Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 9/2021-T
Data da decisão: 2021-09-13  IRC  
Valor do pedido: € 57.101,67
Tema: IRC – Ilegalidade do acto de auto liquidação – Artigos 68.º do CIRC e 22.º do EBF; Intempestividade do pedido – Artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
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Sumário

 

1.            Atendendo ao disposto no artigo 12.º da LGT, aplicar-se-á a «lei antiga» quando o erro invocado e que serve de fundamento ao procedimento de revisão oficiosa do acto tributário, previsto na 2.° parte do n° 1 do artigo 78.º da LGT, respeite a actos tributários autoliquidados praticados até 30 de Março de 2016, dado que, até essa data, estes se encontram abrangidos pela «ficção legal» de «imputabilidade do erro aos serviços» contida no entretanto revogado n.º 2 do mesmo preceito legal.

 

2.            Por sua vez, aplicar-se-á a «lei nova», ou seja, a redacção do artigo 78.º da LGT em que o n° 2 está revogado, a todos os procedimentos de revisão que tenham por objeto actos tributários autoliquidados, praticados a partir, inclusive, do dia 31 de Março de 2016, dado que é a partir dessa data que, dada a entrada em vigor da revogação do n.º 2, do artigo 78.º da LGT, os actos tributários autoliquidados deixaram de estar abrangidos pela «ficção legal» de «imputabilidade do erro aos serviços».

 

3.            A Requerente não pode pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão de acto tributário extemporâneo, devendo este tribunal apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

Vem a Árbitro Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21 de Maio de 2021, decidir o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A...- SUCURSAL, com o número único de identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ..., ...-..., Lisboa, adiante designada por “Requerente” ou “A...”, tendo sido notificada da decisão de indeferimento da revisão oficiosa promovida contra o acto tributário de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao período de tributação de 2015, veio, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime da Arbitragem em Matéria Tributária/RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentada contra a autoliquidação do IRC do exercício de 2015, sendo reconhecida a ilegalidade do acto tributário de autoliquidação de IRC N.º 2016... respeitante ao período de 2015,  solicitando ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

 

2.            É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “AT”).

 

3.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 5 de Janeiro de 2021 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como Árbitra do Tribunal Arbitral singular a signatária do presente Acórdão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 3 de Maio de 2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da Árbitra, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21 de Maio de 2021.

 

7.            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou atempadamente resposta, tendo defendido a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

8.            Em 23 de Junho de 2021, exarou este Tribunal Despacho no sentido de que, tendo em consideração que no presente Processo não foram arroladas testemunhas, estando em causa a apreciação de matéria de direito, não se vislumbra utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dispensa-se a realização da mesma, fixando-se um prazo para as alegações e indicando-se até ao dia 30 de Outubro de 2021 o prazo para prolação da decisão arbitral.

 

9.            A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

a)            A A..., anteriormente designada por B... Sucursal, é uma sucursal em Portugal da entidade C..., com sede em Edimburgo, que tem por objecto social a participação noutras sociedades de responsabilidade limitada e a realização de investimentos, nomeadamente a compra e venda de bens imobiliários;

 

b)           Para efeitos fiscais, a A... é actualmente residente em Portugal;

 

 

c)            O objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento do pedido de revisão oficiosa supra identificado e, consequentemente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2015, na medida correspondente ao acréscimo ao lucro tributável de um crédito de imposto correspondente ao imposto suportado por um fundo de investimento, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), na redacção em vigor até 30 de Junho de 2015, mais concretamente pelo Fundo de Investimento Imobiliário D... (“Fundo D...” ou “Fundo”);

 

d)           Em 15 de Maio de 2020, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário de autoliquidação de IRC n.º 2016..., referente ao período de tributação de 2015 e relativamente à tributação daquele crédito de imposto;

 

e)           A Requerente foi notificada, em 17 de Julho de 2020, do projecto de decisão de revisão oficiosa e, não tendo exercido o direito de audição prévia, foi notificada, em 9 de Outubro de 2020, da decisão de indeferimento da revisão oficiosa;

 

f)            No âmbito da sua actividade, a Requerente realizou diversos investimentos, entre os quais a subscrição de unidades de participação do Fundo D... entretanto liquidado;

 

g)            No período de 2015, a Requerente auferiu rendimentos daquele Fundo, decorrente da sua liquidação, no montante de € 4.935,17, aos quais está associado um montante de imposto de € 513.058,20, pago ao abrigo do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais/EBF na redacção em vigor à data;

 

h)           A 30 de Maio de 2016, a Requerente procedeu à entrega da sua declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao período de tributação de 2015;

 

i)             Na referida declaração, e tendo a Requerente obtido rendimentos daquele Fundo, foi deduzido a título de pagamento por conta, no campo 359, o imposto por ela suportado, no montante de € 513.058,20, determinado nos termos do regime previsto no artigo 22.º do EBF, na redacção em vigor à data, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, e comunicado pela Sociedade Gestora do Fundo;

               

j)             Por outro lado, aquele montante foi considerado igualmente para efeitos da determinação do lucro tributável da A..., tendo, em resultado, dado lugar a um lucro tributável no montante de € 271.912,72 e um montante de IRC a pagar de € 57.101,67, conforme resulta da tabela infra:

Descrição            Montante Declaração Modelo 22 [€]

Resultado líquido do período ( ) 97.961,58

Acréscimos        173.951,14

Provisões não dedutíveis ou para além dos limites legais (Art.º 19.º e 39.º) e perdas por imparidade em activos financeiros         112.770,78

IRC, incluindo as tributações autónomas, e outros impostos que directa ou indiretamente incidam sobre os lucros                61.180,36

Deduções           0,00

Lucro tributável                271.912,72

Imposto à taxa normal  57.101,67

k)            Após consideração dos montantes a deduzir à colecta e dos adiantamentos de imposto efectuados ao longo do período de tributação de 2015, a Requerente foi reembolsada em 

€ 460.956,53, conforme evidenciado na demonstração de liquidação de IRC .

Descrição            Montante [€]

Colecta 57.101,67

Pagamento especial por conta   5.000,00

IRC liquidado     52.101,67

Pagamentos por conta  513.058,20

IRC a recuperar 460.956,53

 

l)             A Requerente entende que não deveria ter dado à tributação o referido crédito de imposto no montante de € 513.058,20, devendo ter expurgado da sua base tributável tal rendimento relativo ao crédito de imposto que lhe foi imputado relativo ao Fundo D... ;

 

m)          Como refere, a Requerente socorreu-se da norma prevista no artigo 68.º do Código do IRC para fazer tributar aquele montante de imposto, que entende não ter aplicação no caso em apreço, tendo procedido erradamente, dado este artigo não prescrever o procedimento a adoptar para um crédito de imposto com natureza de pagamento por conta, pelo que a sua aplicação por parte da AT ao caso concreto está vedada;

 

n)           Do disposto nos n.º 3 e 7 do artigo 22.º do EBF em vigor à data dos factos, é inequívoco que aquele regime não estabelecia a tributação do montante deduzido a título de imposto por conta, na esfera do participante, permitindo a lei ao detentor de unidades de participação num fundo de investimento creditar ao seu IRC o imposto suportado por aquele fundo a título de pagamento por conta, imposto esse suportado pelo mesmo no âmbito dos rendimentos obtidos;

 

o)           Anulada, ou declarada a ilegalidade da autoliquidação, deverá ter-se por verificado erro imputável aos Serviços para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios pelos prejuízos resultantes do pagamento de imposto em excesso, termos em que a Requerente terá direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios contados, até integral reembolso, relativamente ao montante de € 57.101,67, desde 1 de Setembro de 2016;

 

10.          A Requerida apresentou Resposta, onde apresenta defesa por impugnação no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, invocando, em síntese, o seguinte:

 

a) Em sede de defesa por excepção, vem desde logo a AT invocar a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos seguintes argumentos:

 

-  Aquando da apresentação do pedido de revisão oficiosa, já havia decorrido o prazo para o efeito, atenta a redacção do artigo 78.º da LGT aplicável no caso concreto não existindo erro imputável aos serviços.

- Com efeito, o n.º1 do artigo 78.º da LGT dispunha que “1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

-  Para o apuramento da lei aplicável, dado estarmos na presença de uma supressão de uma presunção legal que é favorável aos contribuintes, o que releva é o momento da prática do erro, pois a aferição da imputabilidade do erro reporta-se, necessariamente, ao momento da sua prática, ocasião em que se analisa a causa que lhe deu origem, averiguando da responsabilidade na sua ocorrência.

- Aplica-se a redacção do artigo 78.º da LGT em que o n.º 2 está revogado, a todos os procedimentos de revisão que tenham por objeto actos tributários autoliquidados, praticados a partir, inclusive, do dia 31 de Março de 2016.

- O acto tributário em questão foi praticado depois de 31 de Março de 2016, sendo-lhe, assim, aplicável a lei nova para efeitos de determinação da possibilidade de ser revisto oficiosamente.

- No caso dos autos, o alegado erro na declaração do montante do imposto apenas poderá ser imputável à Requerente.

- Ora, só após o decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, é que o Requerente solicitou a revisão oficiosa da autoliquidação do período de 2015, ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

- O pedido de revisão em causa só teria enquadramento no prazo da reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade, previsto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

- Encontrando-se assim, à data da apresentação do pedido de revisão, em 15 de Maio de 2020, já ultrapassado esse prazo de reclamação, conclui-se ser extemporâneo o pedido de revisão oficiosa que fundamenta o presente PPA, não podendo a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão extemporâneo, nem podendo o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

- Tendo o pedido de revisão sido apresentado quando já tinha sido ultrapassado o prazo legal para apresentação do mesmo, então o prazo que vigora para a impugnação apresentada no tribunal arbitral, são os 90 dias após a data da notificação da nota de demonstração de IRC respectiva, junta aos autos pela Requerente como doc. 2.

- Ora, na situação em apreço, o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pela Requerente deu entrada em 14 de Janeiro de 2021, pelo que o mesmo é extemporâneo.

- Neste sentido já se manifestou por diversas vezes o tribunal arbitral, mais concretamente, e entres outros, no âmbito dos Processos n.ºs 345/2017-T, 414/2017-T, 114/2019-T e 468/2019-T.

 

b) Invoca ainda a AT a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral para determinar a desconsideração do proveito no montante de € 513.058,20 no apuramento do resultado tributável da Requerente, a título de crédito de imposto, passando esta a apurar um prejuízo fiscal no exercício de 2015 de € 241.145,48.

Para o efeito sustenta a AT que tal competência extravasa as matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, sendo manifesto, que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente.

Tal como invoca, neste sentido, já se pronunciou a jurisprudência arbitral entre outros, no Acórdão arbitral de 11 de Dezembro de 2015, proferido no Processo n.º 30/2015-T ou no Acórdão arbitral de 15 de Janeiro de 2015, proferido no Processo n.º 587/2014-T.

O que consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

c) No que toca à defesa por impugnação, é entendimento da AT, na sua apreciação do pedido de revisão oficiosa submetido pela Requerente, que “os rendimentos auferidos pelos fundos ficavam sujeitos a retenção na fonte ou a tributação autónoma na esfera destes, isentando-se ou dispensando de retenção na fonte os rendimentos distribuídos consoante os participantes fossem, (...) sujeitos passivos de IRC, caso em que estes tinham que considerar os rendimentos distribuídos como proveitos ou ganhos da sua atividade e o montante retido ou devido pelo fundo seria considerado como pagamentos por conta de imposto, para efeitos do disposto no art. 90.º, do CIRC.”

Tal como invoca, o montante retido ou devido pelo Fundo, “ao adquirir a natureza de imposto por conta, naturalmente que os participantes que fossem sujeitos passivos de IRC tinham de englobar os rendimentos imputados pelos fundos pelo seu valor ilíquido o que aliás, é um imperativo legal, tal como estatui o n.º 2 do artigo 68.º, do CIRC, não tendo, em nossa opinião, tal norma que se encontrar estatuída expressamente no regime previsto no art. 22.º, do EBF.”

Neste contexto, na decisão de indeferimento, a AT argumenta que “quer no anterior regime, quer no actual [Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31/01, que alterou o regime de tributação dos Organismos de Investimento Colectivo], devem os sujeitos passivos de IRC que aufiram rendimentos distribuídos por fundos no âmbito de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, considerá-los como proveitos ou ganhos pelo seu valor ilíquido, tal como estabelece o n.º 2 do art. 68.º, do CIRC, sendo o imposto suportado pelo fundo imputado aos participantes como se fossem estes mesmo a suportá-lo.”

 

11.          Em 23 de Junho de 2021, a Requerida notificou este Tribunal de que “Considerando o carácter simultâneo das alegações e não tendo sido suscitada nenhuma questão nova que exija pronúncia, a Requerida, sob pena de incorrer, nesta sede, numa mera repetição inútil, remete e dá por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta.”

 

12.          Em 19 de Julho de 2021, a Requerente notificou este Tribunal de que não pretendia apresentar alegações.

 

II.            SANEAMENTO

 

1.            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2.            As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

4.            A Requerida na sua resposta veio invocar duas excepções: a extemporaneidade do pedido arbitral e a incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, cumprindo primeiramente proceder à respectiva análise.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

A.           Matéria de facto

 

1.            Factos provados

 

a)            A A..., anteriormente designada por B... Sucursal, é uma sucursal em Portugal da entidade C..., com sede em Edimburgo, que tem por objecto social a participação noutras sociedades de responsabilidade limitada e a realização de investimentos, nomeadamente a compra e venda de bens imobiliários;

b)           Para efeitos fiscais, a A... é actualmente residente em Portugal;

c)            No âmbito da sua actividade, a Requerente realizou diversos investimentos, entre os quais a subscrição de unidades de participação do Fundo D..., entretanto liquidado;

d)           No período de 2015, a Requerente auferiu rendimentos daquele Fundo, decorrente da sua liquidação, no montante de € 4.935,17, aos quais está associado um montante de imposto de € 513.058,20, pago ao abrigo do artigo 22.º do EBF na redacção em vigor à data;

 

e)           A 30 de Maio de 2016, a Requerente efectuou a correspondente autoliquidação de IRC, tendo procedido à entrega da sua declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao período de tributação de 2015;

 

f)            Na referida declaração, e tendo a Requerente obtido rendimentos do Fundo D..., deduziu a título de pagamento por conta, no campo 359, o imposto por ela suportado, no montante de € 513.058,20, determinado nos termos do regime previsto no artigo 22.º do EBF, na redacção em vigor à data, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, e comunicado pela Sociedade Gestora do Fundo;

  

g)            Por outro lado, aquele montante foi considerado igualmente para efeitos da determinação do lucro tributável da D..., tendo, em resultado, dado lugar a um lucro tributável no montante de € 271.912,72 e um montante de IRC a pagar de € 57.101,67;

 

h)           Após consideração dos montantes a deduzir à colecta e dos adiantamentos de imposto efectuados ao longo do período de tributação de 2015, a Requerente foi reembolsada do montante de € 460.956,53;

 

i)             Em 15 de Maio de 2020, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra o acto tributário de autoliquidação de IRC n.º 2016..., referente ao período de tributação de 2015 e relativamente à tributação daquele crédito de imposto;

 

j)             A Requerente foi notificada, em 17 de Julho de 2020, do projecto de decisão de revisão oficiosa, não tendo exercido o direito de audição prévia aí previsto;

 

k)            A Requerente foi notificada, em 9 de Outubro de 2020 da decisão de indeferimento da revisão oficiosa n.º ...2020..., que mereceu despacho de indeferimento do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, com data de 21 de Setembro de 2020, deduzido contra a autoliquidação de IRC n.º 2016..., referente ao período de tributação de 2015;

 

l)             A Requerente veio a apresentar o presente pedido arbitral em 4 de Janeiro de 2021.

 

2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3.            Motivação da decisão sobre a matéria de facto

 

Os factos que acima se consideraram provados resultam da aplicação de dois critérios ao julgamento da matéria de facto: o primeiro, da pertinência de cada facto concreto para a decisão, a qual compete ao Tribunal Arbitral determinar, seleccionando de entre todos os factos que foram alegados pelas Partes aqueles que revelam idoneidade para tal fim e descriminando a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário/CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil/CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Isto é, a selecção da matéria de facto pertinente para a solução da causa é feita através da condensação da materialidade fáctica alegada nos articulados, tendo em conta o silogismo que deve existir entre os factos seleccionados, a fundamentação jurídica e o segmento dispositivo que decidirá a causa.

No caso vertente a selecção dos factos pertinentes para o julgamento da causa foi feita através da escolha dos factos que, em função das várias soluções plausíveis de Direito, apresentavam relevância para a solução jurídica das questões debatidas nos autos (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

O segundo critério que subjaz à decisão sobre a matéria de facto assenta na convicção do Tribunal. A convicção do Tribunal emerge da análise crítica das provas, das ilacções retiradas dos factos instrumentais e de todos os elementos que são decisivos para essa convicção. Mas, para além dessa convicção, devem ser tomados em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, tal como impõe o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A convicção do Tribunal baseia-se na livre apreciação das provas que, contudo, não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (artigo 607.º, n.º 5, do CPC).

Da aplicação destes critérios ao caso concreto, resulta que a convicção do Tribunal quanto aos factos seleccionados e considerados provados assentou nos documentos constantes dos autos.

Por último, importa dizer que o Tribunal teve ainda em consideração, na resposta à matéria de facto, as máximas indiciárias de conteúdo determinístico-natural que, juntamente com o grau de probabilidade aceitável , deram ao Tribunal, na apreensão dos factos, a verdade material tal como foi apurada e que, não existindo factos não provados, não se justifica a motivação da falta de prova dos mesmos.

 

B.            Matéria de Direito

 

Tendo sido suscitadas excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa, começamos por nos pronunciar sobre a questão relativa à intempestividade.

 

1.            Apreciação das excepções

 

Em primeiro lugar, a AT deduz a excepção de intempestividade do pedido submetido à sua apreciação.

Vejamos.

Resulta dos factos que estamos perante uma situação em que o erro é imputável ao contribuinte, pelo que a AT terá razão ao dizer que é aplicável o prazo de 2 anos a contar da apresentação da declaração.

À face do revogado artigo 78.º, n.º 2, da LGT, o erro da autoliquidação ficcionava-se sempre imputável à AT, pelo que era aplicável o prazo de 4 anos. Contudo, com a revogação deste n.º 2 deixou de estar contemplada tal ficção, pelo que não haverá suporte legal para no caso concreto aplicar o prazo de 4 anos.

Tal como salienta a AT, tal revogação, levada a cabo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, só se aplica a autoliquidações posteriores a esta data, pois, sendo uma lei que prejudica os direitos dos contribuintes, é-lhe aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, que, como é sabido, estabelece que “As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.” 

Sendo a autoliquidação em crise anterior à entrada em vigor desta lei, o contribuinte tinha adquirido o direito de a impugnar no prazo de 4 anos, por qualquer erro ser imputável à AT.

Contudo, a autoliquidação é posterior à entrada em vigor desta Lei, pelo que a AT terá razão.

E, caso se concorde ou não com a revogação do referido n.º2 do artigo 78.º e com a manifesta situação de desequilíbrio que introduziu em termos de meios de defesa da AT e dos contribuintes, não se diga que o erro passou a ser-lhe imputável por aquela ter confirmado a autoliquidação ou ter deixado passar o prazo de caducidade sem nada dizer, só podendo ser aplicável tal raciocínio quando a AT se pudesse aperceber do erro, o que não sucederá, em princípio, nos casos, tal como na situação controvertida, em que o contribuinte se enganou ao declarar rendimentos e a AT não tinha qualquer razão para duvidar da sua declaração, pois, antes pelo contrário, tinha de presumir a sua veracidade, por força do artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

O n.º 2 do artigo 78.º da LGT foi revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março [Lei de Orçamento do Estado para 2016], revogação esta que operou e produziu os seus efeitos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT de imediato – com entrada em vigor daquela Lei de Orçamento do Estado, ou seja, a 31 de Março de 2016.

Sucede que o referido preceito legal tinha uma especial relevância no caso de autoliquidações, uma vez que, para efeitos de revisão oficiosa de acto tributário, ficcionava o erro imputável aos serviços.

Tal como se nota na decisão relativa ao Processo arbitral n.º114/2019-T, “117. Esta solução legal compreende-se à luz de dois pressupostos: por um lado, a imputação do erro dos serviços é entendida objetivamente, não relevando aqui a apreciação de elementos de culpa dos serviços ( que dificilmente se verificariam nos casos de autoliquidação, com excepção das situações em que o erro resulta de instruções da Fazenda Pública); por outro lado, o legislador entendeu que as diferenças técnicas no apuramento do imposto não eram motivo racional suficiente para justificar um tratamento diferenciado, para efeitos de revisão do acto, entre os vários tributos. O erro imputável aos serviços, ficcionado no caso das autoliquidações, atento o disposto no citado art.º 78, n.º 2 da LGT abarca também os erros de direito, enquanto fundamento de revisão do acto tributários».

117. Ficção esta que ao “desaparecer” com a revogação da supramencionada norma legal levada a cabo pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, acarretou como consequência, a necessidade de, nos casos de autoliquidação – cuja liquidação é efetuada pelo próprio contribuinte, normalmente, sem a intervenção da AT -, o sujeito passivo passar a ter que comprovar que o erro é imputável aos serviços, no caso de pretender fazer uso da revisão oficiosa.

118. No caso em apreço, estando em causa atos de autoliquidação de imposto praticados pelo próprio contribuinte (sem que o mesmo tivesse sido condicionado por qualquer informação ou orientação da AT), após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, a verdade é que relativamente aos mesmos não pode ser artificialmente, por via da presunção, imputado ou assacado qualquer erro aos serviços, por não terem tido qualquer participação no mesmo.

119. Ora, à parte da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, o regime de revisão do ato tributário previsto no artigo 78.º da LGT, segundo elucida o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 1349/10.0BELRS, de 23.03.2017:

«(…) consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr.artºs.70 e 102, do C.P.P.T.; dec.lei 10/2011, de 20/1).

3. Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artº.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr.parte final do nº.1, do artº.78), a injustiça grave ou notória (cfr.nº.4, do artº.78) ou a duplicação de colecta (cfr.nº.6, do artº.78, da L.G.T.).

4. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

5. O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.»

120. Na verdade, a doutrina e a jurisprudência tem sido firme quanto à possibilidade de os contribuintes poderem provocar a revisão oficiosa de um ato tributário, com a qual o presente Tribunal Arbitral concorda e acompanha na íntegra.

121. Possibilidade essa que decorre da obrigação prevista no artigo 55.º da LGT, de a Administração Tributária pautar a sua atuação no sentido da descoberta da verdade material, a qual deve exercer «(…) as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.»

122.  Com efeito, o princípio da descoberta da verdade resulta, necessariamente, do princípio da cooperação (cf. art. 59.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), segundo o qual, Administração Tributária e sujeito passivo estão obrigados a deveres de colaboração recíproca. A verdade material implica, igualmente, o meticuloso cumprimento dos princípios da igualdade e da justiça na tributação.

123. É neste campo que surge a revisão de ato tributário, como um mecanismo legal ao dispor dos contribuintes, que tem por objetivo último garantir o cumprimento destes princípios.

124. Contudo, há que ter em atenção que tal pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte terá de respeitar uma condição, tal como anunciado supra:  que haja erro imputável aos serviços.

(...)

126. Conforme explica PAULO MARQUES, “…o legislador tributário não estabelece «qualquer ilegalidade», imputável ou não aos serviços, mas a existência necessariamente de «erro imputável aos serviços» (revisão oficiosa) como requisito indispensável para operar a revisão normal (ou ordinária), seja erro material (artigo 174.º, n.º 1, do NCPA) ou de direito, como veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, abrangendo então igualmente o erro na autoliquidação. (…) O “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade desde que relevante, mas não imputável ao contribuinte por conduta negligente…” .

127. Este é também o entendimento generalizado na jurisprudência, bem patente no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 23 de Março de 2017 no âmbito do processo 1349/10.0BELRS, onde se lê que “[o] conceito de “erro imputável aos serviços” a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro. Por outras palavras, o dito “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente…”.

128. Assim, no caso concreto, bastaria que a Requerente demonstrasse a existência de um erro de facto ou de direito imputável à Requerida, para que pudesse lançar mão ao mecanismo de revisão oficiosa e assim, ser legítima a convolação, ao abrigo do disposto no artigo 52.º do CPPT da reclamação graciosa apresentada ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, naquele meio, nos termos e prazo aduzidos.”

(…)

130.       … e que a convolação requerida ao abrigo do artigo 52.º do CPPT, daquele procedimento em revisão oficiosa do ato tributário não é possível por falta de verificação dos seus pressupostos legais – falta de comprovação por parte da Requerente de erro imputável aos serviços - , previstos no artigo 78.º da LGT, entende o presente Tribunal Arbitral ser de considerar a exceção invocada pela Requerida procedente, por provada, pelo que, quanto a estes atos de autoliquidação não poderá o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre a respetiva legalidade, devendo, por esta razão, os mesmos permanecer na ordem jurídica».

Como vimos, resulta dos factos provados que a Requerente apresentou o seu pedido arbitral em 4 de Janeiro de 2021, tendo como fundamento de recurso para a impugnação neste Tribunal o despacho de indeferimento da revisão oficiosa n.º ...2020... .

Ora, a aludida revisão oficiosa foi apresentada pela Requerente em 15 de Maio de 2020, tendo por objecto o acto de autoliquidação de IRC n.º 2016..., referente ao período de tributação de 2015, praticado em 30 de Maio de 2016.

Como a AT salienta neste contexto, para demonstrar a falta de preenchimento, no âmbito do pedido de revisão oficiosa, do pressuposto processual da tempestividade, cumpre responder a duas questões:

a)            Determinar qual a redação do artigo 78.º da LGT é aplicável ao referido caso e;

b)           Determinar se existe, no caso em apreço, erro imputável aos serviços, uma vez que daqui decorre a determinação do prazo para a apresentação da revisão oficiosa.

Ao tempo da prática do acto de autoliquidação em causa, i.e., em 30 de Maio de 2016, o n.º1 do artigo 78.º da LGT determinava que “1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

Atendendo ao disposto no artigo 12.º da LGT, aplicar-se-á a «lei antiga» quando o erro invocado e que serve de fundamento ao procedimento de revisão oficiosa do acto tributário, previsto na 2.° parte do n° 1 do artigo 78.º da LGT, respeite a actos tributários autoliquidados praticados até 30 de Março de 2016, dado que, até essa data, estes se encontram abrangidos pela «ficção legal» de «imputabilidade do erro aos serviços» contida no entretanto revogado n.º 2 do mesmo preceito legal.

Por sua vez, aplicar-se-á a «lei nova», ou seja, a aludida redacção do artigo 78.º da LGT em que o n° 2 está revogado, a todos os procedimentos de revisão que tenham por objeto actos tributários autoliquidados, praticados a partir, inclusive, do dia 31 de Março de 2016, dado que é a partir dessa data que, dada a entrada em vigor da revogação do n.° 2, do artigo 78.º da LGT, os actos tributários autoliquidados deixaram de estar abrangidos pela «ficção legal» de «imputabilidade do erro aos serviços».

Sucede que na situação controvertida o acto tributário em causa foi praticado depois de 31 de Março de 2016, pelo que se deverá aplicar a lei nova para efeitos de determinação da possibilidade de ser revisto oficiosamente.

No caso em apreço, para a realização da revisão oficiosa exigir-se-ia assim que, cumulativamente, se tivesse verificado os seguintes requisitos: i) que o pedido tivesse sido formulado no prazo de quatro anos contados a partir do ato cuja revisão se solicita; ii) que o mesmo tivesse origem em «erro imputável aos serviços» e i) que este procedesse da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.

Ou seja, ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o artigo 78.º, n.ºs 1, 3 e 4, da LGT, estabelece, como requisito essencial da revisão oficiosa, que o erro seja imputável aos serviços.

Por sua vez, em conformidade com o disposto no artigo 131.ºdo CPPT que versa sobre a impugnação em caso de autoliquidação, “1 – Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.”

Mais se refira que «erro imputável aos serviços» poderá consistir num erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, contudo a ilegalidade não pode ser imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à AT.

Ora, certo é que, no caso dos autos, o alegado erro na declaração do montante do imposto apenas poderá ser imputável à Requerente.

Com efeito, não se vê como pode a Autoridade Tributária ter contribuído para a prática desse erro no acto tributário em questão.

Ora, constata-se que só após o decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, é que o Requerente solicitou a revisão oficiosa da autoliquidação do período de 2015, ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

Pelo que, não obstante à data da apresentação do pedido de revisão, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, ainda se encontrar a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte, do n.º 1, do artigo 78.° da LGT, não se verifica que a liquidação ora contestada enferme de erro, de facto ou de direito, imputável aos Serviços da Administração Tributária, que possibilite o alargamento do prazo para ser efectuada a sua revisão oficiosa – nem tão pouco a Requerente o alega, tendo-se esta limitado, no âmbito do pedido de revisão oficiosa, a fazer referência ao «erro na autoliquidação» constante do entretanto já revogado n.º 2, do artigo 78.º da LGT, não tendo sequer apresentado alegações neste processo para se defender da invocada excepção de intempestitividade invocada pela AT na sua Resposta.

Destarte, concluindo-se que o pedido de revisão em causa só teria enquadramento no prazo da reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade, previsto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e encontrando-se, à data da apresentação do pedido de revisão, em 15 de Maio de 2020, ultrapassado o prazo de reclamação, conclui-se ser extemporâneo.

Ora, tal como salienta a AT, a Requerente não pode pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão de acto tributário extemporâneo, devendo este Tribunal apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

De facto, o n.º 1, do artigo 10.º do RJAT determina que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

“a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.”

Por sua vez, os n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, sob a epígrafe «Impugnação judicial. Prazo de apresentação» dispõem que:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - (Revogado.)”

Desta forma, tendo o pedido de revisão sido apresentado quando já tinha sido ultrapassado o prazo legal para apresentação do mesmo, então o prazo que vigora para a impugnação, ora apresentada neste Tribunal Arbitral, são os 90 dias após a data da notificação da nota de demonstração de IRC respectiva, sendo que, na situação em apreço, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral apresentado pela Requerente, deu entrada em 4 de Janeiro de 2021, pelo que o mesmo é extemporâneo.

Por último, note-se que neste sentido já se manifestou por diversas vezes o Tribunal Arbitral, designadamente, no âmbito dos Processos n.ºs 345/2017-T, 414/2017-T, 114/2019-T e 468/2019-T.

Termos em que, encontrando-se já esgotado, em 4 de Janeiro de 2021, data da apresentação do presente Pedido, o prazo para o recurso à via arbitral, em relação à liquidação em causa, entendemos que se verifica a excepção peremptória da extemporaneidade.

 

2. Consequência da procedência das excepções

 

A intempestividade constitui excepção dilatória, que implica a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância [artigos 89.º, n.º 4, alíneas a) e k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 278.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Código de Processo Civil, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT].

 

3. Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Em conformidade com o estatuído no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral.”

Assim, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IV.          DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido arbitral;

b)           Absolver a Requerida da instância;

c)            Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

V.           VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 57.101,67 (cinquenta e sete mil, cento e um euros e sessenta e sete cêntimos).

 

VI.          CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em

€ 2142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Setembro de 2021

 

A Árbitro

(Clotilde Celorico Palma)