Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 666/2019-T
Data da decisão: 2020-04-14  IMT  
Valor do pedido: € 15.581,64
Tema: IMT – excesso da quota-parte; herança
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 4 de outubro de 2019, A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ..., ..., ..., Brasil, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), corporizada na demonstração provisória de liquidação n.º 2018/... e no documento de cobrança n.º 2018..., no montante de € 15.581,64 (quinze mil, quinhentos e oitenta e um euros e sessenta e quatro cêntimos), bem como a declaração de ilegalidade do respetivo ato de liquidação, com a sua consequente anulação, e reembolso da quantia paga.
  2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pelos seus mandatários, Dr. B... e Dr.ª C..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª D... e Dr.ª E... .
  3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
  4. O presente Tribunal foi constituído no dia 30 de dezembro de 2019, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.
  5. A Requerida, depois de notificada para apresentar Resposta, através de despacho proferido pelo Tribunal Arbitral em 2 de janeiro de 2020, solicitou a prorrogação do prazo para o efeito, através de requerimento que apresentou no dia 30 de janeiro de 2020.
  6. O Tribunal Arbitral deferiu o pedido de prorrogação de prazo para apresentação da Resposta formulado pela Requerida, concedendo-lhe um prazo adicional de 15 dias, através do despacho de 31 de janeiro de 2020.
  7. No dia 18 de fevereiro de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta.
  8. Não existindo a necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, aliás, solicitada pela Requerida, na sua Resposta, através do despacho que proferiu a 27 de fevereiro de 2020, concedendo, no mesmo, um prazo sucessivo de 15 dias para o Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito.
  9. Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 30 de junho de 2010 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  10. No dia 13 de março de 2020, o Requerente apresentou as suas Alegações escritas, bem como o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
  11. No dia 13 de abril, a Requerida apresentou as suas Alegações escritas.
  12. O Requerente pede a cumulação de pedidos – quanto à apreciação da legalidade dos diversos atos de indeferimento que resultaram da reclamação graciosa que apresentou -, alegando a existência de identidade de circunstâncias de facto e da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, a qual sendo admissível, nos termos do artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 3.º do RJAT, é admitida.

II. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

  1. O Requerente sustenta o seu pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), corporizada na demonstração provisória de liquidação n.º 2018/... e no documento de cobrança n.º 2018..., no montante de € 15.581,64 (quinze mil, quinhentos e oitenta e um euros e sessenta e quatro cêntimos), bem como da declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra o mesmo, em:

 

  1. Falta de fundamentação, considerando que « [n]a liquidação e IMT, em análise, a AT indicou como facto tributário, subjacente e justificativo da liquidação, a existência de um alegado «excesso da quota parte de imóveis em divisões e partilhas”, sem qualquer indicação adicional», tendo-se limitado «a transcrever os preceitos legais que, no seu entender, são aplicáveis ( a saber, os artigos 2.º, n.º 5 e 12.º, n.º 4, 11.ª regra do Código do IMT), mas sem os correlacionar com os factos ora em análise.»

 

  1. Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, em virtude de não ter existido qualquer «excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilhas, pelo que a tributação imposta pela liquidação subjacente aos actos de indeferimento da reclamação graciosa que se contestam afigura-se ilegal.»

 

  1. Peticionando, assim, a final, que «os referidos actos de indeferimento se[jam] anulados com todos os efeitos legais, e, consequentemente, deve também ser ordenada a anulação da liquidação de IMT que lhes está subjacente, com os respectivos efeitos legais, designadamente a restituição do valor indevidamente pago pelo Requerente.»

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Rebate a Requerida os argumentos do Requerente, nomeadamente quanto aos vícios invocados, pugnando pela improcedência dos mesmos, concluindo no sentido de que «o acto impugnado não padece de qualquer vício tendo procedido a uma correcta e adequada interpretação da lei, improcedendo a pretensão do Requerido.»

 

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

  1. Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações do Requerente, Resposta e alegações da Requerida), à prova documental junta aos autos e ao processo administrativo, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. O Senhor F... era natural da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Leiria – cfr. documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;
  2. No dia 28 de março de 1971, em ..., o Senhor F... e a Senhora D.a G... casaram em primeiras núpcias, sob o regime de comunhão de adquiridos. – cfr. acordo das partes - ;
  3. Deste casamento resultaram três filhos, a saber, A..., ora Requerente, H... (titular do número de identificação fiscal português ...), e I... (titular do número de identificação fiscal português ...) cf. escritura de habilitação de herdeiros outorgada a 31.01.2018, junta como documento n.º 7 ao pedido de pronuncia arbitral - ;
  4. No dia 13 de outubro de 2017, o Senhor F... faleceu em ..., Brasil, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. – cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral e acordo das partes - ;
  5. À data da sua morte, o Senhor F... tinha como residência habitual a Avenida ..., ..., ..., ..., ..., ..., Brasil,– cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral e acordo das partes - ;
  6. Na data do seu falecimento, o Senhor F... era co-titular, com a sua esposa, dos seguintes bens e direitos localizados em território português:
  1. Fração autónoma designada pela letra "P" do prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da união de freguesias de ... e ..., inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo n.º..., com o valor patrimonial tributário de € 230.310,00,
  2. Frações autónomas designadas pelas letras "E", "G", "H", "I" e "N" do prédio urbano sito na ..., n.º ... e..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ...  sob o n.º ... da freguesia de ..., inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo n.º..., cada uma com o valor patrimonial tributário de € 14.212,75, com exceção da fração autónoma designada pela letra "N", cujo valor patrimonial tributário era de € 15.398,85);
  3. Prédio rústico situado na ..., ..., freguesia de ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ..., inscrito na correspondente matriz predial rústica sob o artigo n.º ..., com o valor patrimonial tributário de € 48,98;
  4. Prédio urbano sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ..., inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo n.º ... com o valor patrimonial tributário de € 78.200,00;
  5. Prédio rústico denominado "...", situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º... da freguesia de ..., inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo n.º..., com o valor patrimonial tributário de € 30,80;
  6. Prédio rústico denominado "...", situado no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da mesma freguesia, inscrito na correspondente matriz predial rústica sob o artigo n.º..., com o valor patrimonial tributário de € 2,71;
  7. Quota com o valor nominal de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) representativa do capital da sociedade «J..., Lda.», com o número de pessoa coletiva..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., com o capital social de € 5.000,00, com sede na ..., Lote..., ..., concelho de ... e freguesia de ... e ...;
  8. Veículo da marca ..., modelo..., com a matrícula ...;
  9. Veículo da marca ..., modelo ..., com a matrícula ...;
  10. Veículo da marca ..., modelo ..., com a matrícula ...;
  11. Saldo da conta bancária depósito à ordem n.º ... aberta junto do Banco K... (K...), no valor de € 73.841,25 (setenta e três mil, oitocentos e quarenta e um euros e vinte e cinto cêntimos);
  12. Saldo da conta bancária depósito à ordem n.º ... aberta junto do Banco L..., no valor de € 35.554,59 (trinta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos);
  13. Saldo da conta bancária depósito à ordem n.º ... aberta junto do Banco L..., no valor de € 6.728,84 (seis mil, setecentos e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos);
  14. Saldo da conta bancária depósito à ordem n.º ... aberta junto do Banco L..., no valor de e 9.960,92 (nove mil, novecentos e sessenta euros e noventa e dois cêntimos);
  15. Saldo da conta bancária depósito à ordem n.º ... aberta junto do Banco L..., no valor de € 64.520,43 (sessenta e quatro mil, quinhentos e vinte euros e quarenta e três cêntimos);
  16. Saldo da conta bancária depósito à ordem n.º ... aberta junto do Banco L... no valor de € 8.333,33 (oito mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos);
  17. Crédito de suprimentos sobre a sociedade «J..., Lda.», melhor identificada supra, no valor de € 3.117.416,16 (três milhões, cento e dezassete mil, quatrocentos e dezasseis euros e dezasseis cêntimos);
  18. Conta de valores mobiliários n.º..., com ... ações nominativas, cotadas, do Banco K..., com o valor de € 325.266,39 (trezentos e vinte e cinco mil, duzentos e sessenta e seis euros e trinta e nove cêntimos);
  19. 1.255431 unidades de participação no Fundo de Investimento M... com o n.º de contrato ..., no valor de € 14,16 (catorze euros e dezasseis cêntimos);
  20. 0.220976 unidades de participação no Fundo de Investimento M... com o n.º de contrato ..., no valor de € 2,49 (dois euros e quarenta e nove cêntimos);
  21. 0.020434 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ..., no valor de € 0,11 (onze cêntimos);
  22. 3.387181 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de

Contrato ..., no valor de € 18,32 (dezoito euros e trinta e dois cêntimos). – cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral e acordo das partes - ;

  1. Todos os bens indicados em F. supra foram adquiridos após o matrimónio, constituindo bens comuns do casal composto pelo Senhor F... e pela Senhora D.ª G... – cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral e acordo das partes - ;
  2. No dia 31 de janeiro de 2018 foi celebrada uma escritua de Habilitação de Herdeiros, no Cartório Notarial de O..., em Lisboa, por óbito de F...  -cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  3. No dia 18 de julho de 2018, foi celebrada, por documento particular autenticado, a partilha (do património conjugal --- i.e., determinação das meações de cada cônjuge — e, seguidamente, da herança do Senhor F...), - cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronuncia arbitral - na qual foram atribuídos os seguintes valores aos bens supra indicados:

Bem

Valor atribuído

a) Fração P do prédio urbano sito na Rua ..., n. 0 ...

€ 850.000,00 [nota: o valor patrimonial tributário era de € 230.310,00]

b) Frações E, G, H, I e N do prédio urbano sito na Praceta ..., n. º... e...-

Frações E, G, H e I: € 80.000,00 [nota: o valor patrimonial tributário era de € 14.212,72]

Fração N: € 90.000,00 [nota: o valor patrimonial tributário era de € 15.398,85]

c) Prédio rústico sito na ...

€ 15.000,00 [nota: o valor patrimonial tributário era de e 48,98]

d) Prédio urbano sito no Lugar ...

€ 300.000,00 [nota: o valor patrimonial tributário era de € 78.200,00]

e) Prédio rústico denominado «...»

€ 12.500,00 [nota: o valor patrimonial tributário era de € 30,80]

f) Prédio rústico denominado «...»

€ 30.000,00 [nota: o valor patrimonial tributário era de € 2,71]

g) Quota representativa do capital da sociedade J..., Lda.

€ 3.500,00

h) Veículo ..., modelo 221, com a matrícula ...

€ 13.850,00

i) Veículo ..., modelo ..., com a matrícula

...

€ 12.100,00

j) Veículo ..., modelo..., com a matrícula ...

€ 9.569,00

k) Saldo da conta bancária depósito à ordem

n. º...

€ 73.841,25

l) Saldo da conta bancária depósito à ordem

n. º...

€ 35.554,59

m) Saldo da conta bancária depósito à ordem

n.º...

€ 6.728,84

n) Saldo da conta bancária depósito à ordem

n. º...

€ 9.960,92

o) Saldo da conta bancária depósito à ordem

n. º...

€ 64.520,43

p) Saldo da conta bancária depósito à ordem

n. º...

€ 8.333,33

q) Crédito de suprimentos sobre a sociedade «J..., Lda.»

€3.117.416,16

r) Conta de valores mobiliários n. º...

€ 325.266,39

s) 1.255431 unidades de participação no Fundo de Investimento M... com o n.º  de contrato ...

€ 14,16

t) 0.220976 unidades de participação no Fundo de Investimento M... com o n.º de contrato ...

€ 2,49

u) 0.020434 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ...

€ 0,11

v) 3.387181 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ...

€ 18,32

 

 

  1. O valor total do património pertencente ao casal correspondia a € 5.298.175,99 (cinco milhões, duzentos e noventa e oito, cento e setenta e cinco mil euros e noventa e nove cêntimos). – cfr. acordo das partes - ;
  2. À viúva coube, face à aplicação da lei brasileira, a título de meação metade do acervo patrimonial do extinto casal, totalmente adquirido na constância do matrimónio, ou seja, a quantia de € 2.649.088,00 (dois milhões, seiscentos e quarenta e nove mil, oitenta e oito euros) – cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronuncia arbitral e acordo das partes - ;
  3. De acordo com a partilha efetuada, foi adjudicada à viúva, a título de meação no património comum, parte do crédito de suprimentos (no valor de € 2.696.088,00) detido sobre a socedade J..., Lda – cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronuncia arbitral e acordo das partes - ;
  4. Os imóveis indicados em F e I supra foram adjudicados em compropriedade e partes iguais unicamente aos três herdeiros (descendentes). - cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronuncia arbitral e acordo das partes - ;
  5. Na sequência da partilha, foi apresentado um requerimento, no Serviço de Finanças de..., ao abrigo do disposto no artigo 36.º do Código do IMT, para que a AT proceder à liquidação de IMT e Imposto do Selo com referência à partilha referida em H. supra. – cfr. documento n.º 9 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  6. Posteriormente, foi emitido o ato de liquidação de IMT n.º..., no montante global de € 15.581,64 (quinze mil, quinhentos e oitenta e um euros e sessenta e quatro cêntimos), com data limite de pagamento 30.11.2018 – cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral – ;
  7. O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação sindicada nos presentes autos, no dia 12 de novembro de 2018, no montante de € 15.581,64 – cfr. documento n.º 10 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  8. No dia 11 de março de 2019, o Requerente apresentou um pedido de certidão, junto do Serviço de Finanças de ..., relativamente «1 (…) os números das liquidações respeitantes ao IMT e ao IS liquidadas no contrato de partilha; 2 - qual o valor a pagar pelas liquidações e 3 - qual a data limite para pagamento das liquidações efetuadas. » – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  9. No dia 12 de março de 2019, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa da referida liquidação junto do Serviço de Finanças de ...– cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  10. Em 26 de março de 2019, por constrangimentos do sistema informático, foram abertos 10 procedimentos de Reclamação Graciosa, um por cada bem imóvel, e foram tramitados um por cada diferente prédio enquadrado na liquidação reclamada. – cfr. processo administrativo -;
  11. No dia 28 de março de 2019, o Serviço de Finanças de ... emitiu a certidão requerida, através do pedido indicado em Q. supra – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;
  12. Por ofícios de 03.06.2019, foi o Requerente notificado, através da sua mandatária, C..., de diversos projetos de indeferimento da Reclamação Graciosa, e para querendo exercer o direito de audição prévia que lhe assistia ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) – cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  13.  
 
