Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 46/2023-T
Data da decisão: 2023-12-29  IVA  
Valor do pedido: € 58.284,34
Tema: IVA. Isenção nas exportações. Art.ºs 14.º, n.º 1, al. a) e 29.º n.ºs 8 e 9 do CIVA. Prova da exportação. Expedição de mercadorias por via postal e documento alfandegário apropriado.
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SUMÁRIO: 

 

1) A isenção em IVA aplicável às transmissões de bens expedidos para fora da UE pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste (art.º 14º/1, al. a) do CIVA) tem como condição de aplicação - determinada expressamente pelo legislador - a comprovação da dita operação “através dos documentos alfandegários apropriados”- art.º 29º/8; 2) O art.º 29.º estabelece obrigações dos SP e estatui no n.º 9 que na falta do documento comprovativo constante do n.º 8 é devido liquidar IVA; 3) É do SP o ónus da prova da transmissão para fora do território da UE, como daqui decorre e cfr art.º 74º/1 da LGT; 4) Dispõe a DIVA que as isenções se aplicam sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos EM (Art. 131.º) e que as formalidades ref. à exportação de bens para fora da UE são as previstas nas disposições aduaneiras comunitárias da exportação de bens (Art. 279.º), e dispõe o Reg. DACAC que em certas situações a estância aduaneira de saída é a autoridade postal e aí devem solicitar-se as formalidades aplicáveis (Art. 793.º); 5) Não tendo o SP exibido o documento comprovativo exigido pelo legislador para o efeito - inexistindo DAU, Despacho de Exportação dos CTT ou qualquer documento oficial certificativo, pelos CTT, e sendo as expedições via postal através dos CTT, - é devida a liquidação do imposto (art.º 29º/8 e 9); 6) Acresce que o mesmo se conclui se se entender de interpretar a norma conforme jurisprudência do TJUE que manda aferir do cumprimento dos requisitos de fundo, não tendo o SP exibido outros meios de prova documental oficial capazes de alicerçar a fundada convicção do julgador quanto à veracidade da exportação.

  

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), a Profª Doutora Clotilde Celorico Palma e a Drª. Sofia Ricardo Borges (vogais), designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I. RELATÓRIO

 

1. A... LDA., sociedade por quotas matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., doravante «A...» ou «Requerente», vem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do RJAT, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral  contra o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação adicional de IVA relativos aos anos de 2019 a 2021, - decorrentes de correções promovidas pelos serviços inspetivos no valor global de € 58.284,34, com impacto no crédito de imposto/ direito ao reembolso (discriminados numa listagem que junta como documento n.os 1 e 2), - o qual se formou pela ausência de decisão expressa, por parte da AT, dentro do prazo de quatro meses contados da apresentação do pedido de revisão, que terminou no dia 27.10.2022 (cfr. n.º 1 do artigo 57.º da LGT), bem como contra os atos de liquidação adicional que lhe subjazem.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e oportunamente notificado à Requerida.

Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes (respetivamente a Profª Doutora Clotilde Celorico Palma pelo SP e a Drª Sofia Ricardo Borges pela Requerida) para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designada árbitro-presidente a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro presidente, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 2023-05-09.

 

2. A fundamentar o pedido a Requerente alega, em síntese:

  1. A A... tem como core business a atividade de exploração de farmácia, comércio a retalho de produtos farmacêuticos, comércio a retalho de produtos médicos e ortopédicos e comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene, em estabelecimentos especializados e com vista a proporcionar aos seus clientes um acesso rápido e acessível às mais prestigiadas marcas de produtos e aos melhores preços;
  2. Através da sua plataforma digital «B...» (https://www... ), tem orientado a sua estratégia comercial na prestação de um serviço online eficiente e dedicado ao cliente com um catálogo variado de marcas e produtos e com a ajuda de uma equipa de farmacêuticos que escolhem os produtos e aconselham o cliente;
  3. Efetuado o pagamento e concluída a compra pelo cliente através do site B..., as informações respeitantes à aquisição são de imediato redirecionadas para a plataforma de comércio eletrónico, que gere a logística do site, cataloga os produtos e marcas, controla o stock e acompanha o estado das encomendas online, e é nesse momento que, de forma automática, a plataforma confirma se os produtos encomendados pelo cliente estão em stock físico ou, não existindo, os solicita a fabricante ou revendedor e, em paralelo, o software de faturação eletrónica certificada da Requerente emite, em segundos, uma fatura eletrónica da encomenda;
  4. Após a emissão da fatura segue-se o empacotamento, a etiquetagem e a colocação de códigos de barras pela Requerente, ficando então os produtos prontos para a sua expedição;
  5. Para a expedição dos produtos recorre aos serviços normais dos CTT e da DHL – onde apresentavam/ apresentam as encomendas nos postos para serem expedidas e, posteriormente, recorrendo quer à DHL quer aos CTT, mas já numa solução mais empresarial (via contrato de prestação de serviços postais firmado com estas entidades); as encomendas são levantadas pela DHL no armazém físico da A..., e as demais são entregues no posto dos CTT mais próximo;
  6. Nos envios via  CTT é assegurado o «acompanhamento e localização da correspondência» – vulgo track & trace – e, através do «código de envio que se encontra no talão de envio ou na guia de transporte», é disponibilizada toda a informação das encomendas desde o momento da saída do país até à «receção internacional», «envio de notificação ao cliente» e à «receção no local de entrega»; informação essa que está acessível durante 6 meses no site dos CTT (www.ctt.pt/);
  7. Outras encomendas online são remetidas pela DHL, em virtude de um acordo empresarial celebrado entre a Requerente e esta entidade e que simbolizou uma nova e expressiva parceria comercial;
  8. A DHL tem emitido faturas outbound com o NIF da A... e com o número de conta de cliente onde tem sido contabilizado o número de envios para dentro e fora do país. Ou seja, à semelhança dos envios via CTT, o sistema DHL também oferece aos seus clientes um serviço de track & trace, no qual todos os envios de que é responsável são «rastreáveis» durante 12 meses no site da DHL;
  9. Segundo a Requerente, em regra, a DHL presta uma informação mais detalhada das encomendas aos intervenientes (empresa e consumidores), v.g. prova de entrega eletrónica;
  10. A Requerente vende os produtos para mais de 77 países, registados nas vendas, em especial para países como os Estados Unidos, Arábia Saudita, Suíça, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido;
  11. Em causa nos presentes autos estão as exportações realizadas entre os períodos de tributação 05/2019 e 07/2021, com recurso aos serviços postais CTT, e não acompanhadas do exemplar 3 do Documento Administrativo Único (DAU);
  12. São 5.458 exportações em que a A... aplicou a isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, ou seja, não procedeu à liquidação do imposto sobre estas operações, por entender que as operações estão provadas porque devidamente acompanhadas de códigos de registos internos na plataforma digital, comprovativos de pagamento das encomendas online nos respetivos gateways de pagamento, faturas emitidas pela A..., dependendo do sistema de faturação em vigor à data da encomenda, notas de crédito emitidas nos mesmos moldes ou disputes residualmente dirimidas pelas plataformas de pagamentos ou pelas instituições financeiras (quando aplicável), declarações alfandegárias/ registos CTT; e, ainda, as informações detalhadas nos serviços track & trace (quando disponíveis), entre outros elementos;
  13. A Requerente invoca a seu favor jurisprudência do TJUE segundo a qual, designadamente, refere, se estabelece que na fixação das condições de aplicação da isenção de uma entrega de bens para exportação para fora da Comunidade “«os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica comunitária, entre os quais, designadamente, os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, bem como o da protecção da confiança legítima (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Molenheide e o., C‑286/94, C‑340/95, C‑401/95 e C‑47/96, Colect., p. I‑7281, n.os 45 a 48; de 11 de Maio de 2006, Federation of Technological Industries e o., C‑384/04, Colect., p. I‑4191, n.° 29; e de 14 de Setembro de 2006, Elmeka, C‑181/04 a C‑183/04, Colect., p. I‑8167, n.° 31)»;
  14. Mais concretamente para o TJUE das prerrogativas conferidas pela Diretiva IVA aos Estados-membros “não resulta que essa isenção possa estar sujeita à condição imperativa de que o transportador ou o intermediário em causa apresente, para demonstrar a realidade da exportação, uma declaração de exportação, excluindo, desse modo, qualquer outro meio de prova que permitisse formar a convicção exigida por parte da autoridade fiscal competente;
  15. (…) Com efeito, impor tal modalidade probatória exclusiva de qualquer outra equivaleria a fazer depender o direito à isenção do cumprimento de obrigações formais, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 38 e 39 do presente acórdão, sem examinar a questão de saber se os requisitos de fundo impostos pelo direito da União foram ou não efetivamente satisfeitos. A simples circunstância de um transportador ou um intermediário envolvido numa operação de transporte não poder apresentar uma declaração de exportação não implica que essa exportação não tenha efetivamente tido lugar” (Acórdão do TJUE, de 08.11.2018, proferido no processo n.º C-495/17);
  16. Nesta sequência, defende a Requerente, o conceito incerto de «documentos alfandegários apropriados» deverá ser interpretado finalística e atualisticamente de maneira a abarcar outros meios de prova à comprovação das exportações, sejam faturas, notas de créditos, contratos, registos CTT, tracking codes, disputes, extratos de plataformas de pagamentos digitais ou de softwares certificados, declarações para Alfândega CN22, listagens meramente ilustrativas de pagamentos e disputes, desde logo porque o sistema comum do IVA no contexto europeu e o princípio da neutralidade apontam nessa direção, mas também porque esta proposta hermenêutica é aquela que mais se coaduna com os elementos gerais de interpretação das leis;
  17. A admissão de um único tipo de documento como meio de prova das exportações (com intervenção dos serviços alfandegários) perigaria o princípio da proporcionalidade e terá de entender-se como condição não conforme com a norma contida no artigo 29.º, n.º 8, do CIVA, ferindo os atos tributários em causa de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito;
  18. Concluindo a Requerente que as 5.458 encomendas online da  B... expedidas pelos CTT sem o Exemplar 3 do DAU devem beneficiar da isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA; isenção a que sempre tinha (e tem) direito nos termos da legislação aplicável, tal e qual como os tribunais arbitrais concluíram nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 88/2017-T, 621/2018-T, 292/2019-T, 265/2020-T e 201/2021-T;
  19. Subsidiariamente alega a Requerente que, caso o douto tribunal entenda que, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 14.º conjugado com o n.o 8 do artigo 29.º, ambos do CIVA, o sujeito passivo só poderá beneficiar da isenção se apresentar o Exemplar 3 do DAU (como sendo o elemento probatório adequado), tal interpretação será desconforme com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança e com os princípios da igualdade e da proporcionalidade constitucionalmente consagrados no artigo 2.º, no artigo 13.º, no n.º 2 do artigo 18.º, nos n.os 4 e 8 do artigo 19.º, no n.º 2 do artigo 28.º, no n.º 4 do artigo 65.º, no n.º 5 do artigo 189.º, no n.º 2 do artigo 266.º, no artigo 270.º, no n.º 2 do artigo 272.º e no n.º 4 do artigo 282.º, todos da CRP;
  20. Mas também que não é compatível com os princípios enformadores do sistema comum do IVA, nomeadamente com o princípio da neutralidade fiscal por promover discriminações arbitrárias (e não justificadas) entre operações idênticas e operadores económicos - nacionais e internacionais - que estão em concorrência entre si, provocando intoleráveis perturbações no funcionamento do mercado interno, assim como os princípios da tributação do consumo no destino, da proporcionalidade e da segurança e da proteção da confiança;
  21. A título subsidiário a Requerente alega que a Requerida incorre em falta de fundamentação quanto à aplicação da taxa de 23%, e não cumpriu o ónus que lhe competia de provar os factos constitutivos das correções promovidas e do direito às liquidações adicionais, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT;
  22. Finalmente pede a Requerente, em última análise, o reenvio prejudicial.

