Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 615/2014-T
Data da decisão: 2019-10-17   
Valor do pedido: € 93.637,00
Tema: IRC - Custos fiscais; dedução; furtos de livros
Responsabilidade pelas custas – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 24 de junho de 2015
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Decisão arbitral

 

Na sequência do douto acórdão do Venerando Tribunal Administrativo Central-Sul foi reaberto o presente processo.

O Tribunal Arbitral notificou as partes para se pronunciarem antes de proferir nova decisão.

 

A A.T. veio dizer, em síntese:

 

O S.P. veio dizer, em síntese:

 

Cumpre proferir nova decisão em matéria de responsabilidade pelas custas neste processo de arbitragem tributária:

A AT suscitou a questão da sua não condenação em custas face à junção tardia de prova documental pelo sujeito passivo (SP) e, em consequência, a revogação da decisão proferida nestes autos que a condenou em ¾ das custas.

Como fundamento do seu pedido a AT alegou, em síntese, que o S.P. foi “quem deu azo ao processo, com a sua recusa constante de apresentar os efetivos documentos que permitiriam à A.T. a comprovação dos factos em causa”, entendendo que ela própria não deu azo ao processo.

Resulta dos autos que:

1)            Em 20 de Fevereiro de 2012 o S.P. apresentou reclamação graciosa com fundamento em erro na autoliquidação

2)            A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 6 de Setembro de 2012.

3)            O S.P. interpôs recurso hierárquico que foi indeferido por despacho de 30 de Abril de 2014.

4)            O S.P. veio requerer ao Tribunal Arbitral a anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico.

5)            O S.P. veio juntar, em reforço das suas afirmações, alguns documentos.

6)            A A.T. veio opor-se à junção dos documentos pelo S.P. requerendo que:

a.            Não fossem valorados para efeitos de prova atendendo à intempestividade da sua junção e às dúvidas sobre a sua veracidade;

b.            Concluía, também, que com a junção dos mesmos “não se encontra demonstrado pela Requerente a existência de quebras em inventários fiscalmente dedutíveis no valor de € 353.345,25”;

7)            Nas suas alegações no processo arbitral a A.T. continua a opor-se à admissão desses documentos e reafirma que não demonstravam que o S.P. teve quebras em existências no valor de € 353.345,25.

8)            Do exposto conclui-se que a A.T. indeferiu todos os pedidos do S.P., contestou o pedido de anulação perante este Tribunal Arbitral e opôs-se, desde o início, à junção dos documentos e à valoração destes.

9)            Pronunciou-se sobre os documentos juntos considerando que os mesmos não provavam a alegada quebra de existências. Retirou daí como consequência que deve ser absolvida da condenação em custas por ter sido o S.P. quem deu azo ao processo.

10)         O princípio geral em matéria de custas é a sua repartição de acordo com o princípio da sucumbência: paga as custas a parte vencida.

11)         Se a decisão não é inteiramente desfavorável a algum dos pleiteantes, cada um deles suportará as custas na proporção em que foi vencido.

12)         Paga as custas o autor quando o réu não deu causa à ação e a não contesta.

13)         Se o Réu contestou, mas decaiu pode dizer-se, em certo sentido, que deu causa à ação pelo seu comportamento processual (resistência infundada) e paga as custas como parte parcialmente vencida e, também, nos casos em que deu causa à ação pela sua conduta pré-processual. V. sobre os pontos (9) a (12). M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 325 e seguintes.

14)         A A.T. deu causa, por ter indeferido a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, ao presente processo, e porque contestou nele todas as pretensões do S.P., designadamente, no que se refere à junção da prova e à sua valoração.

15)         No processo administrativo fiscal a A.T. deve respeitar o princípio do inquisitório, não podendo desde logo escudar-se na repartição do ónus probatório.

16)         Na decorrência do princípio do inquisitório a A.T. pode efetuar as diligências para demonstrar a realidade dos factos. O princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus da prova. (Acórdão STA de 21-10-2009, Rec. N.º 583/09).

17)         O comportamento pré-processual e processual da A.T. justifica a sua responsabilidade pelas custas – art.º 527.º e 535.º, n.º 1 (a contrario) do Código de Processo Civil.

 

Em consequência este tribunal arbitral decide condenar a A.T. no pagamento de ¾ (três quartos) das custas e o S.P. no pagamento de ¼ (um quarto) (art. 22.º n.º4 RJAT)

 

Lisboa, 17 de outubro de 2019

 

Manuel M. Malheiros

Maria Manuela do Nascimento Roseiro

Armindo Fernandes Costa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. No dia 7 de Agosto de 2014 a Requerente, A... com o NIF..., com sede na Rua ..., ..., ...-... LISBOA, veio, nos termos do artigo 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante o RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade e anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão da reclamação graciosa que pedia a correcção de autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2009 a qual, alegadamente, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou  árbitros do tribunal colectivo o Desembargador Manuel Macaísta Malheiros, o Dr. José Vieira dos Reis e a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável.

3. As Partes foram notificadas dessa designação em 24 de Setembro de 2014 e nada vieram dizer, pelo que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 9 de Outubro de 2014.

4. Após junção, em 14 de Novembro de 2014, pela Requerida, da resposta e do processo administrativo, realizou-se, em 2 de Dezembro de 2014, a reunião prevista no art. 18º do RJAT, onde a Requerente pediu autorização para juntar documentação suplementar para prova do seu pedido.

5. O Tribunal autorizou e concedeu prazo para tal, assim como para a pronúncia sobre os mesmos pela AT, marcando-se reunião para inquirição de testemunhas em 15 de Janeiro de 2015.

6. Em consequência da junção referida no número anterior, a Requerida apresentou, em 2 de Fevereiro de 2015, um requerimento a pedir a inadmissibilidade e a não valoração dos documentos juntos pela Requerente.

7. O Dr. José Vieira dos Reis renunciou às suas funções de árbitro, por razões de saúde e o Senhor Presidente do Conselho Deontológico, por despacho de 12 de Janeiro de 2015, designou em sua substituição o Dr. Armindo Fernandes da Costa.

8. A reunião de inquirição de testemunhas realizou-se em 20 de Fevereiro de 2015, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas pela Requerente: C...; C...; D...; E... e F... . A Requerente prescindiu de duas testemunhas: G... e H... .

9. A Requerente apresentou alegações em 2 de Março de 2015, reiterado a argumentação jurídica aduzida no Requerimento inicial quanto à existência, na liquidação do imposto, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

10. Em 6 de Março de 2015, veio a Requerida apresentar um requerimento, na sequência do despacho do Tribunal que autorizou a junção de documentos pela Requerente, em que alegou que se colocam questões processuais derivadas, por um lado, de o requerimento da Requerente ter sido notificado em data posterior à inquirição de testemunhas e, por outro, por violação do princípio do contraditório.

11. Por despacho de 16 de Março do Presidente do Tribunal foi concedido à Requerida o prazo de 10 dias para se pronunciar, começando o seu prazo para apresentação de alegações a contar do final daquele prazo.

12. Em 20 de Março a Requerente veio juntar aos autos o Parecer n.º 63/92 do Centro de Estudos Fiscais.

13. Em 26 de Março de 2015 a Requerida apresentou o requerimento de resposta ao despacho do Tribunal que autorizou a junção de documentos, no qual reitera a posição antes expressa.

14. Em 29 de Março de 2015 o Tribunal decidiu que se pronunciará a final sobre as questões colocadas pela Requerida.

15. A Requerida apresentou alegações em  15 de Abril de 2015, onde, para além de manter a argumentação contida na sua resposta, criticou o valor da prova produzida, alegando que ainda que aceitasse a inevitabilidade e a razoabilidade das quebras alegadas, cabia à Requerente o ónus de demonstrar a realidade invocada, não sendo de presumir que determinada percentagem de bens, adquiridos e incorporados nas existências, tivesse sido suprimida, sob pena de violação do princípio constitucional da tributação segundo o rendimento real.

16. Em 13 de Abril de 2015 a Requerente apresentou um requerimento a responder aos requerimentos da Requerida.

17. Em 4 de Maio de 2015 a Requerida respondeu ao requerimento da Requerente mantendo a sua posição relativamente à desvalorização da prova documental junta pela Requerente.

18. Em 30 de Maio de 2015 o tribunal prorrogou a prolação da decisão por dois meses.

 

19. O Pedido de Pronúncia

19.1. A posição da Requerente

 

A Requerente sustenta, em síntese, que:

-              A "A..., SA" intervém como sociedade dominante do Grupo de sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (adiante designado "Grupo I...") do qual faz parte integrante a sociedade J..., SA (" J..."); 

-              Na autoliquidação relativa ao exercício de 2009, a "J..., SA", apurou na respectiva Declaração Modelo 22 individual um lucro tributável no montante de € 888.880,77, inscrevendo no campo 225 do Quadro 07, como importância não dedutível para efeitos fiscais, €1.934.892,57;

-              Na sequência de análise interna verificou-se que aquela verba incluía o montante de € 353.345,25, respeitante a quebras em inventários (livros) objecto de furtos ou extravios, pelo que a Requerente, considerando que tal montante deveria ser considerado fiscalmente dedutível na sua totalidade, apresentou reclamação da referida autoliquidação, e, posteriormente, recurso hierárquico do indeferimento.

-              Embora não fosse possível identificar individualmente e com rigor as datas efectivas das quebras em existências verificadas (as existências finais não correspondiam as que estavam registadas), é inequívoco que as mesmas resultam de furtos e extravios de livros;

-              Os livros são objectos de pequenas dimensões, leves e maleáveis, fáceis de transportar e encontram-se expostos em áreas de grande dimensão, com livre acesso ao público em geral, o que facilita o contacto com os livros e dificulta a detecção de furtos ou extravio dos mesmos;

-              Apesar das medidas de segurança (vigilantes e seguranças privados, câmaras de vigilância; alarmes nas lombadas dos livros e de "antenas-alarme" nas lojas para detectar saída de livros sem pagamento prévio) não é possível evitar ou eliminar a totalidade dos furtos, pelo que as quebras em inventários são inerentes à natureza de todo o negócio de retalho, ainda que causadas por factores extemos, designadas "quebras desconhecidas";

-              O seguro não abrange estas situações porque se trata de furtos de valor reduzido, individualmente inferiores à franquia do seguro e porque a data da sua ocorrência é desconhecida, sendo detectados apenas aquando da inventariação periódica;

-              A apólice Multirriscos da A... exclui, por vontade da seguradora, de protecção e respectiva cobertura “O desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravios, bem como as subtracções de qualquer espécie";

-              Sempre que os autores do furto são identificados, os gerentes de loja apresentam queixa junto das autoridades policiais competentes, mas quando são desconhecidos (maioria dos casos) não tem qualquer efeito;

-              Os estudos e estatísticas confirmam que as quebras em inventários são uma consequência directa e inevitável no negócio do retalho, nomeadamente o negócio livreiro, sendo que a própria AT admite a inevitabilidade de furtos de existências/inventários nas superfícies de venda a retalho (Parecer nº 63/92, do CEF e Informação Vinculativa in Proc. nº A5092009009, de 26 de Junho de 2009)., assim como admite a proporcionalidade da taxa média das quebras verificadas e reconhece que o rácio das quebras em inventários registado na esfera da A... é razoável, em linha com o que é reconhecido em termos médios no sector;

-              Reconhecendo-se a quebra de existências decorrentes de causas desconhecidas (mormente, furtos, roubos, extravios) como inevitabilidade do negócio, não se poderá exigir qualquer tipo de concreto e rigoroso e circunstancial comprovativo para o efeito, devendo admitir -se "perdas desconhecidas";

-              Para o Grupo trata-se de uma perda/gasto relevante, uma perda financeira efectiva, afectando naturalmente a respectiva capacidade contributiva, não podendo deixar de ser considerado como fiscalmente dedutível nos termos gerais, tendo em conta os nºs 1 e 2 do art. 23° do CIRC, atentando a respectiva desconsideração contra o princípio da tributação pelo rendimento real (art. 104º, nº 2, da CRP) e com base na capacidade contributiva (artigo 4º, nº1, da LGT);

-              A plena aceitação para efeitos fiscais (em valores razoáveis e justificáveis) cumpriria os princípios da justiça, da proporcionalidade e da verdade material, a que se encontra obrigada a ora AT no exercício das suas atribuições, tal como previsto nos artigos 55,º e 58,da LGT;

-              A correcção desta posição é reconhecida pela doutrina (Vítor Faveiro, Tomás Cantita Esteves) e jurisprudência (Acórdãos do STA 11 de Junho de 1997, rec.12.610; do TCAS, de 02/07/2002, proc.6540/02) e a própria AT (Parecer CEF nº 63/92 e Inf. Vinculativa em ofício nº 12937, de 22/06/2009);

-              Atendendo à situação de tributação em grupo deverá proceder-se a correcções que conduzirão na A... (campo 225 do modelo 22) a alteração do lucro tributável a seu favor de € 888.880,77 para € 535.535,52, sem "imposto a pagar" devido a dedução de prejuízos fiscais acumulados sendo, consequentemente, o valor de derrama alterado de € 13.334.13 para € 8.033.95;

-              No que respeita ao RETGS, por efeito do regime aplicável ao Grupo fiscal em que se encontra integrada, a correcção do resultado individual referido implicará a correcção do campo 380 da declaração Modelo 22 entregue pela Requerente, relativo ao apuramento do resultado consolidado do Grupo, que ascendeu, no exercido de 2009, a €1.693.648,74, cujo imposto a pagar se cifrou no montante de €102.596,35 (docs nºs 8 e 9);

-              Efectivamente, dado que o Grupo I... possuía prejuízos fiscais disponíveis para reporte, a referida correcção não apresenta impacto ao nível do imposto a pagar pela Requerente (sociedade dominante) devido a "utilização" dos prejuízos fiscais pela sociedade individual, vendo-se, contudo prejudicada a sua utilização ou disponibilização para reporte nos exercícios subsequentes;

-              Ter-se-á em conta também o impacto ao nível da Derrama (campo 364), uma vez que a sua determinação depende directamente do lucro tributável que, no caso da J..., diminuiu em € 353.345, 25, pelo que a aplicação da taxa de 1,5% sobre o referido valor resulta numa diminuição da Derrama (individual e agregada) em € 5.300,54, deverá ser reembolsado à Recorrente por ter sido pago indevidamente;

-              Assim o acto de liquidação sofre de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que deve ser anulado, com reembolso de imposto e pagamento de juros indemnizatórios;

-              Deve ser  anulado o despacho de indeferimento do recurso hierárquico e anulado  parcialmente o acto tributário de Liquidação de IRC/2009, corrigindo-se nos termos explicitados, sendo condenada a AT a corrigir oficiosamente as liquidações das A... e Requerente, relativas aos exercícios seguintes, levando em conta as correcções efectuadas, no tocante a procedimento de reporte de prejuízos e a proceder ao reembolso da Derrama paga, indevidamente, em excesso, no montante de € 5.300,54 relativa ao ano de 2009.

 

     19.2. A posição da Requerida

     A Requerida na sua resposta diz, em síntese, que:

-              A pretensão da Requerente, inicialmente sustentada em reclamação graciosa apresentada da autoliquidação, foi rejeitada através de decisão que considerou que o custo no montante de € 353.345,25 teria de se ancorar em provas sólidas e claras, e que o pedido de juros indemnizatórios seria sempre improcedente, nos termos do artigo 43º, nº 1 ou do nº 2, por não ter existido qualquer lapso passível de ser atribuído a qualquer serviço da AT, já que a contribuinte não seguiu, no que se refere ao acréscimo efectuado ao Quadro 07 da Modelo 22, quaisquer orientações genéricas da AT devidamente publicadas;

-              A Requerente, que não exerceu direito de audição aquando da notificação do projecto de decisão de reclamação graciosa, interpôs, da decisão final