Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 96/2021-T
Data da decisão: 2021-12-08  IVA  
Valor do pedido: € 6.712,58
Tema: IVA. Penalizações contratuais.
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SUMÁRIO:

 

As penalizações contratuais advindas de atrasos nas entregas de bens e da entrega de bens sem a qualidade contratualmente assumida, estão directamente conexas com as operações de transmissão de bens tributáveis a que respeitam e devem ser consideradas, em termos económicos,  como fazendo parte integrante das referidas operações, encontrando-se, em tal medida, sujeitas a IVA.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro, Dr. Martins Alfaro, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 22-06-2021, profere a seguinte Decisão Arbitral:

 

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., S.A., com o NIF ... e sede social na ..., ...-... ... .

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral: Constituem objecto do pedido de pronúncia arbitral as seguintes liquidações adicionais de IVA:

 

Liquidação n.º

Data

Período IVA

Valor

Valor
Impugnado

...

09-04-2020

1812M

913,47

913,47

...

09-04-2020

1901M

6.745,00

115,00

...

09-04-2020

1903M

460,00

460,00

...

09-04-2020

1904M

115,00

115,00

...

09-04-2020

1905M

115,00

115,00

...

09-04-2020

1909M

1.478,31

1.265,81

...

06-05-2020

1910M

115,00

115,00

...

06-05-2020

1911M

4.373,24

115,00

...

24-06-2020

1912M

1.316,06

1.316,06

...

02-10-2020

2001M

485,00

230,00

...

02-10-2020

2002M

3.403,94

1.952,24

              TOTAL

 

 

 

6.712,58

 

 

 

A.4 - Pedido: Deve a presente impugnação ser considerada totalmente procedente, por provada, e, em consequência serem anulados os actos de indeferimento das Reclamações Graciosas (processos n.ºs ...2020... e ...2020...) e as liquidações adicionais de IVA n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., 33614795, no valor de € 6.712,58, bem como as demonstrações de acerto de contas n.ºs 2020... e 2020..., no valor de € 935,00 e € 8.348,47, respectivamente, com fundamento de que tais liquidações incorrem em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzido no incumprimento do artigo 16.º n.º 1 e 6 alínea a) em conjugação com o disposto nos artigos 1.º nº 1 e 4.º n.º 1, todos do Código do IVA, e artigos 55.º e 68.º-A da LGT.

 

A.5 - Fundamentação do pedido de pronúncia arbitral:

As liquidações adicionais de IVA, objecto do pedido de pronúncia arbitral, referem-se a correcções de imposto relativamente a penalidades cobradas por clientes da Requerente, no âmbito de contratos de fornecimento de fruta e legumes, tendo a AT considerado não estarem aquelas sujeitas a IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.

As notas de crédito em causa nos autos resultam de pontuais incumprimentos contratuais por parte da Requerente, como quando a quantidade de mercadoria disponibilizada é inferior à quantidade encomendada ou a mercadoria disponibilizada é devolvida por não cumprir com os padrões de qualidade acordados pelas partes, facto expressamente reconhecido pela AT.

 

Não oferece qualquer dúvida que as notas de crédito em causa têm subjacente uma transmissão de bens e destinam-se a repor o nível de rendimento que os clientes da Requerente deixaram de obter por força do incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso do contrato por parte da Requerente.

 

Pelo que se terá necessariamente de concluir que as referidas penalizações, cobradas pelos clientes da Requerida, têm uma natureza remuneratória, destinando-se a compensar os seus lucros cessantes, em resultado da não entrega ou entrega de produtos não conforme com as condições acordadas em contrato, estando por este motivo sujeitas a IVA.

 

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

Por Excepção:

 

No âmbito do presente processo, o que é efectivamente sindicado é um autêntico acto de indeferimento de reembolso solicitado pela Requerente, e não pretensos actos de liquidação adicional de IVA.

 

Os actos aqui em causa, nomenclados de liquidações adicionais, não mais traduzem do que o resultado do acerto de contas entre o reembolso solicitado pela Requerente e as correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária após se ter procedido à aferição da legitimidade dos referidos pedidos de reembolso.

 

 

 

Conclui-se, com clareza, que os actos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAMT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos, ainda que do seu indeferimento caiba impugnação judicial.