 

3- Na Resposta veio a Requerida argumentar, entre o mais:

  1. As vendas que foram efetuadas através dos CTT não foram comprovadas através de documento alfandegário apropriado, conforme decorre do artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA;
  2. A isenção invocada pela Requerente apenas abrange “(…) transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste” [cfr. al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA e artigo 146.º, n.º 1, al. a) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, doravante “Diretiva IVA”]. Esta isenção tem matriz comunitária, devendo atender-se ao seu contexto e objetivos que visa prosseguir, assentes no princípio da tributação no destino (i.e., no país onde ocorre o consumo final) e no princípio da neutralidade do imposto. Ou seja, a uma exportação de bens isenta de IVA em território nacional (ou no território de outro Estado-membro) deve corresponder uma importação tributada em país/território terceiro onde ocorre a utilização/consumo dos bens;
  3. A aplicação da isenção tem como pressupostos essenciais a saída efetiva dos bens do território aduaneiro da União pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste e a transferência do direito de deles dispor para o adquirente não estabelecido no território comunitário;
  4. A Diretiva IVA, nos seus artigos 131.º e 273.º, atribui aos Estados-membros a incumbência de definir as condições para assegurar a correta aplicação da isenção, concretamente, o artigo 131.º da Diretiva IVA estatui que os Estados-membros possam fixar as condições das isenções, com vista a assegurar a sua aplicação correta e simples e prevenir possíveis fraudes, evasões ou abusos. Nesta senda, o legislador nacional, ao abrigo das citadas normas comunitárias, limitou os meios de prova aos “documentos alfandegários apropriados”, conforme n.º 8 do art.º 29.º do Código do IVA. Ou seja, a comprovação das transmissões de bens expedidos ou transportados para fora do território aduaneiro da União Europeia é feita através de “documentos alfandegários apropriados”;
  5. Na vigência do atual Código Aduaneiro da União, aprovado pelo Regulamento UE 952/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, o destino aduaneiro das mercadorias é atribuído através do documento administrativo único (DAU) a que se refere o artigo 2.º, § 5, do Anexo B ao Regulamento Delegado UE 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015, e cujo modelo de formulário consta do título III;
  6. Muito embora o conceito de “documentos alfandegários apropriados” se pudesse afigurar vago e indeterminado, encontrava-se esclarecido que esse conceito correspondia ao exemplar 3 do DAU (atual declaração aduaneira de exportação) devidamente certificado pelas autoridades do Estado membro da saída da União Europeia. Cfr., em especial, na jurisprudência, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18-06-2020, no processo n.º 00051/12.2BUPRT e a Decisão arbitral de 2019-03-04 do CAAD, processo n.º 204/2018-T;
  7. Convoca extractos desta última Decisão arbitral: “(...) apresentadas as faturas das operações, os certificados de origem da mercadoria e os certificados sanitários de exportação de Portugal para os países de destino, bem como as declarações de expedição internacional, que identificam o meio de transporte utilizado e os documentos de acompanhamento de exportação. Em dois casos, os documentos de exportação contêm o carimbo da Alfândega. Não está, no entanto, feita a prova da certificação de saída, seja através do modelo que constava do anexo 3 ao Ofício Circulado n.º 15327/2015, seja através do documento administrativo único”;
  8. (cont.) “(...) juntou documentos indiciários de que as exportações tiveram lugar, mas não pode concluir-se que pode ser dada como provada a transmissão de bens para efeitos do artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA com base no princípio da livre apreciação das provas, com assento no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que permite que o juiz tome como provado um facto com base na sua íntima convicção gerada em face do material probatório trazido ao processo”;
  9. Para a Requerida, não basta prova indiciária de que os bens foram expedidos para país ou território terceiro, pois, de outro modo, estaria facilitada a evasão, o abuso e a fraude ao IVA;
  10. Os formulários CN22 não referem um elemento que se afigura crucial para o controlo do imposto e a prevenção da fraude e evasão fiscal, designadamente, o número da fatura, para além de, inexistir em tais formulários a identificação e número de identificação fiscal do exportador, o que inviabiliza o controlo junto do “Exportador/Expedidor” da correta aplicação da isenção em apreço. Ou seja, a referenciação a que alude a Requerente não assenta no número da fatura, mas antes no número da encomenda;
  11. Ao contrário da faturação que se encontra sujeita a um conjunto de requisitos e regras nacionais e comunitárias, nomeadamente, de emissão, comunicação e conservação, tendo em vista a prevenção da fraude ao IVA e evasão fiscal, as notas de encomenda são documentos meramente internos, que não asseguram tais objetivos;
  12. Resulta evidente que os documentos apresentados não permitem à AT controlar a aplicação correta do regime de isenção do IVA e o controlo do imposto, na linha do estabelecido no artigo 131.º da Diretiva IVA, por forma a acautelar a prática de eventuais situações de fraude ao IVA e, assim, garantir a cobrança exata do imposto, conforme rege o artigo 273.º do mesmo diploma;
  13. Quanto ao pedido subsidiário, alega a Requerida que em regra, os produtos de higiene e cosméticos vendidos pelas farmácias, como os que vêm indicados nos documentos apresentados pela Requerente (em Docs. 17 e seguintes juntos ao pedido arbitral), são tributados à taxa normal, por falta de enquadramento na verba 2.5 da Lista I ou em qualquer outra. Por outro lado, não compete à AT, mas antes à Requerente identificar eventuais produtos, nomeadamente quanto às suas características, finalidades e classificações, suscetíveis de tributação à taxa reduzida do IVA, o que não logrou fazer.

 

4. Em 13 de Setembro de 2023, pelas 15 h, teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT tendo-se procedido à audiência julgamento, em conformidade com a respetiva ata que se dá por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.

5. As partes apresentaram alegações.

 

II. SANEADOR

 

6.O Tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e de decidir.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

III-I MATÉRIA DE FACTO

 

§1.º Factos dados como provados

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os factos que se seguem:

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas e está enquadrada em IVA no regime normal de periodicidade mensal;
  2. Desde meados de 2019 a Requerente realiza comércio de produtos em e‑commerce, designadamente a venda de produtos de cosmética, cfr. doc.s 17 e ss. juntos com o PPA, através de uma loja online, na plataforma digital “B...” - https://www... ;
  3. Uma vez confirmado o respectivo pagamento, a encomenda é considerada “Finalizada” e é emitida a respectiva factura (eletrónica);
  4. Após emitida a factura (cfr. alínea anterior), a Requerente efectua o empacotamento da respectiva encomenda, a etiquetagem e a colocação de códigos de barras, para efeitos da sua expedição;
  5. Para a expedição dos produtos, a Requerente recorre aos serviços postais dos CTT Correios de Portugal S.A. (CTT) e da DHL Express Portugal Lda. (DHL);
  6. Em regra, a DHL presta informação mais detalhada das encomendas aos intervenientes (empresa e consumidores), v.g., prova de entrega electrónica (Ponto 55 do Pedido);      
  7. Em causa nos presentes autos estão expedições realizadas entre os períodos de 05/2019 e 07/2021 com recurso aos serviços postais CTT;
  8. No âmbito da referida atividade a Requerente realiza, a partir de Portugal, vendas para Portugal e para outros países, dentro e fora da União Europeia; 
  9. A Requerente foi objecto de procedimento de inspecção tributária a coberto das ordens de serviço n.ºs OI2021..., OI2021... e OI2021..., extensivas aos anos de 2019, 2020, e aos períodos de Janeiro 2021 a Junho 2021, tendo os serviços inspectivos promovido correcções respeitantes a operações que a Requerente declarou no campo 8 da Declaração periódica de IVA;
  10. Nas referidas operações de transmissão de bens alvo de correcções pela Requerida (cfr. al. anterior) a Requerente não liquidou IVA, fazendo menção nas facturas à isenção constante do art.º 14.º, n.º 1 do CIVA;
  11. Nas operações em questão (cfr. duas alíneas anteriores) os bens foram expedidos por via postal através dos CTT;
  12. Do Relatório de Inspecção Tributária consta, entre o mais (tudo se dando por integralmente reproduzido):

“(...) 9) No entanto se, ao montante total declarado no campo 8) das DP’s de IVA, retirarmos o montante total comunicado à Alfandega através dos Despachos de Exportação, conforme Anexo III (...) resultarão os seguintes montantes por período de imposto, declarados como isentos de IVA, mas sem comprovativo de exportação nos termos do artigo 29.º, n.º 8 do código do IVA (...). / (...) Desde o período 2019.05, verificamos que o SP declarou no campo 8) das DP’s de IVA a realização de transmissões de bens expedidos ou transportados para clientes domiciliados fora da União Europeia, cujas encomendas foram concretizadas através da página da internet, das quais não efetuou a liquidação do IVA, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, al. a) do código do IVA. / 4.1) No entanto não exibiu documento comprovativo das transmissões isentas, conforme impõe o n.º 8 do artigo 29.º do mesmo código, para os períodos de IVA e montantes de BT mencionados no campo 8) respetivos de € 5.309,28, € 34.478,80 e € 213.622,01, respetivamente para 2019, 2020 e 2021 (até julho), pelo que nos termos do n.º 9 do artigo 29.º do código do IVA apura-se imposto em falta nos respetivos montantes de € 1.221,14, € 7.930,12, e € 49.133,06. / (...) IX – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO. (...) 3) As correções contestadas, têm por base a falta de exibição de documento comprovativo da isenção, por imposição do n.º 8 do artigo 29.º do código do IVA, das operações declaradas no campo 8) (...) nos montantes totais explícitos nos quadros dos pontos (...). / 4) Conforme já foi referido, a transmissão de bens isenta deve ser comprovada com o documento emitido nos termos da legislação aduaneira aplicável ao regime aduaneiro de exportação, no qual conste a confirmação de saída da mercadoria do território da União Europeia. / (...) Neste sentido, quanto às bases tributáveis mencionadas nos despachos de exportação, e respeitantes aos envios efetuados através da transportadora DHL, foi considerado cumprido o disposto no n.º 8 do artigo 29.º do código do IVA, conforme referido no ponto 9). / 6) No que respeita aos envios efetuados através da CTT, considerando os documentos apresentados pelo SP no decurso do procedimento quer os reenviados em DA, constata-se que as isenções, aplicadas pelo SP a essas operações, não estão comprovadas através de documento alfandegário adequado, conforme decorre do artigo 29.º, n.º 8 do código do IVA, pelo que deverá ser liquidado o respetivo imposto conforme obriga o disposto no n.º 9 do mesmo artigo. / 7) Consequentemente, os argumentos trazidos em DA, sem menção de qualquer demonstração técnica, e sem documentação comprovativa, não trazem ao processo qualquer facto, prova ou parecer técnico novo, devendo-se manter as correções constantes do capítulo III. (...)”

  1. No mesmo Relatório de Inspeção pode ler-se que: “III- (...) Quanto aos envios pelo CTT, conforme Certidão de Diligências, em Anexo II, e no que respeita aos envios efetuados nos períodos de 2021, o SP apresentou ficheiros em formato excel, tendo sido possível confirmar por amostragem, que foram acompanhadas pelo documento de desembaraço aduaneiro de tráfego postal para exportação – a Declaração de Tráfego Postal a coberto do formulário CN22. / Refira-se que nestas listagens constam a identificação do remetente e do destinatário, o número de encomendas expedidas, o n.º registo CTT, e o “valor”.” / 7) Cabe referir que a transmissão de bens para fora do território da União Europeia, efetuada pelo vendedor ou por um terceiro por sua conta, implica a sujeição das mercadorias ao regime aduaneiro de exportação e o cumprimento de atos e formalidades previstos na regulamentação aduaneira. / 7.1) Em conformidade, o artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA exige, para a aplicação da isenção às transmissões de bens a que se refere o art.º 14.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, que as mesmas sejam comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados, atestando-se a efetiva saída dos bens com destino a país ou território terceiro.”;
  2. Das correções efetuadas pelos SIT (que desconsideraram a aplicação da isenção do art.º 14.º, n.º 1, al. a) nas operações em questão) resultaram os atos de liquidação adicional de IVA relativos aos anos de 2019 a 2021, no valor global de € 58.284,34, conforme liquidações adicionais e demonstrações de acerto de contas nos autos, com impacto no crédito de imposto/direito ao reembolso de IVA da Requerente; (cfr. RIT, e doc. 2 junto pela Requerente)
  3. A Requerente interpôs pedido de revisão oficiosa das liquidações adicionais, a 27.06.2022, e este não foi objeto de decisão;
  4. A 23.01.2023 a Requerente deu entrada ao Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

§2.º Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão da causa consideram-se não provados os seguintes factos:

Que os bens expedidos ou transportados através dos CTT tenham sido acompanhados de documento alfandegário apropriado, a saber, exemplar 3 do Documento Administrativo Único (DAU) ou qualquer outro documento oficial certificado pela entidade que procede ao envio – no caso, os CTT, e/ou que um tal documento tenha sido emitido;

Que se tenha verificado a saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade.

