Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 745/2020-T
Data da decisão: 2021-09-27  IVA  
Valor do pedido: € 348.203,85
Tema: IVA - Obras de construção civil. Reverse charge. Direito a dedução. Princípio da neutralidade. IRC. Dedutibilidade de gastos
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Rui Marrana e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:

              

                1. Relatório

 

A... S.A., Pessoa Colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...,  ..., doravante designada como «Requerente», veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativas aos períodos de tributação de 2015 e 2016, bem como a anulação destas liquidações.

A Requerente pede ainda a restituição do imposto que considera indevidamente pago, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-12-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e pelo art. 12.º da Lei n.º 7/2021, de 27 de Fevereiro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 01-02-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 02-07-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente exerce a título principal a actividade de indústria de produtos alimentares, designadamente descasque, branqueamento e outros processos de tratamento de arroz;

B)           Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. EM SEDE DE IVA

III.1.1. Dedução indevida de imposto - Aquisição de serviços de construção civil

1. Nos anos de 2015 e 2016 o sujeito passivo contabilizou a aquisição de serviços relativos à construção de infraestruturas produtivas (ex: silos) e outras obras de reparação, manutenção ou remodelação de imóveis, suportadas em faturas emitidas pelos fornecedores / prestadores de serviços abaixo identificados:

 

2. Na análise efetuada, verificou-se que estes fornecedores/prestadores de serviços liquidaram indevidamente IVA nas faturas que seguidamente se relacionam e descrevem, por se tratarem de "serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis", contrariando assim o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do respetivo Código (CIVA).

3. Constatou-se também que a A... havia deduzido indevidamente, nos termos do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, o imposto liquidado nessas faturas, razão pela qual o mesmo deverá ser corrigido a favor do Estado.

 

III.1.1.1. Fornecedor l Prestador de Serviços: B... Lda (doravante designado por B...)

1. O sujeito passivo registou na sua contabilidade dos períodos de tributação de 2015 e 2016 as seguintes faturas emitidas pelo fornecedor "B..." (cf. cópias em anexo 5), relativas a diversos trabalhos relacionados com a construção e reparação de silos e de outros edifícios das suas instalações:

 

2. Conforme se verifica, a maior parte dos valores faturados refere-se a parcelas de orçamentos de obras adjudicadas a este fornecedor, nos quais se encontram discriminados os bens e serviços em causa. No quadro seguinte são identificados os referidos orçamentos (que se juntam em anexo 6), as respetivas faturas e a descrição sucinta dos trabalhos:

 

3. As restantes faturas respeitam também a alterações e reparações dos silos, com a exceção da fatura n.º 1/74 de 2016 que se refere a obras nos armazéns da "C..." (registados na contabilidade da A... como "Propriedades de Investimento").

4. Ora, todos as aquisições descritas nos orçamentos e faturas acima discriminados consubstanciam serviços de construção civil, "incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada", na medida em que estão diretamente relacionadas e são utilizadas na construção e melhoramento de imóveis, sejam eles silos (armazéns de matérias-primas) ou outros edifícios produtivos, administrativos ou de armazenagem, que fazem parte do ativo fixo tangível da A... .

5. Nestes casos, e nos termos da citada alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, o sujeito passivo de imposto é o adquirente dos serviços, ou seja, a A..., sendo ela (e não o fornecedor) a responsável pela liquidação e entrega do imposto.

6. De facto, os "silos" em causa são edifícios metálicos de grandes dimensões, utilizados para o armazenamento de cereais (neste caso diversos tipos de arroz), que estão ligados materialmente, com caráter de permanência, aos bens imóveis (terrenos), propriedade do sujeito passivo.

7. A ligação material observa-se desde logo pelo facto de a construção dos silos ter sido iniciada pela execução de "estacas e lajes de ensoleiramento" da responsabilidade da empresa D... S.A., NIF ... . Na contabilidade da A... foram registadas 3 faturas desses serviços, emitidas por essa empresa de construção entre agosto e outubro de 2015, que totalizam 344.620,15€ e em que a responsabilidade da liquidação do imposto foi corretamente imputada ao adquirente (cf. cópias das faturas e autos de medição em anexo 7).

8. Note-se que a A... procedeu ao pedido de licenciamento camarário da edificação dessas construções (de que é exemplo o processo n.º PI/.../2014, cuja cópia constitui o anexo 8), no qual se inclui também o projeto de arquitetura, termo de responsabilidade, estimativa orçamental e calendarização da obra. O fornecedor B... é apenas responsável por uma ou mais especialidades dentro dessa empreitada.

9. Acresce ainda que estas construções foram incluídas pela A... num projeto de financiamento ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020 (PDR 2020), tendo algumas delas sido classificadas pelo próprio sujeito passivo na rubrica de "Edifícios e outras construções" (cf. cópia em anexo 9).

10. Finalmente refira-se que esta fundamentação acompanha o teor das informações vinculativas (Processos n.º 2027 de 26-05-2011 e n.º 13714 de 15-06-2018), cujas cópias se juntam em anexo 10. Por ser de interesse, transcreve-se a conclusão do Processo n.º 13714, que aplica na íntegra à situação em análise.

 

11. Conforme atrás mencionado, a A... deduziu integralmente o imposto indevidamente liquidado pelo fornecedor B... nas faturas atrás identificadas, contrariando o disposto no n.º 8 do artigo 19.º do CIVA.

12. Face ao exposto, consideram-se indevidamente deduzidos pela A... os montantes de IVA de 70.391,50€ e 62.411,83€, respetivamente nos anos de 2015 e 2016, procedendo-se assim à sua correção a favor do Estado.

 

III.1.1.2. Fornecedor/ Prestador de Serviços E... Lda (E...)

1. Na contabilidade do sujeito passivo, relativa aos períodos de tributação em análise, constam as seguintes faturas emitidas pela E... (cf. cópias em anexo 11):

 

2. Todos as faturas em causa se referem à execução de trabalhos de construção, reparação e alteração de imóveis (ex: fábrica da A...) ou serviços nas "artes de pedreiro e trolharia", que consubstanciam a prestação de serviços de construção civil por parte da E... .

3. Conforme referido, na prestação de serviços de construção civil a responsabilidade pela liquidação do IVA é do adquirente, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

4. No entanto, verificou-se que o prestador (A...) liquidou indevidamente o imposto em todas as faturas relacionadas e o adquirente (A...) também deduziu indevidamente esse IVA, contrariando o disposto no n.º 8 do artigo 19.º do CIVA.

5. Deste modo, o imposto indevidamente deduzido pela A..., que ascende a 33.899,82€ em 2015 e a 13.940,63€ em 2016, deve ser corrigido a favor do Estado.

 

III. 1.1.3. Fornecedor l Prestador de Serviços F... Lda.

1. No ano de 2015 a A... contabilizou duas faturas emitidas pela empresa F... relativas à execução de furos artesianos e aplicação de tubos de proteção nos mesmos. O quadro infra apresenta o resumo dos dois documentos, que se juntam em anexo 12:

 

2. A realização de furos artesianos consiste numa obra de captação de água subterrânea num imóvel (terreno) feita com recurso a perfuradora e revestida com tubos de proteção.

3. De acordo com os diplomas que regulam a atividade de construção, designadamente o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 12/2004 de 9 de janeiro e a alínea b) do artigo 3.º da Lei n.º 41/2015 de 3 de junho (que revogou o anterior Decreto-Lei), consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização.

4. O conceito de obra encontra-se também na alínea a) do artigo 3.º do citado DL 12/2004 e na alínea k) do artigo 3.º da Lei 41/2015, e corresponde à atividade e ao resultado do de trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reabilitação, reparação, restauro, conservação e demolição de bens imóveis.

5. Neste caso, a realização de furos de captação de água configura uma obra de alteração de um bem imóvel, com caráter de permanência, consubstanciando, deste modo, a prestação de serviços de construção civil, à qual é aplicável a regra de inversão do sujeito passivo prevista alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

6. Assim sendo, a responsabilidade da liquidação do IVA nestas operações é do sujeito passivo adquirente (A...), o que não se verificou, tendo o prestador (F...) liquidado indevidamente esse imposto nas faturas por si emitidas.

7. Na sequência verificou-se que A... deduziu o imposto liquidado pelo prestador de forma também indevida, contrariando o disposto no n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, razão pela qual se procede à correção do valor total do imposto contido nas duas faturas, que ascende a 909,66€.

 

III.1.1.4. Fornecedor/ Prestador de Serviços G... Unipessoal Lda

1. A A... contabilizou no ano de 2016 uma fatura emitida pela empresa G... Unipessoal Lda, relativa à prestação de serviços de pichelaria e eletricidade, por parte desta última. Junta-se a cópia desse documento em anexo 13.

 

2. Tal como para os casos anteriores, também aqui os serviços em questão (pichelaria e eletricidade) são de construção civil, aplicando-se para efeitos d IVA a regra de inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do respetivo Código (CIVA).

3. Note-se que a lista exemplificativa dos serviços aos quais se aplica a regra de inversão do sujeito passivo (Anexo l do Oficio-Circulado n.º 30101) contempla tanto os serviços de "canalização e pichelaria" como os de "instalações elétricas".

4. Também aqui o prestador de serviços (G... Unip Lda) liquidou indevidamente o IVA, contrariando o normativo atrás referido, e o adquirente (A...) também deduziu indevidamente esse imposto, nos termos do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, pelo que se procede à correção a favor do Estado na esfera deste último, no exato valor de 3.831,40€.

 

III.1.1.5. Fornecedor / Prestador de Serviços H...

1. No ano de 2016 foi registada na contabilidade da A... uma fatura emitida pelo sujeito passivo H... (com a denominação comercial de H…), relativa ao fornecimento e instalação com plataforma elevatória de 3 portas seccionadas com motor. No quadro seguinte é apresentado o resumo da fatura em causa, juntando-se cópia da mesma em anexo 14.

 

2. O fornecimento e montagem de portas em imóveis é mais um dos exemplos de serviços de construção civil, abrangidos em sede de IVA pela regra de inversão do sujeito passivo, nos termos da alínea j) do n.º 1 artigo 2.º do respetivo Código.

3. De facto, e de acordo com o ponto 1.5.2. do Oficio-Circulado n.º 30101, a entrega de bens (neste caso as portas seccionadas), com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão, desde que se trate de entregas no âmbito de trabalhos contemplados pela Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro (ou, atualmente, pelo Anexo l da Lei n.º 41/2015 de 3 de junho).

4. Dentro do Anexo l da Lei n.º 41/2015, os serviços de fornecimento e montagem de portas com motor podem ser enquadrados na categoria 1.º - edifícios e património construído, subcategoria 7.a - trabalhos em perfis não estruturais e/ou na categoria 4.a - instalações elétricas e mecânicas, subcategoria 8.a - instalações de tração elétrica.

5. De igual modo, o Anexo l do Ofício-Circulado 30101 elenca, a título exemplificativo, os serviços aos quais se aplica a regra de inversão do sujeito passivo, entre os quais consta a instalação de portas (independentemente de terem ou não motor).

6. Deste modo, verifica-se que o fornecedor / prestador de serviços H... liquidou indevidamente IVA na fatura em causa, por se tratarem de serviços de construção civil.

7. Por outro lado, a A..., na qualidade de adquirente desses serviços, deduziu também de forma indevida, nos termos do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, o imposto liquidado pelo prestador, procedendo-se assim à correção do mesmo a favor do Estado, no total de 1.264,53€.

 

III.1.1.6. Resumo das correções - IVA indevidamente deduzido - por período de imposto

1. Nos subcapítulos anteriores (III.1.1 a III.1.5) foram descritas e fundamentadas as correções em sede de IVA em virtude de o sujeito passivo A..., durante os anos de 2015 e 2016, ter deduzido indevidamente, nos termos do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, o imposto liquidado por 5 fornecedores, em faturas de serviços de construção civil (em que o responsável pela liquidação, de acordo com a alínea j) do n.º 1 do artigo2.ºdo CIVA, é o sujeito passivo adquirente).

2. A contabilização do imposto indevidamente deduzido pela A... foi efetuada nas subcontas SNC 2432213 (IVA dedutível na aquisição de imobilizado -taxa normal) e 2432313 (IVA dedutível na aquisição de outros bens e serviços - taxa normal), tendo o sujeito passivo feito constar esses valores, respetivamente, nos campos 20 e 24 das declarações periódicas (mensais) de IVA de 2015 e 2016.

3. Os quadros seguintes apresentam o resumo das correções efetuadas, identificando o n.º do registo contabilístico (já referenciado nos subcapítulos anteriores), o fornecedor, o período, a subconta de IVA e os valores divididos por cada um dos dois campos das declarações periódicas:

 

4. Em síntese, nos anos de 2015 e 2016, e relativamente à aquisição de serviços de construção civil, foram deduzidos indevidamente os montantes globais de IVA de 105.200,98€ e 81.448,39€, respetivamente.

(...)

 

III. 2. EM SEDE DE IRC

III.2.1. Correções à matéria coletável

III.2.1.1. Gastos e encargos não dedutíveis para efeitos fiscais - faturas emitidas por E... Lda (E...) - artigos 23.º n.º 1 e 23.º-A n.º 2, ambos do CIRC

1. No capítulo anterior, relativo às correções efetuadas em sede de IVA pela dedução indevida de imposto em faturas de aquisição de serviços de construção civil, nas quais não foi aplicada a regra de inversão do sujeito passivo, foram relacionadas 8 faturas emitidas nos anos de 2015 e 2016 pela empresa E... (vide cópias em anexo 11).

2. Duas dessas faturas, exatamente as de maior valor (FAC E.../79 de 01-10-2015, no montante de 85.750,00€ + 19.722,50€ de IVA e FAC E.../123 de 27-09-2016, no valor de 55.476,90€ + 12.759,69€ de IVA), tinham apenas como descrição "serviços prestados de material e mão-de-obra nas artes de pedreiro e "rolharia" e "serviço de pedreiro e (rolharia: material e mão-de-obra", com a quantidade "1", ao contrário das restantes (de menor valor) que discriminavam o tipo de serviços efetuados, os locais, os materiais aplicados e até, nalguns casos, a quantidade de mão-de-obra (medida em horas de trabalho).

3. As duas faturas em causa foram reconhecidas na contabilidade da A... nas contas SNC 453-Ativos Fixos Tangíveis em Curso (para a primeira) e SNC 6226-FSE-Conservação e Reparação (para a segunda), conforme o seguinte quadro:

 

4. Face à insuficiência da descrição dos serviços faturados, e atendendo aos elevados valores envolvidos, que pressupunham uma diversidade de serviços e/ou uma maior quantidade de materiais incorporados, e no sentido de comprovar a efetividade dos mesmos, e consequentemente a sua aceitação como gasto para efeitos fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, foi notificada a A... em 02-10-2019 (cf. anexo 4) para apresentar a "evidência documental, designadamente a descrição, orçamentos, autos de medição, datas e locais, dos serviços constantes" dessas duas faturas.

5. Na resposta à notificação, enviada pela A... com data de 16-10-2019 (cf. anexo 16), não foi apresentada qualquer evidência documental que permitisse aferir a realização dos serviços descritos nessas duas faturas, tendo sido apenas efetuado o esclarecimento, no ponto 13, de que que a fatura E.../79 se referia "a trabalhos no túnel dos silos ... " e que a fatura E.../123 se referia a "trabalhos em volta dos silos "..." e "...", concretamente de retirada do piso em betão, reparação e pinturas de armazéns, muros e grades envolventes, caixas de drenagem de águas e saneamento". Não existe qualquer elemento ou documento, para além deste esclarecimento genérico, que identifique o local ou as datas dos serviços faturados, a quantidade (em horas) desses trabalhos ou os materiais utilizados.

6. Esta situação foi também analisada na esfera no fornecedor E..., concluindo-se, quer pela sua contabilidade, quer pelas declarações prestadas em 02-10-2019 (cf. termo de declarações em anexo 17), que relativamente à fatura n.º E.../79, de 85.750,00€ + IVA, não existiam quaisquer elementos que permitissem confirmar a efetividade dos serviços constantes da mesma. Realce-se que o sócio-gerente afirmou no termo de declarações "não ter orçamentos nem qualquer descrição das obras efetuadas, nem consegue dizer o que foi feito nem quando foi feito".

7. Já em relação à fatura n.º E.../123, no valor total de 68.236,59€ (55.476,90€ + 12.759,69€ de IVA) foi encontrado, na contabilidade da E... um orçamento (em anexo 18) que se referia, de forma pormenorizada, à execução de diversos serviços, alguns deles com referência a obras no pavilhão da "C..." ou nos silos (propriedade da A...), mas outros sem referência ao local ou com uma descrição de obras de natureza particular (ex: "mão-de-obra pôr casa abaixo", "divisórias do muro com K...", "trabalhos na quinta, preparar piso, limpar terreno e aceso para a sua habitação").

8. Este orçamento totalizava 77.830,69€ (IVA incluído) e correspondia exatamente à soma do valor da fatura n.º E... /123 (68.236,59€) com a fatura n.º E.../122 (9.594,00€), emitida na mesma data a uma empresa imobiliária, I... Lda, NIF..., detida e gerida pelo administrador da A..., J... .

9. Note-se que os "trabalhos" identificados nesse orçamento com a "C..." ou com os "silos" têm valores muito inferiores ao da fatura emitida à A..., ao passo que as obras de natureza particular superam largamente o valor da fatura emitida à I... .

10. Em relação a esta última entidade (I...), foram efetuadas diligências junto da Câmara Municipal de ..., tendo-se verificado que a mesma, na pessoa do seu sócio-gerente J..., havia apresentado em 02-06-2016 um pedido de licenciamento de obras de demolição (cf. anexo 19) de uma habitação e de anexos, situados na Rua ..., n.º ..., lugar de ..., freguesia de ... (local muito próximo quer das instalações da A..., quer da habitação do citado J...). É a este caso que, com um elevado grau de probabilidade, se refere a parte inicial do orçamento da E..., facto que é corroborado também pelas declarações do sócio-gerente da E..., quando afirma que "foi a demolição de uma casa próxima das instalações da A...".

11. No que respeita às outras obras de caráter particular (divisória do muro com K..., trabalhos na quinta, limpar terreno e acesso para a sua habitação, entre outros), foi apurado, pelas declarações do sócio-gerente da E..., que esse "K..." era o vizinho de J..., concluindo-se também que os restantes trabalhos tinham sido executados na habitação deste último ou em terrenos contíguos ("quinta", propriedade da citada I...).

12. Face ao exposto, conclui-se o seguinte:

a) ambas as faturas não cumprem com o disposto nas alíneas c) e) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, ou seja, não identificam nem a quantidade e a denominação usual dos serviços prestados (pelos menos de forma concreta e discriminada, em função do valor faturado), nem as datas em que foram realizados;

b) nem a A... nem o prestador de serviços apresentaram elementos adicionais que permitissem comprovar a efetividade dos serviços constantes das duas faturas;

c) foi confirmado que uma grande parte dos serviços constantes da segunda fatura (n.º E.../123 de 27-09-2016), num valor que não se consegue apurar em concreto, se referia a obras em bens pessoais do administrador J... ou da sua sociedade imobiliária (I...).

13. Nestes termos, os gastos e os encargos contabilizados pela A..., relativos às duas faturas em causa, não são dedutíveis para efeitos fiscais, quer nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, por não se ter comprovado "terem sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC", quer nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC, pelo facto de os documentos não cumprirem com disposto o n.º 4 do artigo 23.º do mesmo Código.

14. No caso da primeira fatura, de 85.750,00€, uma vez que foi reconhecida primeiramente como Ativo Fixo Tangível em Curso (conta SNC 453) e transferida ainda em 2015 como parte do Ativo Fixo Tangível, com o Código SNC 43300154, que se refere à construção dos silos "...", com um valor total de 956.198,71€, apenas se corrige a parte da depreciação contabilizada nos períodos de tributação de 2015 e 2016 correspondente ao peso dessa fatura no valor total.

 

15. Em relação à fatura n.º E.../123, o gasto é corrigido em 2016 pela totalidade do seu valor (55.476,90€), pelo facto de ter sido integralmente deduzido pelo sujeito passivo nesse período de tributação (como despesas de conservação e reparação).

(...)

III. 2.1.3. Gastos não aceites - faturas de serviços jurídicos

1. A A... contabilizou com gastos a débito da conta SNC 6221-FSE-Trabalhos Especializados, nos períodos de tributação de 2015 e 2016, 5 faturas emitidas pelos escritórios de advogados L... CB, NIF ES-E..., M... SL, NIF ES-B..., ambos com morada em Madrid (Espanha) e N... RL, NIF PT-..., com escritórios no Porto e Lisboa. As cópias desses documentos constituem o anexo 22.

 

2. As duas faturas de maior valor, emitidas pela L... CB, datadas de 26-03-2015 e 15-03-2016, respetivamente, têm como descrição "honorários devidos pela assessoria jurídica da A..., cujo detalhe se encontra em seu poder",

3. A fatura emitida pela M..., no montante de 2.000,00€, refere-se a "honorários profissionais por consultas jurídicas".

4. Relativamente à N..., a fatura de 2.250,00€ tem como descrição "honorários pelos trabalhos, serviços e colaboração profissionais prestados a essa sociedade" e a fatura de 47,52€ refere-se a "despesas de deslocação" relativas ao acompanhamento de O... (administrador da A...) para prestação de declarações no Tribunal de Santa Maria da Feira (cf. anexo à fatura).

5. Em todos os casos, para além das faturas, não existe qualquer evidência documental de que os serviços foram efetivamente prestados à A... e que os valores foram suportados por esta para, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, "obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC".

6. Deste modo, no ponto 3 da notificação efetuada à A... em 27-09-2019 (em anexo 3), foi solicitada a "descrição, evidenciação documental e identificação de eventuais processos em contencioso" relativos às faturas atrás identificadas.

7. Nos pontos 8, 9 e 10 da resposta datada de 16-10-2019 (em anexo 16), a  A... veio afirmar que:

a) os honorários debitados pela L... CB respeitam "a assessoria jurídica na área societária e bancária em Espanha, a propósito do desenvolvimento e expansão das relações comerciais e concursos públicos da A... naquela geografia";

b) os honorários debitados pela N... referem-se "à representação judicial em ação movida contra a administração da A... pelo Grupo P..., na sequência de um litígio judicial de conhecimento público";

c) os serviços prestados pela M... têm a ver com "pedido de reembolso de IVA em Espanha no ano de 2015".

8. No entanto, continuou a não ser apresentada qualquer evidência documental dos serviços prestados, designadamente o detalhe dos honorários debitados pela L... (que de acordo com o texto das faturas se encontrava em poder da A...), a identificação do processo ou processos movidos contra a A... (e não contra o seu administrador O..., a título individual), no caso das faturas emitidas pela N..., ou qualquer elemento que comprove quer o pedido de reembolso de IVA em Espanha, quer da efetiva intervenção da M... no mesmo.

9. Em síntese, não existe qualquer prova documental, para além das faturas, que confirme a efetividade dos serviços faturados pelas 3 entidades referidas, ou pelo menos que os mesmos se referem à A... e não a terceiros (administrador ou, por exemplo, a empresa subsidiária da A... em Espanha).

10. Face ao exposto, os gastos contabilizados nos períodos de tributação de 2015 e 2016, suportados nas 5 faturas atrás identificadas, nos totais de 40.750,85€ e 34.530,00€, respetivamente, não são aceites para efeitos fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, por não se ter comprovado que os mesmos foram incorridos ou suportados pela A... para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

III.2.1.4. Resumo das correções efetuadas aos lucros tributáveis

Em resultado das correções descritas e fundamentadas nos subcapítulos anteriores (III.2.1 a III.2.3), o lucro tributável dos períodos de tributação de 2015 e 2016 é alterado para 819.090,56€ e 1.780.162,36€, respetivamente:

 

C)           A Requerente pronunciou-se sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, no exercício do direito de audição, nos termos que constam do anexo 23 ao RIT (parte do processo administrativo designada «Rel.+Inspeção+-+7.pdf», página 14 e seguintes), o que se dá como reproduzido;

D)           No exercício do direito de audição sobre o projecto de RIT, a Requerente apresentou vários documentos, que foram juntos ao processo pela Requerente em 13-07-2021 e 30-07-2021 e cujos teores se dão como reproduzidos;

E)            A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre o exercício do direito de audição nos termos que constam do RIT, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

IX.2. ANÁLISE DO DIREITO DE AUDIÇÃO EXERCIDO E CONCLUSÕES

1. O sujeito passivo exerceu o direito de audição (DA) relativamente às correções propostas através do documento que constitui o anexo 23 do presente relatório, enviado em 12-11-2019 por carta registada (Registo n.º RH...PT).

2. Nesse documento, constituído por 95 pontos e 9 anexos, o sujeito passivo veio contestar as correções propostas em sede de IVA, no que concerne à "dedução indevida de imposto na aquisição de serviços de construção civil" (subcapítulo III. 1.1 deste relatório) e em sede de IRC, aos "gastos e encargos não dedutíveis para efeitos fiscais" (subcapítulo III.2.1).

3. Seguidamente são apresentados, analisados e rebatidos os fundamentos apresentados pelo sujeito passivo, divididos pelas correções em causa.

IX.2.1. Em sede de IVA - dedução indevida de imposto na aquisição de serviços de construção civil

1. Nos pontos 4 e 5 do DA, o sujeito passivo vem afirmar que, em sede de IVA, as operações identificadas ao longo do subcapítulo III. 1.1. do relatório "não correspondem, formal ou materialmente, a prestações de serviços de construção civil, pelo que não são operações a que seja aplicável o regime de inversão do sujeito passivo", pelo que "não pode legitimamente exigir-se à A... que auto liquide e pague, novamente, o imposto que já lhe foi liquidado nas faturas que lhe foram emitidas e já entregue pela A... aos fornecedores em causa".

2. Desde logo, o argumento de que as operações em causa não correspondem a prestações de serviços de construção civil é parcialmente rebatido e anulado pelo próprio sujeito passivo quando classifica, no ponto 8 do DA, os serviços prestados pelos fornecedores E... Lda (E...), F... Ld.ª e G... Unip. Lda (subcapítulos III.1.1.2 a 4 do relatório), com sendo efetivamente "serviços de construção civil" - "à exceção da execução de furos artesianos, que não constituem trabalhos de construção civil".

3. Conforme já referido e fundamentado no presente relatório, estando em causa a prestação de serviços de construção civil, a obrigação de liquidação do imposto (IVA) é, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do respetivo Código, do sujeito passivo adquirente (regra de inversão do sujeito passivo, ou "reverse-charge"). Por outro lado, o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA impede a dedução do imposto indevidamente liquidado pelos prestadores de serviços, nos casos em que se verifica a inversão do sujeito passivo.

4. Assim sendo, as correções propostas têm efetivo suporte legal, não relevando o invocado pelo sujeito passivo no ponto 6 do DA, de que estaria assim a "suportar duas vezes o mesmo imposto (...) com tudo o que implica ao nível da violação da fundamental neutralidade do imposto".

5. De outro modo, e conforme até resulta da jurisprudência uniforme neste sentido, se a AT não pudesse, nestes casos, regularizar a situação, impondo a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos.

6. Já quanto ao caso específico, referido mas não fundamentado pelo sujeito passivo, de que a execução de furos artesianos não constitui uma prestação de serviços de construção civil, importa apontar, para além do que consta no subcapítulo III.1.1.3., de que se trata de uma efetiva obra de alteração sobre um bem imóvel com caráter de permanência, que existe uma informação vinculativa da AT (Processo nº 1341, despacho do SDG do IVA, por delegação do Diretor-Geral, em 2010-12-10), que apresenta a mesma conclusão: "estando em causa a abertura de furos artesianos e de acordo com o esclarecido na Lista l do Ofício-Circulado n. º 30 101 de 2007-05-27 a regra de inversão do sujeito passivo é de aplicar desde que o adquirente seja um sujeito passivo nos termos referidos na alínea b) do ponto 7.º

7. No que respeita às operações com os fornecedores / prestadores de serviços "B..." (fornecimento, instalação e montagem de instalações industriais - ex: silos) e "H...  (fornecimento e montagem de portas), que o sujeito passivo considera não serem "obras de construção civil", mas apenas o "fornecimento e instalação de equipamentos" (cf. ponto 9 do DA), as mesmas são objeto de análise e fundamentação autónoma nos subcapítulos que se seguem.

IX.2.1.1.Faturas emitidas pelo fornecedor / prestador de serviços "B..."

1. Em sede de IVA, os argumentos invocados pelo sujeito passivo para a sua discordância quanto às correções propostas concentram-se quase exclusivamente nas aquisições ao citado fornecedor "B...", considerando no ponto 9 do DA que "não estão em causa quaisquer obras de construção civil", mas apenas "o fornecimento e instalação de equipamentos".

2. Esses argumentos são desenvolvidos nos pontos 17 a 82 do DA, começando o sujeito passivo por afirmar, nos pontos 20 e 21, que "não procedeu à construção de qualquer dos silos de que dispõe", mas que os adquiriu "junto de um fornecedor que nada tem que ver com qualquer dos fornecedores em causa nas faturas sob análise".

3. Ora, como resulta da análise efetuada no ponto III.1.1.1. do presente relatório, e, designadamente, dos documentos que constituem os anexos 8 e 9 do mesmo, a afirmação do sujeito passivo não é verdadeira uma vez que de facto foram realizadas, nos períodos em análise, "obras de construção de dois silos e quatro placas metálicas", sujeitas a um pedido de licenciamento, apresentado na Câmara Municipal de ... em 16-12-2014 (págs. 1 a 10 do anexo 8), e desenvolvidas entre outubro de 2015 e março de 2016, conforme "calendarização da obra" (pág. 15 do anexo 8).

4. Não se tratou assim de uma simples aquisição de equipamentos de maior ou menor dimensão, com a respetiva montagem, passíveis de uma qualquer deslocalização consoante as necessidades da empresa, mas de uma efetiva obra de construção (conforme o próprio sujeito passivo e os pareceres dos técnicos envolvidos nos projetos o referem nos documentos em anexo 8), em que a empresa "B..." é apenas um dos executantes.

5. Nos pontos 29 a 31 do DA é referido que a empresa "B..." não "constrói, fornece ou presta serviços de instalação de silos", tratando-se sim de uma "indústria de equipamentos", não tendo sequer "CAE ou alvará para construção civil, pelo que nem sequer estaria legitimada a prestar serviços desse tipo".

6. Mais uma vez, analisando os factos consubstanciados nas faturas e, especialmente, nos orçamentos da "B..." (anexos 5 e 6 do relatório), se conclui que os serviços efetivamente prestados não se resumem ao "fornecimento de bens com montagem", mas à sua efetiva construção no local, com caráter de permanência, como são exemplos muitos dos itens dos orçamentos em causa ("serviços diversos e condutas", "construção de uma vedação metálica dentro do edifício (...) que assenta sobre parede com 1.500, a construir", "eletrificação", "serviço de grua", "elevador de alcatruzes", "execução de uma torre, totalmente em aço galvanizado, para suporte dos dois elevadores, com escadas a 45º em toda a altura" - vide orçamento CIS.ORCM... 2015, págs. 7 a 10 do anexo 6).

7. Também não relevam as questões de a "B..." ser uma "indústria de equipamentos" e não ter "CAE ou alvará para construção civil", uma vez que nem o Código do IVA impõe que a regra do "reverse-charge" dependa da classificação CAE ou da existência de um alvará para construção civil, mas sim da qualidade do adquirente e dos serviços que efetivamente foram prestados e faturados, nem o Ofício-Circulado n.º 30101 apresenta qualquer restrição a esse nível, constando até no seu ponto 1.3. que"(...) não condiciona, no entanto, a aplicação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA apenas às situações em que, nos termos do referido normativo, seja necessário possuir ALVARÁ ou TÍTULO DE REGISTO a que o mesmo se refere ou a quaisquer outras condições nele exigidas".

8. De igual modo, o ponto 1.5.2. do Ofício-Circulado n.º 30101 é bem claro quando considera abrangida pela regra de inversão "a entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, (...) desde que se trate de entregas no âmbito de trabalhos contemplados pela Portaria n.º 19/2004, de 10 de Janeiro, independentemente do fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos do Decreto-Lei n.º 12/2004. de 9 de Janeiro."(sublinhado nosso). Realce-se que os trabalhos efetuados pela B... estão de facto contemplados no Anexo l da Lei n.º 41/2015 de 3 de junho (que substituiu e revogou o Decreto-Lei 12/2004 e a Portaria 19/2004), na subcategoria 2.a (estruturas metálicas) da categoria 1.º (edifícios e património construído), nas subcategorias 8.a (instalações de tração elétrica) e 11.ª (instalações de elevação) da categoria 4.ª (instalações elétricas e mecânicas) e nas subcategorias 9.ª (reparações e tratamentos superficiais em estruturas metálicas) e 11.ª (impermeabilizações e isolamentos) da categoria 5.ª (outros trabalhos).

9. Em relação à descrição do que o sujeito passivo designa por "equipamentos industriais" (cf. ponto 44 do DA) fornecidos e instalados pela "B...", documentados fotograficamente nos diversos anexos que apresenta, o que se verifica é que se trata de elementos metálicos que foram instalados e fazem parte integrante dos edifícios de armazenagem (silos) com caráter de permanência e que foram especificamente elaborados para o efeito, desde os redlers, elevadores ou escadas exteriores (que se assemelham até a escadas de emergência em edifícios habitacionais). E conforme se refere no ponto 1.4. do Ofício-Circulado n.º 30101, a regra de inversão do sujeito passivo abrange também os materiais ou outros bens faturados pelo prestador dos serviços de construção, independentemente de haver ou não discriminação dos vários itens e da faturação ser conjunta ou separada (o que não é o caso, porque a B... emitiu sempre faturas de valores parciais em função dos orçamentos e do grau de execução das obras, que englobavam os bens e os serviços prestados).

10. No caso específico do orçamento n.º CIS.ORCM.VIR... 2014 de 20-11-2014 (cf. págs. 1 e 2 do anexo 6 do relatório), com a descrição de "edifício metálico para isolamento dos filtros e isolamento do edifício da casca", no total de 82.500,00€, a que corresponderam as faturas n.ºs 2 e 16 de 2015 (relacionadas no ponto III.1.1.1.), defende o sujeito passivo nos pontos 64 a 67 do DA que o que está em causa não é um qualquer "edifício no sentido de prédio, construído por recurso a trabalhos de construção civil" mas "um conjunto de segmentos metálicos que servem de revestimento a um equipamento preexistente nas instalações da A..., correspondente aos filtros de mangas e que se destina a evitar que sejam expelidas poeiras para o exterior daquele equipamento, e, bem assim, melhorar a respetiva insonorização". Para além disso, junta ao DA, como anexo 5, duas fotografias de "rede e cobertura do filtro de manga".

11. No entanto, para além de se desconhecer que o conceito de "edifício" tem uma abrangência tão larga que possa significar "rede" ou "cobertura de filtro", o que efetivamente consta nas faturas em causa como descrição dos trabalhos efetuados pela "B..." é "edifício metálico para isolamento de filtros e isolamento do edifício de casca" e não o simples fornecimento de rede e cobertura de um filtro de qualquer manga. Também a descrição dos trabalhos no orçamento em causa é inequívoca quanto ao facto de se tratarem de obras de construção civil e não o fornecimento de equipamento, conforme resulta do segmento de texto que abaixo se reproduz:

 

12. Atente-se que a referência que se faz no orçamento a "edifício" não é errónea, justificando-se a sua construção para "diminuir drasticamente a poluição sonora na zona habitacional circunvizinha e também para "anular as condensações dentro dos tubos de aspiração e filtros", tal como a cobertura para "edifício da casca" se destina a "isolar térmica e acusticamente o edifício, anulando a poluição sonora para toda a zona habitacional circunvizinha". Note-se ainda no facto de a descrição dos trabalhos constantes do orçamento incluir "pilares em tubo", "telhas tipo Sandwich", "caleiras em aço inox", materiais tipicamente utlizados na construção de estruturas metálicas.

13. Assim sendo, uma vez mais se refere, que nos termos e fundamentos já amplamente apresentados, estas operações de construção / implantação de edifícios metálicos e isolamento térmico e sonoro dos mesmos são consideradas obras de construção civil enquadradas nas diversas categorias e subcategorias do Anexo l da Lei n.º 41/2015 de 3 de junho (estruturas metálicas e impermeabilizações e isolamentos).

14. Quanto às restantes faturas não associadas a orçamentos, que o sujeito passivo argumenta no ponto 61 do DA serem de "reparação de equipamentos", a conclusão é a mesma de que são trabalhos sobre imóveis (com estrutura metálica), como são os casos dos silos ou do pavilhão industrial da C... (registado até na contabilidade como "propriedade de investimento"), e não sobre qualquer bem móvel

15. Finalmente, no que concerne ao invocado pelo sujeito passivo no ponto 81 do DA, de que consta nos orçamentos a referência expressa que não estavam incluídos "quaisquer trabalhos e materiais de construção civil", só demonstra a dúvida de que os mesmos pudessem ser considerados como tal. Aliás, esta referência é até um contrassenso quanto à descrição constante dos orçamentos (por exemplo "construção de vedação metálica dentro do edifício", "eletrificação", "montagem elétrica", "serviço de grua", no orçamento CIS.ORCM.... 2015).

16. Face ao exposto, são de manter as correções propostas em sede de IVA, consubstanciadas na não dedutibilidade do imposto liquidado nas faturas emitidas pelo fornecedor / prestador de serviços B..., nos totais de 70.391,50€ e 62.411,83€, respetivamente para os anos de 2015 e 2016.

17. Realça-se novamente, tal como na parte final do ponto III.1.1.1. do presente relatório, que toda a fundamentação acompanhou o teor das duas informações vinculativas disponíveis no portal das finanças (Processos n.º 2027 de 26-05-2011 e n.º 13714 de 15-06-2018), cujas cópias constituem o anexo 10, não havendo quaisquer factos ou fundamentos no presente caso que possam contrariar o entendimento vertido nas mesmas. Quanto a estas informações vinculativas, o sujeito passivo nada refere ao longo do DA.

 

IX.2.1.2. Fatura emitida pelo fornecedor / prestador de serviços H...

1. Tal como para o caso das faturas emitidas pelo fornecedor "B...", vem o sujeito passivo nos pontos 10 a 16 do DA, argumentar que a fatura emitida por H... (cf. anexo 14 do relatório), relativa aos fornecimento e montagem de "3 portas seccionadas c/ motor", no montante de 5.497,95€, se refere ao "fornecimento e instalação de equipamentos" e não a serviços de "construção civil".

2. Para esse efeito, afirma o sujeito passivo que as "portas" em causa não são aquelas que "convencionalmente se designam como tal", mas sim "equipamentos de abertura automática, usados em contexto industrial, de modo a permitir não apenas a divisão de espaços, mas também a contenção de poeiras", "em tela plástica em rolo que abre e fecha enrolando e desenrolando a referida tela", "facilmente colocados e retirados", sem "que tenham a necessidade de ser implantados ou ligados fisicamente com caráter definitivo a um edifício".

3. Ora na situação em análise, toda a descrição efetuada pelo sujeito passivo para a classificação das "portas" como "equipamento industrial", não afasta nem o que consta inequivocamente na fatura emitida pelo citado fornecedor ("3 portas seccionadas com motor") nem o próprio conceito ou definição de porta, que pode ser elétrica ou não, de madeira, metal ou até em "tela plástica" (como refere o sujeito passivo, sendo que o que consta na fatura é um material "laçado cinza" e "seccionado" típico, por exemplo, das garagens dos prédios ou dos pavilhões industriais), mas que tem como objetivo a divisão de espaços e a contenção de ar, poeiras, ruídos ou até intrusão.

4. Conforme é referido e fundamentado no ponto III.1.1.5 do presente relatório, a instalação de portas é um dos exemplos apresentados no Anexo l do Ofício-Circulado n.º 30101 para os serviços aos quais se aplica a regra de inversão, independentemente do tipo ou material de que são feitas.

5. Também de acordo com o ponto 1.5.2. do referido Ofício-Circulado, a entrega de bens (neste caso as portas seccionadas), com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão.

6. Não colhe assim o argumento semântico apresentado pelo sujeito passivo que as "portas" não são "portas", mantendo-se a correção projetada da dedução indevida do IVA liquidado pelo prestador, no montante de 1.264,53€.

 

IX.2.2. Em sede de IRC - gastos e encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1. No ponto 3 do DA, o sujeito passivo começa por abordar de uma forma geral as correções propostas em sede de IRC, afirmando discordar do entendimento da AT, quanto à qualificação das "irregularidades, ao nível da dedução fiscal como gastos de despesas de natureza eminentemente pessoal ou não diretamente relacionadas com a atividade da empresa (...) situação típica da relativa promiscuidade que existe em algumas entidades entre o património pessoal dos administradores e o património das empresas".

2. No entanto ao longo do DA, não concretiza nem fundamenta essa discordância, com a exceção das correções inerentes à desconsideração, do ponto de vista fiscal, dos gastos e encargos relacionados com duas faturas emitidas em 2015 e 2016 pelo prestador de serviços de construção civil E... .

3. Não obstante, reitera-se que os gastos corrigidos do ponto de vista fiscal, por não cumprirem quer com o n.º 1 do artigo 23.º, quer com o n.º 2 do artigo 23.º-A, ambos do CIRC, consubstanciados em despesas de viagens de turismo, alojamento, obras em edifícios particulares ou serviços jurídicos, traduzem, de facto, o cariz familiar da gestão de grande parte do tecido empresarial nacional - o que também é o caso da A..., e encontram-se fundamentados nos subcapítulos III.2.1.1 a III.2.1.3 do presente relatório.

4. No que respeita às duas faturas de "serviços prestados" emitidas pela citada E... (cf. III.2.1.1 do relatório), nos valores de 85.750,00€ e 55.476,90€, respetivamente para 2015 e 2016, invoca o sujeito passivo nos pontos 85 do DA que os "trabalhos" em causa "eram necessários, estão ligados ao desenvolvimento da atividade da A... e com a obtenção dos rendimentos, cumprindo todo os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC".

5. Refere também, nos pontos 86 e 87 do DA, que os trabalhos de 85.750,00€ e 55.476,90€ "não foram precedidos de qualquer orçamentação, como não tinham de ser" e que "aquele fornecedor sempre desenvolveu trabalho para a A... à hora ou ao dia, em função da concreta tarefa a executar".

6. Ora a afirmação de que "tais trabalhos" não foram, nem tinham que ser, objeto de orçamento, não se coaduna nem com a dimensão dos valores faturados, nem com a prática observada para a generalidade dos outros fornecedores / prestadores de serviços da A... . Até em situações em que os valores são bastantes inferiores, se verifica a existência de uma proposta ou orçamento, como é o caso, por exemplo do já referido fornecimento e instalação das portas por parte do prestador H... (cf. fatura e orçamento em anexo 14).

7. Mas o que efetivamente relevou para a correção, não foi a existência ou não de orçamento, mas o facto de os dois documentos em causa não cumprirem com o estabelecido pelo n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, no que respeita à falta de identificação dos materiais utilizados, da quantidade dos serviços prestados e das datas em que os mesmos foram desenvolvidos, e de o sujeito passivo não ter suprido essas faltas, de forma a comprovar a efetividade dos mesmos e sua relação com a atividade e com os rendimentos sujeitos a IRC na esfera da A... .

8. Aliás, no DA o sujeito passivo volta a não apresentar quaisquer elementos que complementem a falta de informação das faturas, sendo que as fotografias que juntou em anexo 8 ao DA apenas evidenciam a existência de piso em paralelo e não quando, como e quem o retirou, alterou ou colocou outro piso em betão, como refere no ponto 95 do DA. Também nem a contabilidade do prestador de serviços, nem o próprio sócio-gerente da E..., ouvido em auto de declarações (cf. anexo 17 do relatório), permitiram esclarecer quando, como (com que meios) e onde foram prestados os serviços constantes das duas faturas.

9. O único elemento encontrado foi o documento que constitui o anexo 18, que o sujeito passivo, no ponto 88 do DA, refere não corresponder "a qualquer orçamento", admitindo, todavia, no ponto seguinte que se trata de "um apontamento do próprio prestador de serviços, (...) muito pouco rigoroso e contendo erros efetivos, sendo que tal amálgama de assuntos apenas se explica pelo facto de o referido prestador associar todas as empresas e assuntos à mesma pessoa do seu administrador".

10. De acordo com o dicionário online da Porto Editora (https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesaV "orçamento" pode ser definido como "cálculo prévio das despesas necessárias para realizar uma obra; estimativa". Ora no caso de tal documento, é exatamente isso que se verifica, sendo esse cálculo de tal forma rigoroso (ao contrário do que defende o sujeito passivo), que o valor de 77.830,59€ (IVA incluído) corresponde à soma das faturas n.ºs E.../122 e E.../123, uma emitida à sociedade imobiliária de J... e outra à A... .

11. De facto, esse documento, ao contrário da falta de elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, comprova a existência de trabalhos orçamentados pela E..., uns para o património pessoal do administrador J... e outros, eventualmente, para a A... .

12. No entanto, não se conseguiu confirmar, de forma inequívoca, quais os montantes imputados a cada um, sendo certo que o montante faturado à A... é muito superior ao dos trabalhos que lhe corresponderiam. Esta conclusão é facilmente comprovada pelo facto de apenas a soma dos valores da "mão-de-obra" da demolição da casa (12.240,00€), com a "divisória do muro com K..." (5.885,00€) e com os "trabalhos na quinta e acesso para a sua habitação" (4.950,00€), no total de 23.075,00€, superar largamente o valor da fatura emitida à sociedade imobiliária de J... (valor líquido de 7.800,00€).

13. Assim sendo, não tendo o sujeito passivo logrado provar a efetividade, na esfera da A..., quanto aos serviços faturados pela E..., nem tendo apresentado qualquer outro documento para além das faturas onde estivessem corretamente discriminados os serviços em causa e identificados os materiais utilizados, o número de horas de mão-de-obra ou as datas em que se verificaram essas obras, mantêm-se as correções projetadas, consubstanciadas na não dedutibilidade para efeitos fiscais dos gastos e encargos contabilizados pela A..., relativos às duas faturas em causa, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º-A, ambos do CIRC.

 

IX.2.3. Conclusão

1. Face ao exposto e fundamentado ao longo da análise ao direito de audição exercido pelo sujeito passivo, mantêm-se todas as correções propostas em sede de IVA e IRC.

2. Refira-se ainda que o sujeito passivo não se pronunciou no DA quanto às correções propostas em sede de IVA, consubstanciadas na falta de regularização de imposto no arrendamento parcial do imóvel da C..., e em sede de IRC, relativamente aos gastos não aceites para efeitos fiscais relacionados com viagens de turismo, alojamento e serviços jurídicos e ao crédito fiscal do RFAI indevidamente mencionado no anexo D da declaração modelo 22 de 2015, dispensando-se assim qualquer análise ou fundamentação adicional para as mesmas.

 

F)            Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA:

 

G)           Ainda na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IRC:

 

H)           A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

I)             A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 04-09-2020, proferido pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de ... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que manifesta concordância com o projecto de decisão que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

J)            As facturas referentes ao fornecedor “H...” respeitam a equipamentos designados como “portas seccionadas” e gasto com “Plataforma elevatória a gasóleo” (anexo 14 ao RIT);

K)           As portas referidas são equipamentos de abertura automática, usados em contexto industrial e são amovíveis (depoimento da testemunha G...);

L)            As facturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda não respeitam a obras relativas ao solo onde foram colocados os silos, tendo aquela empresa fornecido silos de maiores dimensões anos antes de 2015 (depoimentos das testemunhas R... e G...);

M)          As facturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda respeitam a aquisição de redlers, elevadores para transporte de arroz, nora, caídas, válvulas, madres para segurar telhas e a reparação e manutenção técnica de equipamentos (depoimentos das testemunhas R... e Q... e fotografias que constam do anexo 23 ao RIT, que integra os documentos do processo administrativo denominados «Rel.+Inspeção+-+7.pdf» e «Rel.+Inspeção+-+8.pdf»);

N)           Nenhum dos equipamentos fornecidos pelo fornecedor B..., Lda está integrado no edifício onde está instalado, podendo ser retirados sem danificar edifícios ou os próprios equipamentos (depoimentos das testemunhas R... e Q...);

O)           Nenhum dos equipamentos constantes da facturas do fornecedor B... sob análise foi sujeito a licenciamento camarário (depoimentos das testemunhas R... e Q...);

P)           A B... não tem CAE ou alvará para construção civil (depoimento da testemunha R...);

Q)           A Requerente desenvolveu actividade comercial em Espanha, sendo-lhe prestados serviços pela “M...” (ou “...”) e pela “L... CB”, a primeira no que respeita aos reembolsos de IVA pelo Estado Espanhol e a segunda no apoio a contratação, societário, bancário e participação em concursos públicos naquela jurisdição (depoimento prestado pela testemunha ouvida Q... e documentos juntos pela Requerente em 13-07-2021);

R)           O fornecedor E... Lda.ª (E...) prestou à Requerente alguns serviços que estão subjacentes às facturas n.ºs E.../79 e E.../123, designadamente a colocação de piso e pinturas e caixas de drenagem de águas e saneamento (depoimentos das testemunhas Q... e S...);

S)            Os trabalhos realizados pelo fornecedor E... Lda.ª para a Requerente não eram precedidos de elaboração de orçamento, sendo o trabalho “à hora” ou “ao dia” (depoimentos das testemunhas Q... e S...);

T)            O fornecedor E... Lda.ª prestava contas dos serviços prestados mediante apontamentos manuscritos com as horas trabalhadas e materiais fornecidos, sendo quem executava os trabalhos uma pessoa muito simples que não utiliza computador (depoimentos das testemunhas Q... e S...);

U)           A sociedade de advogados N... forneceu apoio jurídico a um administrador da Requerente que foi demandado por causa do exercício das suas funções (depoimentos das testemunhas Q... e S...);

V)           A Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

W)          Em 09-12-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Relativamente às facturas emitidas pela E... Lda. com os n.ºs E.../79 e E.../123, provou-se que foram realizados alguns trabalhos dos tipos referidos na alínea R) da matéria de facto fixada, mas não se apurou a quantidade nem a data ou datas em que foram realizados.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

A testemunha R... foi fornecedor de máquinas e equipamentos à Requerente.

A testemunha Q... é contabilista certificada que trabalhou para a Requerente.

A testemunha S... é secretária da administração da Requerente há cerca de 30 anos.

 

3. Matéria de direito

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou várias correcções em sede de IVA e IRC.

                No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apenas imputa vícios às seguintes correcções:

             IVA relativo a trabalhos de construção civil (fornecedores B...”, “H...” e “F... Ld”.); (artigos 17.º a 148.º do pedido de pronúncia arbitral);

             IRC - serviços prestados pelo fornecedor E... Lda.ª (E...) (artigos 149.º a 163.º do pedido de pronúncia arbitral);

             IRC – serviços de N... (artigos 164.º a 168.º do pedido de pronúncia arbitral);

             IRC - honorários debitados pela entidade “L..., CB”;

             “M...” (ou “...”) (artigos 170.º a 172.º do pedido de pronúncia arbitral)

             Juros compensatórios – (artigos 173.º a 181.º);

               

                A Requerente imputa vícios de sobre os pressupostos de facto e errada aplicação da lei ainda vícios de falta de fundamentação e a fundamentação a posteriori da decisão da reclamação graciosa.

 

                3.1. Questão do IVA relativo a trabalhos de construção civil

               

                O artigo 199.º, n.º 1, alínea a), da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece que «os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações» de «prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.º 3 do artigo 14.º».

                Ao abrigo dessa faculdade, o Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, veio a impor, «no domínio de algumas prestações de serviços relativas a bens imóveis, nomeadamente nos trabalhos de construção civil realizados por empreiteiros e subempreiteiros», a inversão do sujeito passivo, passando «a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando se configurem como sujeitos passivos com direito à dedução total ou parcial do imposto, proceder à liquidação do IVA devido, o qual poderá ser também objecto de dedução nos termos gerais. Com esta medida, visam acautelar-se algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, actualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado» (Preâmbulos deste diploma).

                Assim, o artigo 2.º, n,.º 1, alínea j), do CIVA estabeleceu que «são sujeitos passivos do imposto (...) as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada».

                Nem a Directiva n.º 2006/112/CE nem o CIVA definem o que deve entender-se por «prestação de serviços de construção» ou «serviços de construção civil», esclarecendo, no entanto, que neles se incluem a «reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis» (Directiva n.º 2006/112/CE) e a «a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis» (CIVA).

                Através do ofício-circulado n.º 30101, de 24-05-2007, a Administração Tributária publicitou o seu entendimento sobre o conceito de «serviços de construção civil» baseando-se no Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, considerando «serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização» e definindo como «obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada».

                À Requerente foram prestados serviços de obras nas suas instalações, realizadas pelos fornecedores B... Ld.ª, F... Ld.ª e H..., E..., Lda. e G..., em que foi liquidado IVA pelos fornecedores e pago pela Requerente, na sequência do que esta exerceu o direito à dedução.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que essas prestações de serviços, em que foi liquidado IVA pelos fornecedores, devem considerar-se obras de construção civil e, por isso, são abrangidas pela referida regra da inversão do sujeito passivo («reverse charge»),

                Como corolário desse entendimento, a Administração Tributária concluiu que «fornecedores/prestadores de serviços liquidaram indevidamente IVA nas faturas» e que «a A... havia deduzido indevidamente, nos termos do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, o imposto liquidado nessas faturas, razão pela qual o mesmo deverá ser corrigido a favor do Estado».

                A Requerente defende que os serviços prestados pelos fornecedores B... Ld.ª, F... Ld.ª e H..., não devem ser considerados obras de construção civil, na medida em que apenas está em causa o fornecimento e instalação de equipamentos, execução de furos artesianos e equipamentos de abertura automática, respectivamente.

                Para além disso, a Requerente entende que, por força do princípio da neutralidade, tendo pago o IVA a todos aqueles fornecedores, lhe deve ser reconhecido o direito a dedução, por ter sido suportado com a aquisição de bens ou serviços destinados a actividade tributada.

                Defende ainda a Requerente que ofende os princípios da justiça e da proporcionalidade a recusa do direito à dedução de imposto ser baseada em factos praticados por outros sujeitos passivos que tenham procedido, de forma errada, a uma liquidação indevida de IVA nas respectivas facturas, pois não está a seu alcance obrigar estes fornecedores a procederem a regularização e seria manifestamente desproporcional a Requerente ter de esperar indefinidamente pela regularização, numa situação em que não há qualquer prejuízo para a receita tributária.

                Assim, para além de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputados às correcções relativas a serviços prestados pelos fornecedores serviços prestados pelos fornecedores B... Ld.ª, F... Ld.ª e H..., a Requerente imputa a todas as correcções relativas à não aplicação da regra da inversão do sujeito passivo violação dos princípios da neutralidade, da justiça e da proporcionalidade.

                Como diz a Requerente, a fundamentação a atender para aferir da legalidade ou ilegalidade das liquidações é a que consta do RIT, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

                Assim, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. (   )       

                A esta luz começar-se-á pela apreciação dos vícios de violação dos princípios da neutralidade, da justiça e imparcialidade, comuns a todas as correcções relativas à não aplicação da regra da inversão do sujeito passivo.

 

                3.1.1. Princípio da neutralidade

               

                O TJUE tem afirmado reiteradamente que «no contexto do regime de autoliquidação, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdãos de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C95/07 e C96/07, Colect., p. I3457, n.º 63, e de 30 de Setembro de 2010, Uszodaépítö, C392/09, Colect., p. I0000, n.º 39). Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transacções em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito (acórdãos, já referidos, Ecotrade, n.º 64, e Uszodaépítö, n.º 43)». (   )

                Especificamente sobre serviços de construção, o TJUE decidiu no acórdão de 30-10-2010, processo C-392/09, que

35 O regime das deduções destinase a libertar completamente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, desde que as referidas actividades estejam, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (v. acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C408/98, Colect., p. I1361, n.º 24; de 21 de Abril de 2005, HE, C25/03, Colect., p. I3123, n.º 70; e de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C439/04 e C440/04, Colect., p. I6161, n.º 48).

 

39 A este respeito, já foi decidido que o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdão de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C95/07 e C96/07, Colect., p. I3457, n.º 63).

 

40 Consequentemente, dado que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo é, enquanto destinatário das operações em causa, devedor do IVA, os artigos 167.º, 168.º e 178.º, alínea f), da Directiva 2006/112 obstam a que uma legislação imponha, no que diz respeito ao direito do referido sujeito passivo a deduzir esse imposto, condições adicionais que podem ter por efeito a impossibilidade absoluta do exercício desse direito (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Bockemühl, n.º 51, e Ecotrade, n.º 64).

 

46 Nestas condições, os artigos 167.º, 168.º e 178.º da Directiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação retroactiva de uma legislação nacional que, no âmbito de um regime de autoliquidação, subordina a dedução do IVA relativo a prestações de serviços de construção à rectificação das facturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar rectificativa, apesar de a autoridade fiscal em causa dispor de todos os dados necessários para demonstrar que o sujeito passivo é devedor do IVA, enquanto destinatário das operações em causa, e para verificar o montante do imposto dedutível.

             

                Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

                À luz desta jurisprudência do TJUE é manifesto que o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, ao estabelecer que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação», é incompaginável com o direito da União Europeia, na medida em que for aplicável a situações em que a Administração Tributária está na posse de todos os elementos que permitem concluir que o sujeito passivo suportou IVA para realizar operações tributadas.

                Na verdade, como se refere no parágrafo 46 do citado acórdão proferido no processo C-392/09, numa situação em que a Administração Tributária está em condições de concluir que estão verificados os requisitos materiais do direito à dedução, não pode «subordinar a dedução do IVA relativo a prestações de serviços de construção à rectificação das facturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar rectificativa», o que, neste caso, nem sequer estava na disponibilidade do sujeito passivo, pois a regularização deveria ser efectuada pelos prestadores dos serviços.

                Pelo exposto, as liquidações de IVA impugnadas, nas partes em que têm como pressupostos a não aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, enfermam de vício de violação de lei, designadamente do princípio da neutralidade e dos artigos 167.º, 168.º e 178.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que o concretizam.

                Este vício justifica a anulação das liquidações de IVA, nas partes referidas, se harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações de IVA, nas partes em que têm como pressupostos a não aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, por vício que impede a renovação das liquidações com o sentido das impugnadas, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

                 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

                Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às liquidações de IVA.

               

                3.2. Correcções em IRC

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou várias correcções em IRC, sendo impugnadas pela Requerente as relativas às facturas emitidas

             por E... Lda.ª (E...) (artigos 149.º a 163.º do pedido de pronúncia arbitral); (valores não aceites de € 255,11 e € 3.061,27 em 2016 relativamente à factura FAC E.../79 e de € 55.476,90, em, 2016, quanto à factura E.../123);

             por N... RL (artigos 164.º a 168.º do pedido de pronúncia arbitral); (valor de € 2.250,00 + € 47,52);

             por “l..., CB” (artigos 169.º a 172.º do pedido de pronúncia arbitral); (€ 38.453,33 e € 32.530,00, de 2015 e 2016 respectivamente);

             por “M...” (ou “...”) (artigos 170.º a 172.º do pedido de pronúncia arbitral) (€ 2.000,00);

               

                3.2.1. Facturas emitidas por E... Lda.

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade de duas facturas emitidas por E... Lda.ª, concluindo o seguinte:

Nestes termos, os gastos e os encargos contabilizados pela A..., relativos às duas faturas em causa, não são dedutíveis para efeitos fiscais, quer nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, por não se ter comprovado "terem sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC", quer nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º-A do CIRC, pelo facto de os documentos não cumprirem com disposto o n.º 4 do artigo 23.º do mesmo Código.

 

                Os artigos 23.º e 23.º-A do CIRC estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 23.º

 

Gastos e perdas

 

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

 

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

 

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

 

Artigo 23.º-A

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

 

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;

               

                A facturas E.../79, no valor de € 85.750,00, tem como descrição «serviços prestados de material e mão-de-obra nas artes de pedreiro e trolharia» e a factura E.../123, no valor de € 55.4786,90, tem como descrição «serviço de pedreiro e trolharia material e mão-de-obra», ambas indicando a quantidade "1", ao contrário das restantes (de menor valor) que discriminavam o tipo de serviços efetuados, os locais, os materiais aplicados e até, nalguns casos, a quantidade de mão-de-obra (medida em horas de trabalho).

                Como se refere no RIT, a Requerente esclareceu «que que a fatura E.../79 se referia "a trabalhos no túnel dos silos ..." e que a fatura  E.../123 se referia a "trabalhos em volta dos silos "..." e "...", concretamente de retirada do piso em betão, reparação e pinturas de armazéns, muros e grades envolventes, caixas de drenagem de águas e saneamento"». Mas, como se refere no RIT, «não existe qualquer elemento ou documento, para além deste esclarecimento genérico, que identifique o local ou as datas dos serviços faturados, a quantidade (em horas) desses trabalhos ou os materiais utilizados».

                O sócio-gerente da E... Lda, nas declarações que constam do anexo 17 ao RIT (página 15 do documento do processo administrativo designado «Rel.+Inspeção+-+6.pdf») não conseguiu esclarecer a que se referem essas facturas, dizendo que «Relativamente às faturas n.ºs FAC .../79 de 01-10-2015, no valor de 85.750,00€ + 19.722,50€ de IVA e FAC .../123 de 27-09-2016, no valor de 55.476,90€ + 12.759.69€ de IVA emitidas ao cliente A... SA, afirmou não ter orçamentos nem qualquer descrição das obras efetuadas, nem consegue dizer o que foi feito nem quando foi feito». 

                Por outro lado, como se refere no ponto III.2.1.1. em RIT, foi encontrado na posse da E... o documento que consta do anexo 19, de que se depreende que a factura E.../123 inclui trabalhos que terão sido realizados para a Requerente, mas se referem a obras de natureza particular do administrador da Requerente J... ou da sua sociedade I..., como bem se explica nos pontos 7 a 12 da parte III.2.1.1. do Relatório da Inspecção Tributária.

                As fotografias que foram juntas como documento n.º 8 no exercício do direito de audição mostram um pavimento em paralelo, mas não permitem esclarecer os requisitos mínimos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4, do CIRC, designadamente que trabalhos foram feitos, quando foram realizados, ou quem os realizou.

                As testemunhas Q... e S... corroboraram as afirmações da Requerente de que as facturas referidas se referem a colocação de piso e pinturas e caixas de drenagem de águas e saneamento, mas o certo é que nem que Requerente nem as testemunhas conseguem quantificar por aproximação a quantidade de trabalhos prestados.

                Designadamente, as testemunhas referidas disseram que a E... Lda, não elaborava orçamentos, sendo o trabalho pago “à hora” ou “ao dia” e com prestação de contas dos serviços prestados mediante apontamentos manuscritos com as horas trabalhadas e materiais fornecidos, mas nenhuma das testemunhas deu qualquer informação sobre a quantidade de dias ou horas que estarão subjacentes aos trabalhos referidos, nem foi apresentado qualquer apontamento manuscrito com as indicações referidas.

                A necessidade dessa quantificação dos serviços prestados é acentuada numa situação, como é a das autos, em que há dúvidas sobre a eventual imputação de encargos à Requerente que respeitariam a trabalhos realizados em bens pessoais do administrador J... ou da sua sociedade imobiliária (I...), bem justificadas pela Administração Tributária nos pontos 7 a 12 da parte III.2.1.1. do Relatório da Inspecção Tributária, e em que nem o próprio sócio-gerente da E... Lda, ao prestar declarações à Inspecção Tributária conseguiu fazer «qualquer descrição das obras efetuadas», nem conseguiu «dizer o que foi feito nem quando foi feito».

                Ainda as dúvidas sobre a realização no interesse da Requerente dos trabalhos que estarão subjacentes às referidas facturas, constata-se o facto de várias outras facturas emitidas por esta empresa à Requerente (que constam do anexo 11 ao RIT, a páginas 22 e seguintes do deste Código do processo administrativo com a designação «Rel.+Inspeção+-+5.pdf»), conterem descrições mais pormenorizadas dos serviços prestados, apesar de se tratar de valores muito inferiores aos das facturas n.ºs E.../79 e E.../123, o que revela que era usual uma descrição mais pormenorizada do que a que consta destas facturas.

                Assim, se é certo que é convicção do Tribunal Arbitral que alguns trabalhos para a Requerente foram efectuados pela E... Lda, que estarão subjacentes às facturas n.ºs E.../79 e  E.../123, também o é que não é possível à face da prova produzida concluir a totalidade dos trabalhos que terão sido executados e a sua quantificação, nem apurar se os trabalhos referidos terão sido efectuados no interesse da Requerente.

                Isto é, como bem entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira Relatório da Inspecção Tributária, as facturas referidas não permitem apurar a quantidade dos bens adquiridos ou dos serviços prestados nem a data ou datas em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados, pelo que não estão preenchidos os requisitos mínimos exigidos pelas alíneas c) e) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.

                Nestas condições, não tendo sido possível ao Tribunal Arbitral apurar esses requisitos mínimos através de outros meios, a solução legal, imposta pela alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, é confirmar a não dedutibilidade dos encargos titulados por aquelas facturas decidida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

                Esta solução legislativa justifica-se, como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-07-2012, processo n.º 0658/11, tendo em consideração que «os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à a protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal» .                   

 

                3.2.2. Facturas emitidas por N... RL

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade de uma despesa relativa a uma factura emitida por N... RL no valor de € 2.250,00 que tem como descrição "honorários pelos trabalhos, serviços e colaboração profissionais prestados a essa sociedade" e a factura de € 47,52 refere-se a "despesas de deslocação" relativas ao acompanhamento de O... (administrador da A...) para prestação de declarações no Tribunal de Santa Maria da Feira.

                A Requerente informou a Inspecção Tributária de que os honorários debitados pela N... referem-se "à representação judicial em ação movida contra a administração da A... pelo Grupo P..., na sequência de um litígio judicial de conhecimento público".

                A Autoridade Tributária e Aduaneira invocou como fundamento o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, por não se ter comprovado que os encargos foram incorridos ou suportados pela  A...para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

                Da prova produzida resulta que a referida sociedade de advogados forneceu apoio jurídico a um administrador da Requerente que foi demandado por causa do exercício das suas funções.

O conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre gastos e proveitos, como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose.

Neste sentido, pronunciou-se o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27-06-2018, processo n.º 01402/17, «o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados».

                As despesas com uma acção contra um administrador demandado por causa do exercício das suas funções é um encargo que tem a ver com a actividade da empresa, que o administrador representa, pelo que deve ser considerado um encargo inerente à actividade da empresa e no seu próprio interesse.

                Por isso, está-se perante um encargo enquadrável no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

                Consequentemente, esta correcção enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                3.2.3. Facturas emitidas pela L... CB

 

                A Requerente contabilizou duas facturas emitidas pela L... CB, datadas de 26-03-2015 e 15-03-2016, respetivamente, têm como descrição "honorários devidos pela assessoria jurídica da A..., cujo detalhe se encontra em seu poder".

                A Requerente informou a Inspecção Tributária de que «os honorários debitados pela L... CB respeitam "a assessoria jurídica na área societária e bancária em Espanha, a propósito do desenvolvimento e expansão das relações comerciais e concursos públicos da  A... naquela geografia"».

                A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a referida despesa como gasto porque «continuou a não ser apresentada qualquer evidência documental dos serviços prestados, designadamente o detalhe dos honorários debitados pela L... (que de acordo com o texto das faturas se encontrava em poder da A...»».

                Com requerimento de 13-07-2021, a Requerente apresentou documentos relativos à sua actividade em Espanha, dizendo que foi assessorada pela L... CB, o que foi confirmado pela testemunha Q... .

                Nos documentos referidos incluem-se vários contratos pelo que se afigura crível que houve serviços de assessoria jurídica, que foram prestados pela L... CB, como confirmou a testemunha Q... .

                Sendo fundamento da não aceitação das facturas emitidas pela L... CB a falta de prova documental, a apresentação de provas da actividade em Espanha, leva a concluir que a correcção efectuada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                3.2.4. Factura emitida por M...

           

                A factura emitida pela M..., no montante de 2.000,00€, refere-se a "honorários profissionais por consultas jurídicas".

                A Requerente esclareceu a Inspecção Tributária de que «os serviços prestados pela M... têm a ver com pedido de reembolso de IVA em Espanha no ano de 2015».

                Com o requerimento de 13-07-2021, a Requerente apresentou documentos relativos a pedidos de reembolso de IVA em Espanha.

                Assim, sendo fundamento da não aceitação das facturas emitidas pela M... a falta de prova documental, a apresentação de provas dos pedidos de reembolso em Espanha, leva a concluir que a correcção efectuada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                3.3. Liquidação de juros compensatórios

 

                As liquidações de juros compensatórios têm por pressupostos as respectivas liquidações de IVA e IRC, pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas.

A Requerente defende, porém, a ilegalidade da generalidade das liquidações de juros compensatórios, porque, em suma, a imputação de responsabilidade por juros compensatórios depende de nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a sua actuação que fosse susceptível de um juízo de censura ético-pessoal, o que não foi invocado no caso em apreço.

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte. (   )

No que concerne à liquidação de juros compensatórios constata-se que a única fundamentação é a que consta das demonstrações das liquidações de juros compensatórios, pois no Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer referência a juros compensatórios.

Pelo contrário, nas «CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPECÇÃO» e no «MAPA RESUMO DAS CORREÇÕES RESULTANTES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO» que constam da página 4 do ficheiro do processo administrativo com a designação «Rel.+Inspeção+-+1.pdf» até há omissão explícita de que se infere que se terá entendido que não havia lugar a juros compensatórios. Na verdade, no ponto I.1.3, relativo a indicação dos «Montantes sujeitos a juros», não se indica qualquer montante.

Assim, não sendo formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quer no RIT quer nas liquidações de juros compensatórios, qualquer juízo de culpa à Requerente, as liquidações de juros compensatórios enfermam de vícios de violação do referido artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que justificam que sejam anuladas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                 Conclusão

 

                Em face do exposto, quanto às liquidações de IVA, procede o pedido de pronúncia, na parte em que são impugnadas.

                No que concerne às liquidações de IRC, procede o pedido de pronúncia arbitral nas partes em que tem como pressupostos as correcções efectuadas relativamente às facturas emitidas pelas sociedades N... Relação de Lisboa, L..., e M..., e improcede quanto às correcções relativas às facturas emitidas pela empresa  E... Lda.ª.

                As liquidações de juros compensatórios são integralmente anuladas.

                A decisão da reclamação graciosa que confirmou as liquidações impugnadas enferma dos mesmos vícios que afectam as liquidações, pelo que se justifica a sua anulação, na parte correspondente a esses vícios.

               

                4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

               

                Em 13-01-2020, 24-02-2020, 25-02-2020, 26-02-2020, 27-02-2020 e 02-03-2020, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

                A Requerente pede a restituição das quantias indevidamente pagas, com juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

                Na sequência da anulação parcial das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou indevidamente e cujo reembolso pede, que deverão ser determinadas em execução do presente acórdão.

                No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

             

                No caso em apreço, os erros que afectam as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu por sua iniciativa.

                Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efectuado, até ao integral reembolso ao respectivo Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular parcialmente as liquidações de IVA e juros compensatórios que se indicam no quadro que segue, nas partes em que têm como pressupostos as correcções relativas ao exercício do direito a dedução quanto a serviços que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou serem de construção civil, prestados pelas empresas B... Lda, E... Lda, F... Lda, G... Unipessoal Lda e H... (pontos III.1.1.1 a III.1.1.6 do Relatório da Inspecção Tributária):

 

C)           Anular parcialmente as seguintes liquidações, nas partes em que têm como pressuposto as correcções relativas a facturas de serviços jurídicos referidas no ponto III.2.1.3. do Relatório da Inspecção Tributária:

 

D)           Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente do imposto indevidamente pago, que deve ser determinado em execução do presente acórdão;

E)            Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

F)            Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos restantes pedidos.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 348.203,85, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

O pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de € 186.649,37 de IVA.

O pedido de pronúncia arbitral procede ainda quanto a correcções de IRC nos valores de € 40.750,85 em 2015 e € 34.530,00 em 2016 a que correspondem aproximadamente os valores de IRC (mais derrama municipal) de € 9.168,94 e € 7.769,35, respectivamente.

Assim, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de € 203.587,66.

Como a Requerente atribuiu ao processo o valor de € 348.203,85, o pedido de pronúncia arbitral procede na percentagem de 58,47%.

Assim, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 41,53% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 58,47%.          

               

Lisboa, 27-09-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Rui M. Marrana)

(A. Sérgio de Matos)