 


O Requerente não exerceu o direito de audição que lhe assistia – cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

 

  1. Por ofícios de 04.07.2019, foi o Requerente notificado, através da sua mandatária identificada em U. supra, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa supramencionada em R. supra, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., ao abrigo de delegação de competências – cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  2. O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada em 4 de outubro de 2019.

 

b. Factos dados como não provados

 

  1. Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Seleção factual que, no caso em apreço, foi feita a partir das posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, e da prova documental junta aos autos.

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.

 

VI- Do Direito

 

 

  1. Em face das posições assumidas e dos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, a questão a decidir prende-se com a apreciação da legalidade da liquidação de IMT sindicada nos presentes autos, proveniente da partilha de bens imóveis herdados por óbito de residente no Brasil, em atenção aos seguintes vícios invocados pelo Requerente:
  1. Falta de fundamentação dos atos de liquidação em apreço e do despacho de indeferimento da Reclamação graciosa apresentada contra o mesmo, por violação do disposto no artigo 77.º da LGT;
  2. Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 2.º, n.º 5, 12.º, n.º 4 regra 11.ª todos do Código do IMT.

 

Vícios estes que serão apreciados de seguida para verificar da ilegalidade ou não do ato de liquidação em apreço.

 

Do alegado vício de falta de fundamentação

 

  1. Inicia o Requerente a sua exposição assacando o vício de falta de fundamentação ao ato de liquidação em apreço nos presentes autos, referindo «[e]m primeiro lugar, no próprio acto de liquidação de que o Requerente foi destinatário, a fundamentação apresentada pela AT não permite decifrar qual a tese por si adoptada para proceder à sua tributação; de facto, tal como mencionado supra, a AT apenas indicou estar subjacente à liquidação um «excesso da quota parte de imóveis em divisões ou partilhas», sem qualquer outra fundamentação — o que levou a que, veja-se bem, para que o Requerente pudesse exercer o seu direito de defesa (constitucionalmente consagrado), tivesse de ser ele próprio a equacionar os diferentes cenários que poderiam ter levado a AT a essa mesma conclusão — sem certeza, porém, de ter sido capaz de decifrar aquele que subjaz à liquidação...

Em segundo lugar, facilmente se verá que a fundamentação apresentada, tanto nos projectos de decisão, como nos actos de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo Requerente, continuou a não cumprir as exigências legais com a agravante de essa fundamentação ter sido expressamente solicitada pelo Requerente, sem qualquer resultado).»

 

  1. Aduz, ainda, o Requerente que «nos referidos projectos de decisão, e nos actos de indeferimento que lhe seguiram, a AT limitou-se a, muito resumidamente, mencionar a celebração da escritura de partilha e a adjudicação em compropriedade dos bens nela contemplados ao Requerente e aos seus dois irmãos. E, passando depois de imediato para a análise do Direito aplicável, a AT limitou-se a transcrever os preceitos que, no seu entendimento, são aplicáveis à situação em apreço, a saber, os artigos 2.º, n.º 5, e 12.º, n.º 4, 11.ª regra, do Código do IMT (…), sem contudo os subsumir aos factos por si invocados, para finalmente concluir, com base nestes elementos apenas, que «na liquidação do IMT reclamado foram observadas todas as normas legais referenciadas» e, portanto, «uma vez que o reclamado IMT se encontra devidamente liquidado, com observância de todas as normas legais aplicáveis à situação, supra referidas, a reclamação deduzida é de merecer indeferimento».

 

  1. Acrescenta, mencionando que «(…) através da mera transcrição das normas que a AT considera serem aplicáveis, sem qualquer explicação acerca do seu conteúdo, nem, tão-pouco, qualquer relação com os factos em análise, não pode ser exigido que um destinatário normal compreenda a motivação da AT, o que, consequentemente, coloca em risco o exercício pelo Requerente do seu direito de defesa (repita-se, constitucionalmente protegido) de forma plena e integral. Naturalmente, através desta forma de actuar da AT, sai igualmente lesada a exigência legal relacionada com a congruência da fundamentação, porquanto não se verifica uma ligação lógica, necessária e adequada entre os factos e o direito aplicável ao caso.»

 

  1. Concluindo no sentido de que «(…), afigura-se clara a verificação do vício de falta de fundamentação em que incorreu a AT, do qual se requer que sejam retiradas as devidas consequências legais, anulando-se os actos tributários em análise.»

 

  1. Refuta a Requerida a argumentação do Requerente quanto à falta de fundamentação, referindo que «(…) não tem o Requerente razão quanto à invocada falta de fundamentação da liquidação, desde logo, porque dos documentos juntos aos autos, verifica-se que a liquidação em causa cumpre todos os requisitos, nomeadamente contém as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, conforme estabelecido no artigo 77.º da LGT

 

  1. Continua mencionando que «o acto está devidamente fundamentado sempre que o destinatário do acto revele ter compreendido os seus fundamentos.»

 

  1. Sendo que, no caso em apreço, sustenta a Requerida que «(…) do teor da petição inicial ficou devidamente comprovado que o Requerente compreendeu todas as razões que fundamentaram o acto visado, não tendo demonstrado qualquer incompreensão quanto aos fundamentos da liquidação impugnada.»

 

  1. Concluindo no sentido de que «(…) resulta que o acto impugnado não padece de qualquer vício tendo procedido a uma correcta e adequada interpretação da lei, improcedendo a pretensão do Requerente.»

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

  1. Ora, o dever de fundamentação da decisão no âmbito de um procedimento administrativo tributário tem expressão no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual prevê que:

«1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

3 - Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens,

 

direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:

  1. Descrição das relações especiais;
  2. Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
  3. Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
  4. Quantificação dos respectivos efeitos.

4 – A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.

5 - Em caso de aplicação de métodos indirectos por afastamento dos indicadores objectivos de actividade de base científica a fundamentação deverá também incluir as razões da não aceitação das justificações apresentadas pelo contribuinte nos termos da presente lei.