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto provada e não provada   

Ao Tribunal cabe selecionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspetivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[1]).

Os factos dados como provados, bem como os dados como não provados, foram-no com base nos documentos juntos aos autos pela Requerente e no Processo Administrativo (“PA”), todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, factos não questionados, declarações de Parte e prova testemunhal, tudo devidamente concatenado e criticamente apreciado.

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

Com referência à prova por declarações de Parte, que o Tribunal aprecia livremente salvo se as mesmas constituírem confissão (cfr. art.º 466.º, n.º 3 do CPC), prestou declarações o sócio-gerente da Requerente, C... . Com relação à prova testemunhal, por seu turno, prestaram depoimento duas testemunhas, oferecidas pela Requerente. A primeira, D..., farmacêutica, não tem um vínculo laboral com a Requerente, embora tenha dado acompanhamento a alguns processos em envios de encomendas e descrições de produtos no site da Requerente, não tendo o seu depoimento aportado elementos relevantes para a prova pretendida fazer. A segunda testemunha, E..., era funcionário dos CTT à data dos factos (rectius desde Fev. de 2021), com funções de gestor comercial. Descreveu de um modo genérico o acompanhamento que era dado aos clientes em situações como a da Requerente, tendo por vezes revelado imprecisão no uso de conceitos, como seja ao designar de “Documento Único Aduaneiro” (“DUA”) o formulário CN22 que era preenchido pela Requerente previamente à entrega das encomendas no posto dos CTT.

Quanto, mais concretamente, aos factos descritos nas al.s b) a h) do probatório, os mesmos resultaram da apreciação livre do tribunal dos depoimentos prestados e/ou por terem sido alegados e não contrariados pela Requerida. Acresce que, na sua defesa a Requerida não coloca em causa os contornos da operação, mas apenas a questão da efetiva saída dos bens para fora do território da UE, por falta de documento comprovativo alfandegário (“documento alfandegário apropriado”).

 

Por sua vez, quanto aos factos dados como não provados, em especial, o Documento Administrativo Único, é a própria Requerente a admitir a sua não junção por entender não ser necessário segundo fundamentalmente a jurisprudência que cita do TJUE.

Também quanto à não junção aos autos de qualquer outro documento certificativo da saída de mercadorias do território aduaneiro da Comunidade, como seja o Despacho Administrativo de Exportação emitido pelos CTT, é o que resulta do processo instrutor e é aceite pela Requerente no Pedido. Tanto mais que as liquidações oficiosas emitidas (e ora impugnadas) respeitam apenas aos envios em que a Requerente utilizou os CTT, e não já aos efectuados através da DHL, caso em que a Requerente exibiu, no procedimento inspectivo, Despacho de Exportação.

 

Em relação à documentação junta pela Requerente, trata-se de acervo de documentos organizados e/ou produzidos pela própria, e consistentes, no essencial, em talões de correio, formulários CN22 e prints da própria plataforma da Requerente, cópias de algumas faturas e notas de encomendas - tudo reportado até ao momento da entrega das encomendas nos CTT; bem como em prints contendo informação alegadamente copiada a partir de páginas de sites de “track and trace”, de fonte não oficial, meros documentos particulares, que não permitem aferir da genuinidade da autoria/fonte, e nem o que pretendem reproduzir é aquilatável pelo Tribunal, não permitindo demonstrar a saída dos bens para fora do território aduaneiro da União. Assim, constam e/ou resulta dos autos:

- “Prints” da própria plataforma informática da Requerente e das plataformas de pagamentos associadas àquela, contendo informação reportada apenas até ao momento de a encomenda seguir para o posto dos CTT, sendo que a expressão “finalizada”, aí contida com referência às encomendas, significa que a encomenda se encontrava paga, e, assim, em condições de ser expedida; (cfr. declarações de Parte, e v. doc. 19, junto pela Requerente)

- Informações de rastreio de encomendas alegadamente copiadas/extraídas pela Requerente de plataformas track and trace e inseridas em documentos produzidos (páginas word) pela própria; (cfr. declarações de Parte, e v. doc. 20, junto pela Requerente)

- Talões de correio registado CTT, sem moradas de destinatário ou, alguns, contendo alguns elementos, insuficientes, no espaço destinado à morada, e contendo um código no canto superior direito, o qual é utilizado pela Requerente como tracking code para as encomendas que entrega nos CTT, sendo que qualquer das encomendas que a Requerente expedia – fosse para Portugal, fosse para país da UE, fosse para país terceiro – continha um tracking code (o qual só após Fevereiro de 2021 passou a ser gerado pelo aplicativo dos CTT);  (cfr. doc. 22 e ss juntos pela Requerente, declarações de Parte e depoimento da testemunha E...);  

- Notas de encomenda, e facturas, de encomendas efectuadas à Requerente (cfr. doc.s 19, 22 e ss. juntos pela Requerente), sendo que o respectivo pagamento é efetuado em momento anterior ao do envio/da expedição das encomendas (cfr. declarações de Parte e depoimento da testemunha D...);

- Outras facturas, referentes a pagamentos devidos pela Requerente (cfr. doc. n.º 4 junto pela Requerente) e cópias de contratos entre a Requerente e prestadores de serviços, seja os CTT, seja prestadores de serviços de desenvolvimento de software, de gestão de pagamentos ou outros; (cfr. doc.s 6 e ss juntos pela Requerente)

- Formulários “Declaração para Alfândega” CN22, nos quais se contém informação sobre a natureza da transacção e o conteúdo das encomendas - quantidade e descrição dos produtos, código harmonizado, valor da encomenda e escalão de peso - e que são preenchidos pela Requerente para posterior entrega com as encomendas no posto dos CTT (e que desde Janeiro de 2021 são de preenchimento on-line), não datados nem assinados/certificados pelos CTT; (cfr. doc. 17 e ss juntos pela Requerente e PA, articulado de Direito de Audição – PA e doc. 32, junto pela Requerente e declarações de Parte)

 

III- DO DIREITO

 

III-1. Enquadramento da questão

 

A Requerente alega que realizou, desde meados de 2019, operações de transmissão de bens, para fora do território da União Europeia, no âmbito da sua atividade de venda de produtos de dermocosmética, através de loja online (e-commerce), sendo as encomendas concretizadas via página da internet, não tendo liquidado IVA, ao abrigo da isenção do art.º 14.º, n.º 1, al. a) do CIVA.

Não é questionável que os bens em causa foram expedidos por via postal através dos CTT, e que a Requerente realiza vendas para Portugal e para outros países, dentro e fora da UE.

A questão central gira em torno da determinação do sentido e alcance da norma de isenção consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, em articulação com a constante do artigo 29.º, n.º 8, do mesmo Diploma, quanto aos meios adequados a fazer prova da expedição das mercadorias para países terceiros.

 

Como vimos, na tese da AT, que serviu de base às liquidações impugnadas, a aplicação da isenção à transmissão de bens a que se refere o art.º 14.º, n.º 1, al. a), do CIVA exige “que as mesmas sejam comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados, atestando-se a efetiva saída dos bens com destino a país ou território terceiro.” (cfr. RIT, v. al. m) factos provados)

Alega também que é sobre os sujeitos passivos exportadores nacionais que recai o ónus de obterem os documentos alfandegários apropriados, devidamente visados pelos serviços. Ou seja, deverão estar na posse de documento oficial certificativo da saída dos bens do território aduaneiro da UE.

A fundamentar a sua posição, a Requerida lança mão, entre o mais, de jurisprudência designadamente do CAAD. Com efeito, no entendimento de Carlos Fernandes Cadilha, em Acórdão arbitral que versa sobre situação aproximada, pode ler-se que: “(...) a comprovação da transmissão de bens, para efeito de isenção de imposto, terá de ser feita através dos documentos alfandegários apropriados. Numa interpretação sistemática e que tenha em conta a teleologia da norma, documentos alfandegários apropriados não podem ser tidos como sendo quaisquer documentos alfandegários ou quaisquer documentos que revelem indiciariamente, sob a livre apreciação do juiz, que foi efectuada a transmissão. Tratando-se de um conceito jurídico indeterminado não poderá ser preenchido através de um juízo valorativo de livre apreciação da Administração ou do julgador, mas unicamente por via da interpretação da lei.”; “(...) a atribuição da isenção dependia de um formalismo específico, consubstanciado num documento alfandegário, que, para além da facturação que tenha sido emitida, pudesse comprovar nos termos legalmente previstos a efectiva exportação de mercadorias em nome da Requerente, não bastando que o interessado pudesse demonstrar que realizou operações de transmissão de bens para fora da União Europeia.”; “(...) Deste modo, não sendo possível dar como assente que a Requerente comprovou através do documento alfandegário apropriado a saída das mercadorias para país fora da Comunidade, não pode considerar-se aplicável a isenção (...) havendo lugar à liquidação do correspondente imposto nos termos do subsequente n.º 9.” (Proc.º n.º 476/2019-T, CAAD).

 

Por sua vez, para a Requerente, citando diversa jurisprudência do TJUE defende a tese de que são admissíveis quaisquer meios de prova, imputando às liquidações ora impugnadas as seguintes ilegalidades:

  • Erro de direito por interpretada a norma de isenção ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º conjugada com o n.o 8 do artigo 29.º, ambos do CIVA, no sentido de que o sujeito passivo só poderá beneficiar da isenção se apresentar o Exemplar 3 do DAU (como sendo o elemento probatório adequado); e, pela mesma razão,
  • Violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança e dos princípios da igualdade e da proporcionalidade constitucionalmente consagrados no art.º 2.º, no art.º 13.º, no n.º 2 do art.º 18.º, nos n.os 4 e 8 do art.º 19.º, no n.º 2 do art.º 28.º, no n.º 4 do art.º 65.º, no n.º 5 do art.º 189.º, no n.º 2 do art.º 266.º, no art.º 270.º, no n.º 2 do art.º 272.º e no n.º 4 do art.º 282.º, todos da CRP.
  • Violação dos princípios enformadores do sistema comum do IVA, nomeadamente o princípio da neutralidade fiscal por promover discriminações arbitrárias (e não justificadas) entre operações idênticas e operadores económicos - nacionais e internacionais - que estão em concorrência entre si, provocando intoleráveis perturbações no funcionamento do mercado interno, assim como dos princípios da tributação do consumo no destino, da proporcionalidade e da segurança e da proteção da confiança.

   

Vejamos.

 

III-1.1. Análise das ilegalidades invocadas

 

§1.º Quanto ao alegado erro de direito da interpretação do art.º 14.º, n.º 1, al. a) do CIVA seguida pela Requerida

 

De acordo com o disposto no art.º 14.º, n.º 1 do CIVA: “Estão isentas do imposto: a) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste.”

Por sua vez, estabelece o art.º 29.º, n.º 8: “As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) (...) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas (...) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado”.

Este dispositivo legal (n.º 8 do art.º 29.º) estabelece uma condição de funcionamento das isenções consagradas nos art.ºs 14.º e 15.º do CIVA, pelo que a falta de observância desta condição torna exigível o imposto. Na presença de uma isenção (completa), com o caráter excepcional que reveste em IVA, visa-se acautelar a fraude fiscal, evasão ou abuso.

Assim, o n.º 9 do mesmo art.º 29.º determina que “a falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente”.

Não oferece dúvida, logo pelo disposto no art.º 29.º (que estabelece obrigações a cargo dos sujeitos passivos), n.ºs 8 e 9, que é sobre os sujeitos passivos exportadores nacionais que recai o ónus da prova de que os bens foram expedidos ou transportados para fora do território da União, em regra através de documento oficial certificativo da saída dos bens.

Estamos, em qualquer caso, perante um invocado - pela Requerente - direito a uma isenção, sendo que dispõe o legislador no art.º 74.º, n.º 1, da LGT que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

 

E nem a Requerente duvida de que assim seja, que o ónus da prova da efectividade das exportações sobre si recaia. Afasta-se, sim, da interpretação dada, pela Requerida, à norma supra, quanto à exigência dali constante para efeitos da referida prova. Sustentando-se, para tanto e fundamentalmente, na jurisprudência do TJUE que convoca.

 

Vejamos então, em conjugação com a exigência de prova constante da norma em questão - prova legal - art.º 29.º, n.º 8 - o que nos aporta com interesse aquela jurisprudência, estando, como estamos, em IVA.

 

Compulsando a referida jurisprudência, vazada designadamente no Acórdão de 8 de Novembro de 2018, proferido no processo C-495/17 (Cartrans Spedition), o TJUE analisou um processo, em que estava em causa aferir a compatibilidade com o Direito Europeu de uma prática fiscal de um Estado Membro nos termos da qual era recusada a isenção de IVA (cfr. Artigo 146.º, n.º 1, alínea e) da DIVA, e v. art.º 14.º, n.º 1, al. p) do nosso CIVA), respetivamente, para as prestações de transporte diretamente ligadas a exportações de bens e para as prestações de serviços efetuadas por intermediários nessas prestações, caso o devedor (intermediário em matéria de transportes rodoviários, no caso) não conseguisse provar a realização da exportação de bens em causa através do meio específico e exclusivo que consistia numa declaração aduaneira de exportação.

Expõe o Alto Tribunal que, tendo o órgão jurisidicional de reenvio confirmado verificar-se o necessário nexo directo entre a prestação de serviços de transporte e a operação de exportação, há então que saber se é permitido recusar o benefício das isenções em causa com o fundamento de que o transportador ou intermediário não provou, através do meio específico e exclusivo de uma declaração aduaneira de exportação, que as mercadorias em causa foram efectivamente exportadas para fora da União.

E seguindo de perto a posição que já havia sido assumida no Acórdão de 9 de Fevereiro de 2017, proferido no processo C-21/16 (Euro Tyre), reafirma o Tribunal que, face ao princípio da neutralidade que enforma a Directiva IVA, só existem dois casos em que o incumprimento de um requisito formal pode implicar a perda do direito à isenção de imposto: (i) quando o  sujeito passivo tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA; e (ii) se a violação do requisito formal tiver por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo de que depende a isenção (§.41.º e 42.º).

Expõe, depois, que efetivamente a operação de transporte só é isenta por ser acessória de uma operação de exportação de bens que completa e para cuja realização contribui, pelo que para que a operação de transporte possa ser isenta de IVA é em princípio necessário que os bens em causa tenham sido efectivamente objecto de exportação – a veracidade da entrega de bens para fora da UE deve ser comprovada e é um requisito que respeita às condições de fundo para que a isenção em questão (do Artigo 146.º, n.º 1, al. e) da DIVA) seja concedida.

Contudo, considerou o TJUE (§ 49.º e 50.º) que a referida isenção não pode estar sujeita “à condição imperativa de que o transportador ou o intermediário em causa apresente, para demonstrar a realidade da exportação, uma declaração de exportação, excluindo, desse modo, qualquer outro meio de prova que permitisse formar a convicção exigida por parte da autoridade fiscal competente”.

Com efeito, prossegue, “impor tal modalidade probatória exclusiva de qualquer outra equivaleria a fazer depender o direito à isenção do cumprimento de obrigações formais (...) sem examinar a questão de saber se os requisitos de fundo impostos pelo direito da União foram ou não efetivamente satisfeitos. A simples circunstância de um transportador ou um intermediário envolvido numa operação de transporte não poder apresentar uma declaração de exportação não implica que essa exportação não tenha efetivamente tido lugar.” (§ 50.º) E prossegue: “A este respeito, a obrigação de proceder à entrega de tal declaração de exportação é, como resulta, nomeadamente, dos artigos 59.º, 161.º e 182.º-A do Código Aduaneiro, do regime aduaneiro especificamente aplicável à operação de exportação propriamente dita e não à prestação de transporte ao abrigo de uma caderneta TIR, que é um regime de trânsito. Tal obrigação não incumbe, em princípio, ao transportador ou ao intermediário (...) que, por sua parte, assumem a responsabilidade pelo transporte dos bens através da fronteira externa da União e pelo encaminhamento dos mesmos para o destino nos países terceiros e que, por conseguinte, não são necessariamente detentores da referida declaração.” (§ 51.º)

Neste sentido, o raciocínio a seguir é, para comprovar se estão cumpridos os requisitos materiais a que está sujeita a isenção prevista no Artigo 146.º, n.º 1, alínea e) (DIVA), segundo o Tribunal (§ 52.º), “analisar o conjunto de elementos de que dispõem para determinar se deles se pode inferir, com um grau de probabilidade suficientemente elevado, que os bens transportados com destino a um país terceiro aí foram entregues”, sendo certo que não se pode inferir que tal não sucedeu “pelo simples facto de o transportador ou intermediário não apresentou uma declaração de exportação dos referidos bens”.

Assim sendo, segundo o TJUE, aquilo que se requer é que fique provado de forma incontestável o cumprimento dos requisitos de fundo (de aplicação da isenção). “(...) a violação de um requisito formal pode levar a uma recusa de isenção de IVA se essa violação tiver por efeito impedir a produção de prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo.” (Ac. Euro Tyre, Proc. C-21/16) (§ 42); “(...) as obrigações que incumbem a um sujeito passivo em matéria de prova devem ser determinadas em função dos requisitos fixados expressamente a esse respeito pelo direito nacional e da prática habitual estabelecida para transações semelhantes.” (Ac. Traum, Proc. C-492/13 e jurisprudência aí referida). / No caso em apreço, (...) a exigência de apresentação de uma declaração aduaneira de exportação não resulta da letra do normativo nacional em causa no processo principal, que prevê, a este respeito, apenas a apresentação de documentos não especificados que permitam provar que as mercadorias foram exportadas.”  (§ 57.º e 58.º)

Por outro lado, o TJUE insurge-se contra uma interpretação que limite a produção de prova a determinada formalidade documental, como aconteceu no caso do Acórdão que vimos seguindo (Cartrans Spedition) onde, como vimos, está em causa prática fiscal da autoridade fiscal romena que apenas aceitava como prova para efeitos da isenção ali em questão um meio específico e exclusivo que consistia numa declaração aduaneira de exportação. E em que - após, entre o mais também supra, referir (§ 35.) a sua jurisprudência constante no sentido de que as isenções de IVA devem ser interpretadas de forma estrita, pois constituem excepções ao princípio geral segundo o qual este imposto é cobrado por cada entrega de bens e por cada prestação de serviços efectuada a título oneroso -, se concluiu, no contexto em que aí se colocava a questão e devidamente ponderadas também as normas da Convenção TIR, que “uma caderneta TIR visada pelas autoridades aduaneiras do país terceiro de destino dos bens apresentada pelo devedor constitui um elemento que as referidas autoridades devem, em princípio, ter na devida conta (...).”

 

Ora, no caso dos autos, não se pode dizer que a situação seja próxima daquela. Com efeito (além de que não estamos a tratar da isenção na prestação de serviços de transporte – cfr. Artigo 146.º, n.º 1, al. e), mas sim da isenção na exportação cfr. al. a) daquele mesmo n.º 1 do Artigo 146.º - o que sempre requer as necessárias adaptações; nem deixando de se notar o que quanto a esta última o Tribunal expressamente refere no § 51., v. supra) e desde logo, como resulta do probatório, estão em causa apenas expedições em que os bens foram enviados via CTT, mais em que a Requerente exibiu tão só a documentação mais atrás percorrida, e tendo a Requerida aceite como provadas as exportações no caso dos envios efectuados pela Requerente via DHL - porque acompanhados, estes últimos, dos adequados Despachos de Exportação (cfr. RIT, al. j) factos provados)

 

Vejamos ainda.

 

Na Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Nov.), no seu Título IX - «Isenções», lê-se no artigo 131.o que: “As isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicam‑se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»

 

Por sua vez no artigo 279.º, assim: "As formalidades relativas à exportação dos bens referidos no artigo 278.º para fora do território da Comunidade são as mesmas que as previstas nas disposições aduaneiras comunitárias em vigor respeitantes à exportação de bens para fora do território aduaneiro da Comunidade."

 

E na interpretação/fixação de disposições de aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), com relevo para os autos, vejamos.

 

Estabelece o art.º 793.º do Regulamento (CEE) N.º 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, na versão aplicável, que fixa determinadas Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC) que, no âmbito do procedimento normal, o exemplar 3 do Documento Administrativo Único ou o documento de acompanhamento referido no n.º 2 do art.º 792.º, bem como as mercadorias às quais foi concedida autorização de saída para exportação, são apresentados conjuntamente à estância aduaneira de saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade.

 

Nos termos do n.º 2 (v. primeiro parágrafo) do mesmo artigo, a estância aduaneira de saída é a última estância aduaneira antes da saída das mercadorias do território aduaneiro da União.

 

Não obstante (v. segundo parágrafo do mesmo n.º 2), em situações determinadas a estância aduaneira de saída será uma das seguintes (sublinhados nossos):

"(…) b) A estância aduaneira competente no local onde as mercadorias são tomadas a cargo,

ao abrigo de um contrato de transporte único para o transporte para fora do território aduaneiro da Comunidade, pelas empresas de caminhos de ferro, as autoridades postais ou as companhias aéreas ou marítimas, desde que se respeitem as seguintes condições:

i) As mercadorias saiam do território aduaneiro da Comunidade por via ferroviária, postal, aérea ou marítima;

ii) O declarante ou o seu representante solicitem que as formalidades referidas no n.º 2 do artigo 793.º-A ou no artigo 796.º-E sejam cumpridas nessa estância."

 

Nos termos, depois, do art.º 793.º-A, estão ainda previstos mecanismos na legislação aduaneira, em que a estância aduaneira de saída realiza os apropriados controlos, antes da saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade, principalmente para assegurar que as mercadorias apresentadas correspondem às declaradas.

Por sua vez, nos termos do art.º 796.º-E, a estância aduaneira de exportação certifica a saída se (...) considerar que as provas apresentadas em conformidade com o n.º 4 do art.º 796.º-DA são suficientes. Elencando este último dispositivo meios possíveis de prova de que as mercadorias saíram do território aduaneiro da Comunidade e, entre eles, “documento certificado pelas autoridades aduaneiras de um Estado-membro (...)”.

 

Pois bem.

Resulta, assim, que, em exportações efetuadas por via postal, como sucede através dos CTT, a esta autoridade postal compete a confirmação/certificação da saída das mercadorias do território da União. A autoridade postal é considerada a estância aduaneira de saída (cfr. dispositivos vindos de ver).

 

Ora, o próprio site dos CTT disponibiliza a informação quanto aos documentos alfandegários aplicáveis às exportações e quanto ao modo (simples, sempre se diga) de os solicitar e obter (o pedido de emissão de Despacho de Exportação é sinalizado pelo Cliente mediante simples colocação de um rótulo sobre o rótulo de envio ou guia de transporte) – cfr. em www.ctt.pt, na pesquisa por “envios internacionais”[2]. Aí expressamente se informa/identifica o documento que certifica ou atesta a exportação, daí constando (após informação quanto aos documentos que o cliente deverá entregar aos CTT - aí sim, entre outros, a Declaração CN22), entre o mais (incluindo a forma como o mesmo será facultado aos clientes dos CTT), a seguinte informação: “Despacho Administrativo de Exportação (DAE) O Despacho de Exportação não é aplicável a documentos, apenas a mercadorias. Este documento atesta a exportação/autorização de saída das mercadorias e é obrigatório nas exportações de envio com conteúdo de valor igual ou superior a 1.000€ e para as exportações efetuadas ao abrigo da isenção do IVA, prevista no artigo 14 do código do IVA. (...).”

 

Teria, pois, sido bastante à Requerente, para efeitos da prova pretendida fazer, observar junto dos CTT o cumprimento das formalidades certificativas de saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade (solicitando-o “nessa estância” - v. art.º 793.º, n.º 2, segundo parágrafo - supra).

 

No caso em apreço, a Requerente também não recorreu a esta via, que era do seu pleno conhecimento, reconhecendo, aliás, no ponto 55 do Pedido, que “Em Regra, a DHL presta informação mais detalhada das encomendas aos intervenientes (empresa e consumidores), v.g., prova de entrega electrónica”.    

 

Acresce que, na tese da Requerente, são admissíveis quaisquer meios de prova, mas não indica qual o meio de prova adequado a atestar a materialidade da operação e saída dos bens do território Comunitário, uma vez que apenas juntou aos autos, desde logo, alguns prints com informação por ela própria elaborados - documentação particular, que não permite sequer aquilatar da sua genuinidade ou autoria/fonte; e, bem assim, algumas notas de encomenda e faturas, alguns talões de correio registado, e algumas fotocópias de Declarações CN22 por si preenchidas (e contendo em branco a “Data e assinatura do expedidor”), tudo documentação que, como já também supra vimos (v. fundamentação da matéria de facto, in fine), não é de molde a demonstrar a efectiva saída das encomendas para país ou território terceiro.

 

Senão vejamos, com ainda maior detalhe:

Quanto aos “prints” da plataforma da Requerente, e das plataformas de pagamentos àquela associadas, a informação que contêm é reportada apenas até ao momento de a encomenda seguir para o posto dos CTT; sempre sendo de notar que a expressão aí contida com referência à encomenda – “Finalizada” – significa, como explicado em declarações de Parte, e como também se extrai do PPA (v. em especial 8.º a 12.º do PPA), que a encomenda se encontrava paga, e, assim, em condições de ser expedida;

As Informações (em “prints”) de rastreio de encomendas alegadamente copiadas/extraídas pela Requerente de plataformas track and trace desde logo não permitem aferir da respetiva genuinidade de autoria e fonte, e o que pretendem reproduzir não é aquilatável pelo Tribunal;

Os  Talões de correio registado CTT, sem moradas de destinatário ou, alguns, contendo alguns elementos, insuficientes, no espaço destinado à morada: contêm um código no canto superior direito, o qual é utilizado pela Requerente como tracking code para as encomendas que entrega nos CTT; como também exposto em declarações de Parte (e como também se confirma seja pela respetiva análise, seja pelo depoimento da testemunha E..., que referiu que quando de correio registado se trate há necessariamente que constar dos talões a morada completa dos destinatários), eram utilizados pela Requerente exclusivamente com o fim de deles extrair o código constante do canto superior direito em cada um – que era atribuído a uma encomenda, o que se fazia encomenda a encomenda, e que a Requerente designa de tracking code, código de envio, código de barras ou código de rastreio;

Quanto aos ditos tracking codes, a sua existência não prova a expedição para fora da União Europeia: como também explicado em declarações de Parte, qualquer das encomendas que a Requerente expedia – fosse para dentro de Portugal, fosse para país da UE, fosse para país terceiro – continha um tracking code;

As faturas relativas a encomendas não provam que a encomenda tenha sido efetivamente expedida para fora do território da UE, desde logo porque as mesmas são emitidas, e o seu pagamento é efetuado, em momento anterior ao do envio/expedição da encomenda (cfr. al.s c) e d), factos provados), sendo que é com o pagamento que a encomenda se considera concluída/finalizada e, só então, é tratada pela Requerente para ser entregue no posto dos CTT (em ..., tudo como constante do PPA e também exposto em declarações de Parte);

Outras faturas juntas provam pagamentos devidos pela Requerente, não provam qualquer concreta/efectiva expedição de encomendas para fora da UE;

Relativamente aos contratos da Requerente com prestadores de serviços, seja com os CTT, seja com prestadores de serviços de desenvolvimento de software, gestão de pagamentos ou outros, limitam-se a demonstrar a contratação de serviços pela Requerente, não já a concreta e efetiva expedição das mercadorias para fora da UE.

Quanto ao Formulário “Declaração para Alfândega” CN22: contém informação sobre a natureza da transação e o conteúdo das encomendas, e é preenchido pela Requerente para entrega com as encomendas no posto dos CTT (desde Janeiro de 2021 é preenchido on-line), sendo que, além de anterior, ou, quando muito, coevo da entrega no posto dos CTT, nenhum dos que foram juntos se encontra datado nem assinado/certificado pelos CTT;

Recorde-se também que, como alega a Requerida, entre o mais, os formulários CN22 juntos inclusivamente não referem um elemento que se afigura crucial para o controlo do imposto e a prevenção da fraude e evasão fiscal, designadamente, o número da fatura, para além de inexistir em tais formulários a identificação e número de identificação fiscal do exportador, pelo que a referenciação a que alude a Requerente não assenta sequer no número da fatura, mas antes no número da encomenda, sendo as notas de encomenda documentos meramente internos, não aptos, em qualquer caso, a assegurar a prevenção da fraude e evasão fiscal ao IVA.

 

Em suma, a documentação junta, desde logo documentos organizados pela própria Requerente, consistentes em meros prints de alegadas cópias de páginas de sites, não é passível de valoração como prova pelo Tribunal, seja pela forma, porque não é oficial e nem permite aferir a genuinidade da autoria/fonte, seja pelo conteúdo, porque aquilo que pretende reproduzir não é aquilatável pelo Tribunal. Tal documentação não basta para fazer prova de que os bens tenham sido efectivamente expedidos para país ou território terceiro. Além do mais, de outro modo estaria facilitada a evasão, o abuso e a fraude ao IVA.

 

Donde se conclui que a Requerente não realizou prova, por qualquer meio, dos pressupostos do direito à isenção preconizada, capaz do convencimento do julgador.

 

Isto posto, ainda que se admitisse que a melhor interpretação do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 14.º, e nos n.ºs 8 e 9 do art.º 29.º do CIVA deveria ser no sentido da admissibilidade de outros meios de prova documental, tais meios não poderiam deixar de assentar em prova idónea - documentação oficial -, capaz de alicerçar a fundada convicção do juíz (e v. também art.º 362.º do CC).

 

Aqui chegados, note-se como também se faz referência no RIT (v. al. l) factos provados) a que os argumentos trazidos pelo SP em Direito de Audição “sem menção de qualquer demonstração técnica, e sem documentação comprovativa, não trazem ao processo qualquer facto, prova ou parecer técnico novo, devendo-se manter as correções”.

 

Numa situação em que o impugnante não realizou prova, por nenhuma via, da verificação dos pressupostos da isenção de que pretendia beneficiar (no caso, aliás, a da al. s) do n.º 1 do art.º 14.º, que sequer vem referida pelo legislador na exigência de comprovação por documento alfandegário apropriado do n.º 8 do art.º 29.º), v. o Acórdão do STA de 18.11.2020, prolatado no proc.º n.º 02571/08.4BEPRT, no qual se concluiu que “(...) Ora, não é verdade que o fundamento da correcção tributária impugnada, vertido no Relatório de Inspecção Tributária, assente na falta de documento alfandegário apropriado (embora também alegue a sua inexistência) ou na violação do n.º 8 do artigo 2[9].º do CIVA (embora também alegue que a mesma se verifica), o fundamento da correcção é mais vasto e radica, como resulta do excerto que transcrevemos, da falta de prova de que os bens tenham efectivamente saído do território nacional, o que, na falta do referido documento, seria um ónus que o sujeito passivo que pretendia beneficiar daquela isenção teria de cumprir, uma vez que se trata de uma operação, em princípio, sujeita a tributação ex vi do artigo 6.º n.º 17 do CIVA. Em outras palavras, o que resulta do RIT é que o sujeito passivo não fez prova dos pressupostos da isenção e, independentemente do modo como essa prova teria de produzir-se (...) o que se alega no RIT e não vem contestado em nenhum outro sítio pelo Impugnante, é que ela (a prova da saída dos bens) não foi efectuada por nenhum meio. Assim, (...) não poderia a sentença ter concluído pela verificação da ilegalidade do acto de liquidação adicional, uma vez que o Impugnante não realizou prova, por nenhuma via, da verificação dos pressupostos da isenção de que pretendia beneficiar.”

 

Termos em que se tem de concluir que, em qualquer caso, a Requerente não cumpriu o ónus de prova que sobre si impendia quanto a demonstrar, nas palavras de TJUE, de forma incontestável o cumprimento dos requisitos de fundo de aplicação da isenção. (Ónus de prova esse que, insista-se, como se viu, era fácil de cumprir). Era devida a liquidação de IVA – cfr. disposições conjugadas dos n.ºs 8 e 9 do art.º 29.º, como nas liquidações em crise.

 

 

§2.º Quanto à violação de princípios constitucionais como o da segurança jurídica e da proteção da confiança e os princípios da igualdade e da proporcionalidade

 

Também não se pode dizer que estamos perante meios de prova desproporcionados, desde logo na interpretação do TJUE.

Contrariamente ao que fez no caso da expedição das mercadorias via DHL, com referência aos envios em questão nos autos a Requerente não juntou qualquer documento oficial certificado pela entidade que procede ao envio – no caso, os CTT, e seria muito fácil. Com efeito, o cumprimento das formalidades certificativas da saída das mercadorias para fora do território da UE é acessível, como informado nos locais próprios pelos CTT, incluindo, como vimos, no respetivo site – em www.ctt.pt, pesquisa “envios internacionais”. Como supra. Não se verificando, no caso, qualquer especial dificuldade, exigência desproporcionada ou impossibilidade de prova. O que, aliás, a Requerente cumpriu, repete-se, no caso das encomendas que enviou através da DHL (não tendo, em conformidade, as respetivas operações sido alvo de correções pela Requerida).

Não se vê também, nem a Requerente consubstancia, a violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança ou mesmo da igualdade, uma vez que as regras estabelecidas são de aplicação a todas as situações. Por outro lado, todos estes princípios invocados pela Requerente têm de ser ponderados tendo em vista a defesa de outros princípios fundamentais da nossa ordem jurídica, que têm o mesmo valor, como seja possibilitar às autoridades competentes os meios de prevenção e combate à evasão e fraude fiscal.

Ao se interpretar como se interpretou o art.º 14.º, n.º 1, al. a) na sua conjugação com os n.ºs 8 e 9 do art.º 29.º, todos do CIVA, não resultam, assim, e por tudo o que se viu, violados quaisquer dos dispositivos da CRP convocados pela Requerente.

 

 

§3.º Quanto aos princípios enformadores do Sistema Comum do IVA

 

Alega a Requerente que estaria também a ser violado o princípio da neutralidade fiscal “por promover discriminações arbitrárias e não justificadas entre operações idênticas e operadores económicos - nacionais e internacionais - que estão em concorrência entre si, provocando intoleráveis perturbações no funcionamento do mercado interno”, “assim como os princípios da tributação do consumo no destino, da proporcionalidade e da segurança e da proteção da confiança.”

 

Quanto desde logo ao princípio da neutralidade, deve dizer-se que é precisamente pela correcta aplicação da isenção que se assegura a não violação do mesmo. Pois que a ser concedida a isenção sem prova da exportação, nos termos legalmente previstos e devidamente interpretados, como na presente se fez, sim, estariam a ser possibilitadas distorções ao mesmo princípio, e, bem assim, as discriminações que a Requerente convoca. Como nos parece de elementar apreensão. E, do mesmo passo, se estaria a perigar o princípio da tributação no destino.

Não se demonstrando verificados os requisitos materiais de que depende a aplicação da isenção, o princípio da neutralidade exige, precisamente, a mesma não se aplique.

Quanto, por sua vez, aos princípios da proporcionalidade, da segurança e da proteção da confiança, que a Requerente convoca, mais uma vez, sem consubstanciação, não se alcança também de que forma estariam a ser violados. Seja por tudo o que já ficou referido no ponto imediatamente anterior, para aí se remetendo. Seja porque não deixou de se aferir da verificação dos requisitos de fundo (a que se respondeu negativamente), as normas aplicáveis - art.º 29.º, n.ºs 8 e 9 do CIVA - sendo claras e a sua aplicação previsível, e o cumprimento da devida certificação junto dos CTT simples, tudo como supra.

 

 

III-1.2. Quanto ao pedido subsidiário

A título subsidiário a Requerente alega que a Requerida incorre em falta de fundamentação quanto à aplicação da taxa de 23%, nem indaga se os produtos expedidos para países terceiros são enquadráveis nas verbas das taxas reduzida ou intermédia contidas nas listas I e II anexas ao CIVA vg. 2.5 da Lista I (produtos farmacêuticos e similares), não dando assim cabal cumprimento ao ónus que lhe competia de provar os factos constitutivos das correções promovidas e do direito às liquidações adicionais, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

Relativamente a esta questão alegou a Requerida: 

“Relativamente a esta verba, sabe-se que:

- Engloba “Produtos farmacêuticos e similares e respectivas substâncias activas a seguir indicados: a) Medicamentos, especialidades farmacêuticas e outros produtos farmacêuticos destinados exclusivamente a fins terapêuticos e profilácticos;

 b) Preservativos;

c) Pastas, gazes, algodão hidrófilo, tiras e pensos adesivos e outros suportes análogos, mesmo impregnados ou revestidos de quaisquer substâncias, para usos higiénicos, medicinais ou cirúrgicos;

d) Plantas, raízes e tubérculos medicinais no estado natural;

e) Medidores e tiras de glicemia, de glicosúria e acetonúria, outros dispositivos para medição análogos, agulhas, seringas e canetas para administração de insulina, utilizados na prevenção e tratamento da Diabetes mellitus. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)

f) Produtos de higiene menstrual. (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho)

Compreendem-se nesta verba os resguardos e fraldas (cfr. verba 2.5 da Lista I anexa ao Código do IVA).”

Esta verba inclui “(…) produtos classificados pelo INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, como "substâncias ativas" [sendo] entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que tais produtos, independentemente do seu uso ou fim, têm enquadramento na alínea a) da verba 2.5 da lista I anexa ao CIVA” (cfr. Informação Vinculativa n.º 13254, com despacho de 2018-03-07, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação).”

Mais se refere que “(…) tem sido entendimento da Área da Gestão Tributária - IVA que têm enquadramento na alínea a) da verba 2.5 da Lista I anexa ao Código do IVA, não somente os medicamentos ou especialidades farmacêuticas, como também os "dispositivos médicos" que, pela sua natureza ou caraterísticas, se destinem a integrar ou substituir o tratamento farmacológico de uma patologia, desde que disponham do certificado internacional de autorização de introdução no mercado (CE) e se encontrem como tal classificados pelo INFARMED” (cfr. Informação Vinculativa n.º 18291, com despacho de 28-12-2020, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação).

Tem sido também entendido que, “(…) na verba 2.5, alínea a), são apenas incluídos os produtos farmacêuticos destinados exclusivamente a fins terapêuticos ou profiláticos, isto é, utilizados no tratamento de determinada doença ou estado patológico ou que protegem ou previnem o aparecimento de uma doença, o que, no caso a realização dos testes serológicos, face à informação disponibilizada, a sua realização poderá, salvo melhor opinião, ser considerada uma medida de prevenção/profilaxia” (idem).

Por outro lado, e com referência à alínea c) da verba 2.5 da Lista I anexa ao Código do IVA, tem sido entendimento da Área de Gestão Tributária - IVA que se o produto reunir características de produto farmacêutico, quer pela sua composição, quer pela sua utilização na higiene do corpo humano, o mesmo pode qualificar-se como suporte análogo aos mencionados na citada verba 2.5 da lista I anexa ao CIVA. (cfr. Informação Vinculativa n.º nº 17761, com despacho de 2020-07-30, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação).

Neste sentido, “(…) é entendimento da Área de Gestão Tributária - IVA que o produto classificado como "Biocida TP1", com código de segurança de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1907/2006, que cumpra as normas estipuladas no Decreto-lei n.º 140/2017, de 10 de novembro (diploma que revoga o Decreto-lei n.º 121/2002, de 3 de maio), que assegura a execução e garante o cumprimento, na ordem jurídica interna das obrigações decorrentes do Regulamento (UE) n.º 528/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012 (relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas e respetiva regulamentação de execução complementar), desde que devidamente autorizada a sua comercialização pela DGS, beneficia de enquadramento na verba 2.5 da lista I anexa ao CIVA”(idem).”

 

Do exposto extrai-se que não existe falta ou insuficiência de fundamentação porquanto a Requerida descreve com clareza o iter cognitivo e legal no sentido de que os produtos de higiene e cosméticos vendidos pelas farmácias, como os que são indicados pela Requerente são tributados à taxa normal, por falta de enquadramento na verba 2.5 da Lista I ou em qualquer outra.

 

Quanto ao ónus de prova também não assiste razão à Requerente, pois que, segundo as regras do ónus da prova (e v. art.º 74.º, n.º 1 da LGT), para beneficiar da aplicação de taxa reduzida cabia-lhe a si identificar eventuais produtos, nomeadamente quanto às suas características, finalidades e classificações, suscetíveis de tributação à taxa reduzida do IVA, o que não logrou fazer. Ou, sequer, se propôs fazer – como desde logo decorre dos termos em que coloca, no PPA, a questão – simplesmente imputando à Requerida o dever de justificar a aplicação da taxa de 23% e o não enquadramento dos produtos em qualquer das verbas das Listas I e II anexas ao CIVA e assumidamente não carreando aos autos, ela Requerente, quaisquer elementos probatórios a respeito.

 

III-1.3.  Quanto ao pedido de reenvio

 

A jurisprudência do TJUE acima referida, suportada em múltiplos casos, fornece parâmetros suficientemente seguros sobre a interpretação e aplicação que deve ser feita do preceito em causa relativamente às circunstâncias fácticas e normativas do caso concreto. Com efeito, por tudo o quanto vai exposto, temos de concluir que a questão dos autos está suficientemente tratada e que tanto a jurisprudência nacional quanto a do TJUE fornecem indicações seguras no sentido de que a desconformidade com o direito da União resultaria da exigência como meio de prova exclusivo de uma determinada declaração oficiosa certificativa de que os bens transportados com destino a um país terceiro aí foram entregues com desconsideração da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo. O que não é manifestamente o caso. Ficou claro que em qualquer caso a Requerente não apresentou “prova incontestável” de exportação dos bens para países terceiros, capaz de sustentar a convicção do julgador – como na expressão do TJUE a este respeito.

 

III.1. 4. Quanto ao pedido juros indemnizatórios

 

Sendo de julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade dos atos tributários, fica necessariamente prejudicado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios. 

 

 

IV- DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral, com as legais consequências.

 

 

V. VALOR DA CAUSA

Fixa-se o valor do processo em € 58.284,34, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de Dezembro de 2023

 

O Presidente do Tribunal

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro vogal 

(Clotilde Celorico Palma)

Com declaração de voto de vencida

 

O Árbitro Vogal

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

 

 

 

Voto de vencida

 

Como passamos a expôr não nos podemos rever nos fundamentos e conclusões constantes da decisão em apreço.

 

  1. Factos em apreço e questão de direito

Estão em análise no presente processo 5.458 encomendas online expedidas para países terceiros realizadas entre os períodos de tributação 05/2019 e 07/2021, com recurso aos serviços postais CTT, e não acompanhadas do exemplar 3 do Documento Administrativo Único (DAU).

Pretende-se em concreto aferir se podemos ou não concluir pela aplicação da isenção para as exportações prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA. Mais concretamente, indagar se existem provas documentais suficientes para efeitos da comprovação dos requisitos necessário para o efeito – saída dos bens do território nacional e entrada em países terceiros.

Nas aludidas exportações a A... não procedeu à liquidação do IVA, dado considerar reunir códigos de registos internos na plataforma back office, comprovativos de pagamento das encomendas online nos respectivos gateways de pagamento, facturas emitidas pelos softwares de faturação electrónica, talões de aceitação, preenchidos e carimbados pelos CTT, códigos de rastreio e informação extraída do track&trace, e formulários CN22, em suporte físico ou digital, e,relatórios de envio extraídos da plataforma global TRACK17.

Por sua vez, a AT considera no RIT, de forma sintéctica, que a Requerente não exibiu documento comprovativo das transmissões isentas, conforme impõe o n.º 8 do artigo 29.º do CIVA.

 

  1. Direito

No que toca ao enquadramento legal em apreço cremos existir alguma dissonância nos membros do colectivo relativamente à correcta interpretação a conceder quando estamos perante a isenção das exportações e documentação exigida para o efeito.

Como o TJUE concluiu desde logo no Caso Netto Supermarkt, quando não estejam formalmente reunidos os pressupostos de uma isenção de IVA, caso estes se verifiquem materialmente, dever-se-á dar prevalência à substância sobre a forma, sob pena de estarmos a cercear os direitos e as garantias dos contribuintes.

Esta jurisprudência foi sucessivamente reiterada pelo TJUE em situações concreta, como, nomeadamente, nos Casos BDV Hungary Trading, Enteco Baltic, e Catrans Spedition.

Note-se que o TJUE concluiu igualmente que a doutrina e a jurisprudência aduaneiras não poderão ser transpostas para o domínio do IVA, “devido às diferenças ao nível da estrutura, do objecto e da finalidade entre este sistema e o regime comunitário de cobrança dos direitos aduaneiros.”

No Caso Catrans Spedition o TJUE, questionado sobre a imprescindibilidade da declaração aduaneira de exportação à comprovação das operações, salienta que, “....a fim de proceder às verificações a que estão obrigadas para comprovarem se estão cumpridos os requisitos materiais a que está sujeita a isenção”, as autoridades fiscais competentes devem “analisar o conjunto de elementos de que dispõem para determinar se deles se pode inferir, com um grau de probabilidade suficientemente elevado, que os bens transportados com destino a um país terceiro aí foram entregues. Em contrapartida, as mesmas autoridades não podem inferir que isso não aconteceu pelo simples facto de o transportador ou intermediário não apresentou uma declaração de exportação dos referidos bens”, sob pena de se entender que a “prática fiscal em causa no processo principal não cumpre as exigências do princípio da segurança jurídica.”

Seguiu-se recentemente o Caso Unitel, no qual o TJUE relembra que compete aos Estados membros fixar as condições da isenção nas exportações com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções e evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso, respeitados os princípios gerais do direito, designadamente o princípio da proporcionalidade, de acordo como o qual “uma medida nacional vai além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas. Além disso, quando os requisitos materiais forem cumpridos, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida mesmo que certos requisitos formais tenham sido preteridos pelos sujeitos passivos.”

A jurisprudência arbitral maioritária tem aplicado esta jurisprudência do TJUE, nomeadamente a Decisão Arbitral de 13-12-2017 no Processo n.º 88/2017-T, a Decisão Arbitral de 26-09-2019, Processo n.º 621/2018-T, na Decisão de 02-06-2020, n.º 292/2019-T, na Decisão Arbitral de 10- 05-2021, no Processo n.º 265/2020-T, na Decisão Arbitral de 21-02-2022, no Processo n.º 201/2021-T, na Decisão Arbitral de 19-04-2019, no Processo n.º 262/2022-T e a Decisão Arbitral de 05-12-2023, no Processo n.º 219/2023-T, no qual, aliás, a Presidente é a mesma do presente colectivo.

 

  1. Factos provados

Não podemos concordar com os factos dados como provados no presente processo, concentrando-se apenas na reprodução de excertos dos Relatórios da AT e não tendo em consideração nenhum dos aludidos procedimentos adoptados pela Requerente, comprovados documentalmente e por prova testemunhal, aditando-se nos factos dados como não provados “Que se tenha verificado a saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade.”