 

Esta jurisdição arbitral não é, assim, competente para conhecer da pretensão da Requerente relativamente ao pedido que formulou, já que o acto de indeferimento parcial de um pedido de reembolso não traduz um acto tributário de liquidação.

 

Acresce que sujeitar os indeferimentos de pedidos de reembolsos à competência do Centro de Arbitragem, mais não é que sentenciar tais matérias à insusceptibilidade de serem revistas em 2.ª instância, através do recurso ordinário previsto no artigo 280.º do CPPT, o que violaria frontalmente o princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do duplo grau de decisão, decorrentes dos artigos 20.º e 268.º da CRP.

 

Está-se perante excepção dilatória de incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria a que se reporta os deferimentos parciais de reembolsos solicitados, o que obstaculiza a que esse Tribunal conheça do mérito da acção e, em conformidade, deve a Requerida ser absolvida da instância.

 

Por impugnação:

 

Os autos referem-se a situações nas quais a Requerente, em virtude de incumprimentos de ordem diversa em contratos celebrados com os seus clientes, recebeu destes facturas e, emitiu notas de crédito correspondentes, em ambos os documentos, com IVA a 23%, imposto este que deduziu.

 

Tais incumprimentos não correspondem a qualquer operação económica, pelo que forçoso será concluir que, nos termos feitos constar do PAT e com os fundamentos ali feitos constar, de acordo com a Doutrina e Jurisprudência ali referidas, não constituindo os incumprimentos da Requerente, quaisquer serviços prestados pelos seus clientes e, assim, não sendo os montantes suportados pela Requerente a título de penalidades, a remuneração de quaisquer bens ou serviços que os seus clientes lhe tenham transmitido/prestado, não são sujeitos a imposto e, assim, sendo o imposto indevidamente liquidado, não é passível de ser deduzido pela Requerente, pelo que deverá improceder o pedido da Requerente.

 

A.7 - Instrução:

 

Além da excepção invocada pela Requerida, da qual a Requerente foi notificada, tendo-se pronunciado pelo seu não acolhimento, não foram invocadas outras excepções nem arguidas nulidades.

 

O Tribunal entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAMT, bem como a produção de alegações.

 

 

B - SANEAMENTO:

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22-06-2021.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

Como anteriormente referido, na sua Resposta, a Requerida excepcionou a competência material do Tribunal Arbitral, excepção essa que será conhecida imediatamente e com precedência do conhecimento do mérito do pedido, se a este houver lugar.

 

Para tanto, a Requerida alegou em síntese, que a Requerente pretende sindicar, em sede arbitral, autêntico acto de indeferimento de reembolso solicitado pela Requerente, e não pretensos actos de liquidação adicional de IVA, pelo que o objecto do pedido não seria um acto de liquidação de tributos, mas antes um acto administrativo em matéria tributária, de indeferimento de pedido de reembolso de IVA e, como tal, subtraído ao âmbito de competência material do Tribunal Arbitral.

 

A Requerida invoca, em seu favor, diversas Decisões Arbitrais tributárias e bem assim jurisprudência do STA, no sentido de que os actos que indefiram pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, pois nem no RJAMT, nem na portaria de vinculação o legislador fez constar a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.

Decidindo:

 

Nos termos do regime estatuído nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT e 2.º, da Portaria de Vinculação, a determinação da competência material do Tribunal Arbitral afere-se em função do objecto do processo.

 

Da leitura do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, resulta inequívoco pretender a Requerente a apreciação da legalidade das «liquidações adicionais de IVA n.°s ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., no valor de € 6.712,58, bem como as demonstrações de acerto de contas n.°s 2020... e 2020..., no valor de € 935,00 e € 8.348,47», tal como consta do pedido.

 

Também nos artigos 19.º e 20.º, do pedido de pronúncia arbitral, consta expressamente o seguinte:

 

19.º

O objeto do presente pedido de pronúncia são os atos de liquidação adicional de IVA constantes dos dois quadros acima referidos (cfr. Documentos 3 a 13), no valor total de € 6.712,58 (€ 4.530.34 + € 2.182,24), cuja pretensão de anulação, conforme acima referido, foi inicialmente peticionada em sede dois processos de reclamação graciosa (cfr. Documentos 1 e 2), apresentados pela Requerente e indeferidos pela AT.

