Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 685/2018-T
Data da decisão: 2019-10-31  IMI  
Valor do pedido: € 157.164,61
Tema: AIMI – Sujeição; Fundo de Investimento; Terrenos para construção; Constitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1.            A... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO, S.A (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), titular do número de identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º..., ...-... Algés, na qualidade de sociedade gestora e em representação dos seguintes fundos:

             B...- FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (doravante abreviadamente designado como “B...”), titular do número de identificação fiscal...;

             C...- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (doravante abreviadamente designado como “Fundo C...”), titular do número de identificação fiscal...;

             D... - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO (doravante abreviadamente designado como “Fundo D...”), titular do número de identificação fiscal...;

             E...- FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIARIO FECHADO (doravante abreviadamente designado como “Fundo E...”), titular do número de identificação fiscal ...;

             F...- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (doravante abreviadamente designado como “Fundo F...”), titular do número de identificação fiscal...;

             G...- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, (doravante abreviadamente designado como “Fundo G...”), titular do número de identificação fiscal...;

             H...- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL (doravante abreviadamente designado como “Fundo H...”), titular do número de identificação fiscal...;

             I... - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIARIO FECHADO (doravante abreviadamente designado como “Fundo I...”), titular do número de identificação fiscal...;

doravante e conjuntamente designados por “Fundos”, vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária” ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer  a constituição de tribunal arbitral  para se pronunciar sobre a ilegalidade dos actos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com os números 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano de 2018, no montante total de € 157.164,61, nos termos e com os fundamentos que se expõem de seguida.

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

a.            é ilegal, por erros nos pressupostos de facto e de direito, a aplicação do AIMI aos fundos de investimento, pela detenção de imóveis no quadro da sua actividade;

b.            subsidiariamente, é ilegal tributação de “terrenos para construção” a afectar a fins “comerciais, industriais ou serviços” ou “outros”, porquanto não se encontram abrangidos pelo âmbito de incidência objectiva das normas em análise;

c.            subsidiariamente, é inconstitucional o regime legal do AIMI, na medida em que se aplique a todos os “terrenos para construção”, por contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 daquela Lei Fundamental.

3.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

4.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02.01.2019

5.            Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que foi dada pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram, em prazo aceitável, a sua decisão de aceitação do encargo.

6.            No dia 14.02.2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos previstos do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

7.            Desta forma, tendo em atenção o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que foi dada pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06.03.3019.

8.            Notificada para o efeito, em 16.04.2019 a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua contestação onde defendeu que o pedido formulado pela Requerente deve ser julgado improcedente e, assim não sucedendo, que o Ministério Publico seja notificado do Douto Acórdão Arbitral,

9.            A Requerente foi notificada, em 18.04.2019, dessa contestação.

10.          Por despacho datado de 12.06.2019, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como as alegações.

11.          Em resposta a este despacho, a Requerente, em requerimento apresentado em 17.06.2019, veio manifestar a sua concordância com a dispensa de apresentação de alegações e da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

12.          Por seu lado, a Requerida, não prescindindo do direito a apresentar alegações, juntou essas alegações aos autos no dia 12.06.2019.

13.          Por despacho proferido em 03.09.2019, o Tribunal veio, nos termos do artigo 21º nº 2 do RJAT, prorrogar, por dois meses, o prazo para proferir o Acórdão arbitral, despacho esse que foi notificado às partes em 04.09.2019.

14.          O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face da legislação aplicável e é competente para julgar a questão.

15.          As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

16.          O processo não enferma de nulidades.

17.          As partes apresentaram os seguintes argumentos:

A Requerente entende que as liquidações são ilegais uma vez que:

i.             A ratio legis da norma que aprovou o AIMI não pretende tributar estes prédios enquanto integrantes de uma actividade económica, neste caso de OIC fundos de investimento imobiliários, pois não revela riqueza mas capacidade de a produzir;

ii.            Subsidiariamente, os terrenos para construção estão “afectos” a indústria ou comércio, no caso concreto, e seria ferir o princípio da igualdade que prédios afectos a comércio ou indústria fossem excluídos desta tributação e não o fossem terrenos com essa afectação;

iii.           Subsidiariamente, a norma seria inconstitucional. Invoca-se a necessidade de a norma de exclusão do AIMI ser interpretada de forma extensiva, de modo a abranger não apenas os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» mas também, em linha com a alegada intenção do legislador, os terrenos destinados à construção desses mesmos prédios. Isto sob pena de a norma preconizar um tratamento discriminatório injustificado entre as primeiras e segundas situações em desconformidade com os princípios constitucionalmente protegidos da igualdade e capacidade contributiva, especialmente por os prédios no estádio de terrenos para construção serem indiciadores de menor capacidade contributiva que aqueles que estejam já edificados.

A Requerida contesta a posição da Requerente por considerar que:

i.             O AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção — independentemente da sua afetação potencial (atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI (ou CIMI)  — na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência.

ii.            Realça que o regime previsto permite a dedução do AIMI à coleta de IRC, sendo esta dedução limitada à fração correspondente aos rendimentos gerados por imóveis e sujeitos a IRC, no âmbito da atividade de arrendamento ou hospedagem, podendo, em alternativa, o encargo com o pagamento do AIMI ser considerado como gasto fiscalmente aceite para efeitos de determinação do lucro tributável (cf. artigo 135.º-J do CIMI).

iii.           Conclui que, no que concerne ao AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas (n.º 2 do art.º 135.º-A do CIMI), o imposto assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades.

iv.           Para a Requerida não há dúvida, face à formulação da norma de incidência prevista no artigo 135º A e à norma de exclusão prevista no artigo 135º B do CIMI que o AIMI respeita a uma tributação parcelar do património sem visar especificamente empresas ou determinado tipo de grupos económicos, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares.

v.            Sendo, assim, inviável convocar, em atenção ao âmbito de aplicação da norma em apreciação, princípios de vocação estritamente empresarial.

vi.           Relativamente à alegação da Requerente de que os imóveis tributados são o substrato da atividade dos Fundos a Requerida relembra que os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI é que desempenham uma função instrumental às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas atividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.

vii.          Quanto aos imóveis detidos pelos Fundos, ainda que possam revelar-se instrumentais da atividade dos mesmos, considera que são idóneos a indicar que aquela pessoa coletiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.

viii.         Cita ampla doutrina e jurisprudência arbitral e do Tribunal Constitucional para fundamentar a sua conclusão no sentido da legalidade das liquidações do AIMI em crise.

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

A.           Factos dados como provados

1º – Os Fundos notificados das liquidações de IMI objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, são fundos de investimento imobiliário, geridos e administrados pela Requerente (A...– Sociedade gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A.).

2º – Estes Fundos são detentores de um conjunto de activos constituídos essencialmente por bens imóveis, sendo que a administração e a gestão destes imóveis representa a sua actividade.

3º – Na qualidade de detentores destes bens, os Fundos foram notificados dos seguintes actos de liquidação de AII, relativos ao ano de 2018:

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 7.768,28

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 25.745,70

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 3.891,89

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 574,60

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 2456,12

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 3.744,33

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 80.984,82

•             Liquidação com o nº 2018..., no montante de € 31.998,87

4º – O montante total das liquidações referidas e identificadas no número anterior foi de € 157.164,61

5º – As liquidações acima identificadas incidiram sobre o valor patrimonial tributário de terrenos para construção afectos a serviços, comércio e indústria.

6º – Em 28 de Setembro de 2018, a Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado, no montante global de € 157.164,61 das referidas liquidações.

 

B – Factos dados como não provados

Com efeitos para a tomada da decisão, não existem factos considerados como não tendo ficado provados.

 

Assim, o Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

 

C - Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Matéria de direito

 

A principal questão que se apresenta a resolver no presente processo arbitral prende-se com a determinação do âmbito de sujeição do “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (“AIMI”), que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro) introduziu, e que entrou em vigor a 1 de Janeiro daquele mesmo ano.

A Requerente apresenta dois fundamentos distintos para impugnar seja totalmente seja apenas parcialmente as liquidações de AIMI sub juditio:

•             que os prédios em causa estão afetos à sua atividade económica;

•             que a afetação dos terrenos para construção não é habitacional

A Requerente invoca a inconstitucionalidade do regime do AIMI por violação dos princípios da igualdade (art.º 13.º da CRP) e da capacidade contributiva (art.º 104, n.º 3 da CRP), com fundamento na discriminação negativa das empresas que se dedicam à atividade imobiliária relativamente às demais empresas, uma vez que os prédios em questão estão afetos à sua atividade

Adicionalmente a Requerente defende que a afetação destes prédios não é habitacional, invocando neste último caso inconstitucionalidade do AIMI.

 

i.             Breve enquadramento do regime legal do AIMI instituído pela Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro

 

O Adicional ao IMI foi introduzido no ordenamento fiscal pela Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), sucedendo ao Imposto do Selo sobre Prédios Urbanos de Elevado Valor Patrimonial (ISPUEV), previsto na verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, revogado pelo artigo 210.º do diploma orçamental.

Tem na sua origem a Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, sendo a medida caracterizada no Relatório do Orçamento do Estado para 2017 como motivada pela promoção da equidade fiscal na tributação do património imobiliário, com um elemento de progressividade de base pessoal, por via de um limiar de isenção e da exclusão de incidência sobre várias tipologias prediais, assim justificadas:

«C – Medidas de equidade fiscal

Em 2017 a distribuição da carga fiscal incidirá menos sobre os rendimentos do trabalho – por via da eliminação faseada da sobretaxa – sendo a perda da receita parcialmente compensada com medidas fiscais que procuram reforçar a progressividade do sistema (com a tributação progressiva do património) e melhorar a prevenção da evasão e do planeamento fiscal agressivo.

O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.»

Não obstante, na versão definitiva, o AIMI passou tributar todo o património imobiliário do sujeito passivo, sem dedução, ao mesmo tempo que a norma do n.º 2 do preceito (Artigo 135º A) passou a atender unicamente à classificação do prédio de acordo com o artigo 6.º do Código do IMI, sem consideração do setor de atividade ou da destinação efetiva. O que significou a eliminação do elemento de progressividade de base pessoal na tributação das pessoas coletivas ou equiparadas comportado na Proposta de Lei n.º 37/XIII,  compensado em certa medida pela redução do  âmbito de incidência objetiva do imposto, que passou a sujeitar ao imposto apenas às espécies de prédios urbanos não compreendidas na previsão do n.º 2 do artigo 135.º-B, ou seja, de acordo com divisão operada pelo artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI, os prédios urbanos «habitacionais» e os «terrenos para construção».

A regulamentação do AIMI foi incluída numa secção específica aditada ao Código do IMI, compreendendo os artigos 135.º-A a 135.º-K.

Assim, a Lei do Orçamento do Estado para 2017 – cf. Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – introduziu o designado “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (“AIMI”), que entrou em vigor a 1 de Janeiro desse mesmo ano.

Este imposto, após a dedução dos encargos de cobrança, constitui receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, conforme previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI.

Em consequência, a criação do AIMI substituiu e revogou a verba 28 da Tabela Geral do Imposto, segundo a qual os imóveis cujo VPT fosse igual ou superior a 1.000.000 €, eram tributados em imposto do selo, como segue:

a) 1 % por prédio com afetação habitacional;

b) 7,5 % por prédio, quando os sujeitos passivos que não fossem pessoas singulares fossem residentes em país, território ou região sujeito a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

Assumindo um carácter progressivo, o AIMI incide sobre a riqueza materializada no direito de propriedade, de usufruto ou de superfície sobre “determinados” prédios urbanos, sitos em território português.

Não obstante se assuma como um verdadeiro imposto, a regulamentação do AIMI foi incluída numa secção específica aditada ao Código do IMI.

 

Neste contexto, estabelecem os n.os 1 e 3 do artigo 135.º-A do Código do IMI que, são sujeitos passivos do AIMI “as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português” a 1 de Janeiro do ano a que o AIMI respeita.

Clarifica, por sua vez, o n.º 2 da supra referida disposição normativa que “são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pela cabeça de casal”.

Relativamente às regras de incidência objectiva, o AIMI incide, por força do n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI, “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” – sendo que, a esta soma, deverá ser deduzida a quantia de € 600.000 sempre que o sujeito passivo seja uma pessoa singular ou uma herança indivisa.

Conforme supra enunciado, a norma de exclusão foi alterada, acabando o legislador por excluir da incidência objectiva deste Adicional “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”, conforme disposto no n.º 2 daquele mesmo artigo.

Nos termos da redacção das disposições normativas em análise, resulta, por exclusão, que apenas se subsumem às regras de tributação deste Adicional os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

A taxa a aplicar é de 0,4% para pessoas colectivas e de 0,7% para pessoas singulares e heranças indivisas, sempre que o valor tributável não seja superior a € 1.000.000 – de salientar que, na primeira versão da proposta, era prevista a aplicação de uma taxa única de 0,3% – cf. n.º 1 do artigo 135.º-F do Código do IMI.

Sendo que, nos casos em que o valor tributável seja superior a € 1.000.000, é aplicável uma taxa de 1%, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular – cf. n.º 2 do artigo 135.º-F do Código do IMI.

Este Adicional é liquidado anualmente, no mês de Junho, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de Janeiro de cada ano, devendo o mesmo ser pago até ao final do mês de Setembro – cf. n.º 1 do artigo 135.º-G e artigo 135.º-H, ambos do Código do IMI.

 

Foi neste âmbito que foram os Fundos, aqui representados pela Requerente, notificados dos actos tributários de liquidação de AIMI, nos termos do regime legal instituído pelo Orçamento do Estado para 2017, conforme acima descrito.

 

ii.            Os Fundos de Investimento Imobiliário como sujeitos passivos de AIMI

 

Nos termos da alínea u), do número 1, do artigo 2.º do RGOIC (Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo), os FII são “patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão”.

Em termos funcionais, pode-se definir um FII como “um instrumento financeiro de poupança coletiva, decorrente da agregação e aplicação de poupanças de investidores coletivos e individuais os quais assumem a forma de participantes, em valores mobiliários, designados por Unidades de Participação (UP).

Ora, uma vez que são desprovidos de personalidade jurídica, os FII são representados por uma sociedade gestora, sendo esta quem dá cumprimento, entre outros, às obrigações fiscais dos fundos.

No entanto, os FII têm personalidade tributária, de acordo com o que dispõem os artigos 15.º e 16.º da LGT.

Assim, e em suma, os FII são instrumentos financeiros de poupança coletiva que agregam e aplicam a poupança dos seus participantes, destinando-se essa poupança agregada a adquirir imóveis para investimento.  De notar que o conjunto de benefícios fiscais de que gozaram, nomeadamente em sede de impostos sobre o património, veio a sofrer permanentes alterações, com sentido crescentemente restritivo até à praticamente eliminação total dos mesmos.

De facto, até 2006, os FII estavam isentos de Sisa - mais tarde, de IMT – e de Contribuição Autárquica- e do seu sucessor IMI.

Mais tarde, a LOE 2007 revogou a isenção de IMI e de IMT para os FII mistos e fechados que não fossem de subscrição pública ou detidos por participantes qualificados, passando a ser tributados com as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade.

Este regime manteve-se até final de 2009, para o IMI, e até Abril de 2010, para o IMT, com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela LOE 2010, passando os FII mistos e fechados a estar sujeitos às taxas normais de IMI e de IMT128, apenas beneficiando da isenção os FII abertos. A LOE 2011, retomou a isenção de IMI e de IMT para os FII fechados, além dos FII abertos.

Com a LOE 2014, o legislador revogou a isenção de IMT e de IMI então prevista para os FII abertos e fechados, mas manteve um benefício fiscal, prevendo a redução para metade das taxas de imposto, a qual se manteve em vigor até março de 2016. E, finalmente, com a Lei n.º 7-A/ 2016, de 30 de março (LOE 2016), foram revogados os benefícios fiscais de IMI e de IMT para os FII.

Face à redacção do supra citado artigo135º A do Código do IMI, nºs 1 a 3, os FII são naturalmente sujeito passivos deste novo Adicional.

 

iii.           Não exclusão do âmbito de incidência do AIMI dos imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica e aferição da constitucionalidade deste regime

 

O Tribunal Constitucional já se pronunciou duas vezes sobre esta matéria pelo que o presente tribunal entende seguir a jurisprudência que assim se consolida e que endereça as duas questões objecto de impugnação por parte da Requerente.

Na primeira decisão, Acórdão nº 299/2019, no Processo n.º 752/2018, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a constitucionalidade do Adicional ao IMI sobre terrenos para construção na sequência de recurso interposto pela Autoridade Tributária de decisão proferida pelo Tribunal Arbitral que, para além de ter julgado ilegal o ato de liquidação do imposto relativo ao terreno para construção, recusou a aplicação, com fundamento na violação do princípio constitucional da igualdade tributária.

A segunda decisão sustenta-se no recente Acórdão n.º 307/2019, proferido a 29 de maio, em que o Tribunal Constitucional decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraível do artigo 135.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (…) no segmento em que sujeita a tributação em adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) a propriedade de prédios destinados à habitação e de terrenos para construção de prédios destinados à habitação, pertencentes a empresas que têm por objeto a comercialização de imóveis».

Quanto à primeira alegação da Requerente esta defende que a detenção de direitos sobre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção não constituem, de per se, índices de capacidade contributiva, devendo ser recusada essa condição sempre que lhes corresponda a natureza de fator de produção de riqueza. Nessa ótica, quando titulado por sujeitos passivos cuja natureza estatutária comporte o desenvolvimento de atividades imobiliárias - caso dos fundos de investimento imobiliário -, o património imobiliário que lhes está adstrito constitui o «substrato patrimonial e o meio essencial para a prossecução de tais atividades», insuscetível de sobre o mesmo recair tributação de índole patrimonial. Haverá, tão somente, lugar à tributação do rendimento real por essa via produzido (e quando produzido).

Para a Requerente e nos termos da petição inicial resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social.

A detenção de imóveis assume uma função essencial na prossecução da actividade económica de fundos de investimento imobiliário, i.e. tais imóveis são necessários ou imprescindíveis à realização do objecto social dos mesmos.

Em face desta relação de dependência – titularidade do direito de propriedade sobre estes bens versus a manutenção da actividade económica –, não se poderá jamais presumir que o portfólio de imóveis detidos por estes Fundos seja demonstrador de riqueza ou um indiciador da capacidade contributiva dos mesmos, a considerar para efeito de tributação em AIMI.

A Requerente remete a justificação desta interpretação para a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 que, na sua versão inicial, previa que seria aditado ao Código do IMI, “o capítulo XV, com a epígrafe “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis”, que integra os artigos 135.º-A a 135.º-L” – cf. artigo 168.º da Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª.

Neste documento preliminar, o n.º 2 do proposto artigo 135.º-B do Código do IMI dispunha o seguinte: “São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino”.

Na sequência da apresentação da Proposta de Lei em apreço, o Ministério das Finanças elaborou, no mês de Outubro de 2016, o Relatório relativo a este Orçamento do Estado para 2017 – “Relatório OE2017”.

Referia aquele Relatório que, o AIMI “introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”.

O mesmo Relatório mencionava expressamente que “para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística” (realce e sublinhado nossos).

No mesmo sentido, o Parecer da Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa de 31 de Outubro de 2016, pronunciou-se sobre a criação deste adicional, afirmando, igualmente, que a supra referida exclusão visava “evitar o impacto deste imposto na atividade económica”.

Face aos trabalhos preparatórios a Requerente entende que o legislador visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, considerando que, sendo este Adicional um tributo com “um elemento progressivo de base pessoal”, visa tributar de “forma mais elevada os patrimónios mais avultados”.

No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão a afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.

Com efeito, a norma de exclusão foi alterada, acabando o legislador por excluir da incidência objectiva deste Adicional “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”, conforme disposto no n.º 2 daquele mesmo artigo

Efectivamente, são conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

E não há dúvida que o nº 1 do artigo 4º da LGT permite ao legislador tributar a capacidade contributiva revelada de diferentes formas: “1 – Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

Pode efectivamente aferir-se uma potencial discriminação negativa derivada do facto destes Fundos — que comercializam prédios classificados como habitacionais e terrenos para construção – ficarem com uma oneração adicional quando em cotejo com a generalidade das demais pessoas coletivas.

Contudo, tal não infirma a constatação de que tais entidades são titulares de um bem tido pelo legislador como manifestação de uma particular fortuna.

Citando a jurisprudência firmada pela decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão nº 307/2019, “Os imóveis detidos pelos Fundos não são meramente instrumentais ao exercício da atividade, integrando o próprio núcleo da atividade económica, são o objeto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, a transformação para subsequente venda. Daí que tenham sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.

É certo que, na espécie, os fundos de investimento imobiliário obedecem a um conjunto de requisitos, de acordo com o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, entre os quais se encontra a constituição do seu ativo por uma proporção mínima de direitos sobre imóveis, podendo desenvolver um conjunto de atividades de índole imobiliária, designadamente, como estatui o artigo 210.º do diploma, a aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa; a aquisição de imóveis para revenda; a aquisição de outros direitos sobre imóveis tendo em vista a respetiva exploração económica; a realização de obras de melhoramento, ampliação e de requalificação de imóveis; e o desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis. Mas não é menos certo que todas essas atividades estão abertas ao exercício por qualquer pessoa, coletiva ou singular, podendo ser prosseguidas por quaisquer espécies societárias ou associações, assim como por empresário em nome individual ou, individualmente, como simples forma de gestão de património pessoal. Como acertadamente referido na decisão arbitral recorrida, todas essas atividades são livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à execução de programas imobiliários, não se vendo que o tributo mereça censura constitucional por via da sua abrangência a todos esses sujeitos.”

“Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muito menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos inerentes a cada um desses ramos de atividade.

Acresce que, enquanto estruturas de investimento coletivo junto de investidores, que adquirem unidades de participação numa carteira de ativos, os fundos imobiliários têm o respetivo regime fiscal norteado pelo princípio da neutralidade, não havendo motivos para censurar que sejam tributados nos mesmos termos em que o seriam os sujeitos que investissem, individual e diretamente, nos ativos que constituem os seus patrimónios.

“Como se disse, a opção político-legislativa de tributação incide sobre a riqueza diretamente revelada pela própria titularidade de um valor patrimonial - na espécie, a riqueza decorrente da titularidade de direitos sobre bens imóveis urbanos de uma certa tipologia. O recorte objetivo decorrente da remissão para certas categorias normativamente previstas no artigo 6.º do Código de IMI, não modifica a essência do AIMI, enquanto imposto estático e analítico sobre o património imobiliário urbano, sem relevarem os réditos que esse ativo económico venha a gerar”.

Diferentemente, os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI são objectivamente excluídos por desempenharem uma função instrumental às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas atividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.

Assim sendo, como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, “se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

(…), tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

“Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.

No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI.

Não tendo provimento a pretensão da Requerente nesta parte do pedido.

 

A Requerente alega, a título subsidiário que, ainda , caso fosse de aceitar a aplicação do regime do AIMI aos Fundos por ela representados, e aos imóveis detidos pelos mesmos, que as liquidações sub judice incluem a tributação de imóveis que não se encontram abrangidos pelo âmbito de incidência objectiva das normas em análise tendo sido clara a intenção do legislador em excluir, através do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, a aplicação do AIMI a prédios afectos a actividades económicas, deverá entender-se necessariamente que os “terrenos para construção” afectos àquelas actividades estão igualmente incluídos nessa regra de exclusão.

Para além da crítica mais ampla à incidência objetiva do AIMI, que se apreciou, a Requerente problematiza especificamente a situação dos terrenos para construção.

Aponta o facto de o sentido normativo impugnado comportar a tributação de terrenos para construção com afetação estabelecida a fins de comércio, indústria, serviços ou outros, quando a sujeição a AIMI é excluída relativamente aos prédios edificados para essas mesmas finalidades, independentemente da sua efetiva utilização.

Considera que se está perante situações jurídico-subjetivas merecedoras do mesmo tratamento, sem que exista uma razão material que legitime constitucionalmente a diferença.

Para a Requerente, entender que os “terrenos para construção” destinados, nos termos das respectivas cadernetas prediais, a fins de “comércio, indústria, serviços” ou “outros”, se encontram sujeitos a AIMI – como tem vindo a ser entendido pela AT – é manifestamente contrário ao espírito da lei e, de resto, ilegal.

Também aqui não cabe razão à Requerente.

O universo de prédios urbanos sujeitos ao AIMI é apurado por recurso às restantes duas tipologias constantes do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI: prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.

O artigo 6º do CIMI estabelece que;

 “1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) habitacionais;

b) comerciais, industriais ou para serviços;

c) terrenos para construção;

d) outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 – ……………………….

 A questão de constitucionalidade que integra a presente petição foi objeto de apreciação no recente Acórdão n.º 299/2019, tirado em Plenário, que não julgou inconstitucional a norma extraída do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do Adicional ao IMI, os «terrenos para construção» com fins de comércio, indústria, serviços ou outros.

Continuando a citar a jurisprudência do Acórdão nº 307/2019 do Tribunal Constitucional: “ E, de acordo com o funcionamento normal do mercado, a titularidade de direitos sobre um terreno relativamente ao qual já se constituíram direitos a construir ou a lotear, ou reconhecidamente reúne condições de viabilidade construtiva, configura uma riqueza suscetível de avaliação autónoma do que venha a ser edificado, por força da expetativa juridicamente fundada que passa a incorporar a esfera jurídico-subjetiva do seu titular. Como refere José Maria PIRES (Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, p. 140):

“O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.

«[É] claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins (...). Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.”

Regressando à jurisprudência dos dois Acórdãos do Tribunal Constitucional citados,

“Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.

As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência deixarão de ser aplicáveis».

Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal.

Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas - o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.

Por outro lado, é claro que, obedecendo a teleologia da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI ao desiderato de não onerar excessivamente os ativos imobiliários com função intermediária no seio de organização empresarial do sujeito passivo, quanto aos terrenos para construção esse nexo funcional não se encontra ainda estabelecido com suficiente garantia, uma vez que o seu titular não está em absoluto impedido de alterar a finalidade projetada, de modo a destinar à construção de prédios para habitação terrenos inicialmente licenciados para construção com outras destinações. Já no caso dos prédios edificados, com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, mesmo que não se possa excluir a possibilidade de vir a existir desconformidade entre a utilização normal e a materializada, mormente nos casos em que não haja licenciamento, ou outra intervenção constitutiva de direitos dos poderes públicos, assume o legislador que a probabilidade de um tal desvio é escassa e, nessa medida, que o risco se mostra insuficiente para colocar em crise a conformação do imposto. Uma tal avaliação empírica, que não se evidencia desrazoável, situa-se na margem de liberdade de conformação do legislador democrático, não cabendo ao Tribunal proceder ao seu escrutínio no âmbito do controlo da igualdade, na sua vertente negativa, aqui convocada.”

Por fim, e de forma a assegurar que o regime instituído é virtuoso e respeita o princípio da capacidade contributiva em todas as suas dimensões cumpre ainda realçar que o regime previsto permite a dedução do AIMI à coleta de IRC, sendo esta dedução limitada à fração correspondente aos rendimentos gerados por imóveis e sujeitos a IRC, no âmbito da atividade de arrendamento ou hospedagem, podendo, em alternativa, o encargo com o pagamento do AIMI ser considerado como gasto fiscalmente aceite para efeitos de determinação do lucro tributável (cf. artigo 135.º-J do Código do IMI).

Efectivamente, dispõe o artigo 135.º - J, que tem como epígrafe “Deduções em IRC”, que: “1– Os sujeitos passivos podem optar por deduzir à coleta apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o montante do adicional ao imposto municipal sobre imóveis pago durante o exercício a que respeita o imposto, limitada à fração correspondente aos rendimentos gerados por imóveis, a ele sujeitos, no âmbito de atividade de arrendamento ou hospedagem. 2 – A opção pela dedução prevista no número anterior prejudica a dedução deste adicional na determinação do lucro tributável em sede de IRC. 3 – A dedução prevista neste artigo não é aplicável quando os imóveis sejam detidos, direta ou indiretamente, por entidade com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. 4 – A dedução prevista no n.º 1 é feita nos mesmos termos da dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, salvo quanto à aplicação do limite previsto no n.º 1 do artigo 92.º do mesmo Código”.

Neste caso, a dedução do AIMI poderá operar por uma de duas vias:

(i)           Dedução à coleta do IRC;

(ii)          (ii) Dedução ao lucro tributável.

Ora, o legislador estabeleceu uma dedução do AIMI à coleta de IRC, limitada à fração correspondente aos rendimentos gerados por imóveis a ele sujeitos, no âmbito da atividade de arrendamento ou hospedagem. Esta dedução segue os termos da dedução respeitante a benefícios fiscais, a que se refere a alínea c), do número 2, do artigo 90.º do CIRC, mas sem os limites do artigo 92.º do CIRC212, ficando, consequentemente, as pessoas coletivas com dívidas à AT ou à Segurança Social impossibilitadas de efetuar esta dedução, pelo disposto no artigo 13.º do EBF .

Por uma questão de evitar que os sujeitos passivos deduzam duas vezes o mesmo valor, a opção de deduzir o AIMI à coleta de IRC obsta à dedução do mesmo na determinação do lucro tributável, pelo que, em termos práticos, o sujeito passivo deverá acrescer o montante do AIMI deduzido no Quadro 7 da Declaração Modelo 22 relativa ao respetivo exercício, de modo a que o montante não seja contabilizado como gasto ou perda sofrida no exercício . 

Não sendo deduzido o AIMI à coleta do IRC, poderá o mesmo ser deduzido como gasto, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.

 

III. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente, não se justifica a anulação das liquidações nem a restituição da quantia paga nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a.            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b.            Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

V. Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 157.164,61, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

VI. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00 que ficam a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de Outubro de 2019

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

José Poças Falcão

 

O Árbitro vogal

Ana Teixeira de Sousa

 

O Árbitro vogal

João Marques Pinto