Começa-se por afirmar (pp. 16 e 17), ao fazer-se uma síntese da documentação junta pela Requerente, que, “Em relação à documentação junta pela Requerente, trata-se de acervo de documentos organizados e/ou produzidos pela própria, e consistentes, no essencial, em talões de correio, formulários CN22 e prints da própria plataforma da Requerente, cópias de algumas faturas e notas de encomendas - tudo reportado até ao momento da entrega nos CTT; bem como em prints contendo informação alegadamente copiada a partir de páginas de sites de “track and trace”, de fonte não oficial, meros documentos particulares, que não permitem aferir da genuinidade da autoria/fonte, e nem o que pretendem reproduzir é aquilatável pelo Tribunal, não permitindo demonstrar a saída dos bens para fora do território aduaneiro da União.” Assim, constam e/ou resulta dos autos:

- “Prints” da própria plataforma informática da Requerente e das plataformas de pagamentos associadas àquela, contendo informação reportada apenas até ao momento de a encomenda seguir para o posto dos CTT, sendo que a expressão “finalizada”, aí contida com referência às encomendas, significa que a encomenda se encontrava paga, e, assim, em condições de ser expedida; (cfr. declarações de Parte, e v. doc. 19, junto pela Requerente)

- Informações de rastreio de encomendas alegadamente copiadas/extraídas pela Requerente de plataformas track and trace e inseridas em documentos produzidos (páginas word) pela própria; (cfr. declarações de Parte, e v. doc. 20, junto pela Requerente)

- Talões de correio registado CTT, sem moradas de destinatário ou, alguns, contendo alguns elementos, insuficientes, no espaço destinado à morada, e contendo um código no canto superior direito, o qual é utilizado pela Requerente como tracking code para as encomendas que entrega nos CTT, sendo que qualquer das encomendas que a Requerente expedia – fosse para Portugal, fosse para país da UE, fosse para país terceiro – continha um tracking code (o qual só após Fevereiro de 2021 passou a ser gerado pelo aplicativo dos CTT);  (cfr. doc. 22 e ss juntos pela Requerente, declarações de Parte e depoimento da testemunha E...);  

- Notas de encomenda, e facturas, de encomendas efectuadas à Requerente (cfr. doc.s 19, 22 e ss. juntos pela Requerente), sendo que o respectivo pagamento é efetuado em momento anterior ao do envio/da expedição das encomendas (cfr. declarações de Parte e depoimento da testemunha D...);

- Outras facturas, referentes a pagamentos devidos pela Requerente (cfr. doc. n.º 4 junto pela Requerente) e cópias de contratos entre a Requerente e prestadores de serviços, seja os CTT, seja prestadores de serviços de desenvolvimento de software, de gestão de pagamentos ou outros; (cfr. doc.s 6 e ss juntos pela Requerente)

- Formulários “Declaração para Alfândega” CN22, nos quais se contém informação sobre a natureza da transacção e o conteúdo das encomendas - quantidade e descrição dos produtos, código harmonizado, valor da encomenda e escalão de peso - e que são preenchidos pela Requerente para posterior entrega com as encomendas no posto dos CTT (e que desde Janeiro de 2021 são de preenchimento on-line), não datados nem assinados/certificados pelos CTT; (cfr. doc. 17 e ss juntos pela Requerente e PA, articulado de Direito de Audição – PA e doc. 32, junto pela Requerente e declarações de Parte)”.[3]

Para seguidamente se afirmar que, “Não é questionável que os bens em causa foram expedidos por via postal através dos CTT, e que a Requerente realiza vendas para Portugal e para outros países, dentro e fora da UE.” (p. 17).

E mais adiante se vir afirmar que, “Ora, o próprio site dos CTT disponibiliza a informação quanto aos documentos alfandegários aplicáveis às exportações e quanto ao modo (simples, sempre se diga) de os solicitar e obter (o pedido de emissão de Despacho de Exportação é sinalizado pelo Cliente mediante simples colocação de um rótulo sobre o rótulo de envio ou guia de transporte) – cfr. em www.ctt.pt, na pesquisa por “envios internacionais”. Aí expressamente se informa/identifica o documento que certifica ou atesta a exportação, daí constando (após informação quanto aos documentos que o cliente deverá entregar aos CTT - aí sim, entre outros, a Declaração CN22), entre o mais (incluindo a forma como o mesmo será facultado aos clientes dos CTT), a seguinte informação: “Despacho Administrativo de Exportação (DAE) O Despacho de Exportação não é aplicável a documentos, apenas a mercadorias. Este documento atesta a exportação/autorização de saída das mercadorias e é obrigatório nas exportações de envio com conteúdo de valor igual ou superior a 1.000€ e para as exportações efetuadas ao abrigo da isenção do IVA, prevista no artigo 14 do código do IVA. (...).” (

Teria, pois, sido bastante à Requerente, para efeitos da prova pretendida fazer, observar junto dos CTT o cumprimento das formalidades certificativas de saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade.

(...)

Acresce que, na tese da Requerente, são admissíveis quaisquer meios de prova, mas não indica qual o meio de prova adequado a atestar a materialidade da operação e saída dos bens do território comunitário, uma vez que apenas juntou aos autos, desde logo, alguns prints com informação por ela própria elaborados - documentação particular, que não permite sequer aquilatar da sua genuinidade ou autoria/fonte; e, bem assim, algumas notas de encomenda e faturas, alguns talões de correio registado, e algumas fotocópias de Declarações CN22 por ela preenchidas (e contendo em branco a “Data e assinatura do expedidor”), tudo documentação que, como já também supra vimos (v. fundamentação da matéria de facto, in fine), não é de molde a demonstrar a efectiva saída das encomendas para país ou território terceiro.

(...)

Isto posto, ainda que se admitisse que a melhor interpretação do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 14.º, e nos n.ºs 8 e 9 do art.º 29.º do CIVA, deveria ser no sentido da admissibilidade de outros meios de prova documental, tais meios não poderiam deixar de assentar em prova idónea - documentação oficial -, capaz de alicerçar a fundada convicção do juíz (e v. também art.º 362.º do CC).[4]

Desde logo, as conclusões estribam-se em factos que nem sequer são dados como provados, tendo-se procedido a uma análise parcial da documentação anexa ao RIT e desconsiderado os procedimentos, documentação e prova testemunhal e por declarações de parte produzidos, com fundamento essencialmente na inexistência de “documentação oficial”.

Ora, como é sabido, faz parte do direito constitucional processual o denominado direito à prova, isto é, o direito a que sejam realizadas e relevadas no processo as provas que garantam a efectividade dos direitos merecedores de tutela, entendendo-se que este direito está implícito no princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, que inclui no seu n.º 4 o direito a um processo justo e equitativo.

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil) e no processo judicial tributário de impugnação, em particular, são admitidos os meios gerais de prova (n.º 1 do artigo 115.º, do CPPT ), o mesmo se verificando com o processo de oposição à execução fiscal (cfr. n.º 2 do artigo 211.º do CPPT).

Como se enfatiza, “Portanto, considerando que no processo judicial tributário são admitidos os meios gerais de prova, então, no âmbito do mesmo será admissível a prova documental (art. 362.º e ss. do CC),  a prova pericial (art. 388.º e ss. do CC), a prova por inspecção (art. 390.º e ss. do CC) que se encontra regulada no art. 116.º do CPPT, a prova testemunhal (art. 392.º e ss do CC), que encontra regulação nos arts. 118.º e 119.º do CPPT, e confissão (art. 352.º e ss do CC). De igual modo, entendemos que nada obsta, no processo judicial tributário, a admissibilidade da prova por declarações de parte (art. 466.º do CPC) e prova por verificações judiciais não qualificadas (art. 494.º do CPC) que foram introduzidas na última reforma do Processo Civil, pela Lei 41/2013, de 26 de Junho. Podem ainda ser usadas, em matéria de prova em geral, e no processo tributário em particular, as presunções (art. 349.º do CC).[5]

Ora, como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de Julho de 2017, exarado no Processo 1860/15.6T8FAR.E1:

II - Os meios de prova relevantes para a fixação da matéria de facto são aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa, a aferir na conformação do quadro do litígio por via da causa de pedir invocada e das excepções deduzidas.
III - Movendo-se a parte requerente neste âmbito, a produção dos meios de prova não só pode, como deve, incidir não apenas sobre os factos essenciais que, directa e nuclearmente se reportem ao objecto do processo, entendido este tanto na perspectiva da acção como na da defesa, mas também sobre outros que, embora mediata ou indirectamente relacionados, são necessários ou instrumentais para a prova daqueles primeiros e para o apuramento da verdade material.”

Como escreve Jorge Lopes de Sousa, “…não valem no processo de impugnação judicial limitações de prova que não resultem de proibições gerais de meios de prova, designadamente, não poderão considerar-se obstáculo à averiguação da verdade material limitações probatórias estabelecidas pelos próprios articulares ou pela lei para vigorarem no âmbito das suas relações contratuais.[6]

Como é sabido “... a epígrafe do artigo 99.º da Lei Geral Tributária anuncia a adoção em processo tributário do «Princípio do inquisitório»

(...)

O n.º 1 do artigo 99.º citado diz-nos então qual é o objetivo prosseguido com o princípio do inquisitório: o conhecimento da verdade. Daqui deriva, desde logo, que o propósito fundamental do processo judicial tributário não é o de resolver um litígio entre os contribuintes e a administração tributária e de alcançar, por esta via, a pacificação social e a consolidação das relações jurídico-tributárias (ainda que seja um resultado alcançado com a decisão) mas o de chegar à verdade dos factos relevantes para a decisão e de neles apoiar a solução jurídica para o litígio.”[7]

Cumpre neste contexto em especial salientar que a AT nunca se socorreu nos seus fundamentos do facto de não estar em causa documentação oficial, nem invocou qualquer situação de falsidade, nem, tão-pouco, a existência de fraude ou evasão fiscal.

Como reconhece no RIT:

 

Tal como a própria AT reconhece, “No caso vertente, a Requerente apresentou as faturas das operações, os certificados de origem da mercadoria e os certificados sanitários de exportação de Portugal para os países de destino, bem como as declarações de expedição internacional, que identificam o meio de transporte utilizado e os documentos de acompanhamento de exportação. Em dois casos, os documentos de exportação contêm o carimbo da Alfândega. Não está, no entanto, feita a prova da certificação de saída, seja através do modelo que constava do anexo 3 ao Ofício Circulado n.º 15327/2015, seja através do documento administrativo único;

Desde logo está em causa a utilização de sistemas certificados pela própria AT.

Por outro lado, como se determina no artigo 374.º, n.º1, do Código Civil, “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.”, sendo que, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 376.º do mesmo Código, “ O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.

Tal como refere António Lima Guerreiro em anotação ao artigo 72.º da LGT, "O órgão instrutor tem a liberdade de escolha das diligências de prova apropriadas à descoberta da verdade material (...) É, no entanto, ao órgão instrutor que compete, em última instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material, não estando vinculada à iniciativa dos interessados. Pode, assim, rejeitar as diligências probatórias por estes solicitadas, no caso de, fundamentadamente, entender elas serem desprovidas de interesse para a resolução do procedimento, sem prejuízo da possibilidade de reclamação ou impugnação da decisão final do procedimento pelos lesados, por motivo de violação do princípio do inquisitório."[8]

Tal entendimento é igualmente corroborado por Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 50.º do CPPT: "É ao órgão instrutor que cabe escolher quais os meios de prova a utilizar para prova dos factos cujo conhecimento releve para a decisão, podendo determinar aos Interessados a prestação de informações, a apresentação de documentos ou coisas, a sujeição a inspecções e a colaboração noutros meios de prova (art. 89.º, n.º 1 do CPA). Porém, os interessados podem juntar documentos e pareceres e requerer a realização de diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão (art. 88.º, n.º 2 do CPA). No entanto, o órgão instrutor poderá não realizar as diligências requeridas se as considerar desnecessárias para apuramento dos factos que interessam para a decisão."[9]

Como é sabido, um sistema informático certificado pode ser aceite como prova em tribunal, desde que cumpra os requisitos legais e seja reconhecido como válido pela autoridade competente. A certificação garante a integridade e autenticidade dos dados armazenados no sistema, além de atestar sua conformidade com normas e padrões específicos.

Ora, para além da prova documental junta, a prova testemunhal e a declaração de parte neste caso são bastante relevantes, afigurando-se-nos que as testemunhas prestaram o seu depoimento com o conhecimento pessoal, a isenção e o rigor necessários.

O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito (artigo 72.º da LGT) e, no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

Entre «todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos» inclui-se a prova testemunhal, que é um meio de prova admitido em direito, pois não existe qualquer norma que directa ou indirectamente afaste a sua utilização (artigo 392.º do Código Civil).

Ora, tal como se conclui na decisão relativa ao Processo n.º 611/2020 T, de 17-08-21, na qual participámos, no nosso sistema de administração executiva, é à AT e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, através da prática dos actos necessários, tendo os tribunais apenas competências de controlo da legalidade dos actos que a AT praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT (artigos 2.º do RJAT e 124.º do CPPT).

Ao inspector tributário cabe realizar a investigação dos factos relevantes e elaborar o relatório, carreando para o processo de inspecção os elementos de prova relevantes, actividade desenvolvida com o objectivo de prosseguir os interesses públicos de que a AT está incumbida de cobrança de tributos.

Os tribunais num contencioso de anulação como é o contencioso tributário (artigo 124.º do CPPT) têm de apurar se o acto que foi praticado, tal como foi, é legal ou ilegal e não apurar se haveria algum acto legal, alternativo ao que foi praticado, que possa assegurar a arrecadação de receitas fiscais. Assim, incumbe aos árbitros decidir o litígio com independência e imparcialidade inerente à função jurisdicional, com base no que consta do processo e não, assumindo tardiamente o papel da Administração Tributária, realizar diligências de investigação à margem deste e utilizar para a decisão elementos probatórios não obtidos no processo, visando encontrar no âmbito do processo arbitral uma hipotética fundamentação para o acto impugnado diferente da que lhe serviu de suporte.

A regra que vigora nos processos arbitrais, como nos judiciais, é, desde sempre, quod non est in actis non est in mundo.

Ora, como testemunhou C..., o pagamento das transacções em apreço era efectuado através de um dos gateways de pagamentos Easypay, Paypal, SIBS, Ebanx, Stripe (com os quais a empresa tinha relações comerciais, conforme prova documental junta na PI), consoante o método de pagamento escolhido pelos clientes, e que efectivavam, para a A..., a compra dos produtos escolhidos, o que possibilitava a criação da encomenda no registo na plataforma back office. No sistema, uma vez efectuado o pagamento pelo cliente e concluída a compra, os gateaways de pagamento transmitiam essa confirmação e as informações respeitantes a esta aquisição são de imediato redireccionadas para a plataforma back office. Estes gateaways funcionavam como intermediários entre a loja online e o processador de pagamentos que, não só fiabilizavam os dados de pagamento indicados, como atribuíam o montante da compra ao próprio vendedor. No mesmo sentido, conforme declarou C..., também de forma automática a plataforma back office, desenvolvido pela empresa F..., tem uma ligação directa com o software de facturação, emitindo em segundos a factura electrónica correspondente àquela encomenda. A emissão da factura, sem intervenção humana, só ocorria depois do pagamento estar concluído, conforme também referido nas declarações de parte.

Numa primeira fase, a A... socorria-se do sistema de facturação “InvoiceXpress”, software de certificação online, certificado pela AT (n.º 192). A Requerente aderiu ao sistema de facturação “PHC Software CS” em ambiente web, igualmente certificado pela AT (n.º 6), em meados de 2020, o qual se manteve em vigor (cfr. documento n.º 11 junto na PI). Isto é, assim que a plataforma back office recebia a informação do gateway de pagamento de que o pagamento foi concluído com sucesso, a respectiva encomenda era objecto de registo interno nessa plataforma, era-lhe atribuído um número de registo, e era criada/emitida a factura daquela operação no software certificado de facturação electrónica. Nesse momento, e de forma automática, a plataforma back office confirmava se os produtos encomendados pelo cliente se encontram em stock físico da A... – sistema picking e que consiste na recolha em armazém físico de certos produtos quer sejam diferentes em categoria quer sejam em quantidades –, ou, não existindo o produto em stock, procedia às diligências

A testemunha D... esclareceu ainda o Tribunal que o envio das encomendas da loja online B... eram expedidas via CTT e eram os próprios que se deslocavam às estações dos correios (Posto ...) para entregar em mão aquelas encomendas, dada a proximidade do posto à sede da empresa, era um valor adicional de “recolha” que se poupava (00:11:50 a 00:13:00 da segunda parte da gravação). Seguia-se a expedição dos produtos por via postal. 6/32 27. Tal como foi elucidado nas declarações de parte, bem como na inquirição das testemunhas D... e E..., gestor da conta dos CTT da A... até Setembro de 2022, este envio de produtos era efectuado ou através dos CTT ou através da DHL Express Portugal, relações comerciais desenvolvidas pela A... e progressivamente consolidadas e desenvolvidas com o aumento das encomendas online, em especial para fora da UE (igualmente documentadas). A relação comercial com os CTT dividiu-se em dois momentos temporais: primeiramente até ao início de 2021, em que existia um contrato de prestação de serviços pré-activo com os CTT, nos termos do qual o preço de cada envio ia sendo descontado da sua conta corrente e pressupõe uma despesa anual mínima de € 2.500 para ter acesso aos preços de quantidade (cfr. documento n.º 12 junto na PI); e um segundo momento, em que se celebrou um contrato de prestação de serviços postais a crédito, nos termos do qual a empresa paga todos os envios de um mês até 30 dias depois da data da factura mensal, ou por débito directo. Relação essa que se pautava por contactos diários por força de se darem expedições diárias de produtos comercializados pela A..., como afirmou E... . Mediante o pagamento dos preços praticados no âmbito internacional do correio registado, e atendendo aos contratos celebrados (nas duas fases a que acima se aludiu), os CTT emitiam facturas com o NIF da A... a comprovar a entrega das encomendas e talões de aceitação carimbados de correio registado das expedições, garantindo, em contrapartida, o depósito daquelas encomendas nas caixas de correio dos destinatários.

Nos envios CTT é assegurado o “acompanhamento e localização da correspondência” – vulgo track & trace –, e através do “código de envio que se encontra no talão de envio ou na guia de transporte” , é disponibilizada toda a informação das encomendas desde o momento da saída do país até à “receção internacional”, “envio de notificação ao cliente” e à “receção no local de entrega”; informação essa que está acessível durante 6 meses no site dos CTT (Seguir objecto 7/32 (ctt.pt)) e no back-up dos CTT no máx. 12 meses, por força de incapacidade de armazenamento informático desses inúmeros dados dos CTT, não imputável à A..., como atestado pela testemunha E... .

Através da informação prestada pelo documento obtido com a consulta do track & trace, é possível depreender que, sempre que há uma interacção com o produto, essa interacção fica registada no sistema, ficando disponível para consulta nos termos anteriormente descritos (cfr. documento n.º 20 junto na PI).

Qualquer interacção é aferida em qualquer momento em que o código de barras constante da sua etiqueta é “pistolado”, o que acontece sempre que o produto entra num posto de descarga, nos diversos Estados. O mesmo foi declarado pelo ex-gestor de conta dos CTT  E... que afirmou que surgem duas hipóteses para confirmação do envio: ou correio azul internacional, que carece da adesão do país, ou correio registado normal que tem cobertura absolutamente internacional. E... afirmou que há uma ligação entre os CTT portugueses e os congéneres estrangeiros, por força dos convénios firmados, que atestavam a saída e chegada do produto no mesmo programa de track & trace: “todos os envios, depois de registados, são universais em todos os países”.

Isto é, como declarou E... “há sempre rastreabilidade do recebimento desde a saída de Portugal, até à entrega ao cliente”.

No início da actividade, a A.../os CTT preenchiam um documento alfandegário impresso/em suporte de papel, que acompanhava as encomendas: a “Declaração para a Alfândega CN22”, que facultava a natureza da transacção, quantidade, descrição, código harmonizado (S.H. \ Sistema Harmonizado)1 , in casu 330400002 , peso e valor [formulários CN22 (cfr. documento n.º 17, junto na PI), indicação dos códigos (cfr. pág. 6 do documento n.º 27, ou pág. 6 do documento n.º 28, juntos na PI]. Desde 01-01-2021, os CTT adoptaram um novo procedimento nos envios internacionais (comunicação dos CTT de 17-12-2020 e alguns exemplos de CN22), preenchido online com novos campos adicionais.

A testemunha E..., ex-gestor de conta dos CTT da A..., apontou o formulário CN22 como sendo o documento necessário para os CTT para assegurar qualquer expedição internacional, e certificar a saída das encomendas postais. Conforme atestou esta testemunha, se as encomendas fossem entregues no posto sem este formulário não seriam, simplesmente, aceites.

Como a Requerente conclui:

• A plataforma digital desenvolvida F..., na vertente back office, registou e processou, pelo menos, 5.458 encomendas online, cujos produtos seleccionados no site B... (front office) foram recolhidos do stock físico ou comprados directamente a fabricantes ou a revendedores autorizados;

• Foram gerados/atribuídos pelo menos 5.458 números de encomenda, com a informação detalhada do cliente, morada de entrega, dos produtos adquiridos, peso, quantidade, preço, entre outros dados, respeitante a cada encomenda;

• Os gateways de pagamento totalizaram, pelo menos, 5.458 pagamentos e cujo conteúdo dos extractos dos clientes cruza com as informações detalhadas na plataforma back office. • Os softwares de facturação electrónica emitiram, pelo menos, 5.458 facturas com todas as indicações legais para os seus clientes/destinatários das encomendas online espalhados por todo o mundo, tendo cada encomenda online, directamente, como destino um país terceiro, como seja os Estados Unidos, Arábia Saudita, Suíça, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido, e cujo conteúdo cruza com as informações detalhadas na plataforma back office e nos gateways (os pagamentos concluídos).

• Estão reunidos pelo menos 5.458 documentos facultados pelos serviços postais responsáveis pela expedição e entrega dos produtos da marca B..., desde formulários de registo, guias e talões de aceitação carimbados de correio registado dos CTT, tracking codes, declarações para Alfândega CN22, relatórios de envio (TRACK17) a facturas, seja das encomendas online propriamente ditas, seja dos pagamentos dos serviços de expedição internacional conforme previsto nos contratos celebrados com os CTT.

• A A... dispõe ainda de 199 notas de crédito emitidas pelos sistemas de facturação seja porque ocorreu a perda ou o extravio da encomenda, seja porque os produtos efectivamente recepcionados pelos clientes não correspondiam às encomendas online, seja porque os clientes haviam simplesmente mudado de ideias ou porque estavam insatisfeitos com os produtos transmitidos pela A... e solicitavam devoluções, reclamavam e/ou submetiam disputes junto das plataformas de pagamento ou das instituições financeiras.

• A A... registou 89 disputes das encomendas online processadas nos períodos em causa.

 

  1. Conclusão

 

Termos de acordo com os quais entendemos que assiste razão à Requerente, não tendo sido devidamente apreciados os meios de prova que justificam a concessão da isenção das exportações – a saber registos internos das encomendas na plataforma back office com informações detalhadas de cada encomenda e atribuição de número interno, comprovativos de pagamento das encomendas online nos gateaways de pagamento, facturas e/ou notas de crédito processadas pelos softwares de facturação, histórico de disputes dirimidas pelos gateaways de pagamentos ou pelas instituições financeiras e toda a documentação de suporte às expedições internacionais pelas transportadoras e serviços postais, nomeadamente talões de aceitação, códigos de rastreio, informação disponível no track & trace, relatórios de envio e formulários CN22; e as declarações das testemunhas e as declarações de parte, que comprovam a saída efectiva dos seus produtos para fora do território nacional com destino a países terceiros.

Esclareça-se ainda que entendemos, como a Requerente, que a AT sempre haveria que respeitar os princípios da neutralidade da proporcionalidade e da igualdade, resultando da decisão uma clara violação de tais princípios.

 

Lisboa, 29 de Dezembro de 2023

 

A Árbitra Vogal

 

Clotilde Celorico Palma

 



[1]Aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT.

[2] Consultado a 23.10.2023

[3] O bold é nosso.

[4] Cfr pp. 24 a 29. O bold é nosso.

[5] Cfr. Cristina Flora, “A Prova no Processo Tributário”, in A prova no Processo Tributário, Colecção Formação Contínua, CEJ, 2017, p. 36.

[6] Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 258.

[7] Cfr. Elizabeth Fernandez, “O Princípio Inquisitório no Processo Tributário”, in A prova no Processo Tributário, op. cit., pp. 16 e 17.

[8] In Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, pp. 323 e ss, em anotação ao artigo 72.º da LGT.

[9] In Código do Procedimento e do Processo Tributário anotado, 4ª edição, Vislis Editores, 2003, em anotação ao artigo 50.º.