Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 931/2019-T
Data da decisão: 2021-01-18  IVA  
Valor do pedido: € 24.215,01
Tema: Recusa do direito à dedução do IVA por incumprimento de requisitos formais das faturas.
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SUMÁRIO:

 

1-            A Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto da fatura não observar alguns requisitos formais se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

2-            No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito à dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo.

3-            Resultando do artigo 23º, nº 1, do Código do IRC, na redação vigente à data dos factos, que se consideram gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a aceitação, para efeitos de IRC, de gastos com prestações de serviços traduz-se no  reconhecimento  de que  os mesmos se destinaram à atividade económica do Requerente.

4-            No caso em apreço, mais do que a mera disponibilidade de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos se encontram satisfeitos, a Requerida reconhece que os serviços em causa se destinaram à atividade económica do Requerente, que é tributada em sede de IVA.

5-            Não invocando a Requerida qualquer obstáculo  no controlo do pagamento do imposto constante das faturas em causa, nem qualquer hipotético não pagamento do mesmo pelos seus emitentes  e resultando dos autos que os  emitentes das faturas em causa são sujeitos passivos de IVA, bem como a Requerente, há  que concluir que  estão preenchidos os requisitos substantivos do direito à dedução, não podendo a Administração Fiscal,  à luz do princípio da neutralidade, do princípio da proporcionalidade e do princípio da justiça, recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto das faturas, alegadamente, não preencherem alguns dos requisitos formais  exigidos pelo artigo 35º (atual 36º) do Código do IVA e 226.°, da Diretiva 2006/112.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – Relatório

 

1. No dia 31.12.2019, a Requerente, A..., LDA., NIPC ..., com sede na ..., n.º..., ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2008, no valor de 1.500 €, 10.230,65 € e 9.425,34 €, respetivamente, bem como das liquidações de juros compensatórios relativos aos mesmos períodos, no valor de 224,05 € (Outubro de 2008), 1.491,15 € (Novembro de 2008), 1.343,82 € (Dezembro de 2008).

 

2. Contra as referidas liquidações, a Requerente havia apresentado, em 01/04/2013, impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tendo sido atribuído ao processo o n.º .../13...BEPRT, sucedendo que, até à data do pedido de pronúncia arbitral, a impugnação judicial não havia sido decidida.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro “[o]s sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais”.

 

Ao abrigo desta norma, a Requerente, veio submeter a pretensão formulada no referido  processo n.º .../13...BEPRT para o Centro de Arbitragem Administrativa, mediante a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, tendo requerido a extinção da instância naquele processo.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 18.03.2020.

Nos termos do artigo 21º, nº 2, do RJAT, o prazo de decisão foi prorrogado por dois meses.

 

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

1.            O procedimento de inspeção que esteve na génese da correção das liquidações adicionais de IVA e dos respetivos juros compensatórios relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2008 encontra-se inquinado por nulidade, a qual se manifesta em três vertentes.

 

a) Nulidade por falta de resposta ao requerimento da Requerente enviado em 01/10/2012.

 

2.            A Requerente, após ter sido notificada do teor do relatório de inspeção, através do Ofício nº..., de 19/09/2012, considerou que o procedimento se encontrava ferido por nulidade por violação do direito de audição e em 01/10/2012, através dos seus mandatários, enviou requerimento para a Direção de Finanças do Porto a invocar a referida nulidade que foi recebido na Direção de Finanças no Porto.

3.            A Direção de Finanças do Porto não respondeu nem apreciou as questões que foram suscitadas no requerimento pelo que, consequentemente, violou, de forma grave e frontal, o direito de audição consignado no artigo 60.º da LGT.

 

b) Nulidade por falta de inquirição de testemunhas arroladas.

 

4.            Através de requerimento remetido em 17/09/2012, a Requerente, e após ter sido notificada nesse sentido, pronunciou-se no âmbito da audição prévia e pela segunda vez, acerca dos documentos que serviram de fundamento ao projeto de relatório e no âmbito da sua pronúncia requereu a  inquirição de duas testemunhas relativamente a factos respeitantes à sociedade B..., Ldª mas  não foi notificada para o efeito, sendo surpreendida com a notificação do relatório final da inspeção.

5.            No que concerne aos factos respeitantes a esta empresa o relatório refere expressamente que “… damos como assente os factos relatados nesse ponto pelo sujeito passivo”, pelo que considera a inquirição de testemunhas uma diligência inútil.

6.            Porém, esta expressão não corresponde à realidade, uma vez que, aquando da análise das diversas entidades que prestaram serviços à Requerente, nenhum dos factos que foi alegado na segunda audição e sobre os quais iria incidir o depoimento das testemunhas arroladas foi aí incluído ou relevado, sendo por demais evidente que o considerar os factos como assentes constituiu apenas um escape para não proceder à pretendida, e justificada, inquirição.

7.            A preterição da requerida inquirição de testemunhas constitui uma violação do direito, efetivo, de audição.

 

c) Nulidade por violação do cumprimento efetivo do direito de audição e do princípio da cooperação:

 

8.            Acresce ainda que o relatório sob análise, pura e simplesmente, limitou-se a copiar o projeto e a acrescentar um ponto relativo ao direito de audição, no qual foram criticados os factos e as alegações da inspecionada carreados para os autos no exercício do referido direito.

9.            De facto, a realidade é que o relatório apenas analisa o que foi alegado pela Requerente, considerando determinados factos como “provados” e conclusões como corretas ou incorretas.

10.          Todavia, o direito de audição não pode ser entendido como uma simples crítica ao projeto de relatório que necessita de ser contraditada.

11.          Bem pelo contrário, o direito de audição é uma contribuição importantíssima do sujeito passivo para a inspeção, pois pode trazer, como trouxe, para o procedimento de inspeção, factos que são desconhecidos e relevantes, bem assim factos instrumentais que auxiliam a entender a materialidade em causa.

12.          No que respeita ao caso concreto é manifesto que o direito de audição não foi efetivamente cumprido.

13.          Em consequência, o relatório está ferido com nulidade, tal como acontece com as liquidações adicionais e respetivos juros compensatórios, pelo que tal nulidade deverá ser devidamente declarada.

Sem prescindir,

               

d)Vício de violação de Lei

 

14.          Admitindo, por mera hipótese académica, que os vícios já elencados não tenham por consequência a declaração de nulidade da liquidação, sempre se dirá que esta está ferida de vício de violação de lei, devendo, por isso, ser anulada.

15.          A dedução dos montantes de IVA foram efetuadas pela Requerente corretamente, cumprindo o disposto nos artigos 35º, nº 5 e 19º, nº 2, do CIVA, visto que as pessoas que o relatório considera serem trabalhadores dependentes da Requerente, apenas eram ou prestadores de serviços, ou trabalhadores dependentes de empresas que prestavam serviços à Requerente e  as faturas ou documentos equivalentes nos quais a Requerente se baseou para deduzir os montantes de IVA cumpriam com as exigências legais.

16.          No caso particular da Sociedade C..., Unipessoal, Ldª, a Requerente, na fase inicial do procedimento de inspeção, quando foi notificada para prestar esclarecimentos e juntar documentos, comunicou que a  mesma nunca lhe tinha prestado qualquer tipo de serviço tendo alegado que as duas faturas emitidas em seu nome em 2008 se deveram a lapso manifesto, visto que as mesmas deveriam ter sido emitidas em nome da sociedade comercial D..., Lda., à qual os serviços foram efetivamente prestados pela C..., Unipessoal, Ldª.

17.          Em consequência, a Requerente referiu ainda que, para regularizar este lapso, e por uma questão de facilidade, contabilizou um acréscimo de proveito em 2008, tendo facturado os valores em causa em 2009 à D..., Lda.

18.          No caso  de  E... prestava serviços no âmbito da programação, baseados no grau de conhecimento da SII, desenvolvimento em SQL e RPG III e IV e ILERPG – linguagens; e ainda CL programming; ao que aliava o conhecimento funcional do produto trabalhado e em virtude de os gerentes da Requerente conhecerem a qualidade dos serviços que oferecia, contactaram-na em meados de Outubro de 2008 no sentido da mesma prestar os seus serviços à Requerente em regime de avença, tendo ficado estabelecido que o custo do seu serviço ascenderia a 2.000 €, por mês, acrescido de IVA.

19.          Relativamente à empresa F..., Unipessoal, Ldª importa salientar que esta empresa   oferecia serviços no âmbito da programação de RPG III e IV, sendo especializada na área de programação, faturação e gestão de stocks e produção, ao que aliava o conhecimento funcional do produto trabalhado.

20.          Em virtude de os gerentes da Requerente conhecerem a qualidade dos serviços que oferecia, contactaram-na em meados de Outubro de 2008 no sentido da mesma prestar os seus serviços à Requerente no regime de avença tendo ficado estabelecido que o custo do seu serviço ascenderia a 2.500 €, por mês, acrescido de IVA.

21.          Foi igualmente acordado entre a Requerente e a F..., Ldª, que se aquela necessitasse de mais serviços para além dos que estavam estipulados no acordo inicial, os mesmos seriam faturados à parte da avença mensal.

22.          Também   as faturas ou documentos equivalentes emitidas pela E... e F..., Ldª, nos quais a Requerente se baseou para deduzir os montantes de IVA, cumpriam com as exigências legais.

23.          Pelo que, falece razão à AT quando considera que não foram cumpridos os requisitos legais.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

Nulidade por preterição de formalidades no procedimento inspetivo.

 

1.            Relativamente ao aduzido nos artigos 22º a 70º da petição inicial, vem a Requerente suscitar o vício de forma por irregularidades praticadas no decurso da ação inspetiva, mais concretamente, 1 – Nulidade por falta de resposta ao requerimento da Impugnante enviado em 01/10/2012; 2 – Nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas; 3 – Nulidade por violação no cumprimento efetivo do direito de audição e do princípio da cooperação.

2.            Relativamente ao requerimento de 01/10/2012, consta do processo administrativo prova bastante de que a impugnante foi notificada da resposta, designadamente pela assinatura do competente aviso de receção.

3.            A respeito da inquirição de testemunhas, a simples leitura de fls. 97 e seguintes do RIT materializa o contraditório pleno à argumentação apresentada, porque se demonstra claramente que apesar do invocado e do tema probatório a que se submetiam as testemunhas indicadas, os elementos já conhecidos sempre conduziriam à improcedência da pretensão da impugnante.

4.            Quanto à separação dos relatos antes e após o direito de audição, também não colhe o extensamente expendido porquanto, por um lado, independentemente da organização da exposição que se materializa no RIT, não é o momento da aquisição de determinado elemento probatório que afeta o seu peso na decisão final.

5.            Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) pronunciaram-se profusamente sobre os elementos trazidos pela impugnante e explicaram – e a impugnante compreendeu (porque nada invoca quanto à qualidade da fundamentação) – os motivos que levaram a não aceitar o enquadramento jurídico da situação por si propugnada.

6.            Do ponto de vista sistemático, perpassa do RIT a preocupação de manter uma ordem cronológica, além de uma articulação lógica e em nada contribuiria para a clareza da exposição trazer para o ponto 3.3. do RIT factos que na verdade lhe são, temporal e logicamente, supervenientes.

7.            Acresce que, a autonomização da análise do direito de audição no RIT também se destina a demonstrar o cabal cumprimento do disposto no n.º 7, do artigo 60º, da LGT, com vista à identificação dos elementos novos, para que os mesmos sejam tidos autonomamente em conta na ponderação final da decisão a tomar.

8.            É verdade que apesar de os factos terem sido dados como assentes, os mesmos não tiveram um reflexo no teor da decisão tomada mas daí não resulta qualquer vício do procedimento, visto que aquela decisão, tendo em conta os elementos novos, considerou fundamentadamente a manutenção das conclusões alcançadas.

 

Vício de violação de lei

 

9.            Na base dos atos tributários impugnados encontra-se o IVA deduzido indevidamente no ano de 2008 que consta dos documentos emitidos pelas entidades: G..., Lda., H..., Lda., I..., J..., Lda., K..., Lda. , L..., Lda. , X..., Lda., M..., Lda., N..., e contabilizados como serviços de consultoria, em face da conclusão de que os serviços neles mencionados não foram prestados pelos emitentes dos mesmos mas pelos seus sócios que, exerceram funções a “título individual”, através de sociedade e sob forma dissimulada de prestações de serviços de consultoria.

10.          Pelos sujeitos passivos E... e F... Unipessoal, Lda., por não darem cumprimento ao disposto no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

11.          Sobre essa matéria compilou-se um conjunto bastante sólido de argumentos válidos, e entre si relacionados e articulados, que conduzem inelutavelmente à conclusão de que a impugnante tendo herdado, por via de um contrato de trespasse, relações de trabalho irregularmente enquadradas como prestações de serviços, manteve essa situação, como resulta à saciedade das conclusões plasmadas no RIT.

12.          Inerente a essas relações laborais estava o pagamento de rendimentos sujeitos a tributação em sede de Categoria A de IRS, de onde resultava para a impugnante a obrigação de proceder às competentes retenções na fonte.

13.          Concomitantemente, do ponto de vista do IVA deduzido, as faturas emitidas por entidades ligadas trabalhadores relacionados na cláusula 5.º do contrato de trespasse não têm enquadramento no disposto no n.º 3 do artigo 19º do CIVA.

14.          Assim, verifica-se por parte da impugnante uma dedução indevida de IVA, que deu origem a uma falta de entrega de imposto nos cofres do Estado.

15.          Por outro lado, independentemente do facto de se ter concluído que tais faturas ou documentos equivalentes “não [são] correspondentes à verdadeira relação existente…” entre a A... e as entidades que as emitiram, verifica-se que as faturas ou documentos equivalentes em causa não dão cumprimento ao disposto no número 5 do artigo 35.º do Código do IVA (atual artigo 36.º, por força da renumeração operada através do Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho), uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados (para além de uma menção genérica dos serviços prestados, tais como, “Serviços de consultoria informática”, “Serviços de Consultoria” ou expressões similares), razão pela qual, nos termos do número 2 do artigo 19.º do Código do IVA, a dedução do imposto seria sempre indevida.

16.          Foram ainda identificadas ainda as faturas de E... e  F... Unipessoal, LDA,  que também não satisfaziam as exigências do n.º 5 do art. 35º do CIVA porque, como se explicita no RIT, o descritivo das faturas é insuficiente (“Serviços de Informática” e “Serviços de consultoria”), a quantidade de serviço prestado é “1”, as faturas apresentam como valor unitário o montante do serviço prestado e, apesar da notificação para o efeito, a impugnante não foi capaz de exibir cópias de contratos, orçamentos ou qualquer outro elemento que viabilizassem a caracterização do serviço concretamente prestado por estas “fornecedoras”.

17.          Por força do disposto no n.º 2 do artigo 19º do CIVA, também o valor de IVA contido nestes documentos foi indevidamente deduzido.

18.          Os argumentos expendidos nesta sede judicial não são suficientes para abalar as conclusões alcançadas, pelo que sempre terá de improceder a presente impugnação.

19.          A matéria aqui versada mais não é do que a já alegada e apreciada em sede do procedimento inspetivo, cujo conteúdo, por isso, subscrevemos, também por motivo de celeridade e em obediência ao princípio da economia processual.

 

6. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no artigo 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi realizada reunião arbitral para inquirição das testemunhas indicadas e apresentadas pela Requerente.

Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações escritas.

 

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões:

1) Ilegalidade das liquidações objeto do processo por violação do direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo que precedeu os atos tributários e lhes serve de fundamento.

2) Ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei.

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.            A Requerente foi sujeito a procedimento inspetivo de âmbito geral referente ao exercício de 2008.

2.            Das conclusões do relatório resultou proposta de correções referentes a imposto sobre o valor acrescentado e a retenções na fonte em sede de IRS, inexistindo qualquer proposta de correção referentes a IRC.

3.            As liquidações de imposto objeto do presente processo, correspondem às propostas de correção em sede de IVA, sendo as liquidações de juros compensatórios resultantes do retardamento da liquidação daquelas.

4.            Do relatório final de inspeção tributária, que se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte:

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

5.            Ao tempo dos factos tributários, Q..., R..., S..., T..., U..., V...,  X... e N... não cumpriam horário nas atividades que prestavam em benefício da  Requerente, não exerciam a sua atividade nas instalações destas nem com meios fornecidos por estava, não cumpriam ordens da gerência da Requerente, não gozavam de férias, nem  recebiam subsídios de férias ou de Natal.

6.            A Requerida pronunciou-se sobre o requerimento da Impugnante enviado em 01/10/2012 indeferindo o pedido de nulidade do procedimento inspetivo, do que notificou a Requerente por carta registada com aviso de receção enviada em 22.10.2012, tendo a carta sido recebida pela Requerente.

7.            A Requerente celebrou com as sociedades G..., Lda, H..., Ldª, J..., Ldª, K..., Ldª, L..., Ldª, M..., Ldª, contratos de prestação de serviços por forma  escrita, que constam do processo administrativo constante dos autos, que se dão por  integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo que não foram objeto de impugnação pelas partes, bem como da prova testemunhal produzida.

No que respeita à prova testemunhal os depoimentos de O... e  P..., foram no sentido de que Q..., R..., S..., T..., U..., V...,  X... e W... não cumpriam horário no âmbito das atividades prestadas à Requerente, não exerciam a sua atividade nas instalações destas nem com meios fornecidos por estava, não cumpriam ordens da gerência da Requerente, não gozavam de férias, nem  recebiam subsídios de férias ou de Natal e que não eram trabalhadores da Requerente. Estas testemunhas revelaram conhecimento direto dos factos, sendo a primeira responsável pela área financeira da empresa e o segundo responsável pela contabilidade e, apesar da ligação profissional à empresa, os depoimentos mostraram-se sinceros e coerentes, inexistindo qualquer circunstância idónea a abalar a credibilidade dos mesmos. Os depoimentos em causa são, ademais, coerentes com os contratos de prestação de serviços constantes dos autos.

Acresce que o sentido destes depoimentos coincidem com os depoimentos das testemunhas S..., T..., U..., V... e  X... , no que respeita à situação contratual de cada um deles. Também estas testemunhas, para além de revelarem inquestionável razão de ciência, aparentaram depor com convicção e  sinceridade, não havendo motivo de qualquer reparo quanto à veracidade das suas afirmações que, ademais, são coerentes com a restante prova produzida no processo.  

Esta prova não foi posta em causa pela lista referida no relatório, compreensível à luz da explicação dada quanto à sua finalidade, bem como pela decisão da providência cautelar mencionada que, para além das vicissitudes processuais inerente à decisão do recurso de que foi objeto, não respeitava à ora Requerente, nem diretamente a nenhum dos emitentes de faturas que estão em causa no presente processo. Acresce que, face à prova produzida pela Requerente quanto aos factos em causa, que nenhuma dúvida deixou sobre a natureza da relação contratual das entidades emitentes das faturas com a Requerente, os elementos em causa, não seriam, no caso concreto, e face à inexistência de qualquer outro elemento probatório, suscetível de abalar a prova produzida pela Requerente.

A prova do facto constante do número 6 do probatório resulta dos documentos constantes de fls. 532 a 540 do processo administrativo, não impugnados pela Requerente.

 

-III- O Direito aplicável

 

11. A impugnante veio invocar, em primeira linha, a violação do direito de audiência no procedimento inspetivo, com três fundamentos jurídicos distintos:

 -Falta de resposta ao requerimento da Impugnante enviado em 01/10/2012;

- Falta de inquirição das testemunhas arroladas no exercício do direito de audição;

-Violação efetiva do direito de audição e do princípio da cooperação.

 

Preliminarmente, há que notar, relativamente ao tipo de invalidade que resulta da invocada violação do direito de audição, que a  requerente sustenta   tratar-se de nulidade.

Considera-se, porém, que se trata de anulabilidade, acompanhando-se inteiramente as considerações formuladas na decisão arbitral 411/2014-T  que, com a devida vénia, se transcrevem:

 “a Requerente não indica qualquer norma que sustente a invocada nulidade, sendo certo que a regra, nos procedimentos de natureza administrativa, é a da anulabilidade, conforme decorre do artigo 135.º do CPA , aplicável ao procedimento tributário por remissão do artigo 2.º/d) do CPPT.

Não obstante, sendo a invalidade em causa de natureza procedimental, e tendo em conta o disposto no artigo 54.º do CPPT, sempre será a mesma cognoscível nesta sede.” 

Pelo que, se passa a apreciar a ocorrência das alegadas violações do direito de audição.

                                                                                              *

Falta de resposta ao requerimento da Impugnante enviado em 01/10/2012.

 

Relativamente a esta invocação do sujeito passivo, ao invés do que se alega, conforme consta de fls. 532 a 540 do processo administrativo, a Requerida pronunciou-se sobre o requerimento em causa e notificou a Requerente da decisão que incidiu sobre a pretensão, por carta registada com aviso de receção enviada em 22.10.2012 e recebida pela Requerente.

Falece, assim, o pressuposto de facto invocado pela Requerente, com a consequente improcedência da alegação em causa.

Ainda assim, sempre se dirá que nunca poderia a eventual ocorrência da factualidade alegada pela Requerente conduzir à anulação do procedimento inspetivo, ocorrido a jusante, sendo também certo que o alegado vício procedimental poderia ser, como foi invocado na impugnação do ato de liquidação, atento o princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54º do CPPT.

                                                                                              *

Falta de inquirição das testemunhas arroladas

 

Alega a Requerente que no âmbito do procedimento não foram ouvidas testemunhas cuja inquirição requereu, diligência que a Requerida dispensou considerando provados os factos que os depoimentos das testemunhas se destinavam a provar.

Sustenta a Requerente que, apesar do Relatório dar como assentes tais factos, substancialmente não os ponderou nas suas conclusões.

Afigura-se, porém, que também não assiste razão à Requerente nesta invocação.

Tendo sido dados como assentes os factos que a Requerente pretendia provar com os depoimentos das testemunhas, nenhum prejuízo lhe adveio pelo facto destas não terem sido ouvidas. De resto, tendo a Requerida considerado provados os factos em causa, era-lhe vedado inquirir as testemunhas sobre os mesmos por lhe estar vedado aprática de atos inúteis (art.57º, nº 1, da LGT).

Independentemente doutras consequências que pudessem advir caso os factos assentes não tivessem sido considerados pela Requerida, tal não resultaria, obviamente, da circunstância  das testemunhas não terem sido ouvidas, mas sim da eventual falta de ponderação dos factos.

Por outro lado, há que notar que da alegada ausência de ponderação dos factos em causa poderá resultar uma questão de deficiência de fundamentação (art. 60º, nº 7, LGT)  mas não uma violação do direito de audição.

Em todo o caso, resulta do relatório inspetivo, de fls. 97 a 101, que a Requerida, para além de ter dado como provados os factos em causa, (com base em documentos juntos pela Requerente) explicou as razões pelas quais tais factos não determinaram a  alteração da posição da Requerida  exposta no projeto de relatório, pelo que também carece de fundamento fáctico  a invocação da Requerente.

Improcede, pois, também nesta vertente, o alegado vício de violação do direito de audição.

 

                                                                                        *

Nulidade por violação no cumprimento efetivo do direito de audição e do princípio da cooperação.

 

Nestas vertente alega a Requerente que:

- “Acresce ainda que o relatório sob análise, pura e simplesmente, limitou-se a copiar o projeto e a acrescentar um ponto relativo ao direito de audição, no qual foram criticados os factos e as alegações da Inspecionada carreados para os autos no exercício do referido direito.”

-“De facto, apesar do ponto relativo ao direito de audição se estender da página 67 até à página 100, a realidade é que nestas páginas o relatório apenas analisa o que foi alegado pela Requerente, considerando determinados factos como “provados” (mas sem ter feito menção aos mesmos na parte dos factos provados) e conclusões como corretas ou incorretas.”

-“Todavia, o direito de audição não pode ser entendido como uma simples crítica ao projeto de relatório que necessita de ser contraditada.”

-“o direito de audição é uma contribuição importantíssima do sujeito passivo para a inspeção, pois pode trazer, como trouxe, para o procedimento de inspeção factos que são desconhecidos e relevantes, bem assim fatos instrumentais que auxiliam a entender a materialidade em causa.”

“No que respeita ao caso concreto é manifesto que o direito de audição não foi efetivamente cumprido.”

 

Vejamos.

 

Reconhecendo a Requerente que:

-Foram criticados os factos e as alegações da Inspecionada carreados para os autos no exercício do referido direito.

 -O relatório analisa o que foi alegado pela Requerente, considerando determinados factos como “provados” (…) e conclusões como corretas ou incorretas.

 

Não se vislumbra violação do direito   de audiência ou da colaboração.

Outra questão será a valia substancial das conclusões do Relatório, sendo que tais questões se situam no âmbito do mérito dos atos administrativos de liquidação impugnados, que têm o relatório em causa como seu fundamento.

Improcede, assim, o vício de violação do direito de audição alegado pela Requerente, pelo que se passa a conhecer de seguida do vício de violação de lei invocado.

 

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                                                                               Violação de Lei

 

No que respeita às faturas emitidas pela sociedades G..., Lda, H..., Ldª, J..., Ldª, K..., Ldª, L..., Ldª, M..., Ldª, a Requerida para desconsiderar o direito à dedução e proceder às correções de IVA em causa, invocou, em primeira linha, que as mesmas não corresponderam a prestações de serviços, mas sim a trabalho subordinado prestado por Q..., R..., S...,  T...,  U...,  V..., concluindo pela aplicação do artigo 19º, nº 3, do CIVA, que afasta o direito à dedução em caso de simulação.

E o mesmo ocorreu relativamente à sociedade C... Unipessoal, Ldª, considerando a Requerida ter-se tratado, também, de operação simulada, por entender que os serviços em causa corresponderam, na realidade, a  trabalho subordinado prestado por X...,  conforme resulta claro do exposto a  páginas 85 e 86 do Relatório de Inspeção Tributária. Relativamente às prestações de serviços tituladas pelos documentos emitidos por S... e W... à Requerente, considerou igualmente que os mesmos não eram conforme a verdadeira relação existente e, na perspetiva da Requerida, correspondiam efetivamente a atividade prestada ao abrigo de contrato de trabalho subordinado. E com o mesmo fundamento jurídico, afastou o direito à dedução.

 

Porém, face aos factos provados é inequívoco que Q..., R..., S...,  T...,  U...,  V..., X... e N..., à data dos factos,  não eram trabalhadores da Requerente, uma vez que não exerciam atividade sob autoridade e direção desta , verificando-se, assim, a inexistência do pressuposto de facto subjacente à aplicação do artigo 19º, nº 3, do Código do IVA, pelo que falece a legalidade da correção em causa com tal fundamento.

 

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Em segunda linha, considerou a Requerida, que independentemente de  ter concluído que as faturas ou documentos equivalentes não correspondiam  à verdadeira relação existente entre a Requerente e as entidades que as emitiram, as faturas ou documentos equivalentes não dão cumprimento ao disposto no número 5, do artigo 35º, do Código do IVA , uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados, para além duma menção genérica dos serviços prestados, tais como “serviços de consultoria informática”, “Serviços de Consultoria” ou expressões similares), razão pela qual, nos termos do número 19º, nº 2,  do Código do IVA, a dedução  do imposto seria sempre indevida.

Também relativamente às faturas ou documentos equivalentes emitidas por E.. e F..., Unipessoal, Ldª, considerou a Requerida que as mesmas também não observaram as disposições  legais referidas, pelo que considerou também indevidas as deduções de IVA relativamente às mesmas.

 

Vejamos.

 

No ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 15 de setembro de 2016, proferido no proc. C 516/14  , pode ler-se, além do mais, o seguinte:

“37      Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C 18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência aí referida).

38      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C 18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

39      O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C 277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

40      No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C 277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

(…)

42      O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C 385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C 280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).

43      Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

(…)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (…) declara:

(…)

O artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.” 

 

Por sua vez, pode ler-se na decisão arbitral proferida no processo n.º: 765/2016-T   que:

 “Este entendimento , que considera que a factura é uma formalidade ad substanciam do direito à dedução do IVA, deve considerar-se actualmente ultrapassada, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE na matéria, que entende “que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.” 

(…).

Ou seja,(…), a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos.

A referida consequência apenas será legítima, portanto, se a AT não dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de não lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA(…).

 

Será também à luz dos critérios do citado acórdão do TJUE -que se considera estarem em harmonia com os princípios da neutralidade, da proporcionalidade e da justiça- que aqui se aferirá da legalidade das correções efetuadas.

 

No que respeita às faturas emitidas pelos sujeitos passivos G..., Lda, H..., Ldª, J..., Ldª, K..., Ldª, L..., Ldª, M..., Ldª, verifica-se que as mesmas estão diretamente conexionadas com os contratos de prestação de serviços.

E, independentemente da questão da observância das exigências literais do artigo 35º, nº 5, do Código do IVA, na redação à data dos factos, da conexão das faturas com os referidos contratos de prestação de serviços resulta claro que as mesmas se referem aos serviços mensais disponibilizados pelas emitentes das faturas, como contrapartida do valor mensal que a Requerente ficou vinculada a pagar, nos termos dos contratos de prestação de serviços celebrados. Assim, não pode deixar de se concluir que   a Requerida, ainda que entendesse que as faturas não observavam as referidas exigências formais, disponha dos elementos de   informação necessários para confirmar que os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontravam satisfeitos, com a consequente ilegalidade da recusa do direito à dedução à luz do supra exposto.

 

Por outro lado, e independentemente desta razão é de notar que a Requerida não pôs em causa que os serviços tenham sido efetivamente prestados, aceitando-os   para efeitos de IRC. Objetou sim, que o teriam sido com uma configuração subjetiva e jurídica diversa, em concreto contratos de trabalho, que considerou existirem com Q... , R..., S...,  T...,  U...,  V..., X... e N... . Esta tese da Requerida, que resultou infirmada à luz dos factos provados, foi comum a todas as faturas em causa, com exceção das emitidas por E... e F... , Unipessoal, Ldª, pois relativamente à faturas emitidas por estes sujeitos passivos, o  único fundamento de recusa  do direito à dedução foi o alegado não cumprimento dos requisitos previstos no  artigo 35º do CIVA.

 

Acontece que, não obstante   o procedimento inspetivo incidir também sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, no Relatório em causa não foi proposta qualquer correção ao nível do IRC, tendo todos os gastos constante da contabilidade do sujeito passivo, incluindo os comprovados pelas faturas emitidas por S..., N..., E... e F..., Unipessoal, Ldª (com os quais não foi outorgado contrato pela forma escrita),   sido aceites pela requerida.

 

Ora, resultando do art. 23º, nº 1, do Código do IRC, na redação vigente à data dos factos, que se consideram gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a aceitação de tais gastos traduz-se no  reconhecimento  de que  os serviços em causa se destinaram à atividade económica do Requerente.

Como se refere no referido Acórdão Barlis que “a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos”. No caso em apreço, mais do que a mera disponibilidade de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos se encontram satisfeitos, a Requerida reconhece que os serviços em causa se destinaram à atividade económica do Requerente.

Por outro lado, a Requerida não invocou qualquer dificuldade no controlo do pagamento do imposto constante das faturas em causa, nem qualquer hipotético não pagamento do mesmo pelos seus emitentes, nem está em causa que a atividade económica da Requerente seja tributada em IVA, como manifestamente é, atento o teor do relatório inspetivo.

Ora, resultando dos autos a qualidade de sujeito passivo, quer dos emitentes das faturas, quer da Requerente, tal significa que estão preenchidos os requisitos substantivos do direito à dedução não podendo a Administração Fiscal recusar tal direito pelo simples facto das faturas, na sua perspetiva,  não preencherem os requisitos exigidos pelo artigo 35º (atual 36º) do Código do IVA e 226.°, da Diretiva 2006/112.

Esta conclusão aplica-se, também, às faturas emitidas pela sociedade C... Unipessoal, Ldª à luz da fundamentação da correção em causa sabido que, conforme é jurisprudência pacífica, a legalidade do ato administrativo não pode deixar de ser aferida face à sua fundamentação, não podendo ser consideradas outras razões que o pudessem sustentar, mas que não foram perfilhadas na concreta fundamentação do ato.

Ora, a Requerida limitou-se a sustentar a correção em causa com base em  simulação em termos análogos ao que alegou relativamente às faturas referentes aos sujeitos passivos G..., Lda, H..., Ldª, J..., Ldª, K..., Ldª, L..., Ldª, M..., Ldª, S...,  e N..., reiterando esta tese em sede de apreciação do direito de audição pelo sujeito passivo onde se afirma relativamente às faturas emitidas  pela sociedade C... Unipessoal, Ldª:

 “O facto de se ter incluído a correção do imposto deduzido relativo a tais faturas, no capítulo “3.5 IVA indevidamente deduzido – Faturas emitidas por entidades ligadas aos “trabalhadores relacionados na cláusula 5ª do contrato de trespasse”, em virtude de dedução indevida nos termos do disposto no número 3 do artigo 19º do Código do IVA, é demonstrativo de se ter concluído pela existência de operações simuladas”.

Contudo, provou-se a inexistência da relação laboral pelo que, à luz da sua fundamentação, e do supra exposto, não pode deixar de se considerar ilegal a liquidação,  também na parte referente  a esta correção.

 

Pelas razões acima expostas, conclui-se que a Requerente reúne as condições substantivas de exercício do direito à dedução do IVA incorrido nos serviços em causa, com a consequente ilegalidade das liquidações objeto do presente processo.

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários impugnados.

 

Valor da ação: € 24.215,01 (vinte e quatro mil duzentos e quinze euros e um cêntimo) nos termos do disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de € 1 530.00, nos termos do nº 4 do artigo 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 18.01.2021

 

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro