Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 369/2023-T
Data da decisão: 2024-03-22  IRC  
Valor do pedido: € 36.098,75
Tema: Perdas por imparidade e gratificações de balanço.
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SUMÁRIO

1. O risco de incobrabilidade não se deve retirar, sem mais, da mora ou do risco iminente de uma insolvência. Se é inegável que em 2016 se desenhava um contexto de cobrança duvidosa, por existência de um processo de insolvência, o certo é que a Requerente antes do conhecimento do mesmo entrou num negócio jurídico com a sua devedora com vista, precisamente, à recuperação parcial do seu crédito no montante de 76.852,00€ por compensação de créditos, o que significa que considerava ainda como real a possibilidade de recuperação do mesmo.

2. Não se identifica por parte da Requerente um procedimento de escolha arbitrária do momento em que foi reconhecida a imparidade, pois registou lucro tributável em todos os exercícios de 2016 a 2019.

3. A falta de pagamento das gratificações de balanço até ao fim do ano seguinte ao da sua atribuição conduz à sua indedutibilidade fiscal nos termos do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea n) do CIRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 31 de Julho de 2023, acorda no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

A... Lda, pessoa coletiva com o n.º..., com sede em Rua ..., ..., ...-... ... (...), doravante designada por “Requerente”, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 a) e 10.º, n.º 1 a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Constitui pretensão da Requerente o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2023 ... e, bem assim, a liquidação de Juros Compensatórios n.º 2023..., relativos ao ano de tributação de 2019, no montante total de 36.098,75 € (cf. Documento n.º 1 junto aos autos).

 

A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção interna, iniciado em 27/04/2022, relativamente ao exercício de 2019, tendo, nesse âmbito, sido identificadas as seguintes correções:

 

- Correções à Matéria Tributável - IRC 148.082,90 € de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal.

 - Imposto em falta IRC 34,58 € (correção que expressamente aceitou).

 

As referidas correções à matéria tributável resultaram de perdas por imparidade de dívidas a receber reconhecidas pela Requerente, segundo a Administração Tributária, no período de tributação errado.

 

Relativamente ao cliente B..., Lda no montante de 98.242,40€ e relativamente ao cliente C..., S.A no montante de 28.840,50€ (parte integrante do total da dívida detida pela cliente, no valor de 64.702,64€).

 

E ainda de Gratificações de Balanço no valor de 21.000,00€ que, segundo a Administração Tributária, não são de considerar no período de tributação de 2019, porquanto a Requerente não terá apresentado documentos que suportassem os referidos gastos naquele período.

 

Quanto ao imposto em falta no valor de 34,58 €, a Requerente aceita a correção promovida pela Autoridade Tributária.

 

Como causa de pedir, a Requerente alega, em suma, vícios substantivos, em concreto no que concerne ao tratamento fiscal dado pela AT sobre a não aceitação fiscal das supra referidas perdas por imparidade.

 

No que concerne aos créditos de cobrança duvidosa das dívidas da sua cliente – B..., Lda - no montante de 98.242,40 €, vem dizer que a Autoridade Tributária reconheceu ter ficado comprovado que, do montante total registado como perda por imparidade correspondente a 98.242,40 €, o montante de 97.779,99€ respeita à atividade normal da sociedade e que poderia ser registado como perda por imparidade, nos termos do artigo 28.ºA, n.º 1, al. a) do CIRC.

 

Mas que não seria de aceitar as referidas perdas por imparidade no montante total de 98.242,40€, para efeitos de determinação do lucro tributável do período de 2019, por violação do “regime da periodização económica, imposto pelo n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, porque o risco de incobrabilidade surgiu no período de 2016”.

 

Que o crédito no montante total de 462,41€, relativamente a despesas com devoluções das referidas letras do Novo Banco, em virtude da falta de pagamento pelos serviços prestados, que obrigaram à reforma das letras emitidas inicialmente e também as despesas com essas devoluções – tituladas pelas faturas 16/44 e 16/72, no montante total de 462,41€ -, resultam da atividade normal do Sujeito Passivo, porque necessariamente associadas às letras.

 

Devendo considerar como resultante da atividade normal do Sujeito Passivo a totalidade do montante em dívida pela B..., isto é, 98.242,40 € e não 97.779,99 €.

 

Que não procedeu ao reconhecimento de perdas por imparidade no que diz respeito ao crédito a favor daquele, devido pela B..., no montante de 98.242,40 €, porquanto no dia 07.04.2016 – anteriormente à citação da B... no processo de insolvência (cf. Documento n.º 11 junto aos autos) - celebrou com a cliente B... um Contrato Promessa de Compra e Venda no valor de € 180.000,00, sobre fração autónoma da letra “G”, correspondente ao Bloco 2, piso um direito, tipo T três, destinado a habitação (cfr. Documento n.º 12 junto aos autos).

 

Que de acordo com o referido contrato, e enquanto promitente-comprador, procedeu ao pagamento da quantia 76.852,00€ a título de sinal e de antecipação parcial de pagamento do preço (cf. al. i) do n.º 2 da Cláusula Segunda do Documento n.º 12), na data da assinatura do contrato.

 

E que o montante de 76.852,00€ que pagaria à cliente B... a título de sinal, foi abatido ao montante em dívida à data da assinatura do contrato por essa sua cliente, em virtude de várias faturas emitidas por este último, conforme, diz, demonstra o Documento n.º 13 junto aos autos.

 

Donde, sustenta que a haver um crédito, esse corresponderia apenas à diferença entre o valor total em divida por essa cliente a si (98.242,90€) e o montante compensado, isto é, 21.390,40€ (98.242,90€ – 76.852,60€).

 

Mas que em 11.10.2016 a cliente B... comunicou à Requerente a resolução do referido Contrato, em benefício da massa insolvente (cf. Documento n.º 14 junto aos autos).

 

E que perante tal resolução, propôs uma ação de Impugnação da Resolução do Contrato de Promessa de Compra e Venda, em 11.01.2017, com vista à anulação da referida resolução, dando origem ao Apenso U do processo n.º .../16...T8..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Comércio de ... – Juiz 1 (cf. Petição Inicial junto como documento n.º 15 à petição arbitral).

 

No seu entender, diz, a existir um crédito de cobrança duvidosa em 2016, pela cliente B... esse seria apenas no montante de 21.390,40€.

 

E que face à reduzida probabilidade de procedência da Ação de impugnação da resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda do Sujeito Passivo com a B..., a quitação que se verificou em 2016 – abatendo os 76.852,00€ à dívida da B... de 98.242,40€ - deixou de ser válida.

 

O que a levou - em 31.12.2019 – a registar contabilisticamente como sendo de cobrança duvidosa o total da dívida da cliente B... (98.242,40€).

 

No seu entender dúvidas inexistem de que o referido litígio judicial, de impugnação da resolução do contrato-promessa que suspendeu os efeitos da resolução, e respetiva reduzida probabilidade de vencimento, significaram uma alteração significativa no ambiente legal em que a Requerente operava em 2019, na medida em que passou este a ter forte probabilidade de ter como cobrança duvidosa um crédito de 98.242,40€ e não 21.390,40€ - ou, pelo menos, no montante de 76.852,00€ que estava em discussão.

 

Relativamente às perdas por imparidade do cliente C..., S.A, alega que em 31.12.2019 reconheceu como sendo de cobrança duvidosa a dívida do cliente C..., S.A no montante de 64.702,64€ e, de seguida, registou perdas por imparidade com referência ao referido crédito.

 

No que diz respeito à C..., S.A, sustenta que apenas parte do valor no montante de 28.840,50€, com débito na conta 6511 e crédito na conta de clientes 2191571, foi reconhecido como perda por imparidade em 2019.

 

Mas que a Administração Tributária considerou não ser de aceitar as perdas por imparidade reconhecidas no valor de 28.840,50€, para efeitos de determinação do lucro tributável do período de 2019, por violação do regime da periodização económica, imposto pelo n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, porque vem dizer que o risco de incobrabilidade surgiu no período de 2018.

 

Entendendo que o risco de incobrabilidade surgiu no período de 2018 “uma vez que em 14/12/2018 foi publicitada a instauração de um PER do cliente, com o n.º .../18.9T..CBR”, pelo que não aceita quaisquer valores para efeitos de determinação do lucro tributável do período em apreço, porquanto isso violaria igualmente o regime de periodização económica.

 

A Requerente alega que o montante a que corresponderia o crédito relativamente à C..., resultante da sua atividade normal cifrava-se em 64.381,76€ (64.702,64€ - 320,88€).

 

E que do montante total de 64.381,76€, apenas registou como perda por imparidade, em 2019, o montante de 28.840,50€.

 

Que apenas lhe foi comunicado convite para negociações com vista à revitalização da C..., no âmbito do processo n.º .../18.9T..CBR, por carta datada de 17.12.2018, recebida em 20.12.2018 (cfr. Documento n.º 19 junto aos autos).

 

Constando da referida carta que teria 20 dias contados da publicação do despacho de nomeação do Administrador judicial provisório para reclamar créditos (14.12.2018).

 

Sustenta que apenas teve conhecimento da existência de um PER da C... no final do ano, e que o plano de recuperação ainda não havia sido sequer aprovado em dezembro de 2018, existindo, à data, apenas uma proposta de plano, posto o que apenas reconheceu a imparidade em 2019, quando já havia sido aprovado e homologado o plano, em 23.05.2019 (cfr. Documento n.º 20 junto aos autos).

 

E que em 2018 tais créditos não eram de cobrança duvidosa e, por tal, não devia ter reconhecido a respetiva perda por imparidade nesse exercício, mas apenas em 2019, quando o plano de recuperação foi aprovado.

 

No que concerne às gratificações de balanço deliberou aprovar as contas de 2019 e a distribuição de gratificações de balanço no montante total de 21.000,00€.

 

Que a Administração Tributária por não terem sido apresentados documentos que comprovassem a existência, no período de 2019, da obrigação legal ou construtiva de serem distribuídas as gratificações de balanço, entendeu não serem de aceitar os referidos gastos, de acordo com o artigo 23.º-A, n.º 1, al. c), 17.º, n.º 1 e 3, al. a), ambos do CIRC.

 

No caso concreto alega que tinha uma obrigação construtiva de fazer os pagamentos no valor de 21.000,00€ e que sua prática a distribuição de gratificações de balanço à generalidade dos trabalhadores.

 

Diz que em 2014 se verificaram tais gratificações e em 2015 não e que depois, novamente, verificaram-se em 2016 e 2017, e não em 2018.

 

Ou seja, entende que reconheceu a atribuição de gratificações de balanço no valor total de 21.000,00€ - como é sua obrigação, já há vários anos - no ano de 2019 (cfr. Documento n.º 23 junto aos autos).

 

Devendo tais gratificações serem pagas até ao final do período de tributação seguinte àquele a que as gratificações dizem respeito, ou seja, até final de 2020.

 

Mas reconhece que apesar disso não pagou as referidas gratificações aos seus trabalhadores.

 

Por alegadas irregularidades/desconformidades no trabalho prestado que não justificavam tais gratificações.

 

E que tendo em conta que as gratificações não foram pagas até ao final do período de tributação seguinte, em 2020, os gastos com as mesmas, em 2019, passam a não ser dedutíveis, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, al. n) do CIRC.

 

E, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 5 do CIRC, nesse caso, tal dedução deve ser adicionada ao IRC que se deixou de liquidar, o que já se verificou, tendo em conta que corrigiu tal dedução em 2020 e 2022.

 

Por conseguinte, vem dizer que como já pagou o IRC que deixou de ser liquidado em 2019, em virtude da correção da dedução por não terem sido pagas as gratificações até ao final de 2020, a presente correção constitui uma duplicação de coleta.

 

Assim, pretendendo a Administração Tributária corrigir a dedução das gratificações de balanço, em 2019, aumentando, por conseguinte, a matéria coletável, estará, na realidade - tendo em conta que o IRC devido pela dedução indevida de tal gasto sido já fora liquidado em 2020 e 2022 pela Requerente - a tributar duas vezes a mesma matéria.

 

E que como tal a correção promovida pela Administração Tributária e consequente ato de liquidação é ilegal, devendo ser anulada.

 

Que veio corrigir a dedução das gratificações de balanço reconhecidas em 2019 e refletidas na sua contabilidade, acrescentando-as à matéria coletável em 2020 e 2022.

 

Pelo que deve a correção no montante de 21.000,00€ ser anulada, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito e duplicação de coleta, na medida em que procedeu ao pagamento do IRC que havia a liquidar pela dedução indevida de tais gratificações (pelo não pagamento das mesmas no ano seguinte e não por não deter obrigação nesse sentido).

 

Sobre as perdas por imparidade vem dizer que constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que a rigidez do princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios tem de ser temperada com a invocação do princípio da justiça, nomeadamente nas situações em que, não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar uma situação injusta não justificada para o contribuinte.

 

Motivo pelo qual devem as correções, no montante de 98.242,40€ e 28.840,50€, serem anuladas, por vício de violação da lei, com base em erro nos pressupostos de facto e de direito, sob pena de violação do artigo 18.º, n.º 2 do CIRC e, por conseguinte, do princípio da justiça, art.55.º LGT e 266.º/2 CRP.

 

Não obstante, vem ainda dizer que a Administração Tributária sempre teria o dever de fazer a correção simétrica, relativa ao exercício em que tal custo, corretamente, deveria ter sido contabilizado, caso se considere que os mesmos deveriam ter sido reconhecidos em 2016 e 2018, como entende a Administração Tributária – o que por mera cautela de patrocínio equaciona.

