Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 658/2020-T
Data da decisão: 2021-07-19  Selo  
Valor do pedido: € 1.048.486,74
Tema: Imposto do Selo – Operações financeiras destinadas à cobertura de carências de tesouraria; isenção; artigo 7.º, n.º 1, alínea g) do CIS. Indemnização por prestação de garantia indevida.
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SUMÁRIO:

I – As operações de financiamento realizadas por sociedade gestora de participações sociais, destinadas a suprir carências de tesouraria, por um período inferior a um ano, em benefício e uma sociedade com a qual existe uma relação de domínio, encontram-se cobertas pela isenção de Imposto do Selo estatuída na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;

II – Nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1, alínea c), e 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, não é vedada a realização de operações de tesouraria, em benefício de uma sociedade gestora de participações sociais, pelas sociedades participadas que com elas estejam em relação de domínio ou de grupo;

III – A prestação de garantia através de fiança não constitui garantia bancária ou equivalente, para efeito do disposto nos artigos 171.º, n.º 1, do CPPT e 53.º, n.º 1, da LGT, pelo que não confere o direito a indemnização por garantia indevida no âmbito do processo tributário em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dr. Ricardo Marques Candeias e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 23 de novembro de 2020, A..., SGPS, S.A., NIPC..., com sede no ...,  ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação:

(i) do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020...;

(ii) do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2019... e dos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., todos relativos ao ano de 2017 e dos quais resultou o montante total a pagar de € 1.048.486,74.

A Requerente juntou 8 (oito) documentos e arrolou uma testemunha – posteriormente, prescindiu da produção de prova testemunhal –, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.    

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

«- A Requerente é uma SGPS cujo capital social é detido em 99,94% pela B..., SGPS, S.A.] (…).

- A B... é também uma SGPS e constitui a “holding” de cúpula do Grupo C..., que agrega as múltiplas participações empresariais adquiridas pelo Sr. D... ao longo da sua carreira de empresário e que é hoje detida pelas suas herdeiras (…).

- A B..., enquanto SGPS que gere proactivamente o seu portfólio de participações sociais, presta um apoio directo às suas participadas, em especial, ao nível do financiamento.

- No que respeita ao financiamento, a B... recebe das sociedades suas participadas inúmeras solicitações de financiamento, solicitações essas que amiúde são substancialmente superiores às suas disponibilidades de tesouraria.

- Por sua vez, a Requerente, sendo detida (quase) a 100% pela B... (SGPS), a qual se encontra no vértice da estrutura de participações do Grupo, está invariavelmente sujeita às instruções desta, ainda que não com a extensão prevista no artigo 503º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

- (…), no curso da sua actividade, é normal a Requerente dispor de considerável liquidez por via dos dividendos que lhe são distribuídos, e essa liquidez pode ser utilizada de forma muito dinâmica e expedita mediante a concessão de crédito a curto prazo, ie., por prazo inferior a um ano, e exclusivamente destinado a fazer às carências de tesouraria da sociedade-mãe.

- Tudo com o objectivo de minorar a dependência da B... de financiamentos externos (ie., junto de instituições financeiras), e dos encargos que os mesmos acarretam.

- Ora, foi precisamente isto que sucedeu em 2017: situações intermitentes de carência de tesouraria, normais em qualquer Grupo económico com a dimensão e complexidade do Grupo C..., que, como é natural, foram cobertas por recursos próprios do Grupo, sem necessidade de distribuições formais de dividendos ou de financiamentos externos.

- As operações de financiamento nos moldes citados (ie., a curto prazo e para suprir carências de tesouraria), além de perfeitamente enraizadas na prática empresarial, são, na verdade, consentidas expressamente pela lei quando realizadas por uma SGPS (como a Requerente) a favor da SGPS que detém o respectivo capital social e que, por conseguinte, com ela se liga numa relação de domínio ou de grupo, nos termos definidos pelo direito societário.

- O consentimento legal àquelas operações financeiras está, aliás, expresso na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redacção conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, segundo a qual são isentas de Imposto do Selo: “as operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas á cobertura de carência de tesouraria e (…) efectuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo” (…).

- (…) a alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do RGICSF, em derrogação do princípio da exclusividade do exercício daquela actividade pelas instituições crédito e pelas sociedades financeiras, determine que não são consideradas como concessão de crédito, “as operações de tesouraria, quando legalmente permitidas, entre sociedades que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo”,

- assim como outras operações de concessão de crédito, tais como “os suprimentos e outras formas de empréstimos e adiantamentos entre uma sociedade e os respectivos sócios” (vide alínea a) do citado preceito legal).

- (…) na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do LSGPS [Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro] permite-se que uma SGPS conceda crédito em situações contadas, e de âmbito subjectivo muito limitado:

a) às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.° do CSC;

b) às sociedades nas quais detenha participações correspondentes a, pelo menos, 10% do capital com direito de voto, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2 do artigo 1.º do LSGPS);

c) às sociedades nas quais não detenha participações correspondentes a, pelo menos, 10% do capital com direito de voto, quando a aquisição das participações resulte de fusão ou de cisão da sociedade participada, ou quando a participação ocorra em sociedade com a qual a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação (alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do LSGPS).

- Em seguida, (…),no n.º 3 do artigo 5.º do LSGPS, o legislador consagra expressamente que “as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro”.

- (…), as operações de tesouraria, quando realizadas por uma SGPS (a Requerente) em benefício de outra SGPS (a B...) que com ela se encontre em relação de domínio ou de grupo não constituem concessão de crédito, não consubstanciando, por conseguinte, operações vedadas por lei; muito pelo contrário, correspondem a operações expressamente consentidas pela lei.