6 - A eficácia da decisão depende da notificação.»

 

  1. Com efeito, o artigo 152.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) dispõe quanto a esta matéria que:

«1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:

a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;

c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;

d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;

e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.

2 - Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.»

 

  1. Mais, dispondo o artigo 153.º deste diploma, sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” que:

«1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.

2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.»

 

  1. Encontramos, ainda, e por último, este desiderato, no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) no sentido de que:

«Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.»

 

  1. Ora, no caso em concreto, podemos aferir do teor, primeiro, do projeto de decisão no sentido do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente contra o ato de liquidação sindicado nos presentes autos, e depois da decisão final da mesma, que contêm ambos, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, sendo a fundamentação do seu sentido sumariamente efetuada,

 

  1. … admitindo o presente tribunal arbitral que o Requerente terá compreendido as razões de facto e de direito que originaram o ato de liquidação controvertido nos presentes autos.

 

  1. Atendendo a que apresentou, primeiramente uma reclamação graciosa contra o ato de liquidação em causa, onde expõe os argumentos de facto e de direito que entendeu por convenientes para defender a sua posição, bem como o veio a reproduzir no pedido de pronuncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

  1. Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 77.º da LGT, que aqui retomamos, «a fundamentação dos atos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.», algo que parece ter sido cumprido pela Requerida, no projeto de decisão e na decisão final da reclamação graciosa.

 

  1. Na verdade, apoiando-nos na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, proferida no processo n.º 00731/09.0BEPNF, de 24.05.2012[1], segundo a qual:

«I - A decisão do procedimento tributário enquanto ato definidor da posição da administração tributária perante os particulares deve obedecer aos requisitos gerais do ato administrativo (art. 123.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), no âmbito do direito tributário, tal exigência de fundamentação dimana diretamente da norma do art.º 77.º da LGT.

II - A fundamentação tem que ser expressa, clara, suficiente e congruente.

III - A fundamentação de um ato de liquidação de (…) deve ser o esteio, o suporte, por que foi efetuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la.

 IV - Está suficientemente fundamentado o ato de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa.»

 

  1. Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, exige-se que a fundamentação possa ser considerada suficientemente clara e compreensível, nas razões de facto e de direito, para um destinatário médio colocado na situação concreta. ([Vide entre outros acórdãos do STA de 21.06.2017, processo n.º 068/17, de 26.03.2014, recurso 1674/13, de 23.04.2014, recurso 1690/13, de 20.11.2016 recurso 545/15 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 07.06.2017, recurso 723/15.]) [2]

 

  1. Com efeito, face ao requerimento apresentado pelo Requerente – alínea N) dos factos provados -, do qual resultou a liquidação de IMT aqui sindicada,

 

  1.   … não convence o desconhecimento das razões e respetiva fundamentação de facto e de direito constantes do projeto de decisão e decisão final da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação controvertido.

 

  1. Até porque foi o Requerente que deu a conhecer à AT os factos tributários sujeitos a tributação.

 

  1. No caso em apreço, estamos perante um facto tributário que se consubstancia na transmissão de imóveis, por partilha, da qual, face ao direito português, quando transmitidos onerosamente estão sujeitos a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

 

  1. Esta situação encontra-se devidamente contemplada no projeto de decisão e decisão final da reclamação graciosa concedendo ao Requerente a fundamentação e informação suficiente e necessária para discordar, como fez, do ato de liquidação reclamado.

 

  1. Deste modo, entende-se que, considerado o contexto concreto em que foi produzido o ato de liquidação em questão nos presentes autos, será percetível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daquele são, face ao requerimento que o Requerente apresentou a 11.03.2019 – alínea Q) da matéria de facto dada como provada - , e do contexto factual em que o mesmo se inseriu, os constantes do projeto de decisão da reclamação graciosa e da respetiva decisão final, sendo de admitir que mais se afigura evidente que o Requerente compreendeu isso mesmo.
  2. Este de resto, tem sido o juízo dos nossos tribunais superiores, em casos análogos, podendo a esse respeito conferir-se os Acórdãos do STA de 10-09-2014, proferido no processo 01226/13 do TCA-Norte de 13-09-2012, proferido no processo 01156/06.[3]

 

  1. De referir, por pertinente que, se o Requerente não tivesse compreendido a razão pela qual foi praticado o ato de liquidação em causa, poderia sempre ter utilizado a faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, o que não o fez.

 

  1. Na verdade, o requerimento entregue pelo Requerente com pedido de certidão não se consubstancia no previsto no artigo 37.º do CPPT, mas antes no do artigo 24.º do mesmo diploma, porquanto apenas se cingiu a solicitar informação quanto a «1 (…) os números das liquidações respeitantes ao IMT e ao IS liquidadas no contrato de partilha; 2 - qual o valor a pagar pelas liquidações e 3 - qual a data limite para pagamento das liquidações efetuadas. » - vide alínea Q) da matéria de facto dada como provada - .

 

  1. Assumindo-se que a não utilização dessa faculdade se deve ao facto de ter compreendido devidamente os fundamentos da liquidação, de tal modo que estribou a sua defesa, primeiro, em sede de Reclamação Graciosa e agora, no presente pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Face ao tudo o exposto, entende o presente Tribunal Arbitral que foram respeitadas, pela AT, as normas legais acima identificadas, não se verificando o alegado vício de falta de fundamentação, dado o Requerente conhecer devidamente as razões de facto e de direito que subjazem no ato de liquidação controvertido, sendo de improceder este alegado vício.

 

 

Do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

  1. No tocante ao erro sobre os pressupostos de facto e de direito, começa o Requerente por referir que: [o] valor total do património pertencente ao casal correspondia, (…) a € 5.298.175,99 (cinco milhões, duzentos e noventa e oito, cento e setenta e cinco mil euros e noventa e nove cêntimos), o que significa que a meação de cada cônjuge ascendia a € 2.649.088,00 (dois milhões, seiscentos e quarenta e nove mil, oitenta e oito euros).»

 

  1. Com efeito, e continuando o raciocínio menciona que: « [a]ssim, após o óbito do Senhor F..., a sua viúva Senhora D.ª G...— era titular de uma meação no valor de € 2.649.088,00, sendo também esse o valor da herança do de cujus, a partilhar pelos seus herdeiros.»

 

Mais invoca que «[n]os termos dos artigos 20.º, 21.º e 23.º do Regulamento (EU) n. 0 650/2012 (do Parlamento Europeu e do Conselho), de 04.07.2012 bem como de acordo com as disposições sucessórias da lei brasileira a lei que regula a sucessão do de cujus é aquela do país onde este tinha residência habitual à data o óbito.», pelo que, «(…) tendo em consideração que o Senhor F... tinha como residência habitual, à data da sua morte,

a Avenida ..., ..., ..., ..., ..., ..., Brasil, (…) a lei aplicável à sua sucessão (incluindo a partilha da herança, até mesmo quando composta por bens localizados noutra jurisdição) era a lei brasileira.»

 

  1. Com efeito, «[n]os termos da lei sucessória brasileira, no caso de o de cujus ser casado, à data do óbito, sob regime equivalente ao da comunhão de adquiridos, a sua meação nos bens comuns é partilhada apenas pelos seus descendentes, sendo o cônjuge considerado na partilha apenas quanto aos bens próprios do falecido.» Deste modo, « (…) no caso do Senhor F..., que — uma vez determinada a meação da viúva, Senhora D.ª G..., e a parte do património conjugal que corresponderia à meação do Senhor F..., consistindo agora na sua herança esta, porque composta apenas por bens comuns, tinha necessariamente que ser partilhada unicamente pelos seus filhos, A... (ora Requerente), H... e I..., nela não participando a Senhora D.ª G... (cônjuge).»

 

  1. Mais refere o Requerente que «(…) foi justamente o que sucedeu, conforme revela a escritura de partilha» na qual «(…) começou-se por — apurado o valor total do património conjugal (€ 5.298.175,99), e consequentemente o valor que teria de corresponder à meação da Senhora D.ª G... (€ 2.649.088,00) preencher esta última, mediante a afectação à mesma de uma parcela, no mesmo valor, do crédito de suprimentos detido sobre a sociedade «J..., Lda.»

 

 
 


«O remanescente, correspondente ao que seria a meação do Senhor F... (e consistia agora na sua herança) , i.e., os bens descritos no artigo 21,0 supra sob as alíneas a) a p) e r) a v), e ainda o valor restante do crédito de suprimentos mencionado foi dividido pelos três herdeiros do de cujus em partes iguais.»

 

 

  1. Continua referindo que « (…) todos os bens que integravam esta herança foram afectos, em compropriedade e em partes iguais, aos três filhos do Senhor F... (incluindo, o Requerente), que consistiam nos seus únicos herdeiros.», pelo que, «(…) em suma, (…) a partilha se fez de forma correcta e adequada, em conformidade com a lei aplicável, tendo cada um dos herdeiros recebido justamente aquilo que lhe competia — ou seja, inexistindo qualquer excesso tributável em sede de IMT.»

 

  1. Acrescenta, ainda, que «[n]os termos do artigo 1730.º, n.º 1, do Código Civil, neste regime de bens [comunhão de adquiridos], «os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão», a qual é composta genericamente por todos os bens que ingressam na esfera dos cônjuges após o matrimónio (que a lei não qualifique como bens próprios). Isso não implica, bem se vê, que compita necessariamente a cada um dos cônjuges metade de cada um dos bens — especificadamente considerados integrados no património conjugal, em regime de compropriedade.»

 

  1. Esclarecendo que «[n]estes termos, em bom rigor, enquanto o matrimónio subsistir, cada côniuge não é proprietário de uma fracção (metade) dos concretos bens que integram a comunhão (a título de exemplo, imóveis, veículos, etc...); ao invés, tem apenas direito à sua meação nos bens comuns, como um todo abstracto e generalizado. Meação essa que só se concretiza — ou seja, só é definitivamente determinada, quer quanto ao seu valor (que é de metade do valor do património comum dos cônjuges), quer quanto aos concretos bens que a integram — no momento em que a união conjugal é dissolvida, designadamente por morte.»

 

  1. Mais refere, quanto a esta matéria que: «[o] que se descreveu quanto aos direitos que cada cônjuge tem sobre os bens comuns do casal pode ser replicado a propósito da posição jurídica de cada herdeiro em face da herança: cada herdeiro não será titular de uma fracção de cada bem específico, mas, sim, de uma fracção (abstracta e indeterminada) da herança como um todo. Logo, o preenchimento da meacão conjugal deve ser feito simultaneamente com a partilha dos bens que constituem a herança do cônjuge falecido, porquanto estamos perante uma universalidade de bens que só com a partilha é que pode ser individualizada» (realce nosso).

 

  1. «Em face do que antecede, e regressando ao caso destes autos, é forçoso reconhecer-se que, em momento anterior ao falecimento do Senhor F..., nem este, nem a Senhora D.ª G... eram titulares de uma fracção (metade) de cada um dos bens detidos pelo casal. Por esse motivo, no momento em que a sociedade conjugal se dissolveu (por óbito do Senhor F...), a Senhora D.ª G... não tinha logicamente direito a metade de todos os bens (individualmente considerados) qualificados como bens comuns do casal. O seu património individual (meação) podia ser composto por apenas algum ou alguns dos bens, desde que o valor destes perfizesse metade da totalidade dos bens comuns (€ 2.649.088,00).»

 

  1. Aduz, ainda, que «[o] que sucedeu: como se viu, a meação da Senhora D.ª G... foi preenchida com parte do crédito de suprimentos detido pelo casal sobre a sociedade «J..., Lda.». E, seguindo o mesmo raciocínio, nada impedia que certos bens do património do casal fossem afectos por inteiro à herança do Senhor F... (bem como, posteriormente, aos seus herdeiros); desde que o seu valor não ultrapassasse — como não ultrapassou — metade do valor da totalidade dos bens comuns (€ 2.649.088,00).»

 

  1. Assim sendo, e citando a legislação aplicável, manifesta o entendimento que «[o] IMT «incide sobre as transmissões, a título oneroso do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional», de acordo com o artigo 2. 0, n. 0 1, do Código do IMT. Tendo em conta que um dos requisitos exigidos em matéria de tributação em sede de IMT é o carácter oneroso da operação, é inconcebível que a transmissão mortis causa — que constitui um negócio gratuito, (…) seja tributada em sede deste imposto. I.e., na medida em que um dos requisitos exigidos para a tributação em IMT é a onerosidade da transmissão, não é possível, legal e objectivamente, tributar a transmissão gratuita que é o fenómeno sucessório.

No entanto, a alínea c) do n,º  5 do artigo 2. 0 do Código do IMT considera tributáveis as partilhas judiciais ou extrajudiciais das quais resulte um «excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis».

 

  1. Aplicando ao caso em concreto, aduz no sentido de que: «(…) todos os herdeiros receberam bens imóveis de valor idêntico, e o valor desses bens perfazia justamente, quanto a cada herdeiro, o valor do respectivo quinhão hereditário — não havendo, portanto, lugar a qualquer excesso (nenhum herdeiro recebeu bens a mais, nenhum herdeiro recebeu bens a menos).»

 

  1. «Com efeito, tendo a herança sido partilhada em partes iguais pelos herdeiros do de cujus — os seus três filhos, incluindo o Requerente é forçoso concluir-se que não existiu, neste caso, qualquer excesso de quota-parte em bens imóveis que tenha sido atribuído ao Requerente (ou, de resto, aos seus irmãos): cada um recebeu, enquanto herdeiro do Senhor F..., justamente o que lhe competia a título de quinhão hereditário (€ 883.029,33, ou seja, um terço da herança, no valor de € 2.649.088,00).»

 

  1. Concluindo no sentido de que «(…) no caso em apreço, não existiu qualquer excesso de quota-parte, e, assim sendo, não há lugar a qualquer facto tributável em sede de IMT (…)»

 

  1. Por seu turno, e em resposta defende a Requerida que: «[e]m causa nos autos está assim, a interpretação e aplicação aos factos trazidos aos autos do n.º 5 do Artigo 2.º, alínea a) do artigo 4.º e regra 11 do n.º 4 do artigo 12.º todos do CIMT. (…) Assim, para que haja lugar a tributação em sede deste imposto, é necessário que a alguns dos interessados seja adjudicado bens imóveis em valor que exceda a sua quota ideal nesses bens.»

 

  1. Manifesta, a Requerida o entendimento que: «[a] quota ideal é determinada em função da totalidade dos bens imóveis a dividir ou a partilhar, nos termos estabelecidos na regra 1 1 a do n.º 4 do artigo 12.0 do CIMT, correspondendo o valor tributável ao respectivo valor patrimonial tributário, ou, caso seja superior, ao valor que serviu de base à partilha.»

 

  1. Com efeito, «[p]erante a lei (brasileira) nas situações de comunhão de adquiridos (ali denominada de regime de comunhão parcial), com referência aos bens comuns do casal o cônjuge sobrevivo tem apenas direito à sua meação nesses bens, não adquirindo com referência à parte dos bens comuns que constituem a herança, a qualidade de herdeiro.» Assim, «[à] viúva cabe unicamente e a título de meação, metade do valor do acervo patrimonial do extinto casal, totalmente adquirido na constância do matrimónio.»

 

  1. No que respeita ao caso em concreto, aduz que «(…) a partilha do acervo foi feita preenchendo-se a meação da viúva através da adjudicação de €2.649 088.00 de um crédito de suprimentos detido sobre a sociedade J... Lda no valor total de €3 117 416,16, adjudicando-se a outra metade em partes iguais aos três filhos. A repartição do património nos moldes efetuados, ao igualar de forma absoluta os quinhões com os valores totais atribuídos, não motivou o pagamento de tornas.»

 

  1. Defende a Requerida que «[n]o que respeita ao modo de apuramento do imposto ora contestado, cumpre ter presente o disposto na al c) do, do n.º 5. do artigo 20 do CIMT, supra referido e que determina a sujeição a IMT do excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas. Mas saliente-se que para efeitos de calculo de imposto, a referência é a quota ideal nos bens imóveis e não da quota hereditária referida pelo Requerente.». Com efeito, «(…) para a chegar à quota ideal apenas concorrem os bens imóveis, razão pela qual, importa verificar se se revela correcto o excesso em bens imóveis, apurado na liquidação efetuada ao sujeito passivo.»

 

  1. Considera a Requerida que «[n]esse sentido, importa ter presente que os bens imóveis foram integralmente à partilha, e que só nesse momento é que se pôs termo à comunhão conjugal e hereditária. (…) Ora, de acordo com a lei brasileira que foi aplicada na partilha a quota ideal do cônjuge sobrevivo é de 1/2, cabendo-lhe metade do património comum a título de meação, competindo a outra metade aos herdeiros, ou seja, aos três filhos, cabendo-lhe um quinhão de 1/6.»

 

  1. Continua mencionando que «(…) na situação em apreço, foram à partilha todos os bens, sendo que para a quota ideal só concorrem os bens imóveis (…). No que respeita à liquidação controvertida, o excesso em bens imóveis apurado, resulta da consideração de uma quota de 1/2 para o cônjuge sobrevivo e de quotas de 1/6 para os herdeiros.

 

  1. «Partindo dessa premissa, uma vez que a atribuição dos imóveis se fez unicamente a favor dos filhos na proporção de 1/3 para cada, apurou-se um excesso correspondente a metade, ou seja, a 1/6.»

 

  1. Esclarece, ainda, a Requerida que «(…) prevê o Código do IMT que é sujeito a imposto "o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas". Fica, portanto sujeito a IMT a parte que receber, no âmbito de uma partilha, bens imóveis que excedam a sua quota-parte no conjunto de bens imóveis objecto da partilha.» Assim sendo, «(…), resulta da letra da lei que o excesso é calculado em face do valor patrimonial tributário dos bens imóveis ou, se superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha (i.e., o valor declarado na escritura pública).»

 

  1. Deste modo, manifesta o entendimento que «(…) uma primeira conclusão poderá ser desde já retirada das normas supra referidas: é que, a partilha de bens imóveis gerará imposto, na medida em que uma das partes fique com bens em valor superior ao da respectiva quota-parte na totalidade dos imóveis objecto da partilha. Contrariamente ao alegado pelo Requerente é facto assente que a escritura de partilha é, sem dúvida uma transmissão onerosa, na medida em que a partilha de bens imóveis gerará imposto na medida em que uma das partes fique com bens em valor superior ao da respectiva quota-parte na totalidade dos imóveis objecto da partilha.»

 

  1. Razão pela qual, segundo considera «[a] transmissão é sem dúvida onerosa, porque conforme se consagrou na partilha, foram adjudicados ao Requerente bens imóveis em valor que excedeu a sua quota ideal nesses bens imóveis. Por esse facto fica imediatamente verificado o pressuposto constante da alínea c) do referido n.º 5 do artigo 20 do CIMT por ocorrer excesso de quota-parte. E tal direito ficou constituído na partilha que foi celebrada.»

 

  1. Concluindo no sentido de que «(…) a situação dos autos preenche todos os pressupostos de incidência tributária, desde logo, porque além de constituir uma transmissão onerosa do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional, como determina o n.º 1 do artigo 2.º do CIMT.(…), também preenche o pressuposto constante da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º por ter ficado determinado na partilha que foram adjudicados bens imóveis em valor que excedeu a sua quota ideal nesses bens,» pelo que « se tratou de um negócio sujeito a IMT, tal como se decidiu nos despachos que indeferiram as Reclamações Graciosas da liquidação impugnada. A liquidação impugnada nos autos é legal, razão por que deve ser mantida.»

 

  1. Expostas as posições das partes, vejamos a quem assiste razão.

 

  1. Ora, desde logo, avança o Requerente a sua posição, com a referência ao Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (adiante denominado “Regulamento das Sucessões”) ao atribuir a competência à lei brasileira para regular a sucessão do «(…) Senhor F... [em virtude ter] como residência habitual, à data da sua morte, a Avenida ..., ..., ..., ..., ..., ..., Brasil, [pelo que](…) a lei aplicável à sua sucessão (incluindo a partilha da herança, até mesmo quando composta por bens localizados noutra jurisdição) era a lei brasileira.».

 

  1. Ora o referido Regulamento (EU) foi aprovado para facilitar o planeamento e a gestão das sucessões transnacionais.

 

  1. Com efeito, o Regulamento das Sucessões estabelece normas para determinar qual o Estado-Membro da União Europeia cujas autoridades irão tratar da sucessão transnacional e qual a legislação nacional aplicável à sucessão.

 

  1. Na verdade, para efeitos do regulamento, a expressão «Estados-Membros da EU» abrange todos os Estados-Membros da União Europeia, com exceção do Reino Unido, da Irlanda, e da Dinamarca, que não participam no regulamento.

 

  1. Ora, por um lado, o Brasil não faz parte da União Europeia, nem é considerado Estado-membro da EU,

 

  1. … por outro, mesmo que fosse e que se lhe fosse aplicável, prevê o Regulamento no seu considerando 10 que «[o] presente regulamento não deverá ser aplicável às questões fiscais, nem às questões administrativas de natureza de direito público. Caberá, portanto, ao direito nacional determinar, por exemplo, a forma de cálculo e de pagamento de impostos e outros encargos de direito público, quer se trate de impostos devidos pelo falecido no momento da sua morte ou de qualquer tipo de impostos relacionados com a sucessão a pagar pela herança ou pelos beneficiários. Caberá igualmente ao direito nacional determinar se a transferência de bens da herança aos beneficiários, no âmbito do presente regulamento, ou o registo de bens da herança pode ser sujeito ao pagamento de impostos».

 

  1.  Considerando este que tem efeitos práticos através do artigo 1.º do Regulamento, o qual sob a epígrafe Âmbito de aplicação” prevê que:

«1. O presente regulamento é aplicável aos regimes matrimoniais.

Não é aplicável às matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

2. São excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento:

a)  A capacidade jurídica dos cônjuges;

b)  A existência, validade ou reconhecimento de um casamento;

c)  As obrigações de alimentos;

d)  A sucessão por morte do cônjuge;

e)  A segurança social;

f)  O direito à transferência ou à adaptação entre cônjuges, em caso de divórcio, separação judicial ou anulação do casamento, dos direitos a pensão de reforma ou de invalidez adquiridos durante o casamento e que não tenham gerado rendimentos de pensão durante o casamento;

g)  A natureza dos direitos reais sobre um bem; e

h)  Qualquer inscrição num registo de direitos sobre um bem imóvel ou móvel, incluindo os requisitos legais para essa inscrição, e os efeitos da inscrição ou não inscrição desses direitos num registo.» (realce nosso).

  1. Significa isto que, o regulamento não abrange questões do âmbito fiscal dos Estados-membros da União Europeia.

 

  1. Nem poderá regular a questão que a Requerente trouxe ao conhecimento o presente tribunal, por se tratar de matéria fiscal.

 

  1. O legislador português manda aplicar à sucessão por morte a lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste (artigos 25.º e 62.º do Código Civil), a qual corresponde à lei da nacionalidade do indivíduo (artigo 31.º, n.º 1 do Código Civil).

 

  1. Como resulta, da matéria de facto dada como provada, (alínea A)) o de cujus tinha nacionalidade portuguesa, não resultando, dos autos, qualquer outra nacionalidade, mas tão só a residência do autor da sucessão, no Brasil.

 

  1. Ora, as normas de Direito Fiscal provêm do exercício do poder de soberania do Estado, o qual mediante a cobrança dos impostos, procura arrecadar receitas para fazer face às despesas públicas.

 

  1. Contudo, a cobrança dos impostos não pode ser feita de uma forma discricionária, devendo delimitar-se nas bases previstas na Constituição da República Portuguesa (CRP), respeitantes aos impostos e ao sistema fiscal, alicerçadas na ideia de soberania fiscal, no princípio da legalidade fiscal e no princípio da capacidade contributiva, entre outros.

 

  1. A CRP apresenta também as finalidades do sistema fiscal (artigo 103.º) e delimita os principais impostos que integram o sistema fiscal português.

 

  1. As normas de soberania fiscal constituem a base dos impostos e do respetivo sistema fiscal, a qual deve concretizar-se atendendo aos princípios fiscais fundamentais e nas leis ordinárias, as quais, subordinando-se às normas constitucionais, poderão definir os aspetos dos poderes tributários do Estado, disciplinando direta ou indiretamente a tributação, isto é, a exigibilidade dos impostos. 

 

  1. Ora, o direito fiscal português aplica-se a contribuintes fiscais residentes, a residentes não habituais (regime especial) e a não residentes em Portugal,

 

  1. … definindo as normas de incidência (objetiva e subjetiva), de determinação da matéria coletável, as taxas, entre outras, a aplicar aos vários impostos previstos naquele ordenamento jurídico.

 

  1. Ora, a questão que nos é colocada consubstancia-se na apreciação da legalidade do IMT incidente sobre bens imóveis sitos em território português, cujo direito de propriedade é transmitido, por via de uma partilha.

 

  1. Na verdade, no Código Municipal sobre as Transmissões Onerosas sobre I (Código do IMT) encontramos as referidas normas de incidência, no seu artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMT, o qual prevê que este imposto «incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional

 

  1. Com efeito, e particularmente no que às partilhas diz respeito, prevê a alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT que «(…) são também sujeitas ao IMT, designadamente:

c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário;»

 

  1. Mais dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Código em apreciação que «[o] IMT é devido pelos adquirentes dos bens imóveis, sem prejuízo das seguintes regras. Nas divisões e partilhas, o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens; »

 

  1.  Significa isto que, está sujeito a IMT as transmissões onerosas de imóveis sitos em Portugal, no que às partilhas diz respeito, a parte que receber bens imóveis que excedam a sua quota-parte no conjunto de bens imóveis objeto da partilha.

 

  1. Com efeito, e para aferir do eventual excesso da quota ideal, têm as autoridades fiscais portuguesas que seguir as regras do Código Civil, atendendo à norma constante da alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária, que determina a aplicação do Código Civil e Código Processo Civil, como legislação complementar, às matérias fiscais.

 

  1. Mais resulta do referido Código que, o excesso é calculado em face do valor patrimonial tributário dos bens imóveis ou, se superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha (isto é, o valor declarado na escritura pública) – vide artigo 12.º, n.º 4 regra 11.ª do Código do IMT -.

 

  1. Assim sendo, constata-se que a partilha de bens imóveis gerará imposto na medida em que uma das partes fica com bens em valor superior ao da respetiva quota-parte na totalidade dos imóveis objeto da partilha.

 

  1. Sendo, o pagamento do excesso feito por uma verba que, usualmente, se denomina “tornas”,

 

  1. … contudo, o imposto incide sobre esse excesso independentemente dessas tornas serem ou não pagas.

 

  1. No caso concreto, a escritura de partilha menciona que «[n]ão há lugar a tornas», porquanto na repartição das quotas foi aplicada a lei brasileira, aí se tendo incluindo unicamente os filhos do de cujus.

 

  1. Sucede que, a aplicação obrigatória neste caso da lei portuguesa quanto à partilha da herança provoca uma repartição diferente daquela que prevê a lei brasileira ao incluir o cônjuge sobrevivo nos herdeiros com direito à partilha dos bens do falecido.

 

  1. Tal alteração fez nascer na esfera jurídica dos filhos, únicos beneficiários dos imóveis sitos em Portugal, um excesso que a AT quantificou devidamente e que tributou de acordo com a lei aplicável.  

 

  1. Na verdade, o imposto incide não sobre as eventuais tornas que possam ou não ter sido pagas por quem ficou com bens (imóveis) que excediam a sua quota ideal, mas tão-só sobre o próprio excesso.

 

  1. Ora, no caso concreto, o acervo patrimonial adquirido na constância do matrimónio foi apurado, à data da sucessão, em € 5.298.175,99 (cinco milhões, duzentos e noventa e oito mil, cento e setenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos), o qual era constituído por diversos bens e direitos.

 

  1.  Na partilha foi aplicada a lei brasileira, na qual as situações de comunhão de adquiridos, com referência aos bens comuns do casal, o cônjuge sobrevivo teve apenas direito à sua meação nesses bens, não adquirindo com referência à parte dos bens comuns que constituem a herança, a qualidade de herdeiro.

 

  1. Cabendo, desta forma, à viúva, a título de meação, metade do valor do acervo patrimonial do extinto casal, totalmente adquirido na constância do casamento, o que correspondeu a parte dos créditos de suprimentos, no valor de € 2.649.088,00 (dois milhões, seiscentos e quarenta e nove mil e oitenta e oito euros) detidos sobre a sociedade J..., Lda., ficando, por esta via preenchida a sua meação.

 

  1. O património remanescente, no valor de € 2.649.088,00, do qual fazem parte bens móveis, imóveis (sitos em Portugal) e direitos, constituiu a herança a partilhar entre os filhos do autor da sucessão, considerados segundo a lei brasileira como seus únicos herdeiros.

 

  1. Nessa partilha, os bens imóveis – com manifesto interesse – foram adjudicados em compropriedade e em partes iguais aos três herdeiros – filhos do autor da sucessão - .

 

  1. Ora, atendendo que não se aplica a lei brasileira, a questões fiscais, vê-se a Autoridade Tributária e Aduaneira compelida a compulsar o Código Civil português, por aplicação ex vi do artigo 2.º da LGT, como referido, o qual prevê no seu artigo 2132.º que «são herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado pela ordem e segundo as regras constantes do presente título»

 

  1. Prevendo o artigo 2133.º, n.º 3, alínea a) do mesmo diploma legal, qual a ordem por que são chamados os herdeiros, referindo o cônjuge e os descendentes, em primeiro lugar.

 

  1. Deste modo, a herança aberta por óbito do de cujus deveria ser partilhada entre o cônjuge sobrevivo e os descendentes, sendo que, nos termos do artigo 2139.º do Código Civil, «[a] partilha entre o cônjuge e os filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros; a quota do cônjuge, porém, não pode ser inferior a uma quarta parte da herança .»

 

  1. Tendo sido este o raciocínio feito pela AT ao liquidar o IMT sindicado nos presentes autos.

 

  1. Segundo esclarecem J Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas[4], «(…) para que uma partilha judicial ou extrajudicial ou uma divisão de coisa comum sejam susceptíveis de gerar a incidência deste tributo é necessário que a algum ou a alguns dos interessados sejam adjudicados bens imóveis em valor que exceda o da sua quota ideal nesses bens»

 

  1. De referir, igualmente, José Maria Fernandes Pires[5] segundo o qual «[a] partilha não é um ato sujeito em si mesmo a Imposto do Selo nem a IMT. Na verdade, a função da partilha é proceder à distribuição dos bens em função da quota ideal de cada um dos herdeiros, pelo que se essa distribuição respeitar aquela proporção, não haverá IMT a pagar. Nesses casos não ocorre qualquer transmissão no ato da partilha porque, como estabelece o Código Civil no artigo 2119º, a aquisição por via sucessória retroage à data da abertura da herança. Porém, nos casos em que dessas partilhas resulte que determinado herdeiro recebe bens imóveis superior à sua quota na herança, haverá sujeição a IMT, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2º do CIMT. Nesses casos a parte do valor do(s) prédio(s) que excede a quota do herdeiro é adquirida por efeito da partilha e não por mero efeito da sucessão. Por essa razão haverá sujeição a IMT na data da sua outorga, mas o imposto só incide sobre a parte do valor do imóvel recebido pelo herdeiro que excede a sua quota ideal.»    

 

  1. No que respeita à liquidação controvertida, segundo a Requerida, o excesso em bens imóveis apurado, resulta da consideração de uma quota de 1/2 para o cônjuge sobrevivo e de quotas de 1/6 para os herdeiros.  

 

  1. Assim sendo, e considerando que a atribuição dos imóveis se fez unicamente a favor dos filhos na proporção de 1/3 para cada, é manifesto que se apurou um excesso correspondente à quota ideal que a cônjuge do de cujus deveria ter recebido, aplicando-se a lei portuguesa quanto a esta matéria.

 

  1. Na verdade, sendo a escritura de partilha uma transmissão onerosa, é manifesto que gerará imposto na medida em que uma das partes fique com bens em valor superior ao da respetiva quota-parte na totalidade dos imóveis objeto dessa partilha.

 

  1.  No caso em apreço, temos que a transmissão, efetuada através da partilha é, sem dúvida, onerosa, porquanto foram adjudicados bens imóveis, ao Requerente, em valor que excedeu a sua quota ideal nesses bens imóveis, ficando, deste modo, verificado o pressuposto previsto na alínea c) do referido n.º 5 do artigo 2.º do CIMT por ocorrer excesso de quota-parte.

 

  1. Face a tudo o exposto, é entendimento deste Tribunal que se encontram destituídas de fundamento as pretensões do Requerente, pelo que, é o seu pedido totalmente improcedente.

 

VIII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente manter na ordem jurídica a liquidação de IMT sindicada por dela não padecer qualquer vício.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 15.581,64 (quinze mil, quinhentos e oitenta e um euros e sessenta e quatro cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo do Requerente, de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros).

  

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de abril de 2020

***

O Árbitro

 

 

Jorge Carita

 



[1] Disponível em http://www.dgsi.pt/

[2] Disponíveis em http://www.dgsi.pt/

[3] Disponíveis em http://www.dgsi.pt/

[4] In “Os Impostos sobre o Património lmobiliário”, Engifisco. Pág. 330

[5] In “ Lições de Impostos sobre o Património e o Selo”- 3ª edição – Almedina, pág. 303: