Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 696/2020-T
Data da decisão: 2021-12-21  IRC  
Valor do pedido: € 6.480.502,32
Tema: IRC – Princípio da periodização económica; princípio da justiça; reconhecimento de juros de empréstimos concedidos; indispensabilidade
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SUMÁRIO:

1.            Atento o disposto no artigo 63.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, sendo peticionada a ampliação da instância visando abranger um ato de liquidação de IRC que foi praticado pela AT na sequência e em execução da decisão de indeferimento parcial de um recurso hierárquico, deve concluir-se pela existência do necessário nexo de conexão entre esses atos, o que permite a cumulação no processo de pedido dirigido à anulação daquele ato de liquidação.

2.            Pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não se pode escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça.

3.            Na ponderação dos valores em causa – por um lado, o princípio da periodização económica e, por outro lado, o princípio da justiça – é manifesto que, em caso de incompatibilidade, deve ser dada prevalência a este último princípio nos casos em que não tenha resultado prejuízo para o erário público e se constate que não estamos perante comportamentos voluntários e intencionais, com o objetivo de obter vantagens fiscais.

4.            Ademais, importa ainda ter bem presente o estatuído no citado artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC, no qual é estabelecida uma relação entre a contabilidade e a fiscalidade assente num modelo de dependência parcial, em que o resultado contabilístico é a base para a determinação do lucro tributável das empresas.

5.            No caso de as manutenções (in casu, de aeronaves) estarem relacionadas com determinados momentos temporais, o facto de existirem discrepâncias entre a constituição de reservas de manutenção e a sua concreta utilização não pode constituir motivo para negar a sua relação com a atividade operacional da empresa e, por consequência, recusar-lhes a respetiva dedutibilidade, enquanto gastos do período, nos termos previstos no artigo 23.º do Código do IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dr. Martins Alfaro e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 27 de novembro de 2020, A..., S.A. (atualmente denominada B..., S.A.), NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ... andar, Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação:

(i) do ato de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...20191...;

(ii) do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2017 ..., todos relativos ao ano de 2013 e dos quais resultou o montante total a pagar de € 6.480.502,32.

A Requerente juntou 31 (trinta e um) documentos, arrolou 2 (duas) testemunhas e requereu a prestação de declarações de parte de um dos seus administradores, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.    

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

«- Com relevo para a causa, a ora Requerente havia celebrado contratos de mútuo com três entidades, a saber: (i) C...; (ii) D..., SGPS S.A.; (iii) E....

- No exercício de 2013 a Requerente não logrou receber qualquer rendimento de juros associados aos contratos acima identificados – facto não controvertido.

- A Requerente não reconheceu, no exercício em escrutínio, qualquer rendimento de juros associado a qualquer dos contratos em questão.

- Também com relevo no presente litígio, em 2013, a frota da Requerente era composta por 11 aeronaves, nove em regime de locação operacional e 2 em regime de cedência de exploração de aeronaves por parte do proprietário.

- No contexto dos contratos de locação operacional (…) a Requerente está adstrita ao pagamento aos proprietários das aeronaves de valores a título de (i) depósito, correspondente a três rendas mensais; (ii) renda de valor fixo; (iii) reservas de valor variável de acordo com as horas e os ciclos de voo; e (iv) acerto anual.

- O valor pago a título de reservas é considerado uma renda suplementar, baseada na utilização da aeronave.  - Relativamente a estas reservas a Requerente recebe uma fatura mensal que regista como gasto no período respetivo.

- Além do valor pago a este título, a Requerente constituiu reservas internas para fazer face aos gastos de manutenção e reparação das aeronaves em locação.

- Com efeito, durante a vigência do contrato, é da exclusiva responsabilidade e encargo da Requerente (“Lessee”) a obrigação de efetuar a manutenção e reparação da aeronave e de todos os seus componentes de acordo com os programas de manutenção definidos pelas autoridades aeronáuticas, pelo fabricante ou quaisquer outras entidades reguladoras que sejam necessários para a validade do certificado de navegabilidade da aeronave.

- (…), a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção tributária externo, de âmbito geral, abrangendo, entre outros, o IRC do exercício de 2013 e 2014. 

- As conclusões dos serviços de inspeção tributária conduziram às seguintes correções à matéria tributável apurada pela Requerente naquele exercício: (i) correção no montante total de € 1.146.493,22, correspondente aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à D... SGPS, S.A., à E... e à C...; (ii) correção no montante de € 17.562.249,94, correspondente à desconsideração do montante deduzido pela Requerente a título de reservas internas de manutenção; (…).

- (…), a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios, (…), referentes ao exercício de 2013, constituindo objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

- Da análise do teor das notificações dos atos recebidos pela Requerente, não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, conforme é exigido pelo disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, por forma a justificar a decisão nela inserta.

- Assim, resultam não indicados os fundamentos, de facto e de direito, que subjazem aos atos de liquidação ora em crise, quer para um destinatário normal, quer também, principalmente, para a ora Requerente. 

- (…), a decisão ora contestada, corporizada no ato de liquidação em crise, é claramente insuficiente quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pois não permite conhecer o itinerário cognoscitivo, de facto e mormente de direito, que lhe subjaz,

- estando, por isso, inquinada de vício de forma, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e artigo 77.º da Lei Geral Tributária.

- razão pela qual deve ser anulada em conformidade, de acordo com o artigo 164.º do Código de Procedimento Administrativo.

- Mais: a Requerente questiona a própria relação do Relatório de Inspeção com os atos de liquidação em apreço, por tal relação não resultar minimamente expressa – como se impunha – de tais atos tributários.

- não foi também a ora Requerente notificada nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária,

- (…), violação esta, do citado preceito legal, que, por si só, implica a anulação dos atos de liquidação ora contestados, por preterição de formalidade legal essencial.                     

- (…) os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos concretos em que baseiam as correções propugnadas, não dão cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos de liquidação em apreço, (…).         

- (…), a fundamentação da Administração tributária assenta em meros juízos conclusivos, suposições ou presunções, sem concretização daquilo que invoca e em que, supostamente, assenta a sua pretensão de tributação, em clara e evidente violação do disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

- (…), sempre caberia à Administração tributária a prova dos factos dos quais resulte a probabilidade clara e inequívoca de, a título de exemplo, os ativos financeiros em causa na primeira correção não serem instrumentos financeiros com vista à negociação,

- ou uma cabal e efetiva demonstração e prova de que as reservas de manutenção foram ilegalmente constituídas.

- Nestes termos, não só a Administração tributária procedeu à errónea qualificação dos factos alegados, como a sua decisão viola as regras vigentes quanto à distribuição do ónus da prova (e, assim, também o artigo 74.º da Lei Geral Tributária) e padece de vício na fundamentação legalmente exigida (violando, assim, também o disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária). 

- No que respeita ao empréstimo concedido pela Requerente à D... SGPS, S.A., conforme reconhecido pela Administração tributária, (…), foi celebrado, em janeiro de 2013, um acordo de pagamento entre as partes, sobre o valor em dívida de € 16.967.299,90, a liquidar em 2013 e 2014, tendo sido estabelecida uma taxa de juro fixa de 3,5%.

- (…) conforme reconhece a Administração tributária, a Requerente reconheceu os correspondentes juros nos exercício de 2011 e 2012, não tendo, todavia, recebido o seu pagamento [da D... SGPS, S.A.],

- motivo pelo qual, nos exercícios seguintes, não reconheceu (nem recebeu) qualquer montante a título de juros.

- Já no que refere ao não reconhecimento de juros, pela Requerente, nos empréstimos concedidos à E..., resulta do Relatório de Inspeção Tributária que a Requerente apresentava um saldo devedor na rubrica “Outras Contas a receber”, com data efetiva desde 1 de janeiro de 2013.

- (…), a Requerente esclareceu, durante o procedimento inspetivo, que o referido saldo resultava de acordos de pagamento estabelecidos com a E..., originalmente em 26 de fevereiro de 2009 e posteriormente em 12 de outubro de 2011  em 22 de janeiro de 2015, sendo que, nestes últimos, previa-se o pagamento de juros às taxas de 4% e 1,9% respetivamente.   

- (…), a Requerente reconheceu, apenas, juros relativamente ao ano de 2011, não tendo logrado receber qualquer pagamento [da E...] nos anos posteriores, pelo que, consequentemente, não reconheceu juros no exercício de 2013.

- (…), no caso em apreço, perante a falta contínua de pagamento dos valores em dívida, pelas entidades em causa, à Requerente, não era expectável – e, por isso, não era provável – que a quantia de juros fluísse para a entidade no período em causa.

- (…) motivação subjacente ao não reconhecimento, (…) não é, minimamente, relacionada com a transferência de resultados entre exercícios, mas antes com a adequação e transparência do relato financeiro da Requerente, com a verdade material, pugnando uma tributação de acordo com o princípio da capacidade contributiva.   

- (…), no que concerne a uma hipotética violação do princípio da especialização dos exercícios, a interpretação veiculada pela Administração tributária é desconforme com a verdade material e capacidade contributiva – por a Administração tributária querer imputar e tributar determinado rendimento que, em termos fácticos, inexiste no período em causa – ferindo, em igual medida, o princípio da justiça.

- Acresce que, da aplicação do princípio da especialização de exercícios pelo reconhecimento do rendimento em causa no exercício de 2013, não resultaria, como pretende a Administração tributária, a tributação desse rendimento ficcionado.

- Com efeito, note-se que, em face do não recebimento do rendimento de juros sempre haveria lugar ao reconhecimento de uma perda por imparidade por dívidas a receber, dedutível nos termos do artigo 28.º-A do CIRC.

- Conforme resulta do balancete analítico, relativo ao exercício de 2013, a Requerente reforçou as reservas de manutenção das aeronaves, em regime de locação operacional, no montante total de € 17.562.249,94.

- As reservas internas de manutenção são constituídas anualmente, atendendo ao histórico de reparações e dos custos de manutenção havidos relativamente a aeronaves com as mesmas características – resultam, portanto, do cômputo dos gastos comprovadamente incorridos em aeronaves com as mesmas características, i.e. com base em evidências externas.

- Depois, sempre se diga que as “reservas” pagas aos locadores não cobrem todos os custos com a manutenção e reparação da aeronave, (…), mas apenas aqueles conexos com as manutenções periódicas aos componentes individuais incluídos nas “reservas” (…).

- (…), a liberdade de gestão, enquanto direito das sociedades, exige que a Administração tributária se abstenha de interferir na sobredita gestão, encontrando-se-lhe vedado um controlo administrativo sobre o mérito de decisões tomadas pela sociedade.

- O que facilmente se compreende, em face do princípio da autonomia provada e da liberdade, em geral, e da liberdade de gestão em particular.

- Tais princípios, enformadores do sistema legal português, apenas poderão ser derrogados sob forte fundamentação, justificação e ponderação dos interesses em jogo, à luz do princípio da proporcionalidade.

- (…) os montantes existentes nesse fundo adicional de manutenção, que não são utilizados, são acumulados no ano seguinte, até ao final do contrato de locação, altura em que, caso se verifique que o fundo tem um saldo positivo, o mesmo é revertido a proveitos da sociedade e sujeito ao imposto devido, (…).

- (…), ficando exposto e provado que as reservas de manutenção, que constituem gasto do exercício, decorrem de uma escolha legitima e legal de gestão da Requerente, será ainda forçoso concluir-se pela indispensabilidade, no âmbito do artigo 23.º do Código do IRC em vigor à data dos factos.

- pelo que a correção proposta é ilegal, encontrando-se sedimentada em errados pressupostos, de facto e de direito, razão pela qual deverá ser anulada, (…).

- Na sequência da anulação, por ilegalidade, do ato de liquidação de IRC (…), será, evidentemente, de anular, também, a liquidação de Juros Compensatórios que o integra (…), na sequência do desaparecimento de um dos seus fundamentos ou pressupostos legais essenciais: retardamento de liquidação e pagamento de imposto devido.

- (…), subsiste um outro pressuposto legal, particular da liquidação de Juros Compensatórios, não demonstrado pela Administração tributária em matéria de fundamentação do ato de liquidação promovido por esta: o pressuposto, previsto na lei, de que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte (cf. artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).          

- (…), no caso concreto, confirmando-se que a Administração tributária se absteve de indicar quais os elementos em que se baseia para promover a liquidação de Juros Compensatórios sub judice, não fazendo qualquer menção à culpa da Requerente no suposto atraso na liquidação do imposto, e muito menos procedendo à demonstração dessa culpa, impede a Requerente de conhecer, em toda a sua extensão, o porquê do encargo adicional que lhe é imposto, bem como de apreciar a sua legalidade.

- (…), atento o disposto nos artigos 74.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária e 342.º, n.º 1, do Código Civil, cabe à Administração tributária demonstrar e provar estes factos constitutivos do direito à liquidação de Juros Compensatórios, designadamente, a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto , ou seja, demonstrar o pressuposto da liquidação de juros compensatórios (…).

- Impõe-se, assim, concluir haver ausência de fundamentação da liquidação dos Juros Compensatórios, o que viola flagrantemente o disposto no n.º 1 do artigo 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º, ambos da Lei Geral Tributária, bem como o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

- (…) a Decisão de (in)deferimento parcial do Recurso hierárquico, na parte ora contestada, assenta em pressupostos de facto e de direito não conformes com as normas e princípios jurídicos aplicáveis, caracterizando-se por uma incorreta aplicação da lei aos factos.  

- (…) a procedência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral deverá determinar a restituição, à Requerente, das quantias indevidamente pagas por esta, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios calculados à taxa legal.»

               

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 30 de novembro de 2020.

               

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18 de janeiro de 2021, as partes foram notificadas dessa designação e, nessa sequência, em 28 de janeiro de 2021, a Requerente requereu ao Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 5.º do Código Deontológico do CAAD, o afastamento do árbitro Senhor Dr. Martins Alfaro.

Em 3 de maio de 2021, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD proferiu despacho a julgar «improcedente o suscitado incidente de afastamento/recusa de árbitro».

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

4. No dia 24 de junho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida arrolou 2 (duas) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:

                «- (…), no caso concreto, embora das notas de liquidação ora juntas não conste a fundamentação integral, de facto e de direito das liquidações, certo é que a Requerente também admite que as liquidações ora impugnadas assentam no relatório da inspeção que lhe foi efectuada, e cujas conclusões, de facto e de direito, acaba a Requerente por atacar no presente p.p.a.

                - (…), nos termos do mesmo Relatório Final, consta, aliás, que “a breve prazo os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar”.

                - Por outro lado, da notificação da referida liquidação também consta que a Requerente é notificada conforme “nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida”.

                - Deste modo, não pode a Requerente vir agora invocar desconhecimento do facto de que foi notificada de um projecto e de um relatório final da Inspecção Tributária, bem como, que deste último decorreria a necessária notificação da liquidação respectiva.

                - A notificação do acto, (…), não se confunde com o acto tributário de liquação e, no caso, este está devidamente fundamentado, de facto e de direito, constando tal fundamentação do Relatório Final de Inspecção Tributária.

                - E, deste modo, não faz sentido a Requerente assacar ao acto de notificação quaisquer vícios de forma, por falta de fundamentação e, por consequência, invocar a falta de fundamentação por remissão.

                - (…) as razões, de facto e de direito, das correcções que determinaram as liquidações ora impugnadas que constam do Relatório da Inspecção Tributária e dos pareceres e despachos sobre ele exarados, são suficientes, claros e congruentes.

                - Aliás, a Requerente com o presente p.p.a. demonstra conhecer perfeitamente o iter cognoscitivo e valorativo dos actos tributários em apreço.

- (…), se verificasse uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, cabia à Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respectiva notificação ou emissão da certidão em conformidade.

- (…), ainda que o acto sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador, (…), tais deficiências degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais, uma vez que, ainda assim, tais deficiências permitiram o cabal esclarecimento do seu destinatário, possibilitando-lhe insurgir-se contra elas, como, aliás, fez a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral.     

- O fundamento legal da correcção dos juros [referentes ao empréstimo concedido à D... SGPS, S.A.] ao lucro tributável é constituído, em primeira linha, pela aplicação do princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo enunciado no artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC e pelos parágrafos 29 e 30 da NCRF 20, tendo sido utilizada para a determinação da remuneração dos empréstimos em dívida a 31.12.2013, o acordo de reconhecimento de dívida e de pagamento celebrado entre as partes a 03.01.2013, que estipulava uma taxa de 3,5% (…).

- Relativamente à taxa de juro fixada pelas partes, no acordo de pagamento, baseada na soma do indexante Euribor a 1 ano à data do acordo (2,0840%) acrescido de um spread de 1,416 p.p. que a AT considerou que respeitava o princípio de plena concorrência (artigo 63.º, n.º 2 do Código do IRC). 

- O fundamento legal desta correcção [respeitante aos juros referentes ao empréstimo concedido ao E...] é descrito no RIT (…) nos seguintes termos: “Chamando-se novamente atenção ao disposto no artigo 18.º do CIRC e aos parágrafos 29 e 30 da NCRF 20, também neste caso a A... deveria ter imputado aos períodos de tributação de 2013 e 2014 os juros estabelecidos nos acordos, independentemente da falta de pagamento dos valores em dívida.”

- (…) o artigo 18.º não estabelece as condições especificas a observar para a determinação do momento do reconhecimento dos rendimentos dos juros, mas dada a relação de dependência (parcial) da contabilidade, desde que comprovada a sua efectiva verificação nada parece obstar à sua utilização.

- Importa, então, averiguar se, nas situações concretas sob análise, existem incertezas quanto ao direito ao recebimento dos juros e quanto ao respectivo montante (cfr. parágrafo 29) da NCRF 20).

- (…), no que concerne ao direito ao recebimento dos juros nenhuma dúvida existe, porquanto, resulta dos termos estabelecidos nos contratos de empréstimos e dos acordos de pagamento, celebrados entre as partes, direito que não está condicionado à ocorrência de qualquer evento posterior e, relativamente ao apuramento dos correspondentes quantitativos, as duas variáveis utilizadas nos cálculos – capital em divida e taxa de juro – estão também perfeitamente definidas.    

- (…) a Requerente alterou a política contabilística adoptada em 2011 e 2012 sobre o reconhecimento dos rendimentos provenientes de juros, substituindo o regime do acréscimo pelo regime de caixa, sem estarem preenchidos os tipos de incerteza definidos na NCRF 20, parágrafo 29.

- Aliás, nenhuma explicação é dada sobre os motivos de não pagamento dos juros devidos pela sociedade-mãe (D... SGPS, S.A.) ou pela E..., tanto mais que a primeira até assumiu e liquidou a dívida da segunda à Requerente.

- (…), do ponto de vista contabilístico e fiscal, a Requerente estava obrigada a reconhecer os rendimentos de juros, independentemente da data do seu recebimento, pois que, o principio do acréscimo obriga a reconhecer os rendimentos e ganhos e os gastos e perdas, quando eles ocorrem, independentemente do momento em que vierem a verificar-se os correspondentes fluxos financeiros ou monetários.

- Há, assim, uma violação do regime da periodização económica, consagrado no artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC e nos normativos contabilísticos, resultante da decisão de remeter o reconhecimento dos juros como rendimentos para os momentos em que os mesmos são recebidos, tendo uma tal decisão provocado um efeito negativo no lucro tributável do exercício de 2013.

- (…), não se entende a afirmação de que, “em face do não recebimento dos juros, sempre haverá lugar ao reconhecimento de uma perda por imparidade por dívidas a receber, dedutível nos termos do artigo 28.º-A do Código do IRC”, dado que os empréstimos em causa não são qualificáveis como créditos resultantes da actividade normal, como é exigido pelo citado artigo e, além disso, salvo os casos referidos no n.º 1, não são considerados de cobrança duvidosa nos termos do artigo 28.º-B, n.º 3, alínea c) os créditos sobre sócios que detenham directa ou indirectamente mais de 10% do capital da sociedade credora, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.

- (…), ainda que a Requerente não tenha registado contabilisticamente as estimativas dos gastos com reservas internas de manutenção, como provisões, a verdade é que, pela sua natureza e finalidade, assumem essa qualificação, já que se destinam a cobrir possíveis riscos e encargos, nitidamente precisos quanto ao seu objecto, mas de realização incerta.

- Ou seja, a constituição das reservas internas visam cobrir eventuais encargos que possam surgir no futuro, consequentemente assentam em estimativas de gastos futuros mas ainda de utilização incerta, tanto que se não forem utilizados até ao final do contrato de locação serão revertidos como rendimentos.

- Por conseguinte, a não dedutibilidade dos encargos estimados contabilizados como reservas internas de manutenção porque cabem na qualificação de provisões para riscos e encargos, não são dedutíveis por força do artigo 23.º, n.º 1 e artigo 39.º do Código do IRC, (…).

- (…) a fundamentação dos juros compensatórios, no caso, é suficiente, clara e congruente.

- Efectivamente, quanto à culpa, resulta do RIT a identificação da conduta da Requerente como tipificando as infracções tributárias previstas e punidas no art. 119.º do RGIT tendo sido suficientemente descritos, no âmbito do mesmo RIT, os factos apurados que legitimam tal subsunção.

- Por outro lado, cfr. resulta das notas de demonstração das liquidações dos mesmos juros, das mesmas constam a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, a taxa ou taxas aplicáveis e o período de tempo em que tais juros são exigíveis, com indicação dos termos iniciais e finais da contagem tendo, inclusivamente, sido discriminados os tipos de juros compensatórios devidos referidos às respectivas disposições legais.»          

 

5. No dia 11 de outubro de 2021, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, foi proferido despacho arbitral a prorrogar por 2 (dois) meses o prazo para a prolação e notificação da decisão arbitral.

 

6. No dia 9 de novembro de 2021, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido indicado o dia 3 de janeiro de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral – e procedeu-se à tomada de declarações de parte de um administrador da Requerente, bem como à inquirição das testemunhas arroladas por ambas as partes.

 

7. Ambas as partes apresentaram alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas e nas quais essencialmente reiteraram as posições anteriormente vertidas nos respetivos articulados.

 

II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

§1. AMPLIAÇÃO DA INSTÂNCIA

                9. Em 30 de dezembro de 2020, a Requerente apresentou um requerimento no qual, além do mais, expõe e requer o seguinte:

                «5.º (…) foi a Requerente notificada da concretização da Decisão que procedeu ao (in)deferimento parcial do Recurso Hierárquico que antecedeu o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, materializada na liquidação corretiva de IRC, do exercício de 2013, n.º 2020 ..., que ora se junta ao presente Requerimento, (…). 

                6.º Assim, por cautela do patrocínio, mais se peticiona a ampliação dos presentes autos por forma a abranger, também, a apreciação do ato tributário que ora se junta, nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos constantes da Petição Inicial, por reincidir nos vícios assacados ao ato de liquidação originalmente controvertido,

                7.º acautelando-se, assim, o eventual entendimento da Administração tributária de que o ato de liquidação corretiva que ora se junta possa ter um efeito substitutivo, e não meramente corretivo, da liquidação controvertida.

Nestes termos, requer-se, muito respeitosamente, a V. Exas. que se dignem:

(…)

D. Admitir a junção aos presentes autos da liquidação e IRC corretiva n.º 2020 ...;

E. Ampliar o objeto dos presentes autos, por forma a que os mesmos passem a correr termos também contra a liquidação (corretiva) n.º 2020 ..., na medida em que a mesma reincide nos mesmos vícios apontados ao ato controvertido.» 

 

10. Em 30 de dezembro de 2020, a Requerida foi devidamente notificada desse requerimento, não se tendo pronunciado quanto ao mesmo.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

11. O artigo 63.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, estatuindo sobre a ampliação da instância, prevê, além do mais, o seguinte:

“1. Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.

2. O disposto no número anterior é extensivo (…) às situações em que sobrevenham atos administrativos cuja validade dependa da existência ou validade do ato impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo.