                - (…), a Requerente é detida em (quase) 100% pela B..., acumulando esta sociedade a (quase) totalidade dos direitos de voto daquela e exercendo efectivamente uma influência dominante ou controlo sobre aquela, estando, por tal, preenchidos os requisitos do RGICSF para que a relação entre ambas se considere como uma relação de domínio (…) que, in casu, é quase total.

                - (…), a norma em apreço [artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS] é clara na subsunção destas operações à isenção quando dispõe que são isentas deste imposto “as operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria (…) efectuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo”.

                - Caso se entendesse que estaríamos perante “operações vedadas” por lei – o que apenas se concede por dever de patrocínio –, ainda assim essas operações estariam isentas de Imposto do Selo ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. 

- É que, de acordo com o n.º 1 do artigo 38.º da LGT, “A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”.

- Em sentido convergente, prevê o artigo 10º do mesmo diploma que “o carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”.

- (…) a Requerente não procedeu à liquidação do Imposto do Selo, cujo encargo é da B..., por entender que, à luz do direito, aquelas operações não são vedadas e serem perfeitamente subsumíveis à isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não tendo resultado a não liquidação do imposto de uma falta de diligência ou negligência sua.

- No entanto, nem que a mesma fosse devida lhe caberia a ela suportar o imposto aqui impugnado.

- (…), seria absurdo, por desproporcionado, que por um erro de interpretação legal acerca de uma determinada isenção se fosse responsabilizar o substituto (a Requerente) pelo pagamento da liquidação adicional efectuada quando o proveito material e económico foi da substituída B... enquanto utilizadora do crédito; a única solução legal e justa, e que não passa à revelia do que parece ter sido a intenção do legislador é a de onerar com o encargo do imposto a sociedade utilizadora do crédito e não a Requerente.

- A Requerente optou por não proceder ao pagamento voluntário do imposto, tendo prestado garantia sob a forma de fiança para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal entretanto instaurado (…).

                - (…), a Requerente requer desde já a condenação da AT no pagamento da indemnização prevista nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, caso venha a ser julgada indevida a garantia prestada.»

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 27 de novembro de 2020.

               

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15 de janeiro de 2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

4. No dia 11 de junho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas; na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:

                «- (…), como se explicita na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, mediante uma leitura atenta do RIT que serviu de base à correção supra aludida em sede de IS, considerou-se que não é aplicável as isenções de IS previstas nas alíneas g) e h) do n.º 1 do art. 7.º do CIS às operações financeiras de concessão de crédito, por prazo inferior a um ano, destinando-se a fazer face a carências de tesouraria, a favor da “B..., SGPS, S.A.”, em virtude da A... não deter qualquer participação na entidade utilizadora do crédito; e por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS também não é aplicável, dado que, não existindo qualquer participação da Reclamante na “B..., SGPS, S.A.”, os empréstimos não têm carácter de suprimentos efetuados pelos sócios às suas participadas.

- (…), não podemos senão concluir como na decisão da reclamação graciosa e respetivo projeto de decisão, isto é, que estes fluxos financeiros entre as empresas de um mesmo grupo económico configuram movimentos de concessão e obtenção de crédito, por forma a que no grupo se permita haver uma gestão de necessidades de fundos, verificando-se uma compensação diária com os excedentes e assim evita-se a necessidade de socorrerem de outro método para satisfazer as necessidades de tesouraria do grupo e, consequentemente, suportar os respetivos custos de financiamento externo.

- Aliás, como aí referido, estas operações de tesouraria que se traduzem em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras e a relação jurídica que se estabelece entre as entidades credoras e devedoras do capital e juros e entidade centralizadora, corporiza-se através dos financiamentos concedidos e/ou obtidos e que representam efetivas operações de crédito, qualquer que seja a sua forma ou prazo, (…).

- (…), como explicitado no RIT e na decisão da reclamação graciosa, na situação dos autos, verifica-se a violação do determinado pela alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro, segundo o qual é vedado às SGPS “Conceder crédito, exceto ás sociedades que sejam por elas dominadas nos termos do art. 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º (…)”.

- Resulta pois, em consonância com as conclusões do Relatório de Inspeção Tributária, que a isenção de IS invocada pela Requerente assenta sobre uma operação que a lei interdita, o que colide frontalmente com o propósito expresso no n.º 1 do art. 2.º do EBF quando se refere à “tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.

- (…), importa pois concluir como no RIT e na decisão da reclamação graciosa, que a “ B..., SGPS, S.A.”, entidade utilizadora do crédito sob análise, é a holding da or Reclamante, não detendo esta última qualquer participação no capital social da primeira, razão pela qual, a concessão do crédito acima mencionado é uma operação vedada à Requerente, não podendo esta operação de financiamento beneficiar da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, nem tão pouco das isenções previstas nas alíneas h) e i), uma vez que não estão em causa operações referidas na alínea g) ou empréstimos com características de suprimentos efetuadas por detentor de capital à sua participada, aplicando-se desta forma as regras gerais de sujeição a IS.

- (…), o facto tributário é de formação sucessiva, incidindo imposto à taxa de 0,04% sobre a matéria coletável resultante da média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, nascendo a obrigação tributária no último dia de cada mês, conforme a 2.ª parte da alínea g) do artigo 5.º do CIS, pelo que a sujeição encontra-se consagrada nos termos da Verba 17.1.4 da TGIS.

- (…), não se acompanha o entendimento da Reclamante, no que tioca à entidade que deve suportar o encargo do imposto, (…), pois consideramos que a incidência subjetiva contemplada na verba 17 da TGIS faz recair o encargo do imposto sobre a entidade utilizadora de crédito (neste caso, a “B..., SGPS, S.A.”), no entanto figurará sempre como sujeito passivo de imposto as entidades concedentes de crédito (como é o caso, da ora Reclamante) e como está obrigada ao cumprimento da prestação tributária, em regime de substituição, obrigação esta materializada com a respetiva liquidação, arrecadação da entidade que deve suportar o encargo do imposto e a consequente entrega do mesmo nos cofres do Estado, de acordo como disposto nos artigos 20.º em conjugação com a al. b) do n.º 1 do artigo 2.º e na al. f) do n.º 1 do artigo 3.º, todos do CIS.

- (…) as garantias sob a forma de fiança, de penhora e hipoteca, não satisfazem os requisitos previstos no artigo 53.º, n.º 1, da LGT, o que significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.           

- (…), estamos perante uma garantia prestada sob a forma de fiança, não tendo também a Requerente alegado nem provado despesas relacionadas com a prestação da mesma, na medida que, compulsado o documento junto aos autos como Doc. 8, constata-se que o mesmo se refere a uma guia cujo NIF/NIPC não corresponde ao da Requerente arbitral.

- A que acresce o facto de, face aos elementos juntos, não ser possível interligar a garantia efetivamente prestada e a despesa referida na guia de pagamento.»

 

5. No dia 2 de julho de 2021, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, tendo ainda sido indicado o dia 25 de setembro de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

II. SANEAMENTO

6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

 

                III. FUNDAMENTAÇÃO

                III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS               

7. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), cujo capital social de € 4.865.000,00 (correspondente a 973.000 ações, com o valor nominal de € 5,00 cada), à data de 31.12.2017, era detido em 99,94% pela sociedade “B...– SGPS, S.A.”, NIPC ... (doravante, B...). [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]

                b) A “B...” é também uma sociedade gestora de participações sociais e constitui a holding de cúpula do “Grupo C...”, agregando as múltiplas participações empresariais adquiridas por D... ao longo da sua carreira de empresário e que é hoje detida pelas suas herdeiras. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]  

                c) À data dos factos, a Requerente era e, atualmente, continua a ser a sub-holding do “Grupo C...” para a área da energia, detendo, nomeadamente e entre outras, através da sua subsidiária “E...– SGPS, S. A.” (detida a 100%) uma participação indireta de 35% da “F..., BV” que, por seu turno, detém uma participação social correspondente a 38,34% na “G...”.  

                d) No decorrer da sua atividade, é normal a Requerente dispor de considerável liquidez por via dos dividendos que lhe são distribuídos, a qual pode ser utilizada para a concessão de crédito a curto prazo, isto é, por prazo inferior a um ano e exclusivamente destinado a fazer face às carências de tesouraria da sociedade-mãe (a “B...”) e com o objetivo de minorar a dependência desta de financiamentos externos e dos encargos que os mesmos acarretam.

                e) No decurso do ano de 2017, a “B...” enfrentou situações intermitentes de carências de tesouraria que foram cobertas por recursos próprios do “Grupo C...”, sem necessidade de distribuições formais de dividendos ou de financiamentos externos.     

f) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2019..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial (IRC e Imposto do Selo), relativo ao ano de 2017, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária – constante do documento n.º 3 anexo ao PPA e do PA e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido – do qual importa respigar os seguintes segmentos:

 

(…)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

g) A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, através de ofício, datado de 05.12.2019, dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, remetido por carta registada. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e PA]    

h) Na sequência da sobredita ação inspetiva, a AT emitiu e notificou à Requerente a liquidação de Imposto do Selo n.º 2019... e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., todas relativas ao ano de 2017 e dos quais resultou o montante total a pagar de € 1.048.486,74 (€ 960.755, 97 de imposto e € 87.730,77 de juros compensatórios), com data-limite de pagamento em 27.01.2020. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]

i) Em 25 de maio de 2020, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação de imposto e de juros compensatórios elencados no facto provado anterior – cujo requerimento inicial consta do documento n.º 4 anexo ao PPA e do PA e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2020... e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.

j) A mencionada reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (por subdelegação de competências), concordante com a Informação n.º 215-APT/2020, datada de 25.08.2020 e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, com a fundamentação constante da Informação n.º 186-APT/2020, datada de 15.07.2020 e que aqui também se dá por inteiramente reproduzida [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA].    

k) A Requerente foi notificada do aludido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, através do ofício n.º..., datado de 03.09.2020, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, remetido por carta registada. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]

l) A Requerente não efetuou o pagamento voluntário do montante de € 1.048.486,74, resultante das liquidações de Imposto do Selo e de juros compensatórios elencadas no facto provado h), motivo pelo qual lhe foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2020..., visando a respetiva cobrança coerciva. [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA]

m) A fim de suspender o referido processo de execução fiscal, a Requerente prestou garantia sob a forma de fiança, no montante de € 1.328.118,06, pela qual foi liquidado Imposto do Selo, em nome da fiadora “B...”, no valor de € 7.968,71, que foi pago em 20.04.2020. [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA]     

n) No dia 23 de novembro de 2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

8. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

9. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

                III.2. DE DIREITO

                §1. O THEMA DECIDENDUM

10. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes consiste em determinar se as operações de financiamento realizadas pela Requerente, no decurso do ano de 2017, destinadas a suprir carências de tesouraria, por um período inferior a um ano, a favor da “B...” podem, ou não, beneficiar da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (doravante, CIS).

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos do disposto no artigo 53.º da LGT e no artigo 171.º do CPPT.

 

§2. ENQUADRAMENTO NORMATIVO

                11. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais e, por isso, importa começarmos por ter presente o específico regime jurídico dessas sociedades, constante do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, na redação aplicável, com particular destaque para as seguintes normas legais:

“Artigo 1.º

Sociedades gestoras de participações sociais

1 - As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

2 - Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

3 - Para efeitos do número anterior, considera-se que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano.

4 - As SGPS podem adquirir e deter participações de montante inferior ao referido no n.º 2, nos termos dos n.ºs 3 a 5 do artigo 3.º

 

Artigo 5.º

Operações vedadas

1 - Às SGPS é vedado:

(…)

c) Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 - Para efeitos da alínea c) do número anterior, a concessão de crédito pela SGPS a sociedades em que detenham participações aí mencionadas, mas que não sejam por ela dominadas, só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento.

3 - As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

(…)

 

Artigo 11.º

Aplicação das normas respeitantes a sociedades coligadas

1 - O disposto neste diploma não prejudica a aplicação das normas respeitantes a sociedades coligadas, as quais constam do título VI do Código das Sociedades Comerciais.

2 - É vedado a todas as sociedades participadas por uma SGPS, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º, adquirir acções ou quotas da SGPS sua participante, e bem assim de outras SGPS que nesta participem, exceptuados os casos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 487.º do Código das Sociedades Comerciais.”   

 

                12. Nos n.ºs 1, alínea c), e 3 do citado artigo 5.º é feita referência a sociedades em relação de domínio ou de grupo, bem como ao artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC), importando aqui atendermos às seguintes normas deste compêndio legal, na redação aplicável:    

“Artigo 482.º

Sociedades coligadas

Para efeitos desta lei, consideram-se sociedades coligadas:

(…)

c) As sociedades em relação de domínio;

d) As sociedades em relação de grupo.

 

Artigo 486.º

Sociedades em relação de domínio

1 - Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.

2 - Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente:

a) Detém uma participação maioritária no capital;

b) Dispõe de mais de metade dos votos;

c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.

3 - Sempre que a lei imponha a publicação ou declaração de participações, deve ser mencionado, tanto pela sociedade presumivelmente dominante, como pela sociedade presumivelmente dependente, se se verifica alguma das situações referidas nas alíneas do n.º 2 deste artigo.”

 

13. Acresce ainda que, atenta a menção ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante, RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que é feita no n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, importa aqui convocarmos as seguintes normas desse diploma legal, na redação aplicável:

“Artigo 2.º-A

Definições

Para efeitos do disposto no presente Regime Geral, entende-se por:

(…)

ff) «Relação de controlo» ou «relação de domínio», a relação entre uma empresa-mãe e uma filial, ou entre qualquer pessoa singular ou coletiva e uma empresa:

i) Quando se verifique alguma das seguintes situações:

1.º) Deter a pessoa singular ou coletiva em causa a maioria dos direitos de voto;

2.º) Ser sócio da sociedade e ter o direito de designar ou de destituir mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização;

3.º) Poder exercer influência dominante sobre a sociedade, por força de contrato ou de cláusula dos estatutos desta;

4.º) Ser sócio da sociedade e controlar por si só, em virtude de acordo concluído com outros sócios desta, a maioria dos direitos de voto;

5.º) Poder exercer, ou exercer efetivamente, influência dominante ou controlo sobre a sociedade;

6.º) No caso de pessoa coletiva, gerir a sociedade como se ambas constituíssem uma única entidade;

ii) Na aceção das normas de contabilidade a que a instituição esteja sujeita por força do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002;

iii) Para efeitos da aplicação dos pontos 1.º), 2.º) e 4.º) da subalínea i):

1.º) Considera-se que aos direitos de voto, de designação ou de destituição do participante equiparam-se os direitos de qualquer outra sociedade dependente do dominante ou que com este se encontre numa relação de grupo, bem como os de qualquer pessoa que atue em nome próprio, mas por conta do dominante ou de qualquer outra das referidas sociedades;

2.º) Deduzem-se os direitos relativos às ações detidas por conta de pessoa que não seja o dominante ou outra das referidas sociedades, ou relativos às ações detidas em garantia, desde que, neste último caso, tais direitos sejam exercidos em conformidade com as instruções recebidas, ou a posse das ações seja uma operação corrente da empresa detentora em matéria de empréstimos e os direitos de voto sejam exercidos no interesse do prestador da garantia;

iv) Para efeitos da aplicação dos pontos 1.º) e 4.º) da subalínea i), deduzem-se à totalidade dos direitos de voto correspondentes ao capital social da sociedade dependente os direitos de voto relativos à participação detida por esta sociedade, por uma sua filial ou por uma pessoa que atue em nome próprio mas por conta de qualquer destas sociedades;

(…)

jj) «Sociedades em relação de grupo», sociedades coligadas entre si nos termos em que o Código das Sociedades Comerciais caracteriza este tipo de relação, independentemente de as respetivas sedes se situarem em Portugal ou no estrangeiro;

(…)

 

Artigo 9.º

Fundos reembolsáveis recebidos do público e concessão de crédito

(…)

2 - Para efeitos dos artigos anteriores, não são considerados como concessão de crédito:

a) Os suprimentos e outras formas de empréstimos e adiantamentos entre uma sociedade e os respetivos sócios;

(…)

d) As operações de tesouraria, quando legalmente permitidas, entre sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo;

(…)”

 

14. Posto isto. No artigo 7.º, n.ºs 1, alínea g), 2 e 3, do CIS, na redação concretamente aplicável, é estatuído o seguinte:

“Artigo 7.º

Outras isenções

1 – São também isentos do imposto:

(…)

g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo;

(…)

2 – O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

3 – O disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

(…)”

                A propósito das aludidas operações financeiras, que inserem numa categoria que denominam de «financiamentos intra-grupo», Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (Imposto do Selo: operações financeiras e de garantia, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 192 a 217) afirmam o seguinte que aqui importa reter:

                «Para compreender esta isenção, bem como as limitações à sua aplicação, importa começar por procurar entender a ratio legis da sua criação, que visará incentivar os grupos económicos a fazer uma gestão integrada da sua tesouraria, permitindo-lhes a flexibilidade necessária para que a mesma seja eficaz e não encontre barreiras ao nível do Imposto do Selo. Se atendermos a que, muitas vezes, dentro do mesmo grupo económico, fruto das diferentes atividades desenvolvidas, existem entidades que apresentam frequentemente excedentes de tesouraria, enquanto outras entidades (pelo menos em determinados momentos) se deparam com necessidades de tesouraria, facilmente concluímos que uma gestão racional procurará utilizar a liquidez das entidades excedentárias para financiar as carências das entidades deficitárias, sem necessidade de recorrer a outros meios de financiamento, muitas vezes, mais complexos, mais onerosos e mais morosos.

                (…)

                Conforme da norma em análise, atualmente, a isenção tem aplicação às operações de financiamento, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano e desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria, nos seguintes casos: 

i)             Financiamentos realizados por SCR às suas participadas, sem qualquer limitação em termos de participação;

(…)

ii)            Financiamentos realizados por quaisquer sociedades a sociedades por si dominadas;

(…)

iii)           Financiamentos realizados por quaisquer sociedades às suas participadas, desde que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5.000.000, de acordo com o último balanço acordado;

(…)

iv)           Financiamentos realizados em benefício de qualquer sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo, dando esta parte da norma cobertura à aplicação da isenção a financiamentos realizados pelas sociedades “filhas” às sociedades “mãe”, desde que, repita-se, se verifique uma relação de domínio ou de grupo.  

(…)

Conforme decorre da redação da norma, um dos critérios para que a isenção de Imposto do Selo seja aplicável é de que a operação de financiamento não tenha prazo superior a 1 ano, abrangendo assim apenas operações de curto prazo, numa lógica de cobertura de necessidades de tesouraria, ou seja, satisfazer responsabilidades imediatas, em que o devedor tem capacidade de reembolsar os fundos num curto horizonte temporal.

Em termos práticos, a isenção abrange as operações de financiamento onde o período que medeia entre a disponibilização dos fundos e o seu reembolso ao credor não ultrapasse o período de 1 ano. (…)

Outro dos critérios definidos na norma para efeitos de aplicação da isenção prende-se com a finalidade das operações de financiamento, exigindo-se que as mesmas sejam “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria”.

(…) atendendo estritamente a uma lógica financeira baseada no senso comum, parece-nos razoável que a expressão “carência de tesouraria” seja interpretada no sentido de, num determinado momento, inexistirem disponibilidades financeiras (entenda-se, caixa e depósitos bancários) para fazer face às responsabilidades de curto prazo da empresa.

(…) é jurisprudência assente que o ónus da prova quanto à verificação dos requisitos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), nomeadamente quanto à demonstração da existência de “carência de tesouraria”, recai sobre o sujeito passivo.

(…)

Outro dos critérios determinados na norma de isenção prende-se com a percentagem e/ou valor de aquisição da participação detida pela entidade financiadora na entidade beneficiária do financiamento, (…).

A este respeito, entendemos que a determinação expressa de que a verificação dos requisitos da participação é efetuada “de acordo com o último balanço acordado” deve ser interpretada no sentido de existir um balanço do sócio que espelhe tal condição, devidamente assinado pelo responsável da contabilidade e pela administração. Ao utilizar a expressão “acordado”, em vez de “aprovado”, entendemos que o legislador terá procurado não limitar a aferição das condições ao balanço do último exercício aprovado em Assembleia Geral pelos sócios, pois tal situação poderia revelar-se limitativa, quando o sócio apenas passe a cumprir as condições de detenção a meio de um determinado ano.

(…)

Tem-se entendido que a utilização da expressão “relação de domínio ou de grupo” deve ser analisada à luz do direito das sociedades, em concreto do CSC. (…)

Neste sentido, importa perceber o que s entende por “relação de domínio” e por “relação de grupo” ao abrigo do CSC, tendo sempre em mente o que julgamos ser os objetivos da isenção em análise.

(…)

Nos termos do artigo 486.º, n.º 1, do CSC, “considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante”. Quanto ao conceito de “dependência”, estabelece o n.º 2 do artigo 486.º do CSC que tal se presume ocorrer quando, de forma direta ou indireta, uma sociedade relativamente a outra:

“a) Detém uma participação maioritária no capital;

                b) Dispõe de mais de metade dos votos;

c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.”

(…)

Mais complexa é a questão de avaliar a existência, ou não, de uma “relação de grupo” entre duas ou mais entidades, de forma a aferir se um financiamento entre as mesmas pode aproveitar da isenção de Imposto do Selo aqui em análise.

O capítulo III do CSC trata a temática das “sociedades em relação de grupo”, aí ficando estabelecido, desde logo, três tipologias de situações em que se considera haver a referida “relação de grupo”. Em concreto, aquele capítulo refere-se às situações de (i) domínio total (inicial ou superveniente) – cf. artigo 488.º e seguintes do CSC; (ii) contrato de grupo paritário – cf. artigo 492.º do CSC; e (iii) contrato de subordinação – cf. artigo 493.º e seguintes do CSC.

(…) parece-nos não ser de excluir uma posição em que a aplicação da isenção se estenda a outras situações que, apesar de não expressamente tipificadas no CSC, se encontrem suportadas do ponto de vista da realidade económica. Parece-nos especialmente relevante o caso das “sociedades irmãs” em que, não havendo uma relação de participação entre elas, é inequívoca a sua relação de grupo económico, na media em que estejam sujeitas a uma direção unitária e comum.» 

 

§3. O CASO CONCRETO: APRECIAÇÃO E SUBSUNÇÃO NORMATIVA

15. Volvendo ao caso concreto, importa começar por realçar que situações fáticas e questões jurídico-tributárias similares às sub judice foram já apreciadas em anteriores processos arbitrais que correram termos sob o n.º 294/2019-T e sob o n.º 913/2019-T, os quais tiveram por objeto liquidações de Imposto do Selo e de juros compensatórios referentes aos anos de 2015 e de 2016, respetivamente, decorrentes de outras ações inspetivas de que foi alvo a Requerente e que incidiram sobre Imposto do Selo daqueles anos.

No acórdão arbitral proferido no processo n.º 294/2019-T, foi decidido que os atos tributários ali impugnados padeciam de erro sobre os pressupostos de direito e, consequentemente, deviam ser anulados, porquanto [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA]:

«A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente não beneficia da referida isenção porque é uma SGPS, sujeita ao regime do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e a alínea c) do n.º 1 do seu artigo 5.º «veda a concessão de crédito por parte de uma SGPS a favor de qualquer sociedade em que não detenha participação», aqui residindo, no seu juízo, o obstáculo à isenção, prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Com esse pressuposto, entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira que não se pode aplicar uma isenção a uma operação que a lei interdita, pois isso não se compagina com o propósito expresso no n.º 1 do art. 2.º do EBF quando que os benefícios fiscais têm em vista a "tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem".

A Requerente, porém, defende que a proibição invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, não tem fundamento, pois o n.º 3 do mesmo artigo 5.º estabelece que «as operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro».

Afigura-se ser claro que a Requerente tem razão.

Na verdade, se é certo que daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º resulta a regra de que as SGPS não podem conceder crédito às sociedades dominantes e a sociedades em que não detenham participações, também é certo que este n.º 3 do mesmo artigo 5.º exclui dessa proibição «as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo».

Esta norma do n.º 3 tem natureza excepcional em relação à da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, pelo que tem preferência na sua aplicação às situações que prevê.

Ora, a situação em apreço enquadra-se perfeitamente na hipótese prevista neste n.º 3, pois a Requerente é participada da B..., SGPS, SA (que é uma SGPS) e efectuou em benefício dela operações de tesouraria e a relação de domínio entre esta e a Requerente é manifesta, em face da titularidade por parte daquela da quase totalidade do capital social desta (99,94%).

Na verdade, por força do preceituado no artigo 11.º, n.º 2, da LGT «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei». Por isso, não decorrendo da lei que se esteja a aludir a um conceito especial de relação de domínio, há que fazer apelo ao artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais, que estabelece que «considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante» e «presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente: a) Detém uma participação maioritária no capital».

Assim, não era vedado a Requerente efectuar as operações que efectuou em benefício da SGPS com que existe relação de domínio, pelo que se tem de concluir que a correcção efectuada assenta num erro sobre os pressupostos de direito.

Por outro lado, como bem defende a Requerente, esta situação enquadra-se na letra da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, em se atribui a isenção às «operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria (...) efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo».

Assim, não, se verificando o obstáculo à aplicação desta isenção que foi invocado no RIT, tem de se concluir que a correcção efectuada e a subsequente liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.»

O acórdão arbitral prolatado no processo n.º 913/2019-T perfilhou igual entendimento quanto à ilegalidade e subsequente anulação dos atos tributários ali impugnados, com a seguinte fundamentação de direito [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA]:

«2. Da (i)legalidade da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral

i. Operações vedadas às SGPS

As SGPS (sociedades gestoras de participações sociais) são sociedades com regulamentação específica no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30.12 (LSGPS), que têm por objeto social exclusivo a gestão de participações sociais noutras sociedades, com caráter de permanência, como forma indireta de exercício de atividades económicas e, apenas excecionalmente lhes é admitida a detenção de participações inferiores a 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (artigo 1.º, da LSGPS).

Sendo objeto social das SGPS a gestão de participações sociais noutras sociedades, são-lhes igualmente aplicáveis as normas respeitantes a sociedades coligadas, as quais constam do título VI do Código das Sociedades Comerciais (artigo 11.º, da LSGPS, e artigos 481.º e seguintes, do CSC).

Sociedades coligadas são as que mantêm entre si relações de simples participação, de participações recíprocas, de domínio ou de grupo (artigo 482.º, do CSC), presumindo-se como relação de domínio aquela em que a sociedade dita dominante detém, direta ou indiretamente, uma participação maioritária no capital da participada, dispõe de mais de metade dos respetivos direitos de voto e tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros dos seus órgãos de administração ou de fiscalização (artigo 486.º, n.º 2, do CSC).

É ainda frequente que, dentro de um grupo societário, se os acionistas nisso tiverem interesse, procedam ao agrupamento das participações em diferentes SGPS, “neste caso com o caráter de sub-holdings, vocacionadas para a gestão de participações de objeto e diferente natureza”.

Ora, face à factualidade dada como provada e não contestada pela Requerida, parece inequívoco que a relação estabelecida entre a Requerente e a beneficiária do crédito é uma relação de domínio, tendo ambas a natureza jurídica de SGPS.

No entanto, por ser a Requerente uma SGPS, fundamenta a AT, quer no RIT na sequência do qual foi emitida a liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios do ano de 2016 objeto dos autos, quer na decisão da reclamação graciosa que manteve a mesma liquidação, a impossibilidade de aplicação da norma de isenção constante do artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS, no facto de, da sua perspetiva, a concessão de crédito ser uma operação vedada às SGPS, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30.12.

Na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 378/98, de 27.11, em vigor à data dos factos, o artigo 5.º, da LGSPS, na parte que interessa à decisão da causa, estatuía o seguinte:

“Artigo 5.º - Operações vedadas

1 - Às SGPS é vedado:

a) Adquirir ou manter na sua titularidade bens imóveis, exceptuados os necessários à sua própria instalação ou de sociedades em que detenham as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º, os adquiridos por adjudicação em ação executiva movida contra os seus devedores e os provenientes de liquidação de sociedades suas participadas, por transmissão global, nos termos do artigo 148.º do Código das Sociedades Comerciais;

b) Antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, alienar ou onerar as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º e pelas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º, excepto se a alienação for feita por troca ou o produto da alienação for reinvestido no prazo de seis meses noutras participações abrangidas pelo citado preceito ou pelo n.º 3 do artigo 3.º ou ainda no caso de o adquirente ser uma sociedade dominada pela SGPS, nos termos do n.º 1 do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

c) Conceder crédito, exceto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

(…)

3 - As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efetuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efetuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

(…).”

Uma primeira leitura menos atenta da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º, da LSGPS, poderia levar à conclusão de que à Requerente fosse vedado conceder crédito à sua holding, por não ser a sociedade dominante, nem tão-pouco nela deter qualquer participação.

Contudo, se por um lado é verdade que a Requerente não detém qualquer participação no capital social da B..., enquanto sociedade sua dominante, não é menos verdade que a não poderia deter, fora das condições expressamente estabelecidas no n.º 1 do artigo 487.º, do CSC, o qual proíbe às sociedades em relação de domínio, “adquirir quotas ou ações das sociedades que, diretamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, a dominem, a não ser aquisições a título gratuito, por adjudicação em ação executiva movida contra devedores ou em partilha de sociedades de que seja sócia”, o que também lhe é vedado pelo segmento final da alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º, da LSGPS, que não permite o cruzamento de participações.

O que parece fora de questão é que a Requerente não possa, nos termos do n.º 3 do citado artigo 5.º, da LSGPS, conceder financiamento (operações de tesouraria) à sociedade sua dominante, financiamento esse que não constitui “concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro”, pois sendo esta norma excecional relativamente à da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, sobre ela deve prevalecer.

Deverá assim concluir-se que nada na lei impede que uma SGPS, como é o caso da utilizadora do crédito na situação em análise, possa beneficiar de operações de tesouraria efetuadas por uma sua participada, como é o caso da Requerente.

                ii) Da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS

Chegados à conclusão de que, contrariamente à interpretação dada pela Requerida ao disposto no artigo 5.º, da LSGPS, não estava legalmente vedado à Requerente conceder financiamento à sua holding B..., importa agora averiguar do enquadramento e consequências fiscais desse financiamento.

Como se viu, a concessão de crédito em conta-corrente efetuada por uma participada, por prazo inferior a um ano, a fim de suprir carências de tesouraria da SGPS sua dominante, prevista no n.º 3 daquele artigo 5.º, da LSGPS, não só constitui exceção à proibição contida na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, como nem sequer é havida como concessão de crédito, para efeitos do RGICSF ou da LSGPS.

Mas, se as operações de tesouraria efetuadas por uma SGPS participada a uma outra SGPS, sua dominante, não constituem concessão de crédito para os efeitos do RGICSF ou da LSGPS, já assim não é para efeitos de incidência e isenção de Imposto do Selo, pois embora as normas fiscais utilizem termos próprios de outros ramos do direito, maxime do direito comercial e do direito bancário, delas decorre diretamente um sentido diverso (artigo 11.º, n.º 2, da LGT).

Na verdade, aquela forma de financiamento, utilizada sob a forma de conta-corrente, integra a previsão da norma de incidência da verba 17.1.4, da TGIS, assim como integra a previsão da norma de isenção da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º, da CIS.

Estabelece a referida norma do artigo 7.º, do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2012, de 31.12 (LOE para 2014):

“Artigo 7.º - Outras isenções

1 - São também isentos do imposto:

(…)

g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10 % do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.

(…)”.

Tendo ficado demonstrado que a Requerente, embora com a natureza de SGPS, é quase integralmente dominada pela beneficiária das operações de financiamento de que tratam os autos, outra conclusão não resta, senão a de que aquelas operações de financiamento são enquadráveis no segmento final daquela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, e que, portanto, são operações isentas.

Nem para tal conclusão é necessário convocar a norma do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que os carateriza como sendo “medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, pois se essa norma se dirige ao intérprete, afigura-se que ela é sobretudo dirigida ao legislador e não se crê que o legislador, atendendo à presunção de que este “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tenha criado a isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, sem ter tido em conta a definição legal de benefício fiscal.

A conclusão de que as operações de tesouraria efetuadas pela Requerente à sociedade sua dominante são operações isentas, justifica a anulação da liquidação de Imposto do Selo e juros compensatórios, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, por erro nos pressupostos de direito, bem como da decisão proferida na reclamação graciosa, que a confirmou.»

 

16. Não vislumbramos qualquer motivo para divergirmos do entendimento adotado nos citados acórdãos arbitrais que, por isso, aqui sufragamos – contribuindo, assim, para a obtenção de uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil) – como seguidamente é explicitado. 

                  A Requerente e a sociedade “B...” são ambas SGPS, sendo que o capital social da primeira, à data dos factos, era detido na sua quase totalidade pela segunda, concretamente em 99,94% (cf. factos provados a) e b)).

                Como resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 1, alínea c) e 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, pese embora a regra seja a de que as SGPS não podem conceder crédito, exceto às sociedades por elas dominadas e a sociedades em que detenham participação, estão excluídas dessa proibição as operações de tesouraria efetuadas em benefício das SGPS pelas sociedades participadas que com elas estejam em relação de domínio ou de grupo; aliás, como determina o artigo 9.º, n.º 2, alínea a), do RGICSF, estas operações de tesouraria nem sequer são consideradas como concessão de crédito. 

                Nesta conformidade, sendo a Requerente participada pela “B...” e existindo entre esta e aquela uma inequívoca relação de domínio – cf. artigo 486.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CSC (como estatui o artigo 11.º, n.º 2, da LGT, “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”; ora, não logramos divisar na lei qualquer alusão a um conceito de “relação de domínio” especial e diferente do previsto no CSC) –, nada obsta a que a Requerente efetue em benefício da “B...” operações de tesouraria como as que efetuou no decurso do ano de 2017, ou seja, operações de financiamento, destinadas a cobrir carências de tesouraria, por um período inferior a um ano.

                Destarte, contrariamente ao propugnado pela AT, não era vedado à Requerente efetuar as aludidas operações que efetuou em benefício da SGPS (“B...”) com a qual existe uma relação de domínio.

                Consequentemente, as referenciadas operações de financiamento realizadas pela Requerente, durante o ano de 2017, destinadas a suprir carências de tesouraria, por um período inferior a um ano, a favor da “B...” beneficiam da isenção de Imposto do Selo estatuída na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por se mostrarem verificados os pressupostos legais para tanto necessários.     

 

17. Resulta, assim, evidente a conclusão de que a liquidação de Imposto do Selo controvertida padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS, que importa a sua total anulação, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.  

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Na situação sub judice, concluímos que o ato de liquidação Imposto do Selo controvertido é inválido por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, gerador de anulabilidade. Tendo sido aquele o pressuposto subjacente às liquidações de juros compensatórios controvertidas, estas enfermam de idêntico vício invalidante e, por consequência, devem ser anuladas.

Na justa medida em que manteve os atos de liquidação controvertidos, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020... padece de igual vício invalidante, o que importa a respetiva anulação (artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

18. Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade dos atos tributários controvertidos, por vício que impede a renovação desses mesmos atos, nos termos em que foram praticados, fica prejudicado, por inútil o conhecimento dos restantes vícios invocados pela Requerente (cf. artigo 130.º do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

§4. A INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA

19. A Requerente afirma que «optou por não proceder ao pagamento voluntário do imposto, tendo prestado garantia sob a forma de fiança para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal entretanto instaurado», sendo que, segundo ela, foi-lhe «liquidado, e esta suportou efectivamente, o Imposto do Selo devido pela prestação da garantia no valor de € 7.968,71, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 3 do artigo 3 do CIS e da Verba 10.3 da TGIS, ou seja, à taxa de 0,6% sobre o valor garantido de € 1.328.118,06». Nessa medida, «caso venha a ser julgada indevida a garantia prestada», a Requerente peticiona «a condenação da AT no pagamento da indemnização prevista nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT».

A este propósito resultou provada a factualidade vertida nos factos provados l) e m) que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

Apreciando e decidindo.

 

20. Em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (cf. artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Com efeito, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem vindo pacificamente a entender-se nos tribunais tributários que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por o direito a juros indemnizatórios surgir quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT em que se estabelece, no n.º 4 do artigo 61.º que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

No caso em apreço, os atos tributários controvertidos padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS, pelo que os mesmos são totalmente inválidos e, por isso, devem ser anulados.

Ademais, os atos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios controvertidos foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo que a Requerente em nada contribuiu para que eles fossem realizados e, muito menos, nos termos em que o foram.

Acontece que quer o artigo 53.º, n.º 1, da LGT, quer o artigo 171.º, n.º 1, do CPPT ao aludirem a “garantia bancária ou equivalente” estão a excluir a fiança do seu campo de aplicação.

Com efeito, como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume III, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 242), «equivalente à garantia bancária», para efeitos do artigo 171.º do CPPT, «serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida», apontando, como exemplo, o «seguro- caução»; neste mesmo sentido, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão, de 04.11.2020, proferido no processo n.º 018/20.7BALSB, assim sumariado: «Para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.º da L.G.T., não é de considerar a fiança entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.».

Nesta conformidade, tendo a Requerente prestado garantia sob a forma de fiança, tal significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, pois, como é dito no citado aresto do STA, «a garantia prestada sob a forma de fiança não se encontr[a] abrangida por estes preceitos legais que atribuem e fixam um direito indemnizatório de forma praticamente automática num procedimento simplificado, o que se justifica por a fiança ser, por regra, prestada gratuitamente, isto é, sem qualquer contraprestação especial destinada a retribuir a obrigação assumida pelo fiador, ainda que nada impeça que seja remunerada».

No entanto, como é salientado no mesmo aresto do STA, tal «não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação desta garantia (ou de outras, como a hipoteca e penhor), não possa exigir a reparação dos prejuízos que efectivamente sofreu, por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art. 22.º da Constituição como pela Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei n.º 67/2007, de 31.12). Terá, porém, de intentar para o efeito acção judicial para efectivar essa responsabilidade civil da administração tributária, onde terá de invocar e provar todos os danos que sofreu». 

***

IV. DECISÃO

                Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e anulação:

(i)           da liquidação de Imposto do Selo n.º 2019... e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e 2019..., todas relativas ao ano de 2017 e das quais resultou o montante total a pagar de € 1.048.486,74, com as legais consequências;

(ii)          da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., com as legais consequências;

b)           Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira;

c)            Condenar ambas as partes no pagamento das custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos. 

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V. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.048.486,74 (um milhão quarenta e oito mil quatrocentos e oitenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos).

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VI. CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 14.382,00 (catorze mil trezentos e oitenta e dois euros), a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção de 1% e de 99%, respetivamente.

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Notifique.

 

Lisboa, 19 de julho de 2021.

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

O Árbitro vogal,

(Ricardo Marques Candeias)

 

O Árbitro vogal,

(Ricardo Rodrigues Pereira)