Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 77/2019-T
Data da decisão: 2019-10-04  IMI  
Valor do pedido: € 32.972,99
Tema: IMI – Monumentos nacionais - alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1.            A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com domicílio fiscal na ..., n.ºs ...-..., ..., ...–... ..., doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com o disposto no artigo 99.º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do Despacho proferido pelo Diretor de Finanças de ..., em 8 de Novembro de 2018, que indeferiu a Reclamação Graciosa deduzida contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), datado de 7 de Março de 2018, referente ao ano de 2017, no valor de € 32.972,99 (trinta e dois mil, novecentos e setenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), consubstanciado nos Documentos n.ºs 2017 ..., 2017... e 2017..., respeitante às três prestações do imposto, e, bem assim, contra o mencionado ato de liquidação de IMI.

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 06-02-2019.

4.            A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 12-02-2019.

5.            Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

6.            Em 27-03-2019 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 16-04-2019.

8.            A Requerente fundamentou o pedido de pronúncia arbitral nos seguintes termos:

a)            A Requerente é proprietária de cinco prédios urbanos (melhor identificados infra), onde exerce a sua atividade, no âmbito da indústria hoteleira;

b)           Esses prédios encontram-se situados no conjunto designado por Centro Histórico de  Évora – considerado um todo para os efeitos de reconhecimento do património protegido –, o qual se encontra incluído na lista do património mundial da UNESCO;

c)            Resulta do disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) que se encontram isentos de IMI os prédios classificados como “monumentos nacionais” e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, isenção de carácter automático, sem necessidade de um qualquer ato posterior de reconhecimento, como expressamente resulta da legislação aplicável, designadamente do n.º 5 do artigo 44.º e n.º 1 do artigo 5.º, ambos do EBF;

d)           Ao abrigo do disposto no n.º 5 do referido artigo 44.º do EBF (na redação vigente à data dos factos), a isenção de IMI é de carácter automático e opera mediante comunicação da classificação como “monumentos nacionais” ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efetuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I.P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser objeto de transmissão;

e)           A classificação dos prédios como “monumentos nacionais” decorre da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que veio estabelecer a Lei de Bases do Património Cultural;

f)            Da articulação dos preceitos acima referidos, e da entrada em vigor da Lei de Bases do Património Cultural (que ocorreu em 2001), decorre que a inclusão de imóveis na lista de património mundial tem como consequência, imediata, a sua classificação como imóveis de interesse nacional e, logo, como “monumentos nacionais”, sem necessidade, portanto, de qualquer outro ato de classificação;

g)            A isenção de IMI inicia-se no próprio ano em que ocorra a classificação como “monumento nacional” — facto constitutivo (único) da isenção – e vigora enquanto os prédios beneficiarem de tal classificação, ainda que venham a ser transmitidos (cf. n.º 2, alínea d) e n.º 5 do artigo 44.º e n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º, ambos do EBF);

h)           Ainda que a lei preveja a “comunicação da classificação como monumentos nacionais (…), a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I.P., ou pelas câmaras municipais” (cf. n.º 5 do artigo 44.º do EBF), tal comunicação tem carácter meramente instrumental, declaratório, não tendo qualquer efeito constitutivo da isenção — por a mesma ser automática e resultar diretamente, da própria lei, ou seja, in casu da classificação como monumento nacional (cfr. alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF);

i)             No presente caso, verifica-se que, mediante Aviso, datado de 20 de janeiro de 1988, da Direção de Serviços Culturais, publicado no Diário da República n.º 39/1988, Série I, de 17 de Fevereiro de 1988, se tornou público que o Centro Histórico de Évora — o qual, refira-se, é considerado como um conjunto, sendo um todo para efeitos de reconhecimento do património protegido —, entre outros, foi incluído na lista do património mundial da UNESCO, sendo tal facto do conhecimento público e, por conseguinte, da Administração tributária;

j)             Assim sendo, os imóveis em causa, que se incluem nesse conjunto designado por Centro Histórico de Évora, constituem Património Mundial da UNESCO, pelo que, desde a data de publicação do Aviso acima referido, são classificados como “monumentos nacionais”, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural;

k)            Nesta sequência, inexistem dúvidas de que os prédios em crise se encontram isentos de IMI, desde a data do Aviso acima identificado, de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF e, bem assim, no n.º 3 do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural — isenção que, atualmente, se mantém;

l)             A Requerente invoca ainda dois Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e um Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, bem como jurisprudência arbitral, que, em seu entender, suportam a sua posição, no sentido de os prédios em causa, objeto do ato de liquidação de IMI ora em apreço, se encontrarem, desde a data de publicação do referido Aviso, classificados como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais”, pelo que beneficiam, por conseguinte, da isenção consagrada no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF;

m)          A Requerente conclui, assim, pela ilegalidade e a consequente necessidade de anulação do ato de liquidação de IMI e, bem assim, do Despacho, proferido em 8 de novembro de 2018, pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de ..., que indeferiu a Reclamação Graciosa deduzida contra o ato de liquidação de IMI, referente ao ano de 2017;

n)           Tendo a Requerente procedido ao pagamento do imposto, a anulação do ato de liquidação de IMI implica o direito da Requerente a ser ressarcida da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor, nos termos conjugados do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT e do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

9.            Em sede de Resposta, a Requerida apresentou defesa por exceção e por impugnação.

10.          A Requerida suscita a exceção de prejudicialidade e requer a suspensão da presente instância arbitral, por entender, em síntese, que:

a)            A Requerente deduziu duas Ações Administrativas junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... – com os números de processo .../19...B... e .../19...B... –, onde vem discutir o direito a fruir da isenção prevista no artigo 44.º/1-n) do EBF, relativamente aos prédios que estão na base da liquidação de IMI contestada no presente pedido de pronúncia arbitral;

b)           As referidas e indecididas Ações Administrativas, porque visam colocar em crise o ato em matéria tributária que está precisamente na base da liquidação de IMI aqui impugnada no pedido de pronúncia arbitral e porque preenchem os pressupostos de dependência e necessidade, constituem uma verdadeira questão prejudicial;

c)            A discussão da (i)legalidade da decisão que indeferiu a isenção de IMI (i.e. ato em matéria tributária) constitui uma questão que representa um antecedente lógico-jurídico da liquidação (i.e, ato tributário) controvertida nos presentes autos arbitrais;

d)           Ou seja, segundo a Requerida a discussão da legalidade das liquidações de IMI sub judice constituem uma questão que depende do entendimento que, a montante, vier a ser fixado quanto à decisão de indeferimento da isenção de IMI que estão a ser apreciadas em sede das Ações Administrativas no Tribunal Administrativo e Fiscal de ...;

e)           Entende a Requerida que muito embora o pedido de pronúncia arbitral tenha por objeto liquidações de IMI, certo é que ele está estruturado exatamente na mesma discussão em torno do artigo 44.º/1-n) do EBF que corporizam as Ações Administrativas distribuídas sob os n.ºs .../19...B... e ...19...B...;

f)            No entendimento da Requerida, caso a aqui Requerente venha a obter vencimento de causa nas referidas ações administrativas, a anulação do ato em matéria tributária praticados a montante pela aqui Requerida (i.e., a não atribuição da isenção de IMI) gera a anulação dos atos tributários praticados a jusante pela Requerida (i.e., as liquidações de IMI sub judice);

g)            Por estas razões, a Requerida requer a este Tribunal que suspenda a presente instância arbitral, com todos os efeitos legais, sobrestando na decisão até que sejam decididas e consolidadas na ordem jurídica as referidas Ações Administrativas;

h)           Sustenta ainda a Requerida que a suspensão da instância se impõe a este Tribunal, não podendo ser invocados os princípios da celeridade e da livre condução do processo, a par com invocação da faculdade de não suspensão da instância prevista no artigo 272.º do Código de Processo Civil (CPC), sob pena de violação dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da igualdade.

11.          Por Despacho de 28-05-2019, este Tribunal concedeu à Requerente o prazo de dez dias para responder, querendo, à matéria de exceção deduzida pela Requerida, o que aquela fez nos termos que de seguida se sintetizam:

a)            A Requerente apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., no dia 26 de março de 2019, duas ações administrativas, que visam reagir contra dois atos distintos, praticados pela Requerida, de indeferimento de dois pedidos de isenção de IMI, relativos aos prédios objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral;

b)           A ação administrativa a que foi atribuído o número de processo .../19...B... tem por objeto o Despacho proferido, em 21 de dezembro de 2018, pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças Adjunto, ao abrigo de delegação de competências, que indeferiu o pedido de isenção de IMI, com referência ao prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., da União de Freguesias de ... (..., ..., ... e ...), formulado ao abrigo do disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF”);

c)            Já a ação administrativa a que foi atribuído o número de processo .../19...B..., tem por objeto o Despacho proferido, em 21 de dezembro de 2018, pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças Adjunto, ao abrigo de delegação de competências, que indeferiu o pedido de isenção de IMI, com referência aos prédios urbanos inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos ..., ..., ... e ..., da União de Freguesias de ... (..., ..., ... e ...), formulado ao abrigo do disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF;

d)           Os pedidos de isenção de IMI que foram objeto de indeferimento por parte da ora Requerida – e que motivaram a apresentação das competentes ações administrativas – foram submetidos pela Requerente no decurso do ano de 2018;

e)           Desse modo, tais pedidos de isenção – ainda que viessem a ser deferidos pela Requerida – apenas teriam a virtualidade de produzir efeitos para o futuro, em relação às eventuais liquidações de IMI que, em anos vindouros, viessem a ser emitidas, e nunca poderiam ter por efeito a anulação das liquidações de IMI emitidas em anos anteriores, como é o caso da liquidação de IMI relativa ao ano de 2017, que constitui o objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral;

f)            Por maioria de razão, o mesmo se diga quanto às decisões judiciais que venham a ser proferidas no âmbito das ações administrativas intentadas pela Requerente;

g)            Mesmo que venham a ser proferidas Sentenças favoráveis à pretensão da ora Requerente, tais Decisões nunca poderão ter por efeito a anulação de liquidações de IMI anteriores a 2018, uma vez que os pedidos de isenção de IMI objeto das mesmas só foram apresentados no ano de 2018;

h)           No caso em apreço, as Ações Administrativas em causa deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... em 26 de março de 2019, ao passo que o Pedido de Pronúncia Arbitral entrou no CAAD em 5 de fevereiro de 2019, o que significa que a decisão a dar ao presente processo não está dependente de uma outra ação já proposta;

i)             Assim, deverá ser indeferido o pedido de suspensão da presente instância arbitral, motivado na alegada prejudicialidade das Ações Administrativas que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob os números .../19...B... e .../19...B...;

j)             Mas mesmo que se considerasse existir uma ação prejudicial – o que a Requerente não admite e, por mero dever de ofício, equaciona –, o n.º 2 do artigo 272.º do CPC, impõe que o tribunal não ordene a suspensão (i) se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para obter a suspensão ou (ii) se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens;

k)            Pelo que, no caso vertente, deverá o Tribunal ponderar se os inconvenientes processuais provenientes da suspensão da instância não são superiores aos que poderiam resultar da continuação da mesma, o que à Requerente parece curial, atendendo ao curto prazo de que o Tribunal dispõe para prolação de uma decisão, associado aos princípios da celeridade e da livre condução do processo, estruturantes do processo arbitral tributário;

l)             Entende a Requerente, em face do exposto, que deverá improceder a requerida suspensão da presente instância, até que se verifique o trânsito em julgado das decisões que venham a ser proferidas no âmbito das ações administrativas que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob os números de processo .../19...B... e .../19...B..., por não se verificar, entre ambos os processos, o nexo de prejudicialidade legalmente exigido para o efeito, prosseguindo os presentes autos os seus termos até final.

12.          Na defesa por impugnação, a Requerida sustenta a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com base nos seguintes argumentos:

a)            A Requerente utiliza indiferentemente conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si, como sejam a Categoria, a Classificação e a Designação;

b)           A Requerente parte de um equivocado pressuposto legal, qual seja a existência de uma “classificação da UNESCO”;

c)            Não existe qualquer classificação da UNESCO denominada “Património da Humanidade”, “Património da UNESCO”, “Património Mundial” ou outra expressão equivalente;

d)           A “Lista do Património Mundial” a que se refere o artigo 11.º/2 da Convenção da UNESCO de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o artigo 15.º/7 da Lei de Bases do Património Cultural (LBPC) é tão só e apenas isso: uma lista, a qual está a cargo do Comité do Património Mundial;

e)           Ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem;

f)            A classificação de um bem cultural depende sempre de um prévio procedimento administrativo de Classificação;

g)            Ao inscrever o Centro Histórico de Évora na “Lista do Património Mundial” o Comité do Património Cultural da UNESCO jamais procedeu a qualquer prévio procedimento administrativo de classificação;

h)           O denominado Centro Histórico de Évora  pertence à categoria de Conjunto (uma vez que se trata de um conjunto de prédios), está incluído na lista de bens classificados como de Interesse Nacional (artigo 15.º/7 da LBPC), e é designado por Monumento Nacional (artigo 15.º, n.ºs 3 e 7, da LBPC), sendo certo que esta designação não se confunde nem equivale ao conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 de 1932;

i)             O denominado Centro Histórico de Évora está, quando muito, classificado como imóvel de Interesse Nacional, sendo designado como Monumento Nacional;

j)             O EBF é muito claro, no 2.º e 3.º segmentos do artigo 44.º/1-n), ao exigir a classificação individual de cada um dos prédios que integram aquele Conjunto, para que possam usufruir de isenção de IMI;

k)            O 1.º segmento do artigo 44.º/1-n) do EBF refere-se aos prédios classificados como Monumentos Nacionais à luz das leis “estado-novenses” quer antecederam a LBPC;

l)             Ainda que por mera hipótese se considerasse que a inscrição do Centro Histórico de Évora na “Lista do Património Mundial da UNESCO” constitui uma classificação e que esta corresponde à graduação de Monumento Nacional, certo é que constitui uma interpretação abusiva a conclusão de que os prédios aqui em causa, apenas por se encontrarem inseridos naquele Conjunto, se encontram igualmente classificados como Monumento Nacional;

m)          Assim sendo, não tendo a Requerente demonstrado que os seus prédios se encontram individualmente classificados como Monumento Nacional, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 44.º/1-n) do EBF e, por conseguinte, os atos tributários sub judice encontram-se em conformidade com a lei;

n)           Acresce que a isenção prevista do artigo 44.º/1-n) do EBF, porque só pode ser dirigida a prédios fiscais (artigo 2.º do CIMI), exige a classificação individual dos prédios, independentemente da Categoria patrimonial em que os mesmos se inserem;

o)           Esta é a única interpretação plausível e em sintonia com a unidade do sistema jurídico;

p)           As “certidões” (Documentos 11 e 12 do pedido de pronúncia arbitral) obtidas pela Requerente não são válidas (artigo 44.º, n.ºs 5 e 6 do EBF), uma vez que a entidade que as emitiu – o Município de ...– não tem competência legal para o efeito, pelo que, sendo nulo o valor jurídico de tais “certidões”, tal prova documental é totalmente inadmissível;

q)           A Requerente não juntou as certidões que deveriam: ser emitidas pela entidade competente – a Direção-Geral do Património Cultural – e respeitar o modelo oficial (Doc. 6 da Resposta);

r)            Compulsada a “Lista do Património Mundial da UNESCO” verifica-se que a mesma não integra os prédios da Requerente aqui em causa, mas tão-somente o “Centro Histórico de Évora” (Doc. 8 da Resposta);

s)            Assim, entende a Requerida que também por esta razão a pretensão da Requerente está condenada ao fracasso, uma vez que nenhuma prova fez quanto à pretensa classificação dos prédios e/ou à sua localização no “Centro Histórico de Évora”;

t)            Segundo a Requerida, a jurisprudência já produzida sobre esta questão não releva no caso sub judice, uma vez que a jurisprudência não é fonte imediata de direito, e o elenco de questões suscitadas pela Requerida vai para além do que sucedeu nos casos já decididos;

u)           Sustenta, ainda, a Requerida que o artigo 44.º/1-n) do EBF, em articulação com o artigo 15.º, n.ºs 3 e 7, da LBPC, e com o artigo 3.º/3 do Decreto-Lei 309/2009, se mostra contrário à Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que viola os princípios constitucionais: (i) da igualdade tributária; (ii) da justiça fiscal; (iii) da capacidade contributiva; (iv) da proporcionalidade; (v) da autonomia local e (vi) da participação na decisão, (vii) além de padecer de inconstitucionalidade orgânica;

v)            A Requerente não apresentou à Requerida as “certidões” que agora apresenta, tendo o IMI sido liquidado de acordo com a informação ao tempo existente, pelo que a Requerente só pode queixar-se de si mesma quanto à liquidação ora colocada em crise;

w)          Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente;

x)            Consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT;

y)            O mesmo raciocínio é aplicável ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente;

z)            Não tendo ocorrido, in casu, qualquer erro imputável aos serviços, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito a juros indemnizatórios.

 

13.          Por despacho de 11-06-2019, este Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade e da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), tendo sido exercido o contraditório em matéria de exceção e não havendo lugar à produção de prova testemunhal, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e determinou que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto nos artigos 91.º, n.º 5, e 91.º-A, ambos do CPTA, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

14.          A Requerida, notificada do despacho que fixou o prazo para produção, facultativa, de alegações finais escritas, veio requerer que as alegações fossem produzidas de forma sucessiva.

15.          Por despacho de 18-06-2019, este Tribunal decidiu indeferir o requerimento para a produção de alegações de forma sucessiva, com os fundamentos legais expressos no despacho arbitral proferido em 11-06-2019 para a produção de alegações simultâneas, pelo que manteve o teor deste.

16.          As Partes apresentaram alegações.

17.          Nas suas alegações, a Requerente reproduz, no essencial, a argumentação expendida no pedido de pronúncia arbitral, aditando a referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de dezembro de 2018, através do qual, segundo a Requerente, se consolidou, de modo definitivo, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo, já mencionada no pedido de pronúncia arbitral.

18.          A Requerida, em sede de alegações, mantém integralmente a argumentação exposta em sede de Resposta, tendo aduzido contributos doutrinários e jurisprudenciais que, em seu entender, sustentam a argumentação no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, e reforçando o entendimento de que a prova apresentada pela Requerente é juridicamente nula.

 

II – SANEADOR

Decidindo a exceção     

19.          Importa apreciar e decidir a exceção de prejudicialidade suscitada pela Requerida e o consequente pedido de suspensão da presente instância arbitral.

20.          As duas Ações deduzidas pela ora Requerente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... – com os n.ºs de processo .../19...B... e .../19...B... – visam contestar o indeferimento, por parte da ora Requerida, dos pedidos de isenção de IMI apresentados pela ora Requerente, os quais dizem respeito aos mesmos prédios que são objeto do pedido de pronúncia arbitral no presente processo.

21.          Entende a Requerida que “as referidas e indecididas Ações Administrativas, porque visam colocar em crise o ato em matéria tributária que está precisamente na base da liquidação de IMI aqui impugnada no pedido de pronúncia arbitral e porque preenchem os pressupostos de dependência e necessidade, constituem uma verdadeira questão prejudicial com enquadramento no artigo 15.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi artigo 29.º/1-b) do RJAT”.

22.          Dispõe o n.º 1 do artigo 15.º do CPTA que “[q]uando o conhecimento do objeto da ação dependa, no todo ou em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”.

23.          Sobre este preceito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha elucidam que “[o] [artigo 15.º] n.º 1 consagra o princípio da devolução facultativa. Quando, para conhecer do objeto da ação perante ele proposta, da competência dos tribunais administrativos, o juiz administrativo se depara com a necessidade de previamente serem decididas uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição, a lei consente-lhe a faculdade de tomar uma de duas atitudes: ou sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie, ou decidir a questão prejudicial com base nos elementos disponíveis no processo administrativo, hipótese em que os efeitos da decisão da questão prejudicial ficam restritos ao âmbito do processo do contencioso administrativo” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 156).

24.          Ou seja, com base no disposto no artigo 15.º, n.º 1, do CPTA, o juiz pode sobrestar na decisão e determinar a devolução das partes para a jurisdição competente (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, op. cit., p. 156).

25.          Todavia, no caso vertente, o que sucede é que estão pendentes noutro tribunal duas ações que, no entender da Requerida, “porque visam colocar em crise o ato em matéria tributária que está precisamente na base da liquidação de IMI aqui impugnada no pedido de pronúncia arbitral e porque preenchem os pressupostos de dependência e necessidade, constituem uma verdadeira questão prejudicial com enquadramento no artigo 15.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi artigo 29.º/1-b) do RJAT”.

26.          Neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha esclarecem que “[d]istinta é a situação quando, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, o juiz considere conveniente suspender a instância em virtude de a decisão da causa se encontrar dependente do julgamento de outra ação já proposta. Neste caso, a ação prejudicial já está pendente no mesmo ou noutro tribunal e a suspensão da instância na causa subordinada é justificada pela circunstância de o julgamento de um processo (já pendente) pode influir na decisão de mérito a proferir noutro. Na hipótese considerada neste artigo 15.º [do CPTA], é o juiz que remete as partes para um tribunal de diferente jurisdição para dirimir uma questão prejudicial que não é da sua competência, suspendendo para esse efeito a instância” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, op. cit., p. 157).

27.          Pelo que, é à luz do disposto no artigo 272.º do CPC, que este tribunal deve decidir se suspende, ou não, a instância arbitral.

28.          O artigo 272.º do CPC prevê o seguinte:

“1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

 2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.

29.          No caso vertente, o despacho que indefere o referido pedido de reconhecimento dos benefícios fiscais foi proferido em 21/12/2018, enquanto o ato de liquidação ora impugnado é de 07/03/2018.

30.          Ou seja, o ato de liquidação impugnado é anterior ao ato em matéria tributária que indefere o reconhecimento do benefício fiscal.

31.          Logo, não é correto afirmar-se, no caso vertente, que a decisão sobre o ato que indefere o reconhecimento do benefício fiscal influência a legalidade do ato de liquidação, uma vez que este não é subsequente àquele. 

32.          Assim sendo, terá, certamente, sido por lapso que a Requerida, no artigo 18.º da Resposta, afirma que “caso a aqui Requerente venha a obter vencimento de causa nas referidas ações administrativas, a anulação do ato em matéria tributária praticados a montante pela aqui Requerida (i.e., a não atribuição da isenção de IMI) gera a anulação dos atos tributários praticados a jusante pela Requerida (i.e., as liquidações de IMI sub judice)”.

33.          Assim, conclui-se que a presente causa não está dependente do julgamento de outra já proposta (272.º, n.º 1, do CPC).

34.          Não se verificando também qualquer outro motivo que justifique a suspensão da instância arbitral (272.º, n.º 1, do CPC).

35.          Inexiste, pois, entre as ações administrativas e o presente processo arbitral o nexo de prejudicialidade que poderia constituir fundamento para a suspensão da instância arbitral.

36.          Ou seja, o conhecimento do mérito do presente pedido de pronúncia arbitral não está dependente da prévia decisão das referidas ações administrativas.

37.          Mas ainda que se verificasse a pendência de causa prejudicial, o juiz tem a faculdade de decidir se deve, ou não, determinar a suspensão da instância.

38.          Na verdade, estamos perante uma faculdade que a lei comete ao juiz, e não uma imposição a este, conforme decorre quer da letra do artigo 15.º, n.º 1, do CPTA, invocado pela Requerida, que refere que “… pode o juiz sobrestar na decisão…”, quer do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, que prevê que “[o] tribunal pode ordenar a suspensão…”.

39.          Ou seja, ainda que se verificasse a pendência de causa prejudicial, o que não sucede no caso vertente, caberia a este tribunal, ao abrigo do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, decidir pela suspensão ou pela não suspensão da instância arbitral, para o que deveria ponderar as vantagens e as desvantagens da suspensão.

40.          E para tal nem seria necessário invocar o disposto no n.º 2 do artigo 272.º do CPC, o que, segundo a Requerida, seria inconstitucional.

41.          Em qualquer caso, não se vê em que medida uma decisão de não suspensão da instância com base no n.º 2 do artigo 272.º do CPC ofenderia os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da igualdade.

42.          É precisamente em nome da tutela jurisdicional efetiva que o legislador, habilitado constitucionalmente para o efeito, aprovou o RJAT, com as especificidades adequadas, necessárias e proporcionais à prossecução dos objetivos definidos pelo legislador – como a consagração do princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo –, e com a previsão do direito subsidiário aplicável (artigo 29.º do RJAT), o que leva, por vezes, à aplicação de normas do Código de Processo Civil, como acontece no caso sub judice.

43.          E é também ponderando as vantagens e desvantagens da suspensão da instância, no caso de existência de causa prejudicial (que, no caso vertente, não se verifica) que se concretizaria o princípio da proporcionalidade.

44.          Acresce que a faculdade que o juiz tem de suspender ou não suspender a instância não é exclusiva da jurisdição arbitral, contrariamente ao que, aparentemente, sustenta a Requerida, apesar de invocar a norma geral do artigo 15.º do CPTA, cujo preceito contém uma expressão literal inequívoca – “… pode o juiz sobrestar na decisão…”.

45.          Em síntese, entende este tribunal que não se verifica, no caso vertente, a pendência de qualquer causa prejudicial que justifique a suspensão da instância arbitral, em virtude de inexistir, entre as ações administrativas intentadas pela Requerente e o presente processo arbitral, o nexo de prejudicialidade que poderia constituir fundamento para a suspensão da instância arbitral.

46.          Assim, este tribunal decide julgar improcedentes a exceção de prejudicialidade e o pedido de suspensão da presente instância arbitral.

47.          A apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.

48.          As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

49.          Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III. MÉRITO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.         Factos provados

50.          Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade comercial anónima, sedeada em Portugal, que exerce a sua atividade no âmbito da indústria hoteleira, sendo proprietária dos seguintes prédios urbanos, objeto do ato de liquidação de IMI aqui em apreço:

(i)           Terreno para construção, identificado com o artigo matricial n.º..., da União de Freguesias de ..., sito na ..., n.º..., ...– ... Évora (no centro histórico de Évora), com o Valor Patrimonial Tributário de € 728.878,90 (documentos n.ºs 2 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

(ii)          Prédio em regime de propriedade horizontal, identificado com o artigo matricial n.º..., fração autónoma..., da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.º...-..., ...-... Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 947.612,16 (documentos n.ºs 2 a 4 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

(iii)         Prédio em regime de propriedade horizontal, identificado com o artigo matricial n.º..., fração autónoma..., da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.º ... ..., ... - ... Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 57.280,00 (documentos n.ºs 2 a 4 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

(iv)         Prédio em regime de propriedade horizontal, identificado com o artigo matricial n.º ..., fração autónoma ..., da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.º..., ...-... Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 77.840,00 (documentos n.ºs 2 a 4 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); e

(v)          Prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, identificado com o artigo matricial n.º..., da União das Freguesias de ..., sito na Rua ..., n.ºs ... a ..., ... – ... Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 5.515.719,71 (documentos n.ºs 2 a 4 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

b)           Os prédios urbanos acima identificados nos pontos (i) a (iv), respeitam ao B..., propriedade da Requerente, cuja atividade é levada a cabo num prédio urbano em propriedade horizontal, composto por 4 frações autónomas, distintas e isoladas entre si;

c)            O prédio urbano acima identificado no ponto (v), respeita ao prédio, também propriedade da Requerente, no qual o C... se encontra instalado;

d)           Os prédios descritos supra situam-se no Centro Histórico de Évora (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)           O Centro Histórico de Évora encontra-se incluído na lista do património mundial da UNESCO, conforme publicitação no Aviso, datado de 20 de janeiro de 1988, da Direção de Serviços Culturais, publicado no Diário da República, n.º 39/1988, Série I, de 17 de fevereiro de 1988 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)            A Requerente foi notificada do ato de liquidação de IMI, datado de 7 de março de 2018, referente ao ano de 2017, que prevê um montante global a pagar de € 32.972,99 (trinta e dois mil, novecentos e setenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), consubstanciado nos Documentos n.ºs 2017..., 2017... e 2017..., referentes às primeira, segunda e terceira prestações, respetivamente (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)            A Requerente procedeu ao pagamento das primeira, segunda e terceira prestações do ato de liquidação de IMI aqui posto em crise, respetivamente, em 26 de abril de 2018, em 27 de julho de 2018 e em 28 de novembro de 2018 (documentos n.º 13 a 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

h)           A Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis descrito supra, tendo sido notificada, mediante Ofício da Direção de Finanças de ..., datado de 9 de novembro de 2018, do Despacho proferido, em 8 de novembro de 2018, pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de ..., do respetivo indeferimento (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)             Em 06-02-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que originou o presente processo.

 

§2. Factos não provados

51.          Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

52.          De acordo com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, são admitidos no processo arbitral os meios gerais de prova.

53.          A localização de imóveis não é facto para cuja prova seja exigido qualquer meio especial de prova, pelo que são admitidos todos os meios de prova admitidos em Direito.

54.          Os factos provados têm por base os documentos juntos pela Requerente, cuja genuinidade não foi impugnada pela Requerida. 

55.          A Requerida impugnou especificamente os documentos 11 e 12 juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, por sustentar que o Município de ... não dispõe de competência legal para certificar a classificação patrimonial de prédios classificados como Monumento Nacional.

56.          Entende, todavia, este tribunal que os referidos documentos não visam proceder à classificação a que se refere a Requerida, mas tão-somente fazer prova de que os imóveis em causa se situam dentro do perímetro do Centro Histórico de Évora.

57.          Tendo essa prova documental sido trazida ao processo, e sendo emitida por entidades de natureza pública com competências em matéria urbanística (câmaras municipais) não há qualquer razão para duvidar da veracidade da informação prestada.

58.          Acresce que os limites do centro histórico de Évora estão publicitados pela UNESCO em  https://whc.unesco.org/en/list/361/multiple=1&unique_number=414, sendo possível confirmar através da localização acessível em https://www.google.com/maps/ que os prédios em causa se situam dentro das áreas classificadas.

59.          Assim, no exercício dos poderes deste Tribunal Arbitral para julgamento da matéria de facto, considera-se provado que os prédios descritos supra [§50, a)] se situam no Centro Histórico de Évora, conforme é informado nos documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, emitidos pela Câmara Municipal de ..., os quais são juridicamente válidos e credíveis, e cuja correspondência à realidade não é infirmada por qualquer elemento de prova trazido ao processo pela Requerida.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões decidendas

60.          O artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) prevê que estão isentos de IMI “[o]s prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.

61.          O n.º 5 do mesmo artigo do EBF, na redação da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em vigor durante o ano de 2017, dispõe que “[a] isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos”.

62.          A Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, estabeleceu “as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural”.

63.          O artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, prevê o seguinte:

"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.

2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».

4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.

[…]

7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.

[…]”.

64.          O Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, estabeleceu “o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda”.

65.          O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, prevê que “[u]m bem imóvel é classificado nas categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional”.

66.          E o artigo 3.º do mesmo Decreto-Lei estabelece que:

“1 - Um bem imóvel pode ser classificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

 2 - A graduação do interesse cultural, para efeitos do número anterior, obedece aos critérios previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.

 3 - A designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios”.

67.          A Requerente sustenta que os imóveis referidos, por estarem inseridos num Centro Histórico classificados como Património Mundial da UNESCO, integram a categoria de “monumentos nacionais” e, consequentemente, devem beneficiar automaticamente da isenção de IMI.

68.          A Requerida opõe-se a tal entendimento, com os argumentos já expostos.

69.          Assim, a questão essencial a decidir no presente processo é a que se prende com saber se os prédios em causa, de que a Requerente é proprietária, por estarem inseridos num Centro Histórico incluído na lista do património mundial da UNESCO – neste caso, o Centro Histórico de Évora –, são de considerar classificados como monumentos nacionais e, consequentemente, devem beneficiar automaticamente da isenção de IMI prevista no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF.

70.          Em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, há que decidir, ainda, se os Requerentes têm direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

§2. Aplicação do direito ao caso sub judice

71.          O Centro Histórico de Évora, em virtude de estar incluído na Lista do Património Mundial da UNESCO, integra, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional, conforme decorre do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro.

72.          De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, “a designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios”, donde se conclui que o Centro Histórico de Évora configura um “monumento nacional”.

73.          Assim, os imóveis que compõem o “conjunto”, ou que estão integrados no “sítio”, são abrangidos pela classificação de “monumento nacional”, pelo que os imóveis situados dentro do perímetro geográfico do Centro Histórico de Évora beneficiam dessa classificação.

74.          Daqui resulta que os prédios de que a Requerente é proprietária, e que estão em causa no presente processo, em virtude de beneficiarem da classificação de “monumento nacional” do Centro Histórico de Évora, estão automaticamente isentos de IMI, conforme resulta do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF, em conjugação com o n.º 5 do mesmo artigo.

75.          Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07-12-2016, proferido no proc. 00134/14.4BEPRT, no qual se afirma que “[d]a articulação destes preceitos resulta que os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.

76.          Consequentemente, não é exigível a classificação individual de cada prédio integrado no Centro Histórico de Évora para que possa beneficiar da isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

77.          Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 12-12-2018, ao afirmar que a lei (na sequência das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2007) “apenas passou a exigir esta classificação individual para os imóveis que devam ser integrados nas categorias de interesse público, de valor municipal ou património cultural, não fazendo a mesma exigência para os imóveis que devam ser integrados na categoria de monumento nacional (no EBF o legislador faz referência a monumento nacional quando se pretende referir aos imóveis de interesse nacional porque é assim que nos termos do disposto no artigo 15º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro devem ser designados)”.

78.          Prossegue o STA, no mesmo Acórdão, afirmado o seguinte:

“E esta distinção resulta claramente da vontade expressa do legislador ao editar a norma em questão, ou seja, o legislador não pretendeu exigir, para os imóveis que devam ser incluídos na categoria de monumento nacional (interesse nacional) e para efeitos desta isenção fiscal, que devam ser sujeitos a classificação individual, mantendo, portanto, quanto aos mesmos o regime que anteriormente se encontrava estabelecido. Aliás a “nova” redacção do preceito mantém inalterada a primeira parte do artigo em questão – Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais – que se refere aos monumentos nacionais.

Esta interpretação resulta, também, expressamente do debate parlamentar e votação ocorridos a propósito deste preceito legal”.

79.          Do que fica dito também resulta a desnecessidade da prática de qualquer ato de classificação, bastando a inclusão do Centro Histórico de Évora na Lista do Património Mundial da UNESCO para que este seja considerado “monumento nacional” (artigo 15.º, n.º 7, da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, e artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro).

80.          Neste ponto, acompanhamos a fundamentação contida no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 362/2018-T, no qual se afirma o seguinte:

“Neste contexto, a abertura de um procedimento de classificação que implica a inclusão de um bem imóvel na lista indicativa do património mundial, nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, não tem em vista apreciar se estão reunidas as condições para a classificação, nem a prolação de uma decisão final pelo Governo, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do mesmo diploma (pois a classificação já está feita «para todos os efeitos» por força do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001), mas apenas identificar quais são os imóveis que foram incluídos naquela lista, designadamente através de uma planta de localização, e fixar a respectiva zona especial de protecção.

É neste contexto que, relativamente aos imóveis inscritos na lista do património mundial à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 309/2009, se prevê, no n.º 3 do seu artigo 72.º, apenas a publicação sob a forma de aviso no Diário da República, da planta de localização e implantação de bem imóvel inscrito na lista do património mundial, incluindo a respectiva zona de protecção e não uma decisão do Governo sob a forma de decreto, como se prevê no seu artigo 30.º, n.º 1, para as decisões finais dos processos de classificação de bem imóvel como de interesse nacional.

Assim, relativamente aos imóveis inscritos na lista do património mundial antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 309/2009, não há lugar a qualquer acto de classificação, e eles integram-se «para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional», por força do n.º 7 do artigo 15.º da lei n.º 107/2001.

Por isso, em relação a estes imóveis inscritos na lista do património mundial, não há lugar à «comunicação da classificação como monumentos nacionais (...) a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P.» [actualmente, as competências do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., são exercidas pela Direcção-Geral do Património Cultural, nos termos do o artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de Maio] que se refere no n.º 5 do artigo 44.º do EBF, pois não há acto de classificação a comunicar.

Assim, nestes casos, a isenção opera automaticamente, na sequência da publicação do aviso previsto no artigo 72.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 309/2009”.

81.          No caso vertente, a isenção operou automaticamente com a publicação do Aviso, datado de 20 de janeiro de 1988, da Direção de Serviços Culturais, no Diário da República, n.º 39/1988, Série I, de 17 de fevereiro de 1988.

82.          Segundo o entendimento da Requerida, “a isenção prevista do artigo 44.º/1-n) do EBF, porque só pode ser dirigida a prédios fiscais (artigo 2.º do CIMI), exige a classificação individual dos prédios, independentemente da Categoria patrimonial em que os mesmos se inserem”.

83.          Todavia, se, como já ficou claro, a letra do artigo 44.º/1-n) do EBF prevê a isenção de IMI dos “prédios classificados como monumentos nacionais”, e se estes podem consistir em conjuntos de imóveis, então os imóveis pertencentes a esse conjunto beneficiam da referida isenção.

84.          Ou seja, a isenção é dirigida a prédios fiscais, que, no caso, são todos os prédios integrados no conjunto designado por Centro Histórico de Évora, o qual, como se viu é considerado “monumento nacional”,

85.          O que significa que, contrariamente ao que sustenta a Requerida, a exigência de que a isenção seja dirigida a prédios fiscais não pressupõe necessariamente a classificação individual dos prédios.

86.          A Requerida suscita ainda a inconstitucionalidade “que o artigo 44.º/1-n) do EBF, em articulação com o artigo 15.º, n.ºs 3 e 7, da LBPC, e com o artigo 3.º/3 do Decreto-Lei 309/2009, se mostra contrário à Constituição da República Portuguesa (“CRP”), na medida em que viola os constitucionais princípios: (i) da igualdade tributária; (ii) da justiça fiscal; (iii) da capacidade contributiva; (iv) da proporcionalidade; (v) da autonomia local e (vi) da participação na decisão, (vii) além de padecer de inconstitucionalidade orgânica”.

87.          Relativamente ao princípio da igualdade tributária, importa referir que os detentores de direitos reais sobre imóveis estão sujeitos especiais obrigações, nos termos do artigo 21.º da Lei n.º 107/2001, que, sob a epígrafe “[d]everes especiais dos detentores”, prevê o seguinte:

“1 - Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados estão especificamente adstritos aos seguintes deveres:

a) Facilitar à administração do património cultural a informação que resulte necessária para execução da presente lei;

b) Conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração;

c) Adequar o destino, o aproveitamento e a utilização do bem à garantia da respectiva conservação.

2 - Sobre os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados incidem ainda os seguintes deveres:

a) Observar o regime legal instituído sobre acesso e visita pública, à qual podem, todavia, eximir-se mediante a comprovação da respectiva incompatibilidade, no caso concreto, com direitos, liberdades e garantias pessoais ou outros valores constitucionais;

b) Executar os trabalhos ou as obras que o serviço competente, após o devido procedimento, considerar necessários para assegurar a salvaguarda do bem”.

 

88.          A estes deveres especiais estão sujeitos todos os titulares de direitos reais sobre prédios classificados, quer se trate de prédios individualmente classificados, quer de prédios integrados num conjunto que seja considerado “monumento nacional”, nos termos da lei.

89.          Existe, pois, uma razão objetiva para o tratamento diferenciado entre proprietários de prédios classificados – sujeitos a deveres especiais – e proprietários de prédios não classificados – não sujeitos a tais deveres –, o que justifica o benefício fiscal previsto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

90.          Esta isenção não é, portanto, incompatível com os princípios da igualdade e da justiça.

91.          Tendo em conta os referidos deveres especiais que impendem sobre os proprietários de imóveis classificados (individualmente ou integrados em conjuntos classificados) e as finalidades que lhes estão, designadamente a de preservação do património, a isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF não se revela excessiva.

92.          Ou seja, a isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF não é incompatível com o princípio da proporcionalidade.

93.          Quanto às demais alegadas inconstitucionalidades, subscrevemos o entendimento expresso no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 362/2018-T, de 15-01-2019, onde estava em causa a isenção de IMI de imóveis situados nos centros históricos de Évora e Porto, nos seguintes termos:

“No que concerne ao princípio da capacidade contributiva, não se coloca em sede de benefícios fiscais, pois eles pressupõem uma excepção a esse princípio, justificada por razões especiais: neste caso a excepção justifica-se para assegurar os princípios da igualdade e da justiça, para além do prosseguimento do objectivo extrafiscal de incentivar os titulares de imóveis adoptarem comportamentos que permitam preservação do património, necessária para se manter a classificação e podere, continuar a beneficiar da isenção.

No que concerne à invocação de violação do princípio da autonomia local trata-se de um evidente equívoco da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as isenções fiscais são matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n- 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], neste caso criada para satisfação de interesses nacionais e não autárquicos. Por outro lado, quanto à alegação de que os Municípios do Porto e de Évora «nenhuma palavra tiveram quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente a área dos Centros Históricos do Porto e de Évora», independentemente da sua irrelevância, nada se pode concluir com base no Diário da República, pois trata-se de matéria não sujeita a publicação (artigo 119.º da CRP). Por outro lado, no que concerne à alegada falta de participação das «autarquias portuense e eborense na formação da decisão de classificação», para além de não, se demonstrar, será matéria sobre a qual não haverá, decerto, razões de preocupação, pois nem sequer é imaginável que a classificação de um centro histórico não seja promovida pela respectiva autarquia.

No que concerne a inconstitucionalidade orgânica invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, trata-se também de confusão, pois a Assembleia da República é o órgão constitucionalmente competente para legislar em matéria de isenções fiscais, e foi quem a criou através da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, aditando uma alínea n) ao n.º 1 do artigo 40.º do EBF (artigo este que passou a ser o artigo 44.º, após a republicação do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho)”.

94.          Não ocorre, portanto, qualquer das inconstitucionalidades invocadas pela Requerida.

95.          Com os fundamentos expostos, este tribunal conclui pela ilegalidade do ato de liquidação de IMI impugnado, relativo aos imóveis descritos na matéria de facto fixada, incluídos no Centro Histórico de Évora, bem como pela ilegalidade do Despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o referido ato de liquidação.

96.          A Requerente pede ainda que este tribunal determine o reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor.

97.          De acordo com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT, “[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários […] [r]estabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

98.          Esta norma do RJAT é coerente com a previsão contida no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, cujo texto é o seguinte:

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

99.          Quanto à possibilidade de o tribunal arbitral reconhecer o direito a juros indemnizatórios, prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

100.       E, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

101.       Face à total procedência do pedido de pronúncia arbitral, reconhece-se à Requerente o direito ao reembolsado do montante de imposto indevidamente pago, uma vez que tal reembolso é essencial para o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da presente decisão arbitral não tivesse sido praticado.

102.       Este tribunal reconhece, igualmente, que a ilegalidade da liquidação em causa nos presentes autos resultou de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, que praticaram o ato de liquidação de IMI sem considerarem a isenção automática de que beneficiavam os prédios incluídos no Centro Histórico de Évora, pelo que se reconhece à Requerente o direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, sobre o montante a reembolsar.

103.       É que, como se referiu, no caso de imóveis inscritos na lista do património mundial não há ato de classificação a comunicar, pois a mera inclusão na lista do património mundial tem como consequência “para todos os efeitos” que os imóveis passam a integrar “na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional” (n.º 7 do artigo 15.º da lei n.º 107/2001).

104.       Assim, considerando que a inclusão do Centro Histórico de Évora na lista do património mundial foi publicitada no Diário da República, os serviços têm o dever de diligenciar no sentido da aplicação da isenção automática de IMI, uma vez que dispõem dos elementos que lhe permitem apreciar da verificação dos respetivos pressupostos de aplicação.

105.       Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até ao integral reembolso, por aplicação da taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

IV – DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Declarar ilegal e anular, com todas as consequências legais, o ato de liquidação de IMI datado de 7 de março de 2018, referente ao ano de 2017, no valor de € 32.972,99 (trinta e dois mil, novecentos e setenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), consubstanciado nos Documentos n.ºs 2017..., 2017 ... e 2017 ...;

c)            Declarar ilegal e anular o Despacho de indeferimento da reclamação graciosa, datado de 8 de novembro de 2018;

d)           Julgar procedente o pedido de reembolso do montante de imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento até integral reembolso, tudo conforme for apurado em sede de execução de sentença, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar tal reembolso acrescido de juros;

e)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

V- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 32.972,99.

 

VI – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Como se referiu, o erro que afeta a liquidação impugnada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que é esta a responsável pelo pagamento da totalidade das custas.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 04/10/2019

 

O Árbitro

(Paulo Nogueira da Costa)