Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 625/2019-T
Data da decisão: 2020-06-12  IRC  
Valor do pedido: € 17.714,14
Tema: IRC – Tributação autónoma – dedução do SIFIDE II
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O Árbitro Suzana Fernandes da Costa, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar Tribunal Arbitral, toma a seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1.            Relatório

 

No dia 23-09-2019, a sociedade anónima A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista, de forma imediata, à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa interposta, e de forma mediata, à declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2016, no valor de 17.714,14 €.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD no dia 24-09-2019 e notificado à Requerida na mesma data.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designada como árbitro, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 13-11-2019, a Doutora Suzana Fernandes da Costa, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13-12-2019.

 

 

Em 30-12-2019, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 03-02-2019, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Na mesma data, juntou aos autos o processo administrativo.

No dia 28-02-2019, foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais. No mesmo despacho foi também indicado o dia 24-04-2020 para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

Em 30-03-2020, a Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

No dia 24-04-2020, foi proferido despacho a prorrogar o prazo para a emissão da decisão para o dia 12-06-2020, por não estar concluída a análise da doutrina e jurisprudência existente sobre o assunto em questão nos autos.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

2. Posição das partes

A Requerente começa por invocar a ilegalidade da autoliquidação de IRC de 2016 por impossibilidade de dedução dos benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas.

Um primeiro argumento invocado é o da aplicação do regime do art.º 90.º, n.º 2 do CIRC à coleta das referidas tributações autónomas.

 

A Requerente invoca um segundo argumento, que será o propósito subjacente à criação do SIFIDE II, concluindo que inexiste fundamento que obstaculize a dedutibilidade do SIFIDE II ao IRC, razão pela qual as correspondentes despesas seriam necessariamente dedutíveis à coleta da globalidade do IRC.

Refere depois a Requerida que não é aplicável ao caso o art.º 88.º, n.º 21 do CIRC.

Invoca também a inconstitucionalidade do Despacho 2698/2017, de 29 de março por violação dos artigos 103.º, 2, 165.º, 1, a) e 112.º da CRP.

Já a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na sua resposta, apresentou defesa por impugnação, referindo, em suma, que não se verifica qualquer vício de fundamentação e que as correções não enfermam de qualquer ilegalidade.

Para a AT, as tributações autónomas têm caráter autónomo em relação ao IRC, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores.

 

3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.            Em 06-12-2013, por referência ao ano de 2012, a Comissão para a Certificação de Atividades de Investigação e Desenvolvimento concedeu à Requerente um crédito fiscal no valor de 155.488,62 €, ao abrigo do SIFIDE II, conforme documento 6 junto ao pedido arbitral;

2.            Nas declarações de rendimentos modelo 22 dos anos de 2013 e 2014, a Requerente não deduziu qualquer valor relativo ao crédito fiscal acima referido;

3.            Na declaração de rendimentos modelo 22 de 2015, a Requerente deduziu o valor de 8.882,45€, relativo ao crédito fiscal do ano de 2012 referido acima;

4.            No ano de 2016, a Requerente inscreveu no campo 355 do quadro 10 da modelo 22 o valor de 40.130,94 €

5.            A Requerente procedeu ao pagamento de 17.714,14 € a título de tributações autónomas apuradas na declaração modelo 22 de IRC do ano de 2016;

6.            A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do ano de 2016, conforme documento 3 junto em anexo ao pedido arbitral;

7.            A Reclamação graciosa foi expressamente indeferida pela Direção de Finanças de Lisboa, em 28-08-2019, conforme documento 3 junto ao pedido arbitral;

8.            A Requerente interpôs o presente pedido de pronúncia arbitral em 23-09-2019.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Factos não provados

Não se verificaram quaisquer factos que não tenham sido provados.

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente, designadamente o processo administrativo e na posição das partes demonstrada nas peças processuais produzidas.

 

4. Matéria de direito:

4.1. Objeto e âmbito do presente processo

 

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a de saber se, no ano em questão (2016), é possível deduzir à coleta das tributações autónomas o benefício fiscal aqui em questão, que é o SIFIDE II. A questão já mereceu diversas pronúncias do CAAD. A favor da dedutibilidade refiram-se as decisões proferidas nos processos 661/2018, 537/2018 e 497/2018; em sentido improcedente as decisões 388/2019, 347/2019, 322/2019, 108/2019, 655/2018, 649/2019, 619/1019, 615/2018, 609/2018 e 591/2018, inexistindo até ao momento acórdão de uniformização da jurisprudência na matéria. 

 

4.2 Da evolução e natureza da figura das tributações autónomas

 

A primeira referência às tributações autónomas surgiu com a Lei n.º 101/89 de 29 (Lei do Orçamento de Estado para 1990), que criou uma autorização legislativa da qual constava que ficava o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada de 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do Código do IRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8º e 9º do respetivo Código.

O regime das tributações autónomas foi sujeito a sucessivas alterações, quer de taxas, quer da sistematização e redação das normas, ao longo dos anos. Da evolução deste regime ao longo dos anos, é possível tirar duas conclusões, tal como refere a decisão do CAAD do processo n.º 504/2016-T:

“(i) a primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC;

(ii) a segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos”.

Na mesma decisão do CAAD do processo 504/2016-T, afirma-se que “é pacífico que as tributações autónomas radicam, como se aflorou, na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objeto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são susceptíveis de configurar, formalmente, um gasto de uma pessoa colectiva mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto. (…) ciente desta dificuldade de, muitas vezes, se efetuar uma separação rigorosa destas duas realidades, foi sucessivamente enxertado (…), no regime de tributação do lucro real e efectivo estabelecido no Código do IRC (…), um regime autónomo de tributação de certos gastos, no todo ou em parte indesejados e indesejáveis, que contaminam os termos do dever de imposto que, assim, surge configurado abaixo da real capacidade contributiva da entidade que a releva como tal”.

Rui Morais, em “Apontamentos ao IRC”, Almedina, 2009, páginas 202 e 203, refere que a tributação autónoma incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários, sendo difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.

O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 197/2016, de 23-05, refere que “(…) o IRC e as tributações autónomas são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período de tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional – o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como acto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso (…)”.

Por outro lado, conforme se refere no Acórdão do STA, de 12 de Abril de 2012 (processo nº 77/12), “(…) a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e dos lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (…)”.

Saldanha Sanches, no “Manual de Direito Fiscal”, 3ª edição, Coimbra, página 406, refere que a tributação autónoma constitui a principal exceção à tributação do rendimento segundo o princípio do rendimento líquido ou rendimento real, pelo qual o rendimento das pessoas singulares é apurado depois de deduzidas as despesas feitas para a sua obtenção e a tributação das sociedades é determinada de acordo com o lucro apurado pela contabilidade.

A decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 9/2018-T refere que “as tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC que, indiscutivelmente, é um imposto sobre o rendimento. Isto sem se discutir se as tributações autónomas têm ou não (…) semelhanças (…) com o IRC. É que independentemente das possíveis semelhanças não há dúvida que são impostos diferentes. (…). E não é pelo facto de a tributação autónoma estar inserida no Código do IRC que as duas realidades se devem confundir. (…). E as realidades são diferentes desde logo porque os objectivos são diferentes. No IRC visa-se a tributação do rendimento sob o escrutínio da capacidade contributiva. Já a tributação autónoma teve, pelo menos originariamente, dois objectivos bem diferentes sempre sob a legitimação do princípio da igualdade tributária. (…). A tributação autónoma visa então tributar uma vantagem patrimonial obtida, via de regra, através da realização de uma despesa e que se traduz, consequentemente, na diminuição do lucro tributável. O IRC visa por seu turno tributar o rendimento real do sujeito passivo atendendo à sua capacidade contributiva. (…)”.

A decisão arbitral do processo n.º 347/2019-T refere que “(…) a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”.

Com efeito, na tributação dos rendimentos em IRC tributa-se o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano, o que implica que só no final do ano se possa apurar o imposto devido, enquanto que na tributação em sede de tributações autónomas tributa-se cada despesas efetuada, em si mesma, e sujeita a determinada taxa (consoante a despesa que for), sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC. Assim, o IRC é um imposto anual, em que se tributa todo o rendimento obtido num determinado ano, sendo que se considera verificado o facto gerador do imposto no último dia do período de tributação (artigo 8º n.º 9 do Código do IRC). Enquanto que na tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, tratando-se, portanto, de um facto tributário instantâneo e não de formação sucessiva ao longo do período de um ano.

O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, que analisou a questão da tributação autónoma à luz do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva, entendeu o seguinte:

“(…) o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa”.

A tese de que o IRC e a tributação autónoma são impostos diferentes tem assim ampla repercussão doutrinal e jurisprudencial. Desta tese decorre a não aplicação do regime do art.º 90.º, n.º 2 do CIRC à coleta das referidas tributações autónomas.

 

4.3. Do regime do SIFIDE II

 

O SIFIDE foi criado pela Lei nº 40/2005, de 03-08, com vigência inicialmente prevista para os anos de 2006 a 2010. Posteriormente, foi reformulado pelo artigo 133º da Lei nº 55-A/2010 de 31-12 para vigorar até 2015 (SIFIDE II) e, de seguida alterado pelos artigos 163º e 164º da Lei nº 64-B/2011 de 30-12.

 No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014 de 11-07, o Decreto-Lei n.º 162/2014 de 31-10 aprovou um novo Código Fiscal do Investimento.

O SIFIDE II veio permitir às empresas a obtenção de um benefício fiscal proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional).

No ano em questão neste pedido de pronúncia arbitral, 2016, este benefício constava dos artigos 35º a 42º do Código Fiscal do Investimento. O artigo 38.º do CFI tinha a seguinte redação:

Artigo 38.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício seguinte.

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de fruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

6 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de atos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. (redação da Declaração de Retificação n.º 49/2014, de 01/12)”

 

Os benefícios fiscais são medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, tal como define o artigo 2º n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Os benefícios fiscais correspondem a situações em que o legislador fiscal desagrava certas manifestações de riqueza que pretende afastar da tributação normal.

O benefício fiscal denominado de SIFIDE II traduz-se assim, na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurado no ano em questão, um valor de crédito fiscal que corresponde ao valor das despesas com investigação e desenvolvimento numa dupla percentagem: taxa base de 32,5% das despesas realizadas no exercício; e uma taxa incremental de 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de um milhão e quinhentos mil euros.

No entanto, o Código Fiscal do Investimento impõe um limite para a dedução a efetuar, no artigo 38º, n.º 1 ao referir “ 1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem:

Por sua vez o n-º 4 do mesmo artigo 38º prevê a possibilidade de as despesas que não puderem ser deduzidas no ano em que foram realizadas, por insuficiência de coleta, poderem ser deduzidas até ao oitavo ano seguinte.

Alega a Requerente que o propósito subjacente à criação do SIFIDE II, justificaria a dedutibilidade do mesmo à coleta das tributações autónomas.

Em nosso entender, o legislador, ao fazer a referência expressa “ao montante da coleta de IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90° do Código do IRC”, está a reportar-se à coleta de IRC propriamente dita. E no apuramento da coleta de IRC não entram as tributações autónomas precisamente “porque estas não entram no apuramento, nem do lucro tributável, nem da matéria coletável, e, como consequência, não concorrem para o IRC liquidado”, tal como se entendeu na decisão do CAAD mais recente sobre este assunto (processo n.º 388/2019-T).

A mesma decisão do CAAD refere também que “(…) quer as tributações autónomas, quer o IRC, são liquidados nos termos do n° 1 do artigo 90° do Código do IRC mas, das duas realidades, a única que é passível de deduções à coleta [i.e., de concretização do benefício, quer por razões literais (porque o n.º 2 do artigo 90.º se aplica unicamente ao IRC) quer por razões materiais (o benefício só se efectiva se houver lucro de modo a premiar a rendibilidade do investimento)], é a coleta do IRC que, como vimos, é diferente e distinta da tributação autónoma”.

Também a decisão do CAAD do processo n.º 108/2019-T refere que “(…) no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a liquidação das tributações autónomas efetuada nos termos do artigo 88.º e 89.º do Código do IRC recorrendo-se unicamente ao n.º 1 do artigo 90.º do Código para efeitos de procedimento da liquidação. Nunca ao n.º 2 e seguintes do artigo 90.º do Código porquanto estes encerram instrumentos aplicáveis unicamente ao IRC”.

O resultado das tributações autónomas, apurado de forma autónoma, não concorre para a coleta do IRC, mas sim é acrescido ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor total a pagar ou a recuperar.

Em conclusão, e tendo em conta o acima exposto, e atenta em especial a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível a dedução de benefícios fiscais à coleta produzida pelas tributações autónomas.

Admitir-se essa dedução seria uma clara violação do princípio da igualdade tributária, dado que essa possibilidade levaria a que um sujeito passivo pudesse efetuar a dedução a título de SIFIDE (ou outros benefícios) ao montante de tributações autónomas (por exemplo, incidentes sobre despesas não documentadas) eliminando a função dessas tributações. A função desincentivadora de comportamentos abusivos preconizada pelas tributações autónomas seria eliminada se o sujeito passivo pudesse deixar de pagar tributações autónomas porque deduzia benefícios fiscais.

 

4.4. Quanto à não-aplicabilidade ao caso do art.º 88.º, n.º 21 do CIRC na redação da lei n.º 7-A/2016

 

Em 30-03-2016 foi publicada a Lei n.º 7-A/2016, que entrou em vigor em 01-04-2016. Esta Lei n.º 7-A/2016 veio aditar o n.º 21 ao artigo 88º do Código do IRC, que passou a dispor o seguinte:

“21 – A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

Pelo artigo 135º da referida lei, foi atribuída natureza interpretativa a este n.º 21 do artigo 88º do Código do IRC.

O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 267/2017, concluiu pela inconstitucionalidade do artigo 135º na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que atribui à segunda parte do n.º 21 do artigo 88º do Código do IRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, de valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016.

A autoliquidação efetuada não decorre da aplicação do art.º 135.º da lei n.º 7-A/2016 mas antes da aplicação do regime anterior à mudança da lei.

 A lei manda deduzir as importâncias resultantes dos incentivos fiscais à coleta do IRC devendo entender-se que a remissão é efetuada para o procedimento de liquidação do art.º 90.º do CIRC, como se diz no processo 591/2018-T do CAAD.

O tribunal para chegar a essa conclusão limitou-se a interpretar o art.º 90.º, 2 CIRC, e não usou a norma do artigo 88.º, 21 CIRC na redação em vigor em 2017 como ratio decidendi.

Nos presentes autos, estando em causa o ano de 2016, temos que concluir pela não dedutibilidade do SIFIDE II à coleta das tributações autónomas.

A alteração ao n.º 21 do artigo 88º do Código do IRC, clarificou o pensamento do legislador, mas já antes resultava a nosso ver do preceito a impossibilidade de deduções à coleta das tributações autónomas, como entende a maioria das decisões do CAAD.

 

4.5. Da alegada inconstitucionalidade do Despacho 2698/2017, de 29 de março

 

A Requerente refere um alegado despacho 2698/2017, de 29 de março, que será inconstitucional por violação dos artigos 103.º, 2 , 165.º, 1, a) e 112.º da CRP.

Concluindo o tribunal que se queira referir ao despacho 2608/2017 de 29 de março, referido no art.º 23.º do pedido arbitral, que aprovou o formulário da modelo 22 de IRC de 2016.

O âmbito de competências do CAAD está delimitado no art.º 2.º do RJAT, Dele não constando a declaração da ilegalidade de regulamentos administrativos.

Como já se defendeu, a impossibilidade de dedução do crédito do SIFIDE II à coleta das deduções autónomas resulta do art.º 38.º do CFI  do art.º 90.º do CIRC e não do referido despacho, que se limita a criar um formulário com instruções de preenchimento da declaração de IRC, inexistindo a nosso ver a criação ex novo de normas de incidência (Sobre a noção constitucional de incidência ver CASALTA NABAIS, J.: O Dever Fundamental de pagar impostos, pág. 364)

Caso se concluísse que as normas supra referidas do CFI e do CIRC permitiam a dedução do benefício à coleta das tributações autónomas, poder-se-ía dizer que o referido despacho estaria a limitar ou restringir não uma norma de incidência mas o benefício fiscal – com eventual violação do princípio da legalidade.

No entanto, como entendemos que as referidas normas limitam já elas próprias a dedutibilidade do benefício à coleta das TA, concluímos que o referido despacho não viola o princípio da legalidade fiscal previsto no art.º 103.º, 165.º e 112.º da CRP.

Com efeito o princípio da prevalência da lei regulado neste último artigo admite que os regulamentos possam desenvolver leis, só não as podendo restringir, suspender, modificar, integrar ou interpretar com caráter geral (112.º, 5). No caso, o referido despacho não restringe, a nosso ver, as referidas normas legais de incidência.

Sendo certo, por outro lado, que o referido despacho não faz parte da ratio decidendi da presente decisão, que resulta da interpretação das normas vigentes em 2016.

 

EM CONCLUSÃO:

Atento o acima exposto, e seguindo de perto a jurisprudência maioritária do CAAD, conclui-se pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE II à coleta das tributações autónomas.

Assim sendo, deve ser mantida na ordem jurídica a autoliquidação de IRC de 2016 que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral. Em consequência, improcede também a alegada ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada com respeito à autoliquidação de IRC do exercício de 2015, sendo assim de manter o despacho de indeferimento da mesma.

Por outro lado, não se declara a inconstitucionalidade do despacho 2608/2017 de 29 de março.

5. Juros indemnizatórios

A Requerente pede que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º n.º 1 da LGT.

Improcedendo o pedido de anulação da autoliquidação de IRC, improcede também o pedido de restituição do imposto pago e dos juros indemnizatórios.

 

6. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

a)            Julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral, quanto à declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2016, no valor de 17.714,14 €;

b)           Julgar improcedente o pedido de condenação da AT no reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;

c)            Não julgar inconstitucional o despacho n.º 2608/2017 de 29 de março.

d)           Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

7. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 17.714,14 €.

 

8. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224 €, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º n.º 4 do RJAT.

 

Notifique.

Lisboa, 12 de junho de 2020.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

A Juiz-Árbitro

(Suzana Fernandes da Costa)