulta que os Requerentes têm direito ao reembolso do montante pago a mais.

 

Pedem ainda a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da anulação parcial das liquidações (IRS e juros) a que se vai proceder, há lugar a reembolso do imposto e juros pagos a mais, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

  1. Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
  2. Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
  3. Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

 

A ilegalidade das liquidações adicionais é imputável à Administração Tributária, que as emitiu com base em pressupostos de facto que não se verificavam: não inclusão, pelos Requerentes, de rendimentos na declaração de rendimentos de 2012.

 

No presente caso é de aplicar o regime do nº1 do artigo 43º da LGT.

 

Consequentemente, as Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, desde 05.01.2017, quanto à quantia paga a mais de 10 710,67 euros.

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data acima indicada e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

Fixação do valor da causa

 

No pedido de pronúncia, os Requerentes indicam como valor da utilidade económica 10 710.67 euros, ou seja, o valor que pagaram a mais, resultante da liquidação adicional aqui em causa (incluindo os juros).

 

No entanto, no exórdio do pedido de pronúncia referem que pretendem a: “CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2016…, de 25.11.2016, no valor de EUR 21.480,85 (vinte e um mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), incluindo juros compensatórios, no valor EUR 1.311,27 (mil trezentos e onze euros vinte e sete cêntimos), tudo referente ao ano de 2012”.

 

E no petitório final referem: “julgado procedente por provado o Pedido pelo Tribunal Arbitral, deverá ser ordenada a anulação das liquidações, a devolução dos montantes pagos, acrescido de juros indemnizatórios”, terminando da seguinte forma: “nestes termos,  e nos mais de Direito aplicáveis, deverá V. Exa. ordenar a constituição de Tribunal Arbitral que terá por objeto analisar a legalidade: a)    Liquidação de IRS n.º 2016 …, de 25.11.2016, no valor de EUR 21.480,85, (vinte e um mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), referente a 2012; e, consequentemente, b) Liquidação de juros compensatórios n.º 2016 …, no valor de EUR 1.311,27 (mil trezentos e onze euros vinte e sete cêntimos), valor já incluso na liquidação de IRS acima citada”.

 

O artigo 97ºA do CPPT, sob a epígrafe “valor da causa” refere que: “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.

 

Em anotação ao artigo 97ºA no CPPT, Volume II, 6ª Edição, 2011, de Jorge Lopes de Sousa refere-se: “Em face da regra da alínea a) do n.º 1 deste artigo 97.º-A, tem de se concluir que, quando é impugnado um acto de liquidação, o valor do processo é apenas o da importância cuja anulação se pretende, que será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial.

 

Os Requerentes impugnam as liquidações (de IRS e juros) na sua globalidade não tendo referido que o faziam parcialmente, muito embora tenham sido convidados a esclarecer esta dissonância.

 

Em face do exposto, fixa-se o valor da utilidade económica em 21 480,85 euros, valor correspondente ao da colecta de IRS constante da nota de liquidação, colocada globalmente em causa pelos Requerentes.

 

V - DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, decide-se:

 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2016…, de 25.11.2016, no valor de euros 21.480,85 (vinte e um mil quatrocentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos), incluindo a liquidação de juros compensatórios, no valor de euros 1.311,27 (mil trezentos e onze euros vinte e sete cêntimos), tudo referente ao ano de 2012, na parte em que resultou um valor adicional de IRS a pagar de 10 710,67 euros, anulando-se parcialmente na proporção do valor a reembolsar.
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso de 10 710,67 euros e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre este montante, desde 05.01.2017, até emissão da respectiva nota de crédito.
  3. Julgar improcedente o pedido de pronúncia na parte remanescente da liquidação impugnada, para além da parte do montante a reembolsar.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 21 480,85 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 296,00 euros (24,18%) a cargo dos Requerentes e 928,00 euros (75,82%) a cargo da Requerida, face aos decaimentos.

 

Notifique.

 

Lisboa, 08 de Novembro de 2017

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

 

 Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.