 

Conclui que dúvidas não podem existir de que a correção dos montantes de 98.242,40€ e 28.840,50€ devem ser anuladas, sob pena de violação do artigo 18.º, n.º 2 do CIRC, princípio da legalidade, princípio da capacidade contributiva e princípio da justiça.

 

Pelo que pugna, a final, pela anulação das liquidações de imposto e juros compensatórios e peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 22 de Maio de 2023, tendo sido o Tribunal Arbitral constituído em 31 de Julho de 2023 e tendo o processo seguido a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes, notificadas dessa designação, em 11 de Julho de 2023, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

A Requerida ou AT veio contestar por impugnação alegando, em síntese, como segue.

 

Vem dizer que em termos fiscais importa relembrar que, conforme o previsto no referido art.º 17.º do CIRC, o resultado líquido apurado de acordo com a normalização contabilística em vigor é o ponto de partida para o apuramento do resultado tributável, consequência da adoção em Portugal do referido regime da dependência parcial do resultado fiscal face ao resultado contabilístico.

 

Que a violação do princípio da periodização do lucro tributável, num determinado ano, resulta na violação do princípio da tributação pelo lucro real em dois ou mais exercícios. Com efeito, o registo de gastos, rendimentos e componentes, positivas ou negativas, em anos diferentes do competente, determinam a violação do princípio da tributação pelo lucro real no ano competente e no(s) ano(s) em que foram registadas.

 

Que as condições para que as perdas por imparidade em dívidas a receber possam ser aceites como gastos fiscais, são ainda mais restritivas do que as previstas pelo normativo contabilístico prevendo a norma fiscal a possibilidade de existir um desfasamento entre o momento do reconhecimento contabilístico (“contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores”) e a aceitação fiscal da constituição das perdas por imparidade.

 

Que dever-se-á atender, tanto aos critérios objetivos de reconhecimento da perda por imparidade em dívidas a receber estabelecidos nos artigos art.º 28.ºA e art.º 28.ºB do CIRC, como às regras de periodização do lucro tributável, tal como se encontram definidas no artigo 18.º do CIRC, o que implica que a perda por imparidade deva ser relevada fiscalmente nos períodos de tributação a que, de facto, respeita.

 

Que os SIT consideraram justificado o risco de incobrabilidade dos créditos no período de tributação de 2016 no que concerne ao cliente B..., SA (ano em que foi proferida sentença de declaração de insolvência) e consideraram que as perdas por imparidade contabilizadas apenas em 2019 não podiam ser dedutíveis no apuramento do lucro tributável desse exercício.

 

Que a Requerente ao reconhecer contabilisticamente as perdas por imparidade somente no exercício de 2019, foi em sentido diverso daquele que é propugnado pelo SNC, que acompanha de perto o respeito pelo princípio da periodização, princípio este, que também está na base da tributação de IRC, conforme dispõe o n.º 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC.

 

Que as perdas por imparidade devem ser reconhecidas na demonstração de resultados em função da existência de uma evidência objetiva de imparidade, sendo que no presente caso existindo para o devedor um processo de insolvência no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de ..., instaurado no ano de 2016, era por demais evidente que existia um risco de cobrança do crédito daquele cliente, e a Requerente devia reconhecer a perda por imparidade naquele exercício de 2016 e não apenas em 2019.

 

Que o facto de ter celebrado um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, propriedade do seu cliente, pouco tempo antes de este ser declarado insolvente (13/05/2016), em nada alterou o risco de cobrança do crédito, pois no fim do período de tributação de 2016, momento em que a entidade deve avaliar a imparidade dos seus ativos, o crédito não tinha sido recebido e a compra do imóvel, e a possível compensação com a dívida, não se tinha concretizado, nem se veio a concretizar.

 

Que o risco de incobrabilidade do crédito era por demais evidente no exercício de 2016, perante a sentença de insolvência do devedor, não havendo nenhum dado objetivo que pudesse justificar o reconhecimento da perda por imparidade apenas no exercício de 2019, razão que justifica a proposta de não aceitação da perda por imparidade contabilizada neste ano, no valor de € 98.242,40.

 

Que no entender da Requerente é necessário aguardar pelo momento em que o crédito se torna incobrável para constituir perdas por imparidade, entendimento que se mostra contrário aos princípios da periodização económica e da prudência, sustenta.

 

Quanto ao cliente C..., SA, alega que bem andaram os SIT ao considerarem que o risco de incobrabilidade dos créditos se encontrava devidamente justificado no período de tributação de 2018, ano em que foi publicitada a instauração de um Processo Especial de Revitalização, PER, processo n.º .../18.T...CBR, e entenderam que as perdas por imparidade contabilizadas em 2019 não podiam ser dedutíveis no apuramento do lucro tributável desse exercício.

 

Que as perdas por imparidade devem ser reconhecidas na demonstração de resultados em função da existência de uma evidência objetiva de imparidade, sendo que no presente caso existindo para o devedor um processo especial de revitalização (PER) a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, instaurado no ano de 2018, era por demais evidente que, no fim daquele período de tributação, momento em que a entidade devia avaliar a imparidade dos seus ativos, existia um risco de cobrança do crédito daquele cliente, e a Requerente devia reconhecer a perda por imparidade no exercício de 2018 e não no exercício de 2019.

 

Por isso, diz, também em relação a este ponto o risco de incobrabilidade do crédito era por demais evidente no exercício de 2018, não havendo nenhum dado objetivo que pudesse justificar o reconhecimento da perda por imparidade no exercício de 2019, razão que justifica a proposta de não aceitação da perda por imparidade contabilizada neste ano, no valor de € 28.840,50.

 

Sobre as Gratificações de Balanço invoca que a Requerente registou no exercício de 2019 nas contas de gastos com pessoal 6313 (remunerações de órgãos sociais – gratificações de balanço) e 6324 (remunerações do pessoal – gratificações de balanço), os montantes de 1.000,00€ e 20.000,00€ respetivamente, por crédito da conta de credores por acréscimo de gastos 27222 (remunerações a liquidar – gratificações de balanço) e apresentou à AT como documento de suporte ao registo contabilístico a Ata n.º 43, de 29/03/2020, através da qual deliberou aprovar as contas de 2019 e remunerar os seus trabalhadores a título de participação nos lucros, no montante total de 21.000,00€.

 

Sustenta que os referidos gastos com o pessoal não podem ser dedutíveis na determinação do lucro tributável, do período de tributação de 2019, por não terem sido apresentados documentos a comprovar a existência, antes da deliberação em assembleia geral, de qualquer obrigação presente legal ou construtiva de fazer tais pagamentos ou de qualquer estimativa fiável de proceder a tal obrigação, conforme determinam as alíneas a) e b) do parágrafo 18.º da norma contabilística NCRF 28 e, em sintonia com esta norma, o n.º 1 da referida Circular n.º 9/2011.

 

Refere a Requerente que a distribuição de gratificações de balanço está associada à qualidade do trabalho prestado pelos trabalhadores, mas que segundo a alínea b) do parágrafo 18.º da NCRF 28 uma entidade deve reconhecer o custo esperado dos pagamentos de participação nos lucros e gratificações quando, e só quando possa ser feita uma estimativa fiável da obrigação.

 

E que nos termos do parágrafo 21.º da mesma norma:

21 — Uma entidade pode fazer uma estimativa fiável da sua obrigação legal ou construtiva segundo um plano de participação nos lucros ou de bónus quando, e só quando:

(a) Os termos formais do plano contenham uma fórmula para determinar a quantia do benefício;

(b) A entidade determine as quantias a serem pagas antes das demonstrações financeiras serem aprovadas para emissão; ou

(c) A prática passada dê evidência clara da quantia da obrigação construtiva da entidade.

 

E que em nenhum momento, diz, durante o procedimento inspetivo ou no presente pedido arbitral, a Requerente demostrou existir uma fórmula para determinar a quantia do benefício atribuído aos seus trabalhadores.

 

E que a Requerente poderia e deveria dar a conhecer aos SIT, ou mostrar no presente pedido arbitral, a fórmula que lhe permitiu determinar o valor de € 21.000,00 como estimativa fiável do benefício.

 

Assim como deveria determinar as quantias a serem pagas antes das demonstrações financeiras serem aprovadas, situação que diz que a Requerente também não demonstrou.

 

Que a ata n.º 43 que a Requerente juntou parece comprovar que a intenção de remunerar os seus trabalhadores a título de participação nos lucros apenas ocorreu na Assembleia Geral de aprovação das contas de 2019, realizada em 29/03/2020.

 

E que acresce realçar que estando o benefício, alegadamente, associado à qualidade do trabalho prestado não parece fazer sentido decidir, em março de 2020, remunerar os seus trabalhadores a título de participação nos lucros e reconhecer esses gastos no período de tributação de 2019 quando a própria admite no pedido arbitral (artigo 262.º) que a qualidade do trabalho prestado ficou aquém do exigido, “… por se ter verificado um elevado número de desconformidades dos bens, relativamente aos requisitos de qualidade exigidos, e que, portanto, não permitiram a atribuição de tais gratificações.”.

 

Que da análise que faz do Documento n.º 23 junto aos autos não se comprova que a Requerente tenha pago aos seus trabalhadores qualquer valor a título de participação nos lucros, comprova sim que nesses exercícios foram reconhecidos, e registados na contabilidade, “os custos esperados dos pagamentos de participação nos lucros e gratificações.”.

 

Sustenta que na situação em análise não se encontram preenchidas as condições previstas nas alíneas a) e b) do parágrafo 21.º da norma contabilística para o reconhecimento do “custo esperado” e parece poder concluir-se que a condição prevista na alínea c) do mesmo parágrafo também não se encontrava preenchida, pois a Requerente não logrou demonstrar existir uma prática passada que desse evidência clara da quantia da obrigação construtiva da entidade.

 

Por fim, e relativamente ao facto de a Requerente, no pedido arbitral, apresentar um último argumento, o de já ter regularizado nos exercícios de 2020 e 2022, ao reconhecer que as gratificações em causa não podiam ser deduzidas para efeitos da determinação do lucro tributável no período de tributação de 2019, não pelo facto de não preencherem as condições, contabilísticas e fiscais, para o seu reconhecimento, mas porque não efetuou o respetivo pagamento no ano seguinte, 2020, condição prevista no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea n) do CIRC, e, sendo assim, o não preenchimento dessa condição de pagamento, levou a que corrigisse, voluntariamente, em 2020, o montante de € 17.770,00, registando este valor como rendimento na conta “7881 – Correções relativas a períodos anteriores, e, da mesma forma, corrigisse, em 2022, os restantes € 3.230,00, perfazendo assim o total de € 21.000,00, remetendo como elementos de prova os documento n.ºs 25 a 27.

 

Que o documento n.º 25 é constituído por dois mapas com a “Previsão de encargos com férias”, um relativo ao ano de 2019 e o outro ao ano de 2020, a que junta cópia do lançamento efetuado em 31/12/2020 com o registo a crédito da conta “78812 Remunerações a Pagar” do valor de €17.770,00 e o débito da conta “27222 Remunerações a liquidar”.

 

E que de acordo com a sua análise, afigura-se-lhe que a Requerente não logrou demonstrar preencher as condições previstas nas normas contabilísticas e fiscais para que o gasto pudesse ser reconhecido no período de tributação de 2019, devendo manter-se a correção de €21.000,00 proposta pelos SIT.

 

Pugna, a final, pela correta decisão dos serviços de inspeção tributária, devendo, em consequência, manter-se as liquidações controvertidas na ordem jurídica.

 

Entendeu o Tribunal por despacho arbitral promover a realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, para o dia 26/02/2024, e também para a inquirição das testemunhas arroladas.

 

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar alegações simultâneas, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo, reforçando a sua argumentação.

 

Foi fixado prazo para a decisão após uma primeira prorrogação devidamente fundamentada nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

III.      Fundamentação

 

  1. Dos Factos

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. Em 22 de Maio de 2023 a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
  2. O presente Pedido Arbitral tem por objeto o Ato de Liquidação de IRC n.º 2023 ... e, bem assim, o respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2023..., relativos ao ano de tributação de 2019, no montante total de 36.098,75€ - cf. Documento n.º 1 junto aos autos.
  3. A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto a Fabricação e montagem de caixilharia civil, construção civil e obras públicas – cf. Documento n.º 4 junto aos autos.
  4. A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção que consubstanciou a decisão da AT de proceder a correções à matéria tributável, em sede de IRC, no valor de 148.082,90€ e estar em falta o pagamento de IRC na quantia de 34,58€  - cf. Documento n.º 5 junto aos autos.
  5. De acordo com os fundamentos expendidos no Relatório de Inspeção Tributária (RIT) junto aos autos, que aqui se consideram reproduzido para todos os efeitos legais, resultaram as seguintes correções em crise: Perdas por imparidade relativamente ao cliente B..., Lda no montante de 98.242,40€; Perdas por imparidade relativamente ao cliente C..., S.A, no montante de 28.840,50€ (parte integrante do total da dívida detida pela cliente, no valor de 64.702,64€) e ainda Gratificações de Balanço no valor de 21.000,00€ que, segundo a AT não são de considerar no período de tributação em causa, 2019, porquanto a Requerente não apresentou documentos que suportassem os referidos gastos naquele período.
  6. Por não concordar com as demais correções a Requerente exerceu Direito de Audição Prévia – cf. Documento n.º 6 junto aos autos.
  7. A Requerente reconheceu, em 2019, perdas por imparidade no montante de 98.242,40€, ao qual estão associados os seguintes débitos (cf. Documentos n.ºs 7 e 8 junto aos autos) - a) FT 15/195, no montante de 23.887,10€; b) FT 15/204, no montante de 33.800,00€; c) FT 15/218, no montante de 5.390,80€; d) FT 16/25, no montante de 1.672,00€; e) FT 16/44, no montante de 324,37€; FT 16/72, no montante de 138,04€; g) Comunicações de devoluções de letras do Novo Banco com as referências ... (13.762,54€), ... (10.321,90€) e ... (8.945,65€).
  8. A letra de câmbio n.º ..., emitida em 29.02.2016, com montante de 8.945,65€, resulta da reforma de pagamento da letra de câmbio n.º ... emitida em 31.12.2015 com montante de 10.321,90€2 que, por sua vez, resulta de reforma de letra de câmbio n.º..., emitida a 01.10.2015 com montante de 13.762,54€ - cf. Documento n.º 9 junto aos autos.
  9. A letra de montante de 13.762,54€, e as restantes letras em reforma desta foram aceites para pagamento do remanescente débito da Fatura 15/70 emitida pela Requerente em 08.05.2015 referente a serviços prestados por este à cliente B..., no âmbito do objeto social do Sujeito Passivo, no montante de 24.784,67€ - cf. Documento n.º 10 junto aos autos.
  10. O crédito no montante total de 462,41€ relativamente a despesas com devoluções das referidas letras do Novo Banco, em virtude da falta de pagamento pelos serviços prestados, resultam da atividade normal do Sujeito Passivo, porque necessariamente associadas às letras – cf. Documentos n.ºs 9 e 10 juntos pela Requerente e não contestados pela AT.
  11. Em 2016, a cliente da Requerente, B..., iniciou processo de declaração de insolvência (processo n.º .../16...T8...), tendo sido publicitada a declaração de insolvência da B... em 18.05.2016 conforme resulta da data da certificação Citius constante do Anexo 4 do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária junto com o processo administrativo junto aos autos.
  12. No dia 07.04.2016 – anteriormente à citação da B... no processo de insolvência (cf. Documento n.º 11 junto aos autos e datado de 21/4/2016) - celebrou com a cliente B... um Contrato Promessa de Compra e Venda no valor de € 180.000,00, sobre fração autónoma da letra “G”, correspondente ao Bloco 2, piso um direito, tipo T três, destinado a habitação – cf. Documento n.º 12 junto aos autos.
  13. De acordo com o referido contrato, a Requerente, enquanto promitente-comprador, procedeu ao pagamento da quantia 76.852,00€ a título de sinal e de antecipação parcial de pagamento do preço (cf. al. i) do n.º 2 da Cláusula Segunda do Documento n.º 12 junto aos autos), na data da assinatura do contrato por compensação com o montante em dívida à data da assinatura do contrato por esta cliente relativamente à Requerente em virtude de várias faturas vencidas conforme Documento n.º 13 junto aos autos.
  14. Em 11.10.2016 a cliente B... comunicou à Requerente a resolução do referido Contrato, em benefício da massa insolvente – cf. Documento n.º 14 junto aos autos.
  15. A Requerente interpôs Ação de Impugnação da Resolução Do Contrato de Promessa de Compra e Venda, em 11.01.2017, com vista à anulação da referida resolução, dando origem ao Apenso U do processo n.º .../16...T8..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Comércio de ... – Juiz 1 (cf. Petição Inicial junta aos autos como Documento n.º 15).
  16. Em 20.12.2019 os mandatários da Requerente no processo referido no ponto anterior remeteram uma carta datada de 20.12.2019 a referir que não existia expectativa de vencimento do processo n.º .../16...T8...-U, justificando com o despacho saneador já realizado nesses autos e uma perícia realizada em 13/09/2019 (cf. Documento n.º 16 junto aos autos).
  17. Em 31.12.2019 a Requerente registou contabilisticamente como sendo de cobrança duvidosa o total da dívida da cliente B... (98.242,40€).
  18. A Requerente relativamente ao seu devedor – C..., S.A – veio a registar uma imparidade no valor de 28.840,50€, com débito na conta 6511 e crédito na conta de clientes 2191571 no exercício de 2019 – cf. Facto não controvertido pelas Partes.
  19. Tal imparidade, no total de uma dívida de 64.702,64€, está associada os seguintes débitos (cf. Documentos n.ºs 17 e 18 juntam aos autos) a) FT 18/195, na parte referente a 25.622,61€; b) FT 18/196, no montante de 2.100,00€); c) FT 18/197, no montante de 14.695,00€; d) FT 18/234, no montante de 9.617,59€; e) FT 18/235, no montante de 1.595,00€; f) FT 18/256, no montante de 320,88€; g) FT 18/300, no montante de 1.560,00€; h) FT 18/301, no montante de 2.170,01€; i) FT 19/255, no montante de 2.943,62€; j) FT 19/256, no montante de 712,02€; k) FT 19/257, no montante de 2.910,00€; l) FT 19/259, no montante de 455,91€.
  20. Foi publicitada a instauração de um Processo Especial de Revitalização referente à C..., S.A com o n.º .../18...T8CBR7 que correu termos no Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz 1 – cf. Facto não controvertido por nenhuma das Partes.
  21. Foi comunicado à Requerente convite para negociações com vista à revitalização da C..., no âmbito do processo n.º .../18....T8CBR, por carta datada de 17.12.2018, recebida pelo Sujeito Passivo em 20.12.2018 - cf. Documento n.º 19 junto aos autos.
  22. Constando da referida carta que a Requerente teria 20 dias contados da publicação do despacho de nomeação do Administrador judicial provisório para reclamar créditos.
  23. O plano especial de revitalização da C..., S.A foi aprovado e homologado em 23.05.2019 – cf. Documento n.º 20 junto aos autos.
  24. Por Ata n.º 43 de 29.03.2020 (cf. Documento n.º 22 junto aos autos) a Requerente deliberou aprovar as contas de 2019 e a distribuição de gratificações de balanço no montante total de 21.000,00€.
  25. Não foram pagos, até ao final de 2020 – ou anos seguintes -, qualquer montante relativo às gratificações de balanço reconhecidos em 2019, de 21.000,00€ - cf. Facto confessado pela Requerente e não controvertido.
  26. A Requerente teve lucro tributável nos exercícios de 2016 a 2019 - cf. Documentos n.ºs 28, 29, 30 e 31 junto aos autos.

 

 

 

2. Factos Não Provados

 

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 

 

3. Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida.

 

 

III.    Do Direito

 

Como referido, o dissídio em causa nos autos prende-se com o tema das perdas por imparidade por créditos de cobrança duvidosa e com o tema das gratificações de balanço.

 

Começando pelas perdas com imparidade.

 

A questão que se discute nos presentes autos refere-se à não aceitação, pela Requerida, da dedução fiscal do gasto relativo a perdas por imparidade em créditos, matéria regida pelos artigos 23.º, n.ºs 1 e 2 alínea h), 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC, que infra se transcrevem, nos segmentos com relevância para o caso, na redação em vigor à data dos factos:

 

“Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

[…]

h) Perdas por imparidade;”

“Artigo 28.º-A

Perdas por imparidade em dívidas a receber

 1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a)            As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;”

 

“Artigo 28.º-B

Perdas por imparidade em créditos

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a)            O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b)           Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c)            Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a)            25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b)           50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c)            75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d)           100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.”

Por outro lado, acresce referir, em relação ao momento em que os gastos devem ser considerados, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do Código do IRC:

 

“Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”

 

4.2.        O reconhecimento das perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa.“.

 

Subjaz à presente ação uma situação de falta de pagamento de créditos, detidos pela Requerente sobre as sociedades B..., Lda no montante de 98.242,40€ e C..., S.A no montante de 28.840,50€, enquadrável no escopo do artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, atendendo a que esses créditos resultam, na sua larga maioria, da atividade normal da Requerente (prestações de serviços de construção civil), podem ser considerados de cobrança duvidosa (não foram pagos e existem provas objetivas indiciadoras de incobrabilidade) e foram como tal evidenciados (reconhecidos) na contabilidade.

 

Segundo a AT as perdas por imparidade, existindo evidências quanto ao risco de incobrabilidade da dívida, devem ser reconhecidas nesse período de tributação, e segundo o seu juízo tal se verificou em 2016 (ano em que foi proferida sentença de declaração de insolvência) no caso do devedor B..., Lda., e no caso do devedor C..., S.A., em 2018, ano em que foi publicitada a instauração de um PER e não no exercício de 2019, ano cuja perda relativa à sua incobrabilidade foi reconhecida.

 

Suscitam-se duas questões fundamentais que importa resolver:

 

a)            A primeira, de carácter temporal, prende-se com a determinação do momento em que os contribuintes devem, ou têm de, relevar como gasto fiscal as perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa;

b)           A segunda reside em saber se ocorrendo um desvio do princípio da periodização (v. artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC) o princípio da justiça constitui suporte legal para a dedução fiscal do gasto.

 

Em primeiro lugar é consabido que a determinação do lucro tributável para efeitos de IRC segue o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade,  segundo o qual, como regra, a primeira segue a segunda, ressalvados alguns ajustamentos ao resultado líquido apurado pela contabilidade consagrados no Código do IRC, com particular incidência na matéria da dedutibilidade dos gastos e perdas. No que aqui releva, os requisitos para a dedução fiscal são os que constam dos artigos 28.º-A, 28.º-B, e 23.º do citado Código.

 

O preâmbulo do Código do IRC faz menção expressa ao tema em análise, afirmando que “[n]o domínio particularmente sensível das provisões para créditos de cobrança duvidosa e para depreciação das existências acolhem-se as regras contabilísticas geralmente adotadas, o que permite um alinhamento da legislação fiscal portuguesa com as soluções dominantes ao nível internacional.”.

 

Quando os artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC se referem a perdas por imparidade, permitindo a sua dedução para efeitos fiscais em determinadas condições neles estipuladas, estão a operar uma remissão para os conceitos contabilísticos (nomeadamente o de imparidade), sem prejuízo de adicionarem requisitos para que aquelas perdas sejam fiscalmente dedutíveis.

 

Compulsando as normas contabilísticas, uma perda por imparidade corresponde à diferença, para menos, entre o valor escriturado de um ativo e o seu valor real (a quantia recuperável através do uso ou da venda do ativo), impondo-se o seu reconhecimento sempre que tal circunstância se constate.

 

Com efeito, de acordo com o princípio estruturante da periodização económica que resulta do regime do acréscimo adotado pelo Código do IRC (v. a referência expressa à teoria do incremento patrimonial constante do § 5 do preâmbulo e o disposto no artigo 18.º, n.º 1) e do Sistema de Normalização Contabilística (v. § 22 da Estrutura Conceptual), as perdas por imparidade devem ser imputadas ao período em que ocorram e podem ser deduzidas para efeitos fiscais, para o que importa nos autos:

 - Quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores (artigo 28.º-A, n.º 1 do Código do IRC);

 - As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade (artigo 28.º-A, n.º 1, a) do Código do IRC);

- Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A do Código do IRC, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

 (1) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto (artigo 28.º-A, n.º 1, a) do Código do IRC);

(2) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

(3) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

 

É a respeito da temporalidade da imputação que reside a questão central do dissídio: a aferição do momento em que se verificou a circunstância da previsível incobrabilidade.

 

Subsiste uma questão anterior, a relacionada com o crédito no montante total de 462,41€, relativamente a despesas com devoluções de letras do Novo Banco, em virtude da falta de pagamento pelos serviços prestados, que obrigaram à reforma das letras emitidas inicialmente e também as despesas com essas devoluções – tituladas pelas faturas 16/44 e 16/72, no montante total de 462,41€.

 

Uma vez que tais despesas resultam de faturas relacionadas com a atividade normal da Requerente devem, naturalmente, porque relacionadas com a mesma, se considerarem como correspondendo à sua atividade normal.

 

Para a Requerida, o reconhecimento das perdas por imparidade no período de tributação de 2019 não preenche os requisitos legais para a sua dedutibilidade fiscal, por extemporaneidade, encontrando-se precludido o direito da Requerente de considerar o gasto para efeitos fiscais.

 

Convém, antes de mais, notar que o risco de incobrabilidade não se deve retirar, sem mais, da mora ou do risco de uma insolvência.

 

O princípio da periodização do lucro tributável (antes designado princípio da especialização dos exercícios) não obrigue a que, para efeitos fiscais, a perda seja realizada no ano em que se verifica - in casu - a mora dos créditos. Neste sentido, se expressa o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de abril de 2003, proferido no processo n.º 0101/03:

 

“Não se retira, nem do princípio da especialização dos exercícios, nem das disposições legais em apreço, que a simples mora do devedor de seis meses e um dia implique, só por si, o risco de incobrabilidade, e torne exigível ao credor a constituição da provisão logo no exercício seguinte, sob pena de não mais poder constituí-la.

[...] no regime do CIRC, a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade. Ou seja, não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade.

[...] tudo está em saber em que exercício a incobrabilidade foi constatada e isso reflectido na contabilidade da recorrida. Sendo que tal exercício não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança”.

 

Sobre a questão temporal se pronuncia também a Decisão Arbitral n.º 666/2018-T, de 14 de maio de 2019, da seguinte forma:

 

“O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a imputação de gastos aos exercícios, relativamente a créditos de cobrança duvidosa, está subordinada ao princípio da especialização dos exercícios (actualmente denominado «periodização do lucro tributável»). (3) Acórdão do STA de 28-01-2015, proferido no processo n.º 0652/14, citando RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, págs. 119-120, e MARIA DOS PRAZERES LOUSA, Alguns contributos para a revisão fiscal das provisões, Ciência e Técnic a Fiscal nºs 331/333, pág. 119.

Porém, como resulta do teor expresso daquela alínea c), a possibilidade de relevância fiscal de perdas por imparidade aí prevista depende não só de os créditos estarem em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, mas também de existirem «provas objetivas de imparidade»” […].

“A avaliação das possibilidades de cobrança dos créditos incumbe, em primeira linha, aos sujeitos passivos”.

 

No caso concreto, se é inegável que em 2016 se desenhava um contexto de cobrança duvidosa, por existência de um processo de insolvência, o certo é que a Requerente antes do conhecimento do mesmo, entrou num negócio jurídico com a sua devedora com vista, precisamente, à recuperação parcial do seu crédito no montante de 76.852,00€ por compensação de créditos, o que significa que considerava ainda como real a possibilidade de recuperação do mesmo.

 

Este negócio – a vingar – permitiria a entrada na sua esfera jurídica de um imóvel com um dado valor de mercado, o que teria por efeito compensar com o crédito que detinha sobre o seu cliente.

 

Efetivamente, anteriormente à citação da B... no processo de insolvência (cf. Documento n.º 11 junto aos autos e datado de 21/4/2016) a Requerente celebrou com a sua cliente B... um Contrato Promessa de Compra e Venda no valor de € 180.000,00, sobre fração autónoma da letra “G”, correspondente ao Bloco 2, piso um direito, tipo T três, destinado a habitação – cf. Documento n.º 12 junto aos autos, mediante enquanto promitente-comprador, procedeu ao pagamento da quantia 76.852,00€ a título de sinal e de antecipação parcial de pagamento do preço (cf. al. i) do n.º 2 da Cláusula Segunda do Documento n.º 12 junto aos autos), na data da assinatura do contrato por compensação com o montante em dívida à data da assinatura do contrato por esta cliente relativamente à Requerente em virtude de várias faturas vencidas conforme Documento n.º 13 junto aos autos.

 

Ou seja, do total em dívida no valor de € 98.242,20, pretendeu compensar o valor de €76.852,00.

 

É certo que posteriormente, no dia 11.10.2016, a sociedade B... comunicou à Requerente a resolução do referido Contrato, em benefício da massa insolvente – cf. Documento n.º 14 junto aos autos.

 

O que motivou que a Requerente tivesse interposto uma Ação de Impugnação da Resolução Do Contrato de Promessa de Compra e Venda, em 11.01.2017, com vista à anulação da referida resolução, dando origem ao Apenso U do processo n.º .../16...T8..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Comércio de ... – Juiz 1 (cf. Petição Inicial junta aos autos como Documento n.º 15).

 

Em 20.12.2019 os mandatários da Requerente no processo referido no ponto anterior remeteram uma carta datada de 20.12.2019 a referir que não existia expectativa de vencimento do processo n.º .../16...T8...-U, justificando com o despacho saneador já realizado nesses autos e uma perícia realizada em 13/09/2019 (cf. Documento n.º 16 junto aos autos) o que levou a que esta registasse a imparidade no fim do exercício de 2019.

 

Ou seja, no ano de 2019 a Requerente ainda tinha uma expetativa fundada de recuperar parcialmente o crédito, ainda que, conceda-se, de duvidoso sucesso.

 

No entanto, relativamente ao valor de € 21.390,40 teria de ter imputado ao exercício de 2016, o que não fez, pelo que relativamente a este valor improcede o pedido da Requerente.

 

Relativamente ao crédito do cliente C..., S.A., entende a Requerida para fundamentar a sua pretensão em negar a perda por imparidade no exercício de 2019, porquanto foi publicitada em 2018 a instauração de um Processo Especial de Revitalização referente a esta empresa que tramitou sob o n.º .../18...T8CBR7 que correu termos no Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz 1 – cf. Facto não controvertido por nenhuma das Partes.

 

Sucede, no entanto, que foi comunicado à Requerente convite para negociações com vista à revitalização da C..., no âmbito deste mesmo processo, por carta datada de 17.12.2018, recebida pela Requerente em 20.12.2018 - cf. Documento n.º 19 junto aos autos.

 

E que da mesma constava que a Requerente teria 20 dias contados da publicação do despacho de nomeação do Administrador judicial provisório para reclamar créditos, o que significaria que tal prazo de resposta só terminaria no ano de 2019.

 

Tanto assim que o plano especial de revitalização da C..., S.A foi aprovado e homologado em 23.05.2019 – cf. Documento n.º 20 junto aos autos, portanto em pleno exercício de 2019.

 

Ou seja, não se vislumbra nenhuma razão válida para sustentar a não consideração da perda por imparidade no exercício de 2019 quando apenas no decorrer do mesmo é que se cristalizou a imparidade com a aprovação do PER da C..., S.A.

 

Sendo que no final de 2018 ainda se discutia a revitalização desse seu cliente.

 

 Importa dizer que não se identifica por parte da Requerente um procedimento de escolha arbitrária do momento em que foi reconhecida a imparidade, pois registou lucro tributável em todos os exercícios de 2016 a 2019.

 

Na verdade, por um lado, o próprio diferimento da consideração fiscal de gastos, obrigado a suportar o pagamento de um imposto que podia ser evitado, é, em si mesmo, prejudicial para o sujeito passivo, pois atrasa a disponibilidade da quantia de imposto que resulta da consideração dos gastos.

 

Por outro lado, o facto de os períodos a que, segundo o entendimento adoptado no RIT, deveriam ter sido imputadas as perdas por imparidade serem os de 2016 e 2018, sendo que em relação ao ano de 2016 tal estaria já fora do período temporal em que poderia a AT efectuar correcção simétrica para determinação do respectivo lucro tributável, imputando a esse ano essa perda não aceite em relação ao ano de 2019, evidencia que a aplicação do princípio da especialização dos exercícios, conduz à irrelevância de fiscal absoluta de perdas comprovadas, o que acentua a injustiça da sua não dedutibilidade no ano de 2019.

 

Aqui chegados importa igualmente cotejar esta correção à luz do princípio da justiça.

 

Neste tipo de situações deve dar-se prevalência ao princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios, como bem se explica no recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2023, proferido no processo n.º 0655/16.4BEBRG:

 

«Do referido artº.18, do C.I.R.C., resulta uma vinculação para a A. Fiscal, a qual, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de fiscalização das declarações apresentadas pelos contribuintes. Mas, o exercício deste poder de controlo, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artºs.266, nº.2, da C.R.P., e 55, da L.G.T., para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição. Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário que pode abarcar mais do que um ano fiscal e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de conflito, se deve dar prevalência a este último princípio.

Numa situação destas, em que não seja possível a "correcção simétrica", por razões de tempestividade, a doutrina e a jurisprudência vêem afirmando que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, quando a respectiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais do sujeito passivo, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, tudo tendo por fundamento o princípio da capacidade contributiva, o qual não permite a duplicação de imposto incidente sobre o mesmo facto tributário».”.

 

Assim, relativamente às situações em que, à face do princípio da especialização dos exercícios houve atraso na relevância a fiscal das perdas por imparidade, não se demonstra que o atraso tenha como motivação obter qualquer vantagem fiscal e, pelo contrário, é de concluir a Requerente foi prejudicada com tal atraso.

 

Embora, como se referiu, não se vislumbra na conduta da Requerente qualquer intenção de prejudicar o erário público.

 

A Administração Tributária tem de orientar a sua actividade pela prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP), que se reconduz, em IRC, a que os contribuintes paguem o que devem em função do seu rendimento (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), o que não se compatibiliza com o aproveitamento parcial pela Administração Tributária dos efeitos de erros dos contribuintes sobre a imputação de gastos e perdas, dando-lhes relevo apenas no exercício em que podem proporcionar maior cobrança fiscal e não também naquele ou naqueles exercícios em que desses mesmos gastos resultaria menor receita fiscal, porque daí resultaria um enriquecimento injustificado do erário público.

 

Pelo exposto, procede o pedido quanto à liquidação impugnada, na parte relativa às perdas por imparidade, no valor global de € 127.082,90  (€ 98.242,44 + € 28.840,50), mas não quanto ao valor da correcção de € 21.390,40 por não haver qualquer razão justificativa para o não reconhecimento no exercício de 2016, sofrendo a liquidação impugnada quanto a esta parte do vício de violação de lei.

 

À face do exposto, conclui-se que assiste razão à Requerente, enfermando a correção dos gastos fiscalmente deduzidos relativos a perdas por imparidade em créditos, no valor de € 105.692,50, de vício material de erro nos pressupostos, pelo que vai anulado nesta parte o ato tributário de liquidação de IRC e juros compensatórios supra identificado.

 

No tocante aos juros compensatórios, cabe referir que não se verifica o respetivo requisito constitutivo – de retardamento da liquidação de imposto devido – atendendo a que a liquidação de IRC é inválida por vício substantivo de erro nos pressupostos, pelo que devem, nesta medida, ser também anulados (artigo 35.º, n.º 1 da LGT).

 

 

 

 

Gratificações de Balanço

 

Independentemente de todo o conjunto de argumentos aduzidos pela Requerente e AT, o certo é que, como reconhece a Requerente no artigo 265.º do seu PPA, a mesma não efetuou o pagamento das gratificações até ao ano seguinte, in casu, 2020, como era sua obrigação, por isso nos termos do disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea n) do CIRC, tal gasto não é de aceitar.

 

Invoca a Requerente que corrigiu esta situação no valor de 17.770,00 € em 2020 e que irá corrigir o restante em 2022, pelo que a manter-se a correção tal teria como consequência uma duplicação de coleta.

 

Para tanto, junta como suporte da sua pretensão os Documento n.º 25 e 27 junto aos autos, que consubstanciam, respetivamente, um mapa de previsão de encargos com férias a Dezembro de 2020 e uma regularização das contas 2311 e 2312 referente ao exercício de 2022.

 

  A AT respondeu dizendo que não se provou suficientemente a relação desses documentos com a correção invocada pela Requerente.

 

 É certo que a melhor doutrina considera que existe um dever de, em situações deste tipo, a AT proceder, oficiosamente, às correções simétricas que se mostrem necessárias, de forma a obstar à ocorrência de situações de tributação por um rendimento líquido superior ao real, quando considerados, na globalidade, os diferentes exercícios em causa.

 

O contencioso tributário (onde se insere o arbitral) é um contencioso de mera anulação visando a apreciação, sequencialmente, dos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado (aqui a liquidação adicional de imposto) e dos vícios arguidos que conduzam à sua anulação – art.º 124, n.º 1 do CPPT, ou seja, a impugnação judicial (e nesta sede a arbitral) visa a anulação de actos, é este o seu objecto, até por razões de optimização da tutela jurisdicional dos administrados.

 

Não compete ao Tribunal Arbitral, por manifesta incompetência para tal, estar a arbitrar uma justa composição do litígio, interferindo em exercícios fiscais e liquidações de imposto que não estão em causa nos presentes autos.

 

Por outro lado, não existem nos autos elementos que permitam ao Tribunal apurar, para além de qualquer dúvida, se a correção simétrica se fez ou não nos exercícios seguintes, o que poderá ser feito por via de um pedido de revisão oficiosa das liquidações de imposto relativas a esses mesmos exercícios, a apresentar pela Requerente, podendo apenas o Tribunal cogitar que, em tese, tal correção simétrica, a provar-se em sede própria, mesmo que por iniciativa do contribuinte, deverá ainda ser possível.

 

Pelo que improcede esta parte do pedido.

 

No que concerne ao pedido de juros indemnizatórios, é também claro nos autos que a ilegalidade do ato de liquidação de imposto impugnado é diretamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada interpretação (e, logo, aplicação) das normas jurídicas ao caso concreto.

 

Consequentemente a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT que lhe deverão ser pagos desde data em que efectuou o respectivo pagamento da prestação de imposto até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.

 

Termos em que procede o pedido da Requerente nesta parte, naturalmente limitado à parte do pedido que vai procedente.

 

 

IV.    Decisão

 

À face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral no que concerne à ilegalidade das correções de perdas por imparidade no valor de € 105.692,50, respeitante ao IRC de 2019, com a consequente anulação parcial da liquidação e juros compensatórios em crise nos autos;
  2. Julgar improcedente o pedido referente à ilegalidade das correções de perdas por imparidade no valor de € 21.390,40 e gratificações de balanço no valor de € 21.000,00, respeitante a IRC de 2019.
  3. E nestes termos condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período, a contar desde o pagamento do imposto ora anulável nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso.

 

 

V.      Valor da Causa

 

Fixa-se ao processo o valor de € 36.098,75, respeitante ao montante da liquidação de IRC e de juros compensatórios cuja anulação se pretende obter (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VI.       Custas

 

Custas no montante de € 1.836,00, a suportar pelas partes na proporção do respetivo decaimento, à Requerente na percentagem de 28,626% e à Requerida na percentagem de 71,374%., em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Março de 2024.

 

 

 

 

A árbitra,

 

Sónia Martins Reis