(…)”

A este propósito, Mário Aroso de Almeida  afirma o seguinte:

«O regime do artigo 63.º reveste-se da maior importância para permitir que o objeto do contencioso de impugnação de actos administrativos não se circunscreva necessariamente à apreciação da validade de um único acto administrativo, mas possa disciplinar, no seu conjunto, o quadro da relação jurídico-administrativa em que se inscreve o acto impugnado. Com efeito, o referido artigo prevê um conjunto de situações em que, na pendência do processo impugnatório de um acto administrativo, o objecto desse processo pode ser ampliado, através da cumulação superveniente de pedidos.

É que, desde logo, sucede, (…) com os eventuais actos que venham a ser praticados no âmbito do mesmo procedimento que pertence o acto impugnado, assim como com os actos que venham a ser praticados em procedimentos subsequentes àquele que culminou no ato impugnado (artigo 63.º, n.º 1); (…).

(…), em momento subsequente ao da prática de um acto administrativo, vêm a ser praticados outros actos que, embora sejam produzidos no âmbito de procedimentos autónomos, se baseiam naquele primeiro acto ou, pelo menos, na situação jurídica por ele criada, nele fazendo, por isso, assentar a sua própria validade. Dá-se a estes actos o nome de actos consequentes. Como a questão da permanência na ordem jurídica destes actos se resolve em função do destino que venha a ter o acto que os precedeu e a sua eventual consolidação na ordem jurídica pode pôr em risco, (…), a própria utilidade da decisão que venha a ser proferida no processo impugnatório desse acto, justifica-se que a questão da sua validade possa ser, desde logo, suscitada e decidida no âmbito daquele processo. Esta situação também é expressamente prevista pelo artigo 63.º, n.º 2, na parte em que o preceito se refere “às situações em que sobrevenham actos administrativos cuja validade dependa da existência ou da validade do acto impugnado.”»         

No caso concreto, a tempestivamente peticionada ampliação da instância visa abranger o ato de liquidação de IRC n.º 2020 ... (que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ...) que foi praticado pela AT na sequência e em execução da decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019..., pelo que existe o necessário nexo de conexão entre esses atos, o que permite a cumulação neste processo de pedido dirigido à anulação daquele ato de liquidação.

 

12. Nesta conformidade, mostrando-se preenchidos os respetivos pressupostos legais, é admitida a peticionada ampliação da instância.

 

                III. FUNDAMENTAÇÃO

                III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS               

13. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente é uma sociedade anónima constituída a 28 de julho de 2004, tendo como objeto social o transporte aéreo regular e não regular doméstico, territorial e internacional e como atividades acessórias a manutenção de aeronaves, compra e venda de aeronaves e respetivas peças e acessórios, importação e exportação de componentes de aeronaves, gestão e operação de aeronaves de terceiros, assistência técnica, operacional e aeroportuária a aeronaves e respetivos passageiros, carga e correio, treino e instrução de tripulações e representação de outras companhias de aviação. [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA e PA]  

                b) Até 20 de dezembro de 2015, a Requerente era detida a 100% pela empresa “D... SGPS, S.A.”, NIPC .... [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA e PA]  

c) Para efeitos fiscais, a Requerente iniciou a sua atividade em 1 de outubro de 2004 e encontra-se inscrita, desde essa data, com o CAE 51100, sendo que, em sede de IRC, é um sujeito passivo enquadrado no regime normal de determinação do lucro tributável. [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA e PA]    

d) A Requerente é titular do Certificado de Operador Aéreo (COA), emitido pelo Instituto Nacional de Aviação Civil I.P. (INAC), que confirma a aptidão operacional da empresa para o exercício da atividade comercial de transporte aéreo regular e não regular, atuando também em conformidade com todas as normas europeias (EU-OPS, EASA e IOSA). [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA e PA]    

e) A 31 de dezembro de 2013, a Requerente contava com uma frota de 11 (onze) aviões, sendo 9 (nove) em regime de locação operacional e 2 (dois) em regime de cedência de exploração de aeronaves por parte do proprietário, elencados no quadro seguinte [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA e PA]:

Entrada ao serviço          Matrícula            Modelo Regime

2008      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2008      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2009      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2009      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2011      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2012      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2013      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2013      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2013      ...-...      ...-...      Em regime de locação operacional

2008      ...-...      ...-...      Em regime de cedência de exploração

2009      ...-...      ...-...      Em regime de cedência de exploração

 

f) No decurso do ano de 2013, foram substituídos 2 (dois) aviões mais antigos, um ... ...-... (...-...) e um ... ...-... (...-...), por três aviões novos na frota (embora em estado de uso), sendo um ... ...-... (...-...) e dois ... ...-... (...-... e ...-...), todos em regime de locação operacional. [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA e PA]    

g) Os contratos de locação operacional das aeronaves, celebrados pela Requerente, são em tudo semelhantes, estando definidos contratualmente os seguintes pagamentos a efetuar pela Requerente (designada “lessee”) aos respetivos proprietários/locadores (designados “lessors”) das aeronaves [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]:    

(i) “Security deposit” (depósito) – normalmente o valor de três rendas fixas mensais, pago de acordo com as condições estabelecidas e a ser devolvido à Requerente no final do contrato.

(ii) “Rent” (renda – parte fixa) – valor fixo pago mensalmente, antecipadamente.

(iii) “Reserves” (reservas – parte variável) – valor variável de acordo com as horas de voo e os ciclos de voo operados pela aeronave, pago mensalmente, normalmente ao dia 10 de cada mês, sendo o valor referente à utilização do mês anterior.

(iv) “Additional Rent for Excess Airframe Cycles” (acerto anual) – anualmente é efetuado o cálculo do rácio entre o total das horas voadas e os ciclos de voo operados pela aeronave e por todos os ciclos de voo operados acima do rácio de 5 horas para um ciclo de voo é cobrado um valor estipulado no contrato.

h) A Requerente recebe mensalmente uma fatura referente aos valores pagos a título de renda e de reservas, os quais são contabilizados como gastos nos respetivos períodos de tributação (contas “62615 Aeronaves”, “62262311 Operações isentas” e “62262321 Operações isentas”. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]

i) Como está contratualmente definido, o valor pago a título de reservas é considerado como uma renda suplementar (“supplemental rent”) que está baseada na utilização das aeronaves e que tem por objetivo acautelar os encargos específicos com as seguintes rubricas de manutenção das aeronaves [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA, PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]:

             Inspeção estrutura dos 6 anos (“Airframe 6Y”);

             Inspeção estrutura dos 12 anos (“Airframe 12Y”);

             Inspeção dos motores/reatores (“Engines OHLS”);

             Inspeção das componentes dos motores/reatores (“Engines LLPS”);

             Inspeção do trem de aterragem (“Landing gear”);

             Propulsão dos motores/reatores (“Engines trust”) – em alguns contratos;

             Unidade auxiliar de potência (“APU”) – em alguns contratos.

j) Em virtude de o montante pago a título de reservas ser, especificamente, afeto às rubricas elencadas no facto provado anterior, tem por consequência que o excedente de determinada rubrica não pode ser aproveitado para cobrir eventuais défices nas demais rubricas. [cf. declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]

k) O valor mensal daquela renda suplementar, contratualmente denominada como “reservas”, não é fixo em virtude da estimativa dos gastos com as inspeções dos motores/reatores (“Engines OHLS”), as inspeções das componentes dos motores/reatores (“Engines LLPS”), a propulsão dos motores/reatores (“Engines trust”) e a unidade auxiliar de potência (“APU”) ter em consideração quer as horas de voo quer os ciclos de voo operadores pelas aeronaves. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA, PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]

l) Os contratos de locação operacional celebrados pela Requerente estabelecem que os aludidos gastos são suportados pelo “lessee” (a Requerente), pelo que, aquando da realização efetiva de cada manutenção, o “lessor” reembolsará o “lessee” até ao limite dos respetivos montantes entretanto pagos, através das faturas emitidas pela Requerente ao “lessor”, anexando os correspondentes documentos comprovativos dos fornecedores daqueles serviços. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA, PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]  

m) No período de vigência dos contratos de locação operacional, é da exclusiva responsabilidade da Requerente a obrigação de efetuar a manutenção e reparação das aeronaves e de todos os seus componentes de acordo com os programas de manutenção definidos pelas autoridades aeronáuticas, pelo fabricante ou por quaisquer outras entidades reguladoras que sejam necessárias para manter válido o certificado de navegabilidade das aeronaves. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA, PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente] 

n) Por esse motivo e por considerar que os valores que são pagos a título de reservas aos locadores não abrangem a totalidade dos encargos com a reparação e a manutenção das aeronaves que irá suportar no futuro, a Requerente estima, para cada aeronave, um valor anual de reservas internas de manutenção para fazer face aos respetivos gastos de manutenção e reparação, as quais são calculadas com base no critério de horas de voo e de ciclos de voo operados, por componente de cada aeronave, atendendo ao histórico de reparações e de custos de manutenção de aeronaves com as mesmas características. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente] 

o) Contabilisticamente, no final de cada período de tributação, a Requerente movimenta a conta “62262321 Operações isentas” por contrapartida da conta “27224 Fundo de reserv. manut.”, para reforçar ou reverter o valor estimado com as reservas de manutenção, sendo que, quando o gasto se torna efetivo, é debitada a conta “27224 Fundo de reserv. Manut.” e creditadas as correspondentes contas de fornecedores; no caso do valor das reservas de manutenção (pagas ao “lessor” e/ou as constituídas/reforçadas internamente) ser insuficiente, o remanescente é gasto no exercício em que o mesmo é suportado. [cf. PA]              

p) No decurso do exercício de 2013, a Requerente reforçou as reservas de manutenção das aeronaves, em regime de locação operacional, no montante total de € 17.562.249,94. [cf. PA]

q) A 3 de janeiro de 2013, entre a Requerente e a “D..., SGPS, S.A.”, foi celebrado um “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos do qual foi, além do mais, convencionado o seguinte [cf. PA]:

«Cláusula Primeira

Com a celebração do presente acordo, a Segunda Outorgante [“D...”] expressamente confessa ser devedora à Primeira Outorgante [a Requerente] da seguinte quantia – 16.967.299,90 Euros, com data efectiva à data deste acordo.

(…)

Cláusula Terceira

1. A Primeira Outorgante e a Segunda Outorgante acordam que a liquidação total da quantia em dívida de 16.967.299,90 Euros mencionada na Cláusula Primeira, será feita pela Segunda Outorgante à Primeira Outorgante através de quatro prestações, a liquidar de acordo com o seguinte plano de pagamentos:

Prestação           Montante           Data vencimento

1.ª          2.500.000,00 EUR            30-06-13

2.ª          2.000.000,00 EUR            30-11-13

3.ª          5.000.000,00 EUR            31-03-14

4.ª          7.467.299,90 EUR            30-06-14

 (…)

Cláusula Quarta

Sobre o capital em dívida referido na cláusula primeira, deverão incidir juros à taxa fixa de 3,5% calculados a partir de 1 de janeiro de 2012. A taxa de juro fixa foi baseada no somatório do indexante Euribor a 1 ano à data do acordo (2,0840% acrescido de um spread de 1,416 p.p.). Caso o indexante sofra uma alteração superior a 25%, durante a vigência do contrato, a taxa fixa e os juros deverão ser reajustados em conformidade, na exacta diferença do indexantes nas duas datas/períodos comparadas.

Assim, o cálculo dos juros a pagar nas datas de vencimento das várias prestações serão os seguintes:

Prestação           Capital em dívida             Prestação           Juros     Datas    Nr Dias

1.ª prestação     16.967.299,90    2.500.000,00      N.a.       30-06-13              N.a.

2.ª prestação     14.467.299,90    2.000.000,00      215.201,09          30-11-13              153

3.ª prestação     12.467.299,90    5.000.000,00      146.663,93          31-03-14              121

4.ª prestação     7.467.299,90       7.467.299,90      66.064,86             30-06-14              91

 Caso a Segunda Outorgante consiga efectuar pagamentos antecipados no todo ou em parte, em qualquer dos momentos de vigência deste contrato, os juros serão reajustados em conformidade, não existindo igualmente qualquer penalidade por motivo desta antecipação.»

r) A 31 de dezembro de 2013, a Requerente apresentava um saldo devedor no montante de € 16.400.893,14 na rubrica “Acionistas/sócios”, em resultado de diversos empréstimos concedidos à empresa-mãe “D..., SGPS, S.A.”. [cf. PA] 

s) Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado q), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011 e de 2012, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “D..., SGPS, S.A.”, não era provável e, portanto, não era expectável para a Requerente que, no decurso do ano de 2013, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. [cf. declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]  

t) No decurso do ano de 2013, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. [cf. PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]   

u) A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2013, qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. [cf. PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]    

v) A 3 de janeiro de 2013, entre a Requerente e a “E..., S.A. – E...”, foi celebrado um “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos do qual foi, além do mais, convencionado o seguinte [cf. PA]:

 «Considerandos

1 – O montante total em dívida por parte do E... à credora A... à data deste acordo é de 2.506.194,10 Euros.

2 – Este montante em dívida, na sua totalidade, provém de Depósitos Bancários (à Ordem e a Prazo) efectuados pela A... nas diversas contas bancárias abertas no E..., (…).

3 – Em 26 de fevereiro de 2009, 1 de março de 2010 e 12 de Outubro de 2011, foram assinados Acordos de Pagamento entre as partes, cujo pagamento se efectuaria pela dação de um imóvel, (…).

4 – Posteriormente, apesar de novo acordo assinado em 29 de Dezembro de 2010 com o escalonamento dos pagamentos em 7 prestações, somente as duas primeiras prestações vencidas em 31 de Dezembro de 2010 e 30 de Abril de 2001 respectivamente, foram efectivamente pagas.

(…)

5 – À data deste acordo, e perante a dificuldade do E... em efectuar o remanescente pagamento da prestação vencida em Dezembro de 2012, concluiu-se que seria melhor efectuar o reescalonamento da dívida e dos respectivos pagamentos de forma a dar cabal cumprimento da regularização da dívida.

(…)  

Cláusula Primeira

Com a celebração do presente acordo, o E... expressamente confessa ser devedor à A... da seguinte quantia – 2.506.194,10 Euros, com data efectiva desde 1 de Janeiro de 2013.

Cláusula Segunda

1. A A... o E... acordam que a liquidação total da quantia em dívida de 2.506.194,10 Euros mencionada na Cláusula Primeira, será feita pelo E... à A... através de cinco prestações, a liquidar de acordo com o seguinte plano de pagamentos:

Prestação           Montante           Data vencimento

1.ª          500.000,00 EUR                30-09-13

2.ª          500.000,00 EUR                31-03-14

3.ª          500.000,00 EUR                30-06-14

4.ª          500.000,00 EUR                30-09-14

5.ª          506.194,10 EUR                31-12-14

Cláusula Terceira

Sobre o capital em dívida referido na cláusula primeira, deverão incidir juros à taxa fixa de 4% calculados a partir de 1 de janeiro de 2012. A taxa de juro fixa foi baseada no somatório do indexante Euribor a 1 ano à data do acordo (2,084% acrescido de um spread de 1,916 p.p.). Caso o indexante sofra uma alteração superior a 25% em alta, durante a vigência do contrato, a taxa fixa e os juros deverão ser reajustados em conformidade, na exacta diferença do indexantes nas duas datas/períodos comparadas.

Assim, o cálculo dos juros a pagar nas datas de vencimento das várias prestações serão os seguintes:

Prestação           Capital em dívida             Prestação           Juros     Datas    Nr Dias

1.ª prestação     2.506.194,10       500.000,00          N.a.       30-09-13              N.a.

2.ª prestação     2.006.194,10       500.000,00          40.569,70             31-03-14              182

3.ª prestação     1.506.194,10       500.000,00          15.229,30             30-06-14              91

4.ª prestação     1.006.194,10       500.000,00          10.285,54             30-09-14              92

5.ª prestação     506.194,10          506.194,10          5.174,43               31-12-14              92

 Caso o E... consiga efectuar pagamentos antecipados no todo ou em parte, em qualquer dos momentos de vigência deste contrato, os juros serão reajustados em conformidade, não existindo igualmente qualquer penalidade por motivo desta antecipação.»

w) A 31 de dezembro de 2013, a Requerente apresentava um saldo devedor no montante de € 2.506.194,10, com data efetiva desde 1 de janeiro de 2013, na rubrica “Outras contas a receber”, em resultado de diversos empréstimos concedidos à “E...”. [cf. PA] 

x) Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado v), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011 e de 2012, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “E...”, não era provável e, portanto, não era expectável para a Requerente que, no decurso do ano de 2013, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. [cf. declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]   

y) No decurso do ano de 2013, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “E...”. [cf. PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]   

z) A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2013, qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “E...”. [cf. PA, declarações de parte e depoimentos das testemunhas da Requerente]    

aa) Em exercícios posteriores ao ano de 2013, a Requerente recebeu integralmente os referenciados montantes de capital e de juros que lhe eram devidos pela “D..., SGPS, S.A.” e pela “E...”, tendo então a Requerente reconhecido contabilisticamente os respetivos rendimentos de juros e sujeitado os mesmos a imposto (IRC). [cf. declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]      

bb) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial (inicialmente, IRC e IVA e, posteriormente, IRC, IVA e retenções na fonte de IRC), relativo ao ano de 2013, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária – constante do documento n.º 7 anexo ao PPA e do PA e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido – do qual importa respigar os seguintes segmentos:

«III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável/Imposto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(…)

 

 

 

 

 

 

(…)

 

(…)

 

 

 

 

 

 

 

 

(…)»

cc) A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, através de ofício n.º ..., datado de 07.08.2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., remetido por carta registada. [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA e PA]     

dd) Na sequência da sobredita ação inspetiva, a AT emitiu e notificou à Requerente – além de outros atos tributários que não importa agora considerar – a liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., a liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2017 ..., todas relativas ao ano de 2013 e das quais resultou o montante total a pagar de € 6.480.502,32 (seis milhões quatrocentos e oitenta mil quinhentos e dois euros e trinta e dois cêntimos) – sendo € 5.752.951,04 de imposto e € 727.551,28 de juros compensatórios –, com data limite de pagamento em 13.10.2017. [cf. documentos n.ºs 2, 3 e 4 anexos ao PPA]

ee) Em 28 de novembro de 2017, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra – além de outros que aqui não importa considerar – os atos tributários elencados no facto provado anterior – cujo requerimento inicial consta do PA e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2017... e correu termos na Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de ....

ff) A mencionada reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças Adjunto (por delegação de competências) da Direção de Finanças de ..., datado de 07.09.2018, nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA]    

gg) A Requerente foi notificada do aludido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, através do ofício n.º ..., datado de 21.12.2018, da Direção de Finanças de ..., remetido por carta registada. [cf. PA]

hh) Em 25 de janeiro de 2019, a Requerente interpôs recurso hierárquico contra a aludida decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cujo requerimento inicial consta do PA e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, o qual foi autuado sob o n.º ...2019... e correu termos na Direção de Serviços de IRC.  

ii) O mencionado recurso hierárquico foi parcialmente indeferido por despacho, datado de 26.08.2020, da Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária IR (por subdelegação de competências), com os fundamentos constantes da Informação n.º I2020000507, de 15.06.2020, da DSIRC que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo sido revogada parcialmente a decisão recorrida e, nessa medida, foi decidido o seguinte que aqui importa considerar [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]:   

(i) o indeferimento do pedido quanto às correções fiscais efetuadas, referentes a “Estimativas de reserva de manutenção interna” (€ 17.562.249,94); e

(ii) o indeferimento do pedido relativamente às correções fiscais efetuadas a título de juros associados aos empréstimos concedidos pela Requerente à “D... SGPS, S.A.” (€ 562.243,91) e à “E...” (€ 76.021,22).

jj) A Requerente foi notificada do aludido despacho de indeferimento parcial do recurso hierárquico, através de ofício, datado de 26.08.2020, da Direção de Serviços de IRC, remetido por carta registada. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA] 

kk) Em execução da decisão de indeferimento parcial do sobredito recurso hierárquico, a AT emitiu e notificou à Requerente a liquidação de IRC n.º 2020 ..., a liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., todas relativas ao ano de 2013 e das quais resultou o montante total a pagar de € 6.300.164,34 (seis milhões trezentos mil cento e sessenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos), sendo € 5.592.859,19 de imposto e € 707.305,15 de juros compensatórios. [cf. documento n.º 2 anexo ao requerimento apresentado pela Requerente, em 30.12.2020]

ll) A Requerente não procedeu ao pagamento dos montantes de imposto e de juros compensatórios liquidados nos atos tributários referenciados no facto provado aa), pelo que lhe foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2017..., visando a cobrança coerciva do montante global de € 6.516.288,01, correspondente ao somatório dos seguintes valores unitários: € 6.480.502,32, a título de IRC e juros compensatórios; € 14.107,26, a título de juros de mora; e, € 21.678,43, a título de custas. [cf. PA]    

mm) No âmbito do aludido processo de execução fiscal, foi autorizado o pagamento em prestações da divida exequenda e, consequentemente, foi aprovado o Plano de Pagamento n.º ... 2018 ..., nos termos do qual foram autorizadas 36 (trinta e seis) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 154.899,31 (cento e cinquenta e quatro mil oitocentos e noventa e nove euros e trinta e um cêntimos), cada uma. [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA e PA]  

nn) A Requerente cumpriu pontualmente o mencionado plano de pagamento prestacional, tendo pago a totalidade das aludidas prestações mensais. [cf. documentos n.ºs 9 a 34 anexos ao PPA e os documentos juntos aos autos, pela Requerente, em 30.12.2020, 25.01.2021, 25.02.2021, 20.04.2021, 07.05.2021, 07.06.2021, 07.07.2021, 29.07.2021 e 13.10.2021 (cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD)]

oo) No dia 27 de novembro de 2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

14. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

15. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Relativamente às declarações de parte prestadas pelo administrador da Requerente – G..., CFO da Requerente, inquirido à factualidade vertida nos artigos 11.º, 13.º, 15.º a 17.º, 187.º, 188.º, 194.º, 195.º, 208.º a 210.º, 221.º a 226.º, 230.º a 234.º, 237.º, 243.º a 245.º, 254.º, 257.º e 266.º do PPA –, importa começar por salientar que este assumiu uma postura franca e respondeu de forma aberta e objetiva a tudo quanto lhe foi perguntado.

As suas declarações reiteraram, corroborando, a factualidade constante dos indicados artigos do PPA que balizaram o seu depoimento e, nessa medida, isolada ou conjuntamente com outros meios de prova, sustentam o juízo formulado quanto aos factos considerados provados relativamente aos quais são mencionadas.

No tocante à prova testemunhal produzida, as testemunhas arroladas pela Requerente – H..., contabilista certificado, a trabalhar desde 2006 na Direção Financeira da Requerente (inquirido à factualidade constante dos artigos 11.º, 13.º, 15.º a 17.º, 187.º, 188.º, 194.º, 195.º, 208.º a 210.º, 221.º a 226.º, 230.º a 234.º, 237.º, 243.º a 245.º, 254.º, 257.º e 266.º do PPA) e I..., revisor oficial de contas (inquirido no âmbito do processo n.º 701/2020-T, tendo sido requerido e admitido o aproveitamento desta prova, ao abrigo do disposto no artigo 421.º, n.º 1, do CPC e, consequentemente, ordenada a junção a este processo da gravação dessa inquirição) – depuseram de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas, pelo que os seus depoimentos nos mereceram total credibilidade.

Os respetivos depoimentos sustentam, isolada ou conjuntamente com outros meios de prova, o juízo formulado quanto aos factos considerados provados relativamente aos quais é feita menção a esses depoimentos.

No tocante aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerida – J..., Inspetora Tributária nos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., que efetuou a aludida ação inspetiva à Requerente e, por consequência, elaborou o respetivo Relatório de Inspeção Tributária (inquirida à matéria de facto atinente às sobreditas correções respeitantes às reservas internas de manutenção) e K..., Inspetora Tributária nos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., que acompanhou como coordenadora a dita ação inspetiva à Requerente (inquirida à matéria de facto atinente às sobreditas correções respeitantes aos empréstimos concedidos à “D... SGPS, S. A.” e ao “E...”) –, limitaram-se, essencialmente, a reiterar o vertido no predito Relatório de Inspeção Tributária, nada tendo acrescentado de substancialmente novo e, portanto, com relevo para o esclarecimento da factualidade em apreço neste processo.

 

                III.2. DE DIREITO

                §1. O THEMA DECIDENDUM

16. As questões jurídico-tributárias que estão no epicentro do dissidio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, emergem dos vícios de natureza formal e material que a Requerente imputa aos atos tributários controvertidos e são as seguintes:

a) a insuficiente fundamentação dos atos de liquidação;

b) a preterição de formalidade legal essencial;

c) a falta ou insuficiência de fundamentação do RIT;

d) a violação das regras do ónus da prova no procedimento tributário;

e) a (i)legalidade dos atos de liquidação de IRC e de indeferimento parcial do recurso hierárquico controvertidos, por vícios de violação de lei subjacentes às seguintes correções à matéria tributável de IRC, referente ao exercício de 2013:

(i) a correção no montante de € 562.243,91, correspondente aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à “D... SGPS, S. A.”;

(ii) a correção no montante de € 76.021,22, correspondente aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à “E...”; e,

(iii) a correção no montante de € 17.562.249,94, correspondente à desconsideração como gastos do período das reservas internas de manutenção constituídas pela Requerente;

f) a (i)legalidade do ato de liquidação de juros compensatórios.

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

17. Como resulta do agora exposto, a Requerente alega que os atos tributários controvertidos padecem quer de vícios formais, quer de vícios materiais, sustentando dessa forma a pretendida declaração de ilegalidade e consequente anulação dos mesmos.

O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui o seguinte: 

Artigo 124.º

Ordem de conhecimento dos vícios na sentença

1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

A propósito desta norma, Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 340 e 341) afirma o seguinte:

«No n.º 1 deste artigo, determina-se que o tribunal conhecerá prioritariamente dos vícios de inexistência ou de nulidade do acto impugnado e só depois dos vícios sancionados com anulabilidade.

O estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios, tem como pressuposto que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem de conhecimento.

Isto significa, assim, que o reconhecimento da existência de um vício leva a considerar prejudicados o conhecimento dos restantes, (…).

Trata-se, na verdade, de uma regra que só se pode justificar quando o reconhecimento da existência de um vício impeça definitivamente a renovação do acto, pois, se esta for possível em face do vício reconhecido, será necessário apreciar os restantes, uma vez que o conhecimento destes poderá levar à anulação com base num vício que impeça tal renovação.

(…)

Com esse objectivo de assegurar a melhor protecção para o impugnante, se estabelece que, em cada um dos grupos de vícios referidos (inexistência e nulidade, por um lado, e anulabilidade, por outro) o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos [alínea a), do n.º 2 do art. 124.º do CPPT].   

No que concerne aos vícios que constituam anulabilidade, estabelece-se o mesmo critério, excepcionando apenas os casos em que o impugnante tenha estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao acto (como é permitido pelo art. 101.º do CPPT), em que é dada primazia à sua vontade, se for ele o único impugnante ou, sendo mais que um, todos tenham estabelecido a mesma relação de subsidiariedade.»

Revertendo para o caso dos autos, afigura-se-nos inequívoco que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade dos atos tributários controvertidos, nem tão pouco a Requerente estabeleceu uma ordem de prioridade para esse conhecimento; por isso, entendemos que a máxima eficácia na tutela dos interesses da Requerente impõe o conhecimento prioritário dos invocados vícios de violação de lei e, posteriormente, se e na medida em que tal se vier a justificar face ao decidido quanto a estes, serão conhecidos os alegados vícios formais. 

 

§2. AS CORREÇÕES REFERENTES AOS JUROS NÃO CONTABILIZADOS PELA REQUERENTE, DECORRENTES DOS EMPRÉSTIMOS CONCEDIDOS À “D... SGPS, S. A.” E À “E...”

               

                §2.1. O ENQUADRAMENTO LEGAL

 

A. DO BLOCO NORMATIVO APLICÁVEL

18. A apreciação jurídico-tributária da situação sub judice tem, necessariamente, de iniciar pela delimitação do bloco normativo aplicável, para o que é necessário convocar as normas legais que se afiguram concretamente relevantes, as quais serão consideradas na redação em vigor à época dos factos.

                Assim, cumpre desde logo atender às seguintes normas:

Código do IRC

Artigo 3.º

Base do imposto

                1. O IRC incide sobre:

                a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;

                (…)

                2. Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.

 

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

                1. O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

                (…)

                3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

                a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

                b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeita ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

                1. Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

                2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)

 

Artigo 20.º

Rendimentos e ganhos

                1. Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

                (…)

c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

 

Artigo 123.º

Obrigações contabilísticas das empresas

                1. As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.

                (…)

 

Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística

(Aviso n.º 15652/2009, de 7 de setembro)

Pressupostos Subjacentes

Regime do acréscimo (periodização económica)

                22. A fim de satisfazerem os seus objectivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. (…)

Rendimentos

72. A definição de rendimentos engloba quer réditos quer ganhos. Os réditos provêm do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade sendo referidos por uma variedade de nomes diferentes incluindo vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e rendas.

73. Os ganhos representam outros itens que satisfaçam a definição de rendimentos e podem, ou não, provir do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade. Os ganhos representam aumentos em benefícios económicos e como tal não são de natureza diferente do rédito. (…)

Reconhecimento dos elementos das demonstrações financeiras

80. Reconhecimento é o processo de incorporar no balanço e na demonstração dos resultados um item que satisfaça a definição de um elemento e satisfaça os critérios de reconhecimento estabelecidos no parágrafo 81. (…)

81. Um item que satisfaça a definição de uma classe deve ser reconhecido se:

(a) For provável que qualquer benefício económico futuro associado com o item flua para ou da entidade; e

(b) O item tiver um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.

(…)

Probabilidade de benefícios económicos futuros

83. O conceito de probabilidade é usado nos critérios de reconhecimento para referir o grau de incerteza em que os benefícios económicos futuros associados ao item fluirão para, ou de, a entidade. O conceito está em harmonia com a incerteza que caracteriza o ambiente em que uma entidade opera. As avaliações do grau de incerteza ligadas ao fluxo de benefícios económicos futuros são feitas com base nas provas disponíveis aquando da preparação das demonstrações financeiras. Por exemplo, quando for provável que uma dívida a receber devida por uma entidade venha a ser paga, é justificável então, na ausência de provas em contrário, reconhecer a dívida a receber como um activo. (…)

Reconhecimento de activos

87. Um activo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.

(…)

Reconhecimento de rendimentos

90. Um rendimento é reconhecido na demonstração dos resultados quando tenha surgido um aumento de benefícios económicos futuros relacionados com um aumento num activo ou com uma diminuição de um passivo e que possa ser quantificado com fiabilidade. Isto significa, com efeito, que o reconhecimento dos rendimentos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de aumentos em activos ou com diminuições em passivos (…).

 

Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF)

(Aviso n.º 15655/2009, de 7 de setembro)

NCRF 20 – Rédito

                Esta Norma Contabilística e de Relato Financeiro tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 18 – Rédito, adoptada pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro.

(…)

                Objectivo

1. O objectivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento contabilístico de réditos, entendidos como os rendimentos que surgem no decurso das actividades ordinárias de uma entidade, como, por exemplo, vendas, honorários, juros, dividendos e royalties.

A questão primordial na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo. O rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados. Esta Norma identifica as circunstâncias em que estes critérios serão satisfeitos e, por isso, o rédito será reconhecido.

Âmbito

2. Esta Norma deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transacções e acontecimentos seguintes:

(…)

c) Uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos.

(…)

5. O uso, por outros, de activos da entidade dá origem a rédito na forma de:

a) Juros – encargos pelo uso de dinheiro ou seus equivalentes ou de quantias devidas à entidade;

(…)

Reconhecimento do rédito

(…)

Juros, royalties e dividendos

29. O rédito proveniente do uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos deve ser reconhecido nas bases estabelecidas no parágrafo 30, quando:

a) Seja provável que os benefícios económicos associados com a transacção fluam para a entidade; e

b) A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada.

30. O rédito deve ser reconhecido nas seguintes bases:

a) Os juros devem ser reconhecidos utilizando o método do juro efectivo;

(…)

33. O rédito somente é reconhecido quando seja provável que os benefícios económicos inerentes à transação fluam para a entidade. (…)

 

                B. DA RELAÇÃO ENTRE A CONTABILIDADE E A FISCALIDADE

19. Como é dito por Saldanha Sanches, encontramos proclamado na Constituição, «sem ambiguidades e com muito poucas restrições, o direito subjectivo dos sujeitos passivos de IRC – as empresas – a serem tributados segundo o seu lucro real – artigo 104.º, n.º 2. (…)

                O lucro real é um conceito-chave do direito constitucional fiscal das empresas, tal como as necessidades e os rendimentos do agregado familiar o são em relação às pessoas singulares. (…)

                A tributação do lucro efectivo ou real das empresas constitui um processo complexo que implica a atribuição do processo de determinação do facto tributário ao sujeito passivo. O imposto será determinado não apenas com base na declaração do sujeito passivo, mas também com base num conjunto de elementos de prova por este recolhidos e que constituem a sua escritura comercial (documentos que justificam os lançamentos contabilísticos). (…)

A determinação dos lucros passa a ser feita de acordo com o balanço e a elaboração do balanço passa a ser o objecto de um conjunto de normas fiscais, as quais fazem com que, a partir do modelo de balanço criado e regulado pelo Direito Comercial (o balanço comercial), surja um balanço fiscal. (…)

Temos, pois, o balanço fiscal como balanço comercial corrigido, tal como se encontra determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC. O balanço fiscal é suportado pelo mesmo sistema de recolha e registo de informação que vai conduzir ao balanço comercial.

(…)

As normas criadas pelo Código do IRC para a tributação das empresas segundo a sua contabilidade têm, como sentido fundamental, criar limites às faculdades de escolha do decisor contabilístico, no sentido de evitar comportamentos abusivos e tornar mais fácil o controlo fiscal das empresas.

(…)

Por exemplo, quando o Código do IRC definiu, no seu artigo 18.º, sob a epígrafe “A Periodização do Lucro Tributável”, regras sobre o exercício em que os custos ou proveitos da empresa devem ser considerados, criou normas que são vinculativas na área do direito Fiscal e na área do Direito Comercial. (…)

O conceito de lucro tributável é, pois, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa (o balanço torna-se uma factispécie tributária) onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas. (…)

É da natureza funcional do balanço que resulta que qualquer variação patrimonial que seja realizada deve, em princípio, reflectir-se no aumento ou diminuição do lucro tributável.”  

É por isso que, segundo o mesmo autor, “[o] principal dever de cooperação das empresas – uma vez que actua como um pressuposto para o cumprimento das restantes – é a exigência contida no artigo 98.º [artigo 123.º, na redação aqui aplicável] do Código do IRC (…)». 

Nesta senda, Rui Duarte Morais afirma que reside aqui a explicação para «que a lei fiscal assuma o lucro contabilístico como o “valor” de onde se deve partir no apuramento do lucro tributável, ou seja, consagre um modelo de dependência parcial entre lucro contabilístico e lucro tributável.

Porém, estas duas “visões” do lucro não se identificam, pelo que os valores do lucro contabilístico e do lucro fiscal dificilmente coincidirão. Não porque correspondam a realidades substancialmente diversas, mas, apenas, por ser diferente o prisma de avaliação (os concretos interesses em causa) que preside à quantificação de cada um deles.»    

                A este propósito, Clotilde Celorico Palma diz que «o modelo de dependência parcial é a forma ideal de apuramento do lucro fiscal, dado que a Contabilidade, na precisa descrição do comportamento global da empresa, quantifica fielmente o lucro empresarial. Lucro contabilístico e lucro fiscal não se contrapõem como realidades distintas, podendo o rédito fiscal repousar sobre as regras contabilísticas, compatibilizando-se e salvaguardando-se os respecivos interesses específicos.»  Nesta conformidade, ainda segundo a mesma autora, «o resultado contabilístico é a base geral e o ponto de partida do lucro tributável, sendo posteriormente submetido a ajustamentos extra contabilísticos positivos e negativos tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. Ou seja, neste caso, a determinação da matéria colectável realiza-se por dois patamares. Num primeiro, pela aceitação acrítica das regras contabilísticas de apuramento do resultado líquido, que funcionam como um prius relativamente à regulação fiscal do balanço, numa segunda fase prevêem-se correcções devidas a autónomas valorações da lei fiscal.»  A mesma autora conclui, então, que o «conceito de lucro tributável entre nós, é, assim, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa – o balanço torna-se um factispécie tributário – onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas.»    

                No mesmo sentido, Manuel Henrique de Freitas Pereira diz que «a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípios que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados.»

                Ainda a este propósito e em igual sentido, Filipe de Vasconcelos Fernandes afirma que, «quanto ao apuramento do lucro tributável, a relação entre o Direito Fiscal e o Direito Contabilístico, repousa sobre uma relação de dependência parcial, na qual o resultado contabilístico é a base e o ponto de partida para a determinação do lucro tributável, sendo este último submetido a ajustamentos extracontabilísticos, de ordem positiva e negativa, tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. (…) determinadas normas fiscais podem assim ser consideradas normas contabilísticas, no sentido de normas jurídicas que exprimem ou concretizam princípios contabilísticos: princípios que se tornam vinculativos para as empresas pela sua transformação em normas jurídicas, isto é, pela sua positivação; veja-se o caso da especialização de exercícios, atualmente constante no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC. (…) balanço fiscal torna-se um Tatbestand, por intermédio do qual o sistema fiscal português acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas, sem abdicar da construção de um pressuposto normativo de incidência especificamente fiscal.”  Assim, segundo o mesmo Autor, “[a]o repousar numa expressa remissão para o Direito Contabilístico, a lei fiscal procede a uma receção da técnica contabilística, atribuindo-lhe os efeitos de uma inclusão na normatividade fiscal, sob o espetro de uma relação de dependência parcial que cabe aos sujeitos passivos respeitar e oferecer concretização.»  

 

C. DO PRINCÍPIO DA PERIODIZAÇÃO ECONÓMICA

                20. O princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios está positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC e traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.

No n.º 2 daquele mesmo artigo 18.º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses» ; desta forma, «a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.» 

                Como é mencionado por Tomás Cantista Tavares, «a periodização temporal dos proveitos e dos gastos é uma característica imanente à noção de rendimento. O rédito obtém-se pela comparação entre dois pontos temporais definidos. (…)

                A periodização do rendimento das sociedades encaixa-se, assim, em dois magnos princípios que se interpenetram numa relação de complementaridade – e por vezes de contraposição: por um lado, o conjunto das regras técnicas e operacionais que definem a imputação temporal das componentes positivas e negativas do rendimento, aglutinadas no chamado princípio prático da especialização dos exercícios ou, na actual nomenclatura, no princípio do acréscimo. Por outro lado, o princípio material da justiça, concretizado, em grande medida, na regra da solidariedade dos exercícios, onde na constatação da real continuidade do rendimento, se permite uma certa interpenetração entre os vários períodos temporais, que não funcionam assim como compartimentos completamente estanques. (…)

                O princípio da especialização dos exercícios (do acréscimo ou da periodização económica) tem fonte contabilística [parágrafo 22 da Estrutura Conceptual] e reprodução tributária.» 

A importância e razão de ser do princípio da periodização económica resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente:

                a) Diferir no tempo os lucros;

                b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;

c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).»   

                Efetivamente, existem, «em abstracto, dois tipos de erros fiscais ligados à imputação temporal das componentes positivas e negativas do rédito ao exercício competente:

                - a omissão ou esquecimento (erro voluntário ou involuntário): conhece-se a regra, que é indisputável, mas por algum motivo (ilegítimo ou justificado) não se regista o proveito ou o custo no ano devido;

                - a álea ou abertura interpretativa: errónea inscrição temporal dum proveito ou um custo, efectuada, todavia, com base numa interpretação plausível da regra fiscal (geral ou específica) da especialização dos exercícios, regra essa que possui um conteúdo aplicativo equívoco (ou não concludente) diante do caso concreto.» 

É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito.

                Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt). Como afirma Rui Duarte Morais, «a imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos.»  

Não obstante o que se vem de dizer, como salienta Tomás Cantista Tavares, os tribunais nacionais já se confrontaram «com o problema da compaginação entre o interesse tributário e os erros contabilísticos e fiscais da especialização dos exercícios. Com a questão da hipotética aceitação fiscal (e, em caso afirmativo, sob que condições) duma errónea inscrição contabilística, em violação formal do princípio da especialização dos exercícios; com a admissibilidade do registo fiscal de um custo ou de um proveito num ano diverso (anterior ou posterior) ao da sua correcta imputação temporal.

                A Jurisprudência gira em torno de duas teses antagónicas:

                a) a corrente primitiva, de cariz formal e legalista, não admite quaisquer violações do princípio da especialização de exercícios;

                b) a tese actual, de cariz material, aceita a violação formal do princípio da especialização, desde que essas inscrições erróneas não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

                (…)

                Esta corrente jurisprudencial [a tese primitiva] não pactua com a violação da regra legal da especialização de exercícios. Não aceita a inscrição duma rubrica (positiva ou negativa) do rendimento, em exercício diverso do que lhe compete. Fica-se pelo mero enunciado do princípio. Sobrevaloriza-o face à ponderação doutros factores de justiça material, como a interferência em exercício alheio ao objecto do processo ou ao atendimento de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação plausível dum comando complexo).

                (…)

                A Jurisprudência consente, actualmente, a violação formal do princípio da especialização de exercícios, desde que não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. Aceita a inscrição dum custo ou proveito em exercício diverso do que lhe competia, por intervenção de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição).

(…)

A tese actual (…) rompe com o facilitismo do formalismo legalista. Procura a solução material e justa. Faz prevalecer um princípio estrutural (capacidade contributiva) sobre uma regra operacional (especialização de exercícios). O seu ponto de partida é irrepreensível: se a sociedade incorreu num verdadeiro custo, esse decaimento tem de modelar, obrigatoriamente, o rédito fiscal. A convenção formal da especialização não tem o condão de impedir o efeito material, nem de torná-lo excessivamente oneroso ou complexo. O mesmo se passa, mutatis mutandis, com os proveitos. Contribuem uma só vez para o lucro (…)»  

                Com efeito, constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que a rigidez do princípio da especialização dos exercícios tem de ser temperada com a invocação do princípio da justiça – nomeadamente, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado –, o qual funcionará então como uma válvula de escape. Neste sentido, ficou lapidarmente consignado o seguinte no acórdão proferido em 19.11.2008, no processo n.º 0325/08 :

                «O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Embora estes princípios constitucionais tenham um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei, a sua relevância não se esgota nos actos praticados no exercício desses poderes discricionários.

Na verdade, por um lado, o texto do art. 266.º da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa, pelo que, em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade.

Por outro lado, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do CC).

Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário.

Tanto são normas legais a primeira parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP, que impõe à Administração a observância do princípio da legalidade (…), como a sua segunda parte em que se prevêem os outros princípios e que generalizadamente impõem os modelos de actuação de toda a actividade administrativa, como também é uma norma legal a que, em determinada situação específica, prevê uma determinada actuação da Administração, designadamente, no caso em apreço, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º, n.º 1, do CIRC).

Por isso, para definir a legalidade a que a Administração está vinculada, terão de se ter em conta todas essas normas e fazer uma ponderação e escolha entre elas caso a sua aplicação global, abstractamente compatível, se demonstre inviável em determinada situação concreta.

Assim, (…), do referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes.

Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.

Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.»

Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul da seguinte forma :

«I - O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II - Tal princípio sofre as excepções, previstas na lei, quais sejam: nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (artigos 18.º, n.ºs 2 e 5 e 19.º do CIRC); nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.»   

 

«I. O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios, tendo em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um. Este princípio, consagrado no POC sob a designação de princípio de efectivação dos encargos, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II. Este princípio da especialização dos exercícios surge como corolário do princípio da anualidade dos tributos, sendo ele o garante da tributação real, se tivermos em vista que com a imposição do tributo em causa se visa agravar apenas o fluxo de rendimento gerado num determinado período de tempo: razão pela qual apenas a esse período se deverão imputar os custos nele efectivamente suportados.

III. Todavia, a lei admite (por força de um outro princípio – o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.»

Na jurisprudência tributária do CAAD, também constatamos o mesmo sentido decisório, entre outros, nos acórdãos proferidos em 24/11/2014, no processo n.º 367/2014-T, em 22/01/2016, no processo n.º 262/2015-T, em 29/04/2016, no processo n.º 588/2015-T, em 15/12/2017, no processo n.º 244/2017-T e em 24/10/2017, no processo n.º 233/2017-T, respigando-se aqui o seguinte segmento deste último aresto: 

«(…) Questão da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios

O princípio da justiça, invocado pela Requerente, é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração Tributária ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando delas decorra um resultado manifestamente injusto.

A aplicação do princípio da justiça será de sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios nos casos em que do incumprimento não tenha resultado prejuízo para o erário público e aquele não tenha sido concretizado intencionalmente com o objectivo de obter vantagens fiscais.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), (…), desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios».

A própria Administração Tributária há muito reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:

“Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.”

(…)

Nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que deva prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios são situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios. Em situações desse tipo, não se pode justificar que seja infligida ao contribuinte uma maior oneração fiscal, em nome de um respeito fetichista e acrítico pela observância da legalidade e à margem de qualquer perspectiva de prossecução do interesse público, que é o dever primacial a observar pela Administração Pública, como decorre do n.º 1 do artigo 266.º da CRP.»

Acompanhando este entendimento jurisprudencial, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa  preconizam a seguinte posição quanto à aplicação do princípio da especialização dos exercícios:

«Quando há divergência entre o critério do contribuinte e o da administração fiscal sobre a imputação de determinado ganho ou perda a determinado exercício esta deve proceder a correcção da matéria colectável, fazendo acrescer o proveito ou custo ao ano a que entende que ele deve respeitar e, correspondentemente, deveria abater tal proveito ou custo à matéria colectável do ano ao qual o contribuinte a imputou.

Com este procedimento, não haverá qualquer situação de injustiça, pois ao acréscimo de imposto em determinado ano, corresponderá uma diminuição tendencialmente semelhante noutro, não havendo, assim, tributação de um mesmo proveito em dois exercícios ou não dedução em qualquer deles de um custo que deva ser considerado.

  Porém, em certas situações em que a correcção é efetuada no último ano em que pode ser feita e tem por objecto um custo que deveria ter sido considerado no exercício anterior, não é já (ou pode não ser já) possível corrigir a matéria colectável desse anterior ano, por ter já transcorrido o prazo em que podiam ser efectuadas correcções. O mesmo sucede quando, embora no momento em que a administração fiscal faz a alteração da matéria colectável fosse possível efectuar a correspondente correcção no ano a que se entende ser de imputar os custos, ela não o faz e, com o decurso do tempo, se torna inviável fazê-lo.

Nestas condições, se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir.

Assim, no caso de não poder ser feita já a correcção relativamente ao ano anterior, o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não tinha direito.

Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça. 

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo.»                      

 

                §2.2. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

                21. Feito o necessário enquadramento legal e, dentro deste, analisada a relação entre contabilidade e fiscalidade e dissecado o princípio da periodização económica, estamos agora munidos dos elementos normativos, doutrinais e jurisprudenciais que nos habilitam a enfrentar o caso concreto e a dar resposta ao thema decidendum deste processo.

                No caso concreto, está comprovada a seguinte factualidade que importa, agora, convocar:

- Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado q), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011 e de 2012, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “D..., SGPS, S.A.”, não era provável e, portanto, não era expectável para a Requerente que, no decurso do ano de 2013, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. (facto provado s))

- No decurso do ano de 2013, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. (facto provado t))

- A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2013, qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. (facto provado u))

- Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado v), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011 e de 2012, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “E...”, não era provável e, portanto, não era expectável para a Requerente que, no decurso do ano de 2013, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. (facto provado x))

- No decurso do ano de 2013, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “E...”. (facto provado y))

- A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2013, qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “E...”. (facto provado z))

- Em exercícios posteriores ao ano de 2013, a Requerente recebeu integralmente os referenciados montantes de capital e de juros que lhe eram devidos pela “D..., SGPS, S.A.” e pela “E...”, tendo então a Requerente reconhecido contabilisticamente os respetivos rendimentos de juros e sujeitado os mesmos a imposto (IRC). (facto provado aa))

Há que salientar, desde logo, que não consta do probatório, nem do RIT, nem tão pouco vem alegado pela AT que o não reconhecimento contabilístico pela Requerente dos aludidos juros tenha tido em vista, ainda que indiretamente, a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo de lucros, fracionar os lucros ou concentrá-los num exercício para se poderem efetivar deduções mais elevadas.   

Por outro lado, como vimos, os rendimentos assim como as outras componentes positivas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC); sendo ainda que as componentes positivas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (artigo 18.º, n.º 2, do Código do IRC).   

                No caso sub judice, resulta do probatório que embora os ganhos com os juros advenientes dos aludidos empréstimos efetuados pela Requerente à “D... SGPS, S. A.” e à “E...” fossem determináveis, pois estavam expressamente convencionados os valores mutuados, os prazos dos pagamentos e as respetivas taxas de juro, havia uma total imprevisibilidade quanto ao respetivo recebimento, face ao contínuo incumprimento, pelas mutuárias, do pagamento dos valores devidos no âmbito dos referidos acordos de pagamento.

Nesta conformidade e tendo presente o sobredito enquadramento legal, não era exigível à Requerente reconhecer contabilisticamente os montantes de ganhos com juros apontados pela AT, no exercício de 2013, por não se afigurar provável que tais benefícios económicos fluíssem para a Requerente; com efeito, face às preditas circunstâncias então existentes, era totalmente imprevisível para a Requerente se e quando a “D... SGPS, S. A.” e a “E...” lhe iriam pagar algum valor, fosse a título de reembolso de capital, fosse a título de juros e, caso tal pudesse eventualmente acontecer, quais os concretos valores que lhe iriam ser pagos; acresce salientar que, como resultou provado e, aliás, nunca foi questionado pela AT, a Requerente não recebeu, efetivamente, qualquer valor respeitante àqueles juros, no decurso do exercício de 2013. Ademais, também não se descortina (nem, aliás, foi alegado) que, de alguma forma, desta atuação da Requerente haja resultado qualquer prejuízo para a Fazenda Pública, tanto mais que, como também ficou provado, em exercícios posteriores, a Requerente recebeu a totalidade dos montantes de capital e de juros que lhe eram devidos pela “D..., SGPS, S.A.” e pela “E...”, tendo então reconhecido contabilisticamente os respetivos rendimentos de juros e sujeitado os mesmos a imposto.

Destarte, pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não podemos escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça.

Como evidenciado pelas posições doutrinais e jurisprudenciais acima citadas, na ponderação dos valores em causa – por um lado, o princípio da periodização económica e, por outro lado, o princípio da justiça – é manifesto que, em caso de incompatibilidade, deve ser dada prevalência a este último princípio nos casos em que não tenha resultado prejuízo para o erário público e se constate que não estamos perante comportamentos voluntários e intencionais, com o objetivo de obter vantagens fiscais.

Ademais, importa ainda ter aqui bem presente o estatuído no citado artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC, no qual, como vimos, é estabelecida uma relação entre a contabilidade e a fiscalidade assente num modelo de dependência parcial, em que o resultado contabilístico é a base para a determinação do lucro tributável das empresas.

 

22. A Requerida, no âmbito das suas alegações, aduz o seguinte a propósito desta concreta questão jurídico-tributária:

«Admitir que a decisão de remeter o reconhecimento dos juros como rendimentos para os momentos em que os mesmos são recebidos, sem qualquer justificação atendível, tendo uma tal decisão provocado um efeito negativo no lucro tributável do exercício de 2013, sempre se estaria perante uma realidade em que se trataria de forma desigual as demais situações onde os sujeitos passivos observam o disposto na lei cumprindo com o princípio da especialização dos exercícios, em clara violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado nos artigos 13.º e 103.º da CRP, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.»   

Importa, desde logo, salientar que, no caso concreto, não se está a «remeter o reconhecimento dos juros como rendimentos para os momentos em que os mesmos são recebidos, sem qualquer justificação atendível», como resulta meridianamente evidenciado por tudo quanto anteriormente se deixou dito e que aqui se reitera; aliás, não fora a existência de uma «justificação atendível» e não seria possível – como é –, in casu, fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT.

Por outro lado e por identidade de razões, também não se mostra violado o princípio da igualdade tributária, expresso e concretizado pelo princípio da capacidade contributiva, o qual «opera tanto como condição, ou pressuposto, quanto como critério ou parâmetro da tributação. Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to spend). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical).» (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.10.2016, processo n.º 07347/14). Como afirmado pelo Tribunal Constitucional, «o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que «a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto.» E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um.» (acórdão n.º 197/2016, processo n.º 465/2015).

 

23. Nestes termos, procede o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, invocado pela Requerente relativamente às sobreditas correções efetuadas pela AT à matéria tributável de IRC do exercício de 2013, atinentes aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à “D... SGPS, S. A.” e à “E...”, pelo que, nessa medida, são inválidos os atos de liquidação de IRC controvertidos que, por isso, devem ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

24. O mesmo vício invalidante fulmina o ato de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019..., o que determina, igualmente e nessa medida, a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

 

§3. A CORREÇÃO NO MONTANTE DE € 17.562.249,94, CORRESPONDENTE À DESCONSIDERAÇÃO COMO GASTOS DO PERÍODO DAS RESERVAS INTERNAS DE MANUTENÇÃO

25. A este propósito, importa aqui respigar a seguinte factualidade que resultou comprovada:

¬- No período de vigência dos contratos de locação operacional, é da exclusiva responsabilidade da Requerente a obrigação de efetuar a manutenção e reparação das aeronaves e de todos os seus componentes de acordo com os programas de manutenção definidos pelas autoridades aeronáuticas, pelo fabricante ou por quaisquer outras entidades reguladoras que sejam necessárias para manter válido o certificado de navegabilidade das aeronaves. (facto provado m))

- Por esse motivo e por considerar que os valores que são pagos a título de reservas aos locadores não abrangem a totalidade dos encargos com a reparação e a manutenção das aeronaves que irá suportar no futuro, a Requerente estima, para cada aeronave, um valor anual de reservas internas de manutenção para fazer face aos respetivos gastos de manutenção e reparação, as quais são calculadas com base no critério de horas de voo e de ciclos de voo operados, por componente de cada aeronave, atendendo ao histórico de reparações e de custos de manutenção de aeronaves com as mesmas características. (facto provado n))

- Contabilisticamente, no final de cada período de tributação, a Requerente movimenta a conta “62262321 Operações isentas” por contrapartida da conta “27224 Fundo de reserv. manut.”, para reforçar ou reverter o valor estimado com as reservas de manutenção, sendo que, quando o gasto se torna efetivo, é debitada a conta “27224 Fundo de reserv. Manut.” e creditadas as correspondentes contas de fornecedores; no caso do valor das reservas de manutenção (pagas ao “lessor” e/ou as constituídas/reforçadas internamente) ser insuficiente, o remanescente é gasto no exercício em que o mesmo é suportado. (facto provado o))

- No decurso do exercício de 2013, a Requerente reforçou as reservas de manutenção das aeronaves, em regime de locação operacional, no montante total de € 17.562.249,94. (facto provado p))

 

26. Esta concreta questão jurídico-tributária, com os mesmos contornos fáticos aqui em apreço, foi já apreciada no processo arbitral que correu termos sob o n.º 701/2020-T, o qual teve por objeto, além do mais, liquidações de IRC e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2012, decorrentes de outra ação inspetiva de que foi alvo a Requerente.

No acórdão proferido naquele processo arbitral foi decidido, a este propósito, o seguinte (cf. documento anexo ao requerimento da Requerente, apresentado em 09.11.2021):

«C.4.7 (…) - Deverá ser anulada a correcção ao lucro tributável da Requerente, relativa à desconsideração do valor deduzido pela Requerente como custo, para efeitos fiscais, a título de reservas internas de manutenção?

 

C.4.7.1 - O fundamento das correcções promovidas pela AT:

Quer no relatório do procedimento de inspecção tributária, quer na decisão sobre o recurso hierárquico, é a questão da indispensabilidade do custo que surge como fundamento para a denegação da dedutibilidade do gasto.

À data dos factos, estabelecia assim o artigo 23.º do Código do IRC, na parte que aqui releva:

“1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…)”

Vejamos, pois.

 

C.4.7.2 - Interpretação jurisprudencial e doutrinal do conceito de “indispensabilidade” constante do artigo 23.º, do Código do IRC, à data dos factos:

Na abundante doutrina sobre este tema, mencione-se Tomás Tavares , que perfilha a tese segundo a qual a correcta interpretação do conceito de indispensabilidade é a que equipara gastos indispensáveis aos gastos incorridos no interesse da empresa, na prossecução das actividades resultantes do seu escopo societário.

Eis o trecho que reputamos de central em tal interpretação: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento, direto ou indireto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os gastos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa”.

E continua: “…A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer acto realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…” (p.136-137).

De salientar que “visar o lucro” não é equivalente a “ter necessariamente de originar lucro”. É certo que a actividade empresarial visa a obtenção de um excedente que remunere o capital investido. Mas os riscos próprios da actividade, o impacto da conjuntura, as inadequadas decisões de gestão, e outros factores, podem conduzir a negócios ruinosos. Tal constitui uma realidade bem conhecida do mundo empresarial.

Ainda no plano doutrinal, Rui Morais  sustenta que a regra da indispensabilidade dos gastos que se previa no CIRC não poderia servir para substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos gastos assumidos ou suportados, tal como resultaram das decisões dos gestores, por um outro juízo, também de natureza empresarial, feito pela administração tributária. Conclui o autor: “Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test (…). Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo (…). Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial (…) o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.) então tal custo não deve ser havido por indispensável.”

Num plano jurisprudencial, para além de inúmeras decisões dos tribunais afirmando que o teste da indispensabilidade dos gastos deve ser aferido pela relação destes com a actividade, desconsiderando apenas os que sejam incorridos no interesse de terceiros, veja-se a posição do Supremo Tribunal Administrativo (STA) expressa no âmbito Processo nº 0779/12, em Acórdão de 24-09-2014, onde tal tese surge com particular nitidez:

“No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. artigo 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como gastos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar rendimentos).

Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os gastos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”

Sustentando-se a tese de que os gastos fiscais são os resultantes da prossecução da actividade das empresas, do seu interesse próprio, inserindo-se no seu escopo social, não se afigura correcto exigir ainda aos gastos esse nexo de casualidade adicional.

O custo, sendo suportado no âmbito interesse da empresa, pode não vir a gerar rendimentos.

O STA também dilucida no citado Acórdão a questão do momento a que se deve reportar o juízo sobre a adequação dos gastos. Partindo do que se disse acerca do risco empresarial, é claro que o momento deve ser aquele em que se decide suportar esses gastos. A informação que serve de base às decisões que induzem gastos empresariais só poderá ser a que está disponível no momento em que se tomam. O que acontece depois está, em grande medida, fora do controlo do decisor, e não pode ser considerado como elemento para aferir da legalidade ou do acerto de decisão.

Assim, em face de tudo o que se disse, julgamos certa a conclusão segundo a qual se foi consolidando na doutrina e na jurisprudência a interpretação de gastos indispensáveis, no sentido do artigo 23º do CIRC, como sendo aqueles que respeitavam ou fossem contraídos no âmbito da prossecução dos interesses, ou do desenvolvimento da actividade, das entidades sujeitas ao imposto.

Ora, atendendo à factualidade dada como provada no caso em apreço, não tem o tribunal dúvidas de que os gastos contabilizados como estimativas de reservas de manutenção têm uma relação com a actividade da empresa Requerente. Tais gastos surgem por vida das reparações programáveis e exigíveis contratualmente, em função do número de ciclos de voo e de horas de voo; afinal indicadores que traduzem a actividade da Requerente.

Mais ainda, essas estimativas de gastos são efectuadas para cada aeronave, e vão até ao detalhe de algumas componentes (v.g., motores), e visam imputar a cada exercício as responsabilidades que nele emergem em função da actividade operacional das aeronaves e, portanto, da Requerente.

É da prossecução da actividade, ou do negócio da Requerente, que resulta a necessidade de reconhecer gastos e periodizar as reparações necessárias e programáveis, calculáveis por fórmulas que assentam na actividade de voo das aeronaves e na experiência passada de reparações idênticas, que a actividade da empresa implica.

Estando tais reparações relacionadas com determinados momentos temporais, não pode o facto de existirem discrepâncias entre a constituição de reservas e a sua utilização, constituir razão para negar a sua relação com a actividade operacional da Requerente.

É precisamente essa actividade que determina, num juízo de imputar a cada exercício os gastos que dele emergem por via das responsabilidades da Requerente para como os lessors, o registo de tais gastos.

Estando satisfeita, como o tribunal entende que está, esta relação das reservas registadas com a actividade da empresa, com o seu objecto empresarial, não tem base legal a correcção promovida pela AT, estribando-a no incumprimento da condição geral de dedutibilidade dos gastos prevista no artigo 23.º do CIRC.

Quanto ao tipo de suporte documental, sendo o gasto reconhecido assente em reparações programáveis, é natural que ele esteja suportado por documento interno, e não por facturas. A consistência de tais documentos internos não foi posta em causa pela Inspeção. A razão da correcção assentou na questão da indispensabilidade, como se evidenciou nos factos provados.

O tipo de prova documental, especialmente discutido na decisão sobre o RH, não pode constituir motivo para a recusa da dedução do gasto, atendendo à sua natureza económica e, por isso, ao documento que lhe teria de subjazer.

 

C.4.7.3 - A questão (tardia) do enquadramento no artigo 39.° do CIRC:

Como este Tribunal já deu como assente, é no incumprimento da condição de indispensabilidade do gasto que a AT fundamenta a correcção aqui discutida.

Porém, como mera extensão de análise (por abundância) e não como avaliação de um critério decisório central da AT, que já se tratou, entende o Tribunal tecer algumas considerações sobre o que se refere na Resposta da Requerida ao Direito de Audição e que se transcreve de seguida:

“ E demonstrando assim a não indispensabilidade, nos termos do artigo 23.° do CIRC, dos encargos suportados com as reservas de manutenção internas estimadas pela empresa.

O que significa, que ao contrário do referido no direito de audição, a AT não desconsiderou os limites dos montantes afetos a cada uma das rubricas que compõem as reservas de manutenção constituídas ao abrigo dos contratos de locação.

Quanto ao facto de o sujeito passivo alegar que as reservas foram constituídas no âmbito de uma atitude prudente e diligente, como resulta do princípio contabilístico da prudência, que possibilita integrar nas contas um grau de precaução ao fazer estimativas exigidas em condições de incerteza, é verdade que nada o impede de as criar contabilisticamente. No entanto, deverá ter sempre em atenção se existe norma fiscal que permita a aceitação dos valores subjacentes à constituição das mesmas.

Analisando o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 23.° (à data dos factos) do CIRC, consideram-se gastos os “Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões".

Porém, para cada uma dessas matérias existem condições e limites para que as mesmas possam ser aceites fiscalmente.

Ora, para o tema em apreço, ternas o artigo 39.° do CIRC que determina quais as provisões que podem ser deduzidas ao lucro tributável. E nesse sentido, atendendo à natureza da constituição das reservas internas de manutenção, verifica-se que as mesmas não têm enquadramento no artigo 39.° do CIRC.”

Sublinhe-se, de novo, que na Decisão de RH surge apenas o seguinte fundamento:

 

 

Com efeito, só na Resposta da Requerida, que não pode evidentemente valer como fundamentação da correcção, a Requerida desenvolveu a questão da natureza contabilística do gasto registado, discorreu sobre a possível aplicação da “NCRF 21-Provisões” conjugada com o artigo 39.º do Código do IRC, e concluiu que os fundamentos para a não dedutibilidade das reservas seriam dois: o artigo 23.º e o artigo 39.º, ambos do Código do IRC.

O que se diz na Resposta ao Direito de Audição trata do princípio da prudência, de estimativas, e da não aceitação pelo artigo 39º, caso o sujeito passivo tivesse registado provisões. Mas não discute a natureza económica e a tradução contabilística do gasto à luz da norma sobre as Provisões (NCRF 21), nem porque ele não deveria constar conta 62 e sim da conta 67 (Provisões do exercício).

A Requerida não desenvolve argumentação, nos documentos fundamentadores da correção, que, afastando eventualmente a veste contabilística do gasto, afirme a substância das reservas internas como sendo equiparáveis a provisões, colocando em causa os registos contabilísticos efetuados pela Requerente e a tradução económica dos factos subjacentes.

Não é possível dar o salto lógico que a AT dá na sua Resposta ao pedido arbitral, quando nem no RIT nem no RH a questão teve o tratamento que seria exigível para que o artigo 39º pudesse valer como fundamento.

Porém, sempre se refira, a título de mera análise complementar, que em face dos elementos de prova documental e testemunhal, se afigura ao tribunal que o grau de incerteza na tempestividade e na quantia dos dispêndios não é inteiramente coincidente com o de uma típica provisão, em face do que se deu como provado.

Nem se afigura ao Tribunal que seja consistente centrar a argumentação na norma geral sobre a dedutibilidade de gastos (artigo 23.º do Código do IRC) de forma exclusiva na decisão sobre o RH, e de forma quase absoluta no RIT (só marginalmente referindo, na Resposta ao direito de audição, a questão das provisões) e, depois, na Resposta do Pedido Arbitral desenvolver-se uma argumentação largamente focada na NCRF 21 e no artigo 39.º do Código do IRC, nos quais não assentou a fundamentação das correcções.

Acresce que, caso o RIT e a decisão sobre o RH tivessem centrado a discussão no artigo 39.º do Código do IRC, só o deveriam fazer depois de mostrarem, o que não foi feito, que a natureza económico-contabilística do gasto seria a de uma provisão, a registar na conta 67 do Plano de contas do SNC, e não uma estimativa de gasto registada na conta 62.

Além disso, da prova documental e testemunhal, conclui-se que estas reservas envolvem, tal como certos gastos registados noutras contas do SNC (v.g. Provisões), um certo grau de estimativa.

Porém, no caso dos autos, o exfluxo ou saída de recursos monetários para fazer face à obrigação não é só provável, mas sim certo.

Tanto mais que, contrariamente ao que, usualmente, sucede nas provisões, há neste caso uma correspondente retenção de meios financeiros para fazer face às obrigações.

Também o facto de que, como resultou da prova, estas “reservas” servem para reparações programadas.

Essa programação resulta de horas de voo, de ciclos de voo, e de determinações de Autoridades como a ... e até o fabricante ....

Tudo isto se afastando em certa medida do nível de incerteza que caracteriza as estimativas inerentes a uma típica provisão (v.g., para processos judiciais, ou para garantais a clientes). 

As reparações são ainda estimadas por componentes, também aqui surgindo um traço de especificidade e maior previsibilidade, que se não observa habitualmente nas provisões.

Existindo embora elementos de alguma incerteza, crê-se que o gasto aqui em causa se situa numa certa zona cinzenta, que nem o permite transformar, com inteira precisão, numa provisão, nem também num gasto com nível total de certeza. Mas a análise desenvolvida deste tema não foi feita nem no RIT nem no RH.

A discussão e prova que deveriam ser feitas para a respectiva eventual não-dedutibilidade, por via do artigo 39.º do Código do IRC, seria, de resto, mais exigente do que aquela que a Requerida aflorou na Resposta ao Direito de audição, e que nem sequer focou na decisão de RH.

O Tribunal, como já se assinalou, apenas tratou este ponto a benefício de extensão analítica, já que o que releva é a apreciação do fundamento invocado: o artigo 23.º do Código do IRC.

Assim, julga-se procedente, quanto às reservas de manutenção, o pedido arbitral.

Termos em que, quanto a esta parte, a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral deverá ser anulada.»

 

 27. Não vislumbramos qualquer motivo para divergirmos do entendimento adotado no citado acórdão arbitral que, por isso, aqui sufragamos – contribuindo, assim, para a obtenção de uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil) –, fazendo nossa, data venia, a citada argumentação fundamentadora ali vertida. 

 

28. Nestes termos, procede o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, invocado pela Requerente relativamente à sobredita correção efetuada pela AT à matéria tributável de IRC do exercício de 2013, atinente à desconsideração como gastos do período das reservas internas de manutenção, pelo que, nessa medida, são inválidos os atos de liquidação de IRC controvertidos que, por isso, devem ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

29. O mesmo vício invalidante fulmina o ato de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019..., o que determina, igualmente e nessa medida, a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

*

30. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Na situação sub judice, concluímos que os atos de liquidação de IRC controvertidos são inválidos por vícios de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, geradores de anulabilidade. Tendo sido aqueles os pressupostos subjacentes às liquidações de juros compensatórios controvertidas, estas enfermam de idêntico vício invalidante e, por consequência, devem ser anuladas.

*

31. Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade dos atos tributários controvertidos, por vícios de violação de lei que impedem a respetiva renovação nos termos em que foram praticados pela AT, com a sua consequente anulação, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos vícios formais alegados pela Requerente (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).   

 

§4. O REEMBOLSO DOS MONTANTES INDEVIDAMENTE PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

32. Neste conspecto, resultou provada a seguinte factualidade:

- A Requerente não procedeu ao pagamento dos montantes de imposto e de juros compensatórios liquidados nos atos tributários referenciados no facto provado aa), pelo que lhe foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2017..., visando a cobrança coerciva do montante global de € 6.516.288,01, correspondente ao somatório dos seguintes valores unitários: € 6.480.502,32, a título de IRC e juros compensatórios; € 14.107,26, a título de juros de mora; e, € 21.678,43, a título de custas. (facto provado ll))

- No âmbito do aludido processo de execução fiscal, foi autorizado o pagamento em prestações da divida exequenda e, consequentemente, foi aprovado o Plano de Pagamento n.º ... 2018 ..., nos termos do qual foram autorizadas 36 (trinta e seis) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 154.899,31 (cento e cinquenta e quatro mil oitocentos e noventa e nove euros e trinta e um cêntimos), cada uma. (facto provado mm))

- A Requerente cumpriu pontualmente o mencionado plano de pagamento prestacional, tendo pago a totalidade das aludidas prestações mensais. (facto provado nn))

 

33. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

 

§4.1. DO REEMBOLSO DOS MONTANTES INDEVIDAMENTE PAGOS

34. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios controvertidos, há lugar ao reembolso da prestação tributária indevidamente suportada pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aquele ato tributário não tivesse sido praticado nos termos em que foi.

Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente dos montantes indevidamente pagos, concretamente no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2017... e ao abrigo do Plano de Pagamento (prestacional) n.º ... 2018 ....

 

§3.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

35. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade dos atos tributários controvertidos é imputável à AT por, na sua elaboração, ter incorrido em vícios de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente aos sobreditos montantes que indevidamente suportou, calculados desde a data em que foram efetuados os respetivos pagamentos até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril. 

 

IV. DECISÃO

                Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito:

- a liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2017 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2017 ..., todos relativos ao ano de 2013 e dos quais resultou o montante total a pagar de € 6.480.502,32 (seis milhões quatrocentos e oitenta mil quinhentos e dois euros e trinta e dois cêntimos), com as legais consequências;

- a liquidação de IRC n.º 2020 ..., a liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., todas relativas ao ano de 2013 e das quais resultou o montante total a pagar de € 6.300.164,34 (seis milhões trezentos mil cento e sessenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos), com as legais consequências;

- o ato de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019..., com as legais consequências; 

b)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente os montantes indevidamente pagos, concretamente no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2017... e ao abrigo do Plano de Pagamento (prestacional) n.º ... 2018 ..., acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos legais;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 6.480.502,32 (seis milhões quatrocentos e oitenta mil quinhentos e dois euros e trinta e dois cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 81.090,00 (oitenta e um mil e noventa euros), a cargo da Requerida.

*

Notifique.

 

Lisboa, 21 de dezembro de 2021.

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

O Árbitro vogal,

(Martins Alfaro)

 

O Árbitro vogal (Relator),

(Ricardo Rodrigues Pereira)