Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 165/2022-T
Data da decisão: 2024-02-19  Selo  
Valor do pedido: € 37.066,80
Tema: Imposto de selo sobre juros e comissões debitados pelos bancos no âmbito de operações de crédito e comissões de colocação em mercado do papel comercial.
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SUMÁRIO:

a) No caso das operações de crédito contratadas com bancos, incluindo os respetivos juros e comissões associadas, não é aplicável às SGPS, em geral, a isenção de IS consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo (CIS), dado que não considera serem uma “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária.

 b) As comissões de colocação em mercado do papel comercial emitido por SGPS, não se encontram sujeitas a IS, ao abrigo da proteção que é conferida às operações de reunião de capitais pela Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

 

DECISÃO ARBITRAL

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 16-03-2022, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 04-05-2022.

I – RELATÓRIO

 

1- A... SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., ...-..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

1.1- Pediu que o Tribunal procedesse à anulação das liquidações de Imposto de Selo (IS) referentes ao período de 09/2019 a 07/2021 - da Verba 17.1 e 17.3 da Tabela Geral de Imposto de Selo no valor global de €37.066,80, pressupondo a ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa relativa ao processo n.º ...2021... .

1.1.1- E em consequência, se procedesse à condenação da AT no reembolso do IS alegadamente pago indevidamente, no montante de € 37.066,80, nos termos do artigo 100.º da LGT e, bem assim, no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.°, n.º 1, da LGT, contabilizados desde a prolação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tudo com as demais consequências legais;

 

1.2- Sustenta

Que é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), encontrando-se constituída e a operar em Portugal nos termos do Regime Jurídico das SGPS, consagrado no Decreto-Lei n.º 495/86, de 30 de dezembro.

Sendo que, no desenvolvimento da sua atividade, se financia através de crédito bancário e emissão de papel comercial. Nesse âmbito, tem suportado IS, quer sobre juros e comissões debitados pelos bancos no âmbito dessas operações de crédito, quer sobre comissões de colocação que os intermediários financeiros lhe cobram pela colocação em mercado do papel comercial por si emitido.

Como bem sintetizado na Resposta da AT, … entende, pois, a Requerente que tal IS não é devido em qualquer das situações descritas, na medida que considera que: a) No caso das operações de crédito contratadas com bancos, incluindo os respetivos juros e comissões associadas, … era aplicável a isenção de IS consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS), dado que considera ser uma “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária; b) No que respeita às comissões de colocação em mercado do papel comercial por si emitido, entende a Requerente que as mesmas não se encontram sequer sujeitas a IS, ao abrigo da proteção que é conferida às operações de reunião de capitais pela Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (“Diretiva da Reunião de Capitais), mormente pelo seu artigo 5.º, n.º 2, alínea b). 6.º No âmbito e em resultado daquelas operações e serviços financeiros – operações de concessão de crédito, comissões e juros no âmbito de financiamentos concedidos por instituições financeiras e comissões por intermediação financeira em emissões de papel comercial –, as instituições de crédito, na qualidade de sujeitos passivos, liquidaram às Requerentes, durante aquele período, imposto do selo ao abrigo da verba 17 da TGIS.

 

1.3- Por seu turno, a AT, argumenta…

Que a Requerente apresentou a já referida reclamação graciosa, no âmbito da qual foi proferida a decisão de indeferimento, conforme o despacho do Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), em subdelegação de competências, datado de 29 de dezembro de 2021, e para cuja fundamentação remete e dá por reproduzida.

Relativamente á isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS refere que as operações subjacentes à parte das liquidações contestadas no presente ppa estão sujeitas ao imposto do selo, por força do art.º 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e Verbas 17.1.1 a 17.1.4 da TGIS. 15.º porquanto, na qualidade de sociedade gestora de participações sociais (SGPS), a Requerente não pode ser qualificada como instituição financeira, de crédito ou sociedade financeira para efeitos da referida norma de isenção.  Conforme se explicita, mormente nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 856/2019-T, 37/2020-T, 559/2020-T, 79/2021-T, 92/2021-T, 62/2021-T, 170/2021-T, 444/2021-T e 471/2021-T.

 

No que respeita á não sujeição a Imposto do Selo dos encargos suportados diretamente relacionados com comissões de colocação em mercado de títulos negociáveis – da alegada não sujeição a IS das comissões cobradas pelos bancos no âmbito da montagem e colocação das emissões de papel comercial realizadas pela Requerente … não assiste razão à Requerente.

referindo que, quanto a esta questão já se pronunciou o tribunal arbitral, mormente no âmbito do Processo n.º 856/2019-T, que decidiu não proceder o pedido da Requerente relativo à não-tributação, em sede de imposto de selo, dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidas».

 A Requerente solicitou os serviços de intermediação financeira de instituições de crédito para procederem à colocação no mercado do papel comercial por si emitido, mas também aqui não estava obrigada a fazê-lo. 100.º Não pode, por isso, considerar-se que estes encargos, decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, ou a sua colocação no mercado, maxime as comissões cobradas pelos bancos, estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, porquanto uma e outra operação podia ter sido praticada pela Requerente diretamente, sem a intermediação financeira (facultativa).

 

II- SANEAMENTO

1- Na Resposta aludiu, a AT, á existência de dois processos onde, em situação fático-jurídica idêntica á discutida nos autos, foi decidido proceder ao Reenvio Prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.

1.1- Sendo certo que a fundamentação evocada, se relacionava, de forma manifesta, com questões materialmente análogas ás discutidas nos presentes autos, entendeu o Tribunal proceder á suspensão da instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, no âmbito do Proc. 118/20.3BALSB e 208/2021-T, do CAAD, (salientando, agora, o erro de escrita relativo ao nº do processo no TJUE)

2- Considerando, que, entretanto, foi proferida e publicada, importante e especifica, jurisprudência no TJUE, entendeu o Tribunal, estar na posse de elementos que permitem a Decisão, concedendo às partes o prazo simultâneo de 10 (dez) dias para, querendo, apresentarem alegações escritas e, querendo, também, se pronunciarem, especificamente, sobre o teor e efeitos das Decisões proferidas nos processos:

- AP C-207/22/C-267/22/C290/22, de 26-10-2023, publicado no JOC C72023/1606 DE 4-12-2023 

- C-335/22, de 19 de Julho de 2023

2.1- Não houve qualquer pronuncia, no respeitante.

3- O Tribunal é competente. O processo não enferma de nulidades. Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa, nos termos sobreditos, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.  

 

III- Factos

III.1- A Contribuinte é uma sociedade gestora de participações sociais, encontrando-se constituída e a operar em Portugal nos termos do Regime Jurídico das SGPS, consagrado no Decreto-Lei n o 495/88, de 30 de dezembro, o qual regula a gestão contratualizada de participações sociais de várias sociedades numa só, em ordem à sua gestão centralizada e especializada, prosseguindo uma forma indireta de exercício de atividades económicas.

III.1.1- Na prossecução do seu objeto social e no âmbito da atividade que desenvolve, recorre, com regularidade, às formas de financiamento, crédito bancário junto de diversas instituições de crédito e emissão de papel comercial que são colocadas junto de investidores no mercado.

III1.2- As instituições de crédito, na qualidade de sujeitos passivos liquidaram e entregaram IS ao Estado, quer sobre a utilização de crédito (verba 17.1 TGIS), quer sobre os juros e comissões associadas ao crédito (verba 17 3 TGIS), quer ainda, sobre as comissões de colocação em mercado do papel comercial por SI emitido (verba 17.8 TGIS), por referência aos períodos de setembro de 2019 a julho de 2021 consubstanciado nas guias de retenção na fonte multi-tmposto IRS/IRC e IS, entregues pelas instituições de crédito junto da administração tributária, no valor global de € 37.066,80, de acordo com o disposto nos artigos 23º e 41º  do CIS.

III.1.2.1- Em concreto, nos termos seguintes:

 

Imposto do Selo

Decisão

Período

Verba TGIS

Montante Reclamado

Montante Deferido

Set 2019 a Jul 2021

Verba 17. da TGIS

37 066,80 €

0,00 €

 

Identificação dos montantes de imposto do Selo verba 17. TGIS

Natureza operação

Instituição de crédito

Montante

IS s/ utilização de crédito, juros e comissões

Banco Comercial Português, SA (BCP)

407,19

Banco Santander Totta, SA (BST)

2.948,72

Banco Português de Investimento (BPI)

5.623,68

Caixa Geral de Depósitos, SA (CGD)

240,00

 

Sub-Total

9.219,59 €

IS s/ comissões de colocação

Banco Comercial Português, SA (BCP)

5.100,00

Banco Português de Investimento (BPI)

14.000,00

Caixa Geral de Depósitos, SA (CGD)

6.822,83

Caixa — Banco de Investimento, SA (Caixa BI)

1.924,38

 

Sub-Total

27.847,21 €

 

TOTAL

37.066,80 €

 

III1.3- Inconformada com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, (oportunamente apresentada), com data de 14.12.2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo

 

III.1.4- Motivação e decisão da Matéria de Facto

 Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 III.14.1- No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta a posição consensual assumida pelas Partes em relação à matéria de facto, por ambas apresentada.

III.1.4.2- Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados. 

 

IV- DO DIREITO

IV.1- As questões controvertidas no presente processo, que impõem apreciação, para decisão, são as seguintes:

a) No caso das operações de crédito contratadas com bancos, incluindo os respetivos juros e comissões associadas, era aplicável a isenção de IS consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS), dado que considera ser uma “instituição financeira”, nos termos da legislação comunitária?

 b) No que respeita às comissões de colocação em mercado do papel comercial emitido pela Requerente, as mesmas não se encontram sujeitas a IS, ao abrigo da proteção que é conferida às operações de reunião de capitais pela Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008?

 

IV.2- Sobre tal problemática/questões pronunciou-se o TJUE, proferindo Acórdãos, como referido, nos processos:

- AP C-207/22/C-267/22/C290/22, de 26-10-2023, publicado no JOC C72023/1606 DE 4-12-2023 

- C-335/22, de 19 de Julho de 2023

IV.3- No que respeita á primeira questão, faz-se constar dos processos apensos C‑207/22, C‑267/22 e C‑290/22,

…   Quanto às questões prejudiciais

Com as questões submetidas, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto desta disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2023, M. Ya. M. (Repúdio da sucessão por um co‑herdeiro), C‑651/21, EU:C:2023:277, n.° 41 e jurisprudência referida].

Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013.

O artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende‑se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.°, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C‑290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.

Além disso, embora a redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.° 575/2013.

Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

Ora, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.

Por outro lado, resulta do artigo 4.°, n.° 1, ponto 21, do Regulamento n.° 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.°, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa‑mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro.

Afigura‑se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

No entanto, como a advogada‑geral salientou no n.° 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado‑Membro.

Com efeito, o artigo 34.° desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado‑Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.

Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.°, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

Em seguida, o Regulamento n.° 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

Mais precisamente, resulta do artigo 18.°, n.° 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira‑mãe ou da companhia financeira mista‑mãe.

Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

Além disso, decorre do artigo 4.°, n.° 1, ponto 27, do Regulamento n.° 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

Ora, resulta do artigo 36.°, n.° 1, alíneas g) a i), do artigo 56.°, alíneas c) e d), e do artigo 66.°, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.°, n.° 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.

Decorre do exposto que o Regulamento n.° 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

Por último, o artigo 5.° da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

Do mesmo modo, o artigo 117.°, n.° 1, e o artigo 118.° desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.° da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.° do Regulamento n.° 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013.

Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

IV.4- NO QUE RESPEITA Á SEGUNDA QUESTÃO

Atente-se no Acórdão C-335/22, de 19 de Julho de 2023, do TJUE:

Com as suas duas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões.

A título preliminar, importa recordar que resulta da decisão de reenvio que as obrigações e o papel comercial em causa no processo principal foram emitidos por sociedades comerciais abrangidas pelo conceito de «sociedades de capitais», na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2008/7. Tais sociedades estão, por conseguinte, abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.

Neste contexto, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 proíbe expressamente a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 28 e jurisprudência referida).

Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.°, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C‑31/97 e C‑32/97, EU:C:1998:508, n.os 19, 21 e 22).

Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.os 23 e 24 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 31).

Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público ofertas de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial, e de desenvolver todos os seus melhores esforços para os distribuir de modo que promova a respetiva subscrição e aquisição ou de os adquirir por sua conta para efeitos de revenda junto do público constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 33).

Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de colocação em mercado com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 34).

A este respeito, há que recordar que, por um lado, essa disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C‑656/21, EU:C:2022:1024, n.° 35 e jurisprudência referida).

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.

Vejamos,

IV.5- Além da vasta doutrina e juriprudência europeia e nacional, sobre o tema da vinculação dos tribunais nacionais ás decisões do TJUE, .....cumpre referir com Carla Machado, citada, entre outros, no Ac. do TRL460/17.0YHLSB de 07-06-2018[1] pertinente é não olvidar que “ as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros

Assim, para além da consagração expressa de alguns dos princípios estruturantes da ordem jurídica europeia previstos no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE), além de alguns dos princípios gerais do direito da União Europeia, é mister atentar ao papel da jurisprudência principialista do TJUE, que gozando ainda de precedente vinculativo, assume particular relevância na fixação e subsequente densificação dos princípios que subjazem a esta ordem jurídica.

Depois, e partindo do princípio da lealdade europeia [ do artigo 4.º do TUE  ], pertinente é também não olvidar [ reafirma Carla Machado ] que tem o TJUE vindo a reafirmar uma série de outros princípios com vista a assegurar os objectivos da União de direito, sendo de destacar de entre eles o princípio do primado [ o qual impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional , e estando o mesmo internamente plasmado na conjugação dos artigos 7.º, n.º 6 e 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa ] , o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado-juiz por violação das obrigações europeias, e dirigindo-se o primeiro também ao juiz nacional e a quem de resto incumbe fiscalizar e zelar pela aplicação do direito da União e a sua efectiva tutela jurisdicional.
Alinhando por semelhante entendimento, e no que aos efeitos materiais  da decisão prejudicial - sobre a decisão a proferir no processo nacional em que foi colocada - diz respeito, chama a atenção Carla Câmara[2]   que o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial, sendo razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade.

No mesmo sentido se pronuncia Jónatas Machado, in “Direito da União Europeia”, pág. 591/592, acrescentando: “…a sentença do TJUE vincula igualmente os demais tribunais nacionais do Estado-membro em causa e dos vários Estados-membros que se vejam confrontados com a mesma questão jurídica. A decisão adquire, por isso, uma eficácia a tender para efeitos erga omnes. Embora juridicamente se esteja perante efeitos circunscritos ao caso, e não se possa falar de preclusão de novos reenvios, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da igualdade, da proibição do arbítrio e da discriminação e da unidade do sistema jurídico europeu acabam por determinar a vinculação dos tribunais nacionais por estas decisões”.

 

IV.6- Ou seja, pouco importam, nesta sede, as várias decisões do CAAD, (sem prejuizo do recurso para o STA), as informações oficiais, ou, sequer, o entendimento ou convicção jurídica que o Tribunal tem, em tese, sobre a questão debatida.

Pode, ou não, o Tribunal concordar com as asserções ou conclusões dos Acórdãos proferidos, mas delas não se pode afastar para produzir a Decisão que lhe é acometida, sendo certo, por maioria de razão, estarem os autos envolvidos, ainda que indiretamente, no procedimento de reenvio, por força da sua suspensão, na razão dos mesmos.

 

IV.6.1- Sendo certo, outrossim, que as mesmas não permitem outra interpretação que não as referidas e declaradas pelo TJUE:

Por um lado:

IV.6.1.1- O artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012,

devem ser interpretados no sentido de que:

uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

[Confira-se no mesmo sentido o Acórdão no proc. 0118/20.3BALSB de 24-01-2024 do Pleno da Secção do CT do STA]

Por outro lado

IV.6.1.2- O artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.

IV.7- Assim e, no tocante a esta segunda questão, como bem se refere, na Decisão proferida no processo 208/2021-T

 .... O Tribunal de Justiça, no processo de reenvio enxertado nos presentes autos arbitrais, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, que correu termos sob o n.º C-335/22, clarificou, em acórdão proferido em 19 de julho de 2023, a interpretação a conferir ao artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais, no sentido de que esta norma veda a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por uma entidade bancária [o Requerente] pela colocação no mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial.

  À face do exposto, conclui-se que:

Atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça, declarativa da incompatibilidade com o disposto no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, da incidência de Imposto do Selo sobre comissões de colocação em mercado de obrigações e papel comercial ou outros títulos de dívida, cobradas por numa entidade bancária, …. na qualidade de intermediário financeiro; e

Atento o princípio do primado do direito da União Europeia e o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, são inválidas as autoliquidações de Imposto do Selo impugnadas nos autos, porque contrárias ao direito da União Europeia (violação de lei), pelo que as mesmas vão anuladas, por ilegalidade substantiva, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

IV.8- Tudo visto, em conformidade ao exposto, impõe-se determinar a anulação parcial do acto tributário de liquidação de IS, em apreço nos autos, uma vez que padece de ilegalidade, nos termos referidos.

 

V- Juros indemnizatórios

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

E, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia.

Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado.

O TJUE também já decidiu que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência na só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11.

Também, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

Assim, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia de IS paga indevidamente, nos termos do disposto nos arts. 24.º, n.º 1 al. b) do RJAT, 100.º e 43.º da LGT.

 

VI- Procedem, assim, em parte, os fundamentos da Requerente, reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efetuada, do que resultará a sua anulação parcial, devendo ser restituído ao Requerente a quantia de €27.847,21, acrescida de juros indemnizatórios, calculados desde a data de indeferimento da Reclamação Graciosa, 14.12.2021, até à efetiva restituição.

 

VII- DECISÃO

Termos em que:

- Se julga, parcialmente, procedente o pedido arbitral de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e anulação do ato tributário impugnado, devendo ser restituído á Requerente a quantia de €27.847,21. 

- Se julga procedente o pedido de juros indemnizatórios, sobre essa quantia, nos termos referidos.

- Se condenam a Requerida e Requerente nas custas do processo, na razão do vencimento/decaimento.

 

VIII- VALOR DO PROCESSO 

Em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €37.066,80.

 

XIX- CUSTAS 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €1.836,00, a cargo da Requerida e Requerente, na razão de €1.379,30/€456,70, respetivamente.

 

Lisboa, 19-02-2024

 

O Árbitro   

 

Fernando Miranda Ferreira

 

 



[1] In A interpretação (des)conforme ao direito da União Europeia patente no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º15/2013 do Supremo Tribunal de Justiça Português, pág. 165

[2] Em colaboração com Maria José Rangel de Mesquita, in Guia Prático do Reenvio Prejudicial, Edição do Centro de Estudos Judiciários, págs  16 e segs.