 

20.°

Deste modo, a Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA acima identificados, bem como, sejam anuladas as decisões de indeferimento dos processos de reclamação graciosa que precederam o presente pedido de pronúncia, nos termos dos artigos 2.° n.° 1 alínea a) do RJAT e 99.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”).

 

Assim, configurando a Requerente esses actos de liquidação como objecto do processo arbitral, é em relação a eles que deve ser aferida a competência do Tribunal - sendo que a esta conclusão não obsta o facto de ter ocorrido indeferimento de reembolso de IVA.

 

Ora, uma vez que o presente pedido de pronúncia arbitral comporta tão-só a apreciação de actos tributários praticados pela AT, aqui Requerida, entende-se ser este Tribunal Arbitral materialmente competente para apreciar a pretensão da Requerente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º da Portaria de vinculação, improcedendo assim a excepção invocada pela Requerida.

 

Daí  que não proceda igualmente a alegação da Requerente de que «sujeitar os indeferimentos de pedidos de reembolsos à competência do Centro de Arbitragem, mais não é que sentenciar tais matérias à insusceptibilidade de serem revistas em 2.ª instância, através do recurso ordinário previsto no artigo 280.º do CPPT», o que violaria «frontalmente o princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do duplo grau de decisão, decorrentes dos artigos 20.º e 268.º da CRP».

 

É que, reitera-se, nos presentes autos o que está em causa não é a apreciação da legalidade do indeferimento de pedidos de reembolso de IVA, mas sim a apreciação da legalidade de liquidações de IVA objecto de pedido de pronúncia arbitral e dos fundamentos pelos quais tais liquidações foram praticadas.

 

No mesmo sentido, o Acórdão do TCA - Sul, proferido em 28-11-2019, no processo n.º 44/19.9BCLSB.[1]

 

O Tribunal é, por conseguinte, materialmente competente, encontrando-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAMT.

 

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

 

C.1 - Matéria de facto - Factos provados:

 

Com relevância para a decisão da presente causa, têm-se por assentes os seguintes factos:

A fundamentação das liquidações objecto de pedido de pronúncia arbitral, foi a seguinte, em síntese útil:

 

Verifica-se a existência de notas de crédito emitidas pela Requerente, a favor de “B... SA”, “C...” e “D..., SA”, com a designação de “Penal - penalizações”, “Penalização por não entrega...” e Penalização - atraso na entrega”.

 

Notificados os clientes da A... para esclarecimento da natureza destas rubricas, foram prestados os seguintes esclarecimentos:

 

Rubrica

Cliente

Esclarecimento sobre a rúbrica

Penal - Penalizações

B...

Indemnizações por incumprimento de cláusulas contratuais por parte de fornecedores

Penalização - atraso
na entrega

C...

Este descritivo surge em faturas que são emitidas em caso de incumprimento dos prazos contratuais para a entrega da mercadoria por parte do Vendedor, designadamente o incumprimento das datas contratuais de entrega, bem como em caso de divergência da qualidade contratualmente definida para os artigos em causa.

Penalização por não
entrega

D...

Débito trimestral da percentagem estabelecida no acordo comercial com os nossos parceiros, aplicado sobre o valor da mercadoria encomendada mas não entregue no prazo acordado;

 

           
 

 

Pela análise do exposto anteriormente, trata-se de penalizações conexas com:

  1. Atrasos nas entregas da mercadoria;
  2. Entrega de mercadoria sem a qualidade contratualmente assumido.

 

De acordo com o n°1 do art. 1o do CIVA"... estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

  1. As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
  2. As importações de bens;
  3. As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias”.

 

Assim, o IVA, enquanto imposto geral sobre o consumo, incide unicamente sobre a “actividade económica”, estando a mesma sujeita a tributação nas diversas fases do circuito económico. A tributação de uma dada operação, em sede do IVA, é feita com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou prestação de serviços, enquanto expressão da actividade económica de cada agente do circuito económico. É, pois, evidente a existência de um nexo sinalagmático.

 

Em contraposição, a satisfação de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito, nascendo ex novo no momento em que é causado o dano. Ora, a entrega de uma indemnização pressupõe, de per si, a ausência de um nexo sinalagmático e, consequentemente, a inexistência de qualquer natureza onerosa.

 

Em suma, as indemnizações que pretendem sancionar a lesão de qualquer interesse sem caracter remuneratório (porque não remuneram qualquer operação), antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.

 

A alínea a), do n.°6, do artigo 16.°, do Código do IVA, exclui do valor tributável das operações “...as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações...”

 

Pela análise deste preceito apenas aquelas indemnizações que sejam declaradas por um órgão jurisdicional se encontram fora do âmbito da incidência do IVA.

 

Porém, tal entendimento afigura-se redutor em face do conceito de indemnização como instituto através do qual o lesado obtém a reparação de um dano por parte do lesante. Por conseguinte, este preceito terá de ser analisado de forma cautelosa, não devendo constituir um qualquer sinal de exclusividade de forma a não desvirtuar, por um lado, o conceito de indemnização e as normas civilísticas que o regem e a respeitar, por outro, as regras e princípios do IVA consagrados na Directiva IVA e no CIVA.

 

Em face do exposto, o preceito em referência apenas poderá ser entendido no sentido de que toda a indemnização que seja reconhecida judicialmente não será sujeita a IVA, uma vez que a intenção do legislador terá sido “reconhecer que a comprovação judicial será suficiente para classificar determinadas prestações como indemnizações, obviando-se ao risco da dissimulação de operações tributáveis a coberto de conceitos aparentemente inócuos”.

 

Assim, e ainda que sem consagração direta na lei, mas sendo o entendimento já firmado, conforme se verifica no Acordão n°1158/11 do Supremo Tribunal Administrativo:

“I - Com base numa interpretação teleológica e sistemática do art. 16°, n°6, alínea a) do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1 °, n°1, e 4o, n°1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, direta ou indiretamente, à contrapartida devida pela realização de uma atividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.

II - Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços."

 

Em conclusão, a A... mencionou indevidamente IVA nas notas de crédito emitidas a favor de B..., C... e D..., com a referência a penalizações, uma vez que estas constituem indemnizações excluídas de tributação, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não sendo tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.

 

As operações a que se refere o IVA em causa tiveram como objecto penalizações contratuais conexas com atrasos nas entregas da mercadoria e com entrega de mercadoria sem a qualidade contratualmente assumida.

A actividade da Requerente centra-se na comercialização de frutas diversas (banana, ananás, kiwi, laranja, manga, papaia, uvas e pêras, entre outras), provenientes do mercado nacional, do mercado comunitário (Espanha e Itália) e mercado externo (África do Sul, Chile, Argentina, Brasil, Costa Rica, Colômbia, Equador, entre outros).

 

Os clientes da Requerente são bastante variados, para além de trabalhar com as grandes superfícies (C..., E..., B..., F..., D... , G... e H...), trabalha igualmente com armazenistas de pequena e média dimensão bem como, com retalhistas nos mercados abastecedores. As vendas localizam-se essencialmente no mercado nacional, verificando-se uma parte residual para o mercado comunitário, essencialmente para Itália e para Espanha.

 

Na sequência de pedidos de reembolso de IVA efectuados pela Requerente nas declarações periódicas de 1909M, 1911M e 1912M, a AT procedeu a diversas correcções ao IVA, as quais deram origem às liquidações a seguir descritas:

 

Liquidação Adicional
IVA

Data

Período IVA

Valor

Valor
Impugnado

...

09-04-2020

1812M

913,47

913,47

...

09-04-2020

1901M

6.745,00

115,00

...

09-04-2020

1903M

460,00

460,00

...

09-04-2020

1904M

115,00

115,00

...

09-04-2020

1905M

115,00

115,00

...

09-04-2020

1909M

1.478,31

1.265,81

...

06-05-2020

1910M

115,00

115,00

...

06-05-2020

1911M

4.373,24

115,00

...

24-06-2020

1912M

1.316,06

1.316,06

 

 

TOTAL

15.631,08

4.530,34

 

 

Não obstante as liquidações adicionais de IVA totalizarem o valor de € 15.631,08, a Requerente apenas impugnou em sede de reclamação graciosa o valor de € 4.530,34.

Na sequência de um pedido de reembolso de IVA efectuado na declaração periódica de 2002M, a AT procedeu a diversas correcções ao IVA, as quais deram origem às liquidações a seguir descritas:

 

Liquidação Adicional
IVA

Data

Período IVA

Valor

Valor
Impugnado

...

02-10-2020

2001M

485,00

230,00

...

02-10-2020

2002M

3.403,94

1.952,24

 

 

TOTAL

3.888,94

2.182,24

 

 

Não obstante as liquidações adicionais de IVA totalizarem o valor de € 3.888,94, a Requerente apenas impugnou em sede de reclamação graciosa o valor de € 2.182,24.

 

O objecto do pedido de pronúncia arbitral é constituído pelo actos de liquidação adicional de IVA constantes dos dois quadros acima referidos, no valor total de € 6.712,58 (€ 4.530.34 + € 2.182,24), cuja pretensão de anulação foi anteriormente peticionada em dois processos de reclamação graciosa.

 

A AT entendeu que a Requerente mencionou indevidamente IVA nas notas de crédito emitidas a favor do B..., do C... e do D..., relativas a penalizações no valor total de € 6.712,58, conforme a seguir se detalha:

 

Pedido Reembolso
de IVA

Período de
Imposto

Nota de crédito

Entidade

Correção IVA
AT

 

1812M

NCA 8618/00246

B...

186,65

 

1812M

NCA 8618/00247

B...

554,32

 

1812M

NCA 8618/00236

C...

57,50

 

1812M

NCA 8618/00237

C...

57,50

 

1812M

NCA 8618/00238

C...

57,50

 

1901M

NCA 8619/00014

C...

115,00

 

1903M

NCA 8619/00042

C...

57,50

 

1903M

NCA 8619/00043

C...

345,00

1909M

1903M

NCA 8619/00044

C...

57,50

 

1904M

NCA 0219/00227

C...

57,50

 

1904M

NCA 0219/00236

C...

57,50

 

1905M

NCA8619/00064

C...

115,00

 

1909M

NCA 8619/00187

B...

2,53

 

1909M

NCA 8519/00048

B...

93,50

 

1909M

NCA 8519/00049

B...

590,18

 

1909M

NCA 8519/00050

B...

289,57

 

1909M

NCA 8519/00051

B...

290,03

 

1910M

NCA 8619/00225

C...

115,00

1911M

1911M

NCA 8619/00243

C...

57,50

 

1911M

NCA 8619/00255

C...

57,50

1912M

1912M

NCA 8619/00269

B...

1.316,06

 

2001M

NCA 8620/00012

C...

115,00

 

2001M

NCA 8620/00014

C...

115,00

 

2002M

NCA 8620/00033

D...

273,01

2002M

2002M

NCA 8620/00042

B...

203,09

 

2002M

NCA 8620/00043

B...

655,50

 

2002M

NCA 8620/00044

B...

100,05

 

2002M

NCA 8620/00045

B...

720,59

6.712,58

 

 

As referidas correcções implicaram uma diminuição do crédito de imposto da Requerente, tendo ocorrido em consequência um reembolso de imposto inferior ao solicitado e, no caso do pedido de reembolso efectuado quanto ao período de 1909M, a emissão das demonstrações de acerto de contas n.° 2020... no valor de € 935,00 e n.° 2020..., no valor de € 8.348,47.

 

Em 10-07-2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA, emitidas no âmbito dos pedidos de reembolso efectuados nos períodos de 1909M, 1911M, 1912M, no que concerne às correcções efectuadas ao IVA no valor de € 4.530,34.

 

Em 15-10-2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA, emitidas no âmbito do pedido de reembolso efectuado no período de 2002M, no que concerne às correcções efectuadas ao IVA no valor de € 2.182,24.

 

Em 04-12-2020 e 30-12-2020, a Requerente foi notificada das decisões de indeferimento das acima referidas reclamações graciosas.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 16-02-2021.

 

C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no teor do Processo Administrativo junto pela Requerida, não impugnados.

 

C.4 - Matéria de direito:

 

C.4.1 - Questão a decidir: Devem as liquidações, objecto do pedido de pronúncia arbitral, ser anuladas?

 

Ambas as partes não dissentem de que que as operações a que se refere o IVA em causa tiveram como objecto penalizações conexas com atrasos nas entregas da mercadoria e com entrega de mercadoria sem a qualidade contratualmente assumida.

 

Onde se verifica a divergência - e constitui a questão central nos autos - é quanto a saber se tais operações se situam no campo do IVA ou, se pelo contrário, não estão a este imposto sujeitas.

É sabido que só estão sujeitas a imposto determinadas operações, enumeradas taxativamente (entregas de bens e as prestações de serviços) - artigo 1.º, n.º 1, do Código do IVA - por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e efectuadas a título oneroso.

 

Enquanto imposto geral sobre o consumo, o IVA visa tributar a capacidade económica do consumidor, capacidade esta que decorre de um gasto patrimonial com vista à obtenção de um benefício - geralmente, a entrega de um bem ou a prestação de um serviço.

 

Por isso mesmo, uma mera prestação pecuniária não determina que o respectivo destinatário fique sujeito a imposto, ainda que seja um sujeito passivo.

 

Para que a operação se situe no âmbito da incidência do imposto, será necessário que a prestação pecuniária tenha como contraprestação uma entrega de bens ou uma prestação de serviços, na acepção conferida pelo Código do IVA - isto é, que se verifique um sinalagma.

 

Para o Tribunal de Justiça da União Europeia, o referido sinalagma ocorre caso exista um nexo directo entre a entrega de bens ou o serviço prestado, de um lado, e o contravalor recebido, do outro.

 

Tal contravalor deve representar a contraprestação efectiva da transmissão de um bem ou na prestação de um serviço individualizável, no âmbito de uma relação jurídica em que se trocam prestações recíprocas.

 

Por isso, os pagamentos realizados fora dessa relação jurídica - a qual deve ser entendida lato sensu, atendendo à natureza do IVA enquanto imposto geral sobre o consumo - não resultam em operações tributáveis.

 

E daí que, para efeitos de IVA, se o destinatário receber um pagamento que não seja a contrapartida de uma vantagem consistente na entrega de um bem ou na prestação de um serviço, não ocorre uma operação a título oneroso.

Por tudo isto, em casos como as operações que estão em causa nestes autos, materialmente com natureza indemnizatória ou compensatória, haverá que apurar o motivo e a finalidade respectivos, para que possa proceder-se à qualificação jurídica tributária enquanto operação efectuada a título oneroso.

 

Ora, no caso dos presentes autos, vimos já que se trata de imposto quanto a operações caracterizadas como penalizações conexas com atrasos nas entregas de mercadoria e com entrega de mercadoria sem a qualidade contratualmente assumida.

 

Tais penalizações encontram o seu fundamento na relação contratual estabelecida entre a Requerente e os seus Clientes, isto é, são directamente conexas com operações tributáveis, porque onerosas, e são devidas por força do contrato.

 

Assim, as referidas penalizações devem ser consideradas, em termos económicos,[2] como fazendo parte integrante das referidas operações e, em tal medida, encontram-se sujeitas a IVA.

 

Pelo que procede o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

D - DECISÃO:

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, em consequência anulando as liquidações controvertidas, anulação esta, contudo, restrita ao valor global de € 6.712,58, decorrente dos valores reclamados graciosamente - artigos 15.º a 19.º do pedido de pronúncia arbitral e aos quais a Requerente expressamente limitou o seu pedido em instância arbitral.

 

Anulados os actos impugnados, insubsistem consequentemente os actos de indeferimento das reclamações graciosas que tiveram aqueles como objecto, uma vez mais na estrita medida da anulação ora decretada.

 

E - VALOR DA CAUSA:

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 6.712,58.

 

O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 6.712,58.

 

F - CUSTAS:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, indo a Requerida, que foi vencida, condenada nas custas do processo.

 

Notifique.

 

Lisboa, 08 de Dezembro de 2021 (apenas nesta data, por motivo de doença).

 

O Árbitro,

 

 

(Martins Alfaro)

 

Assinado digitalmente

 



[2] O Tribunal de Justiça da União Europeia vem reconhecendo expressamente a importância da realidade económica, em sede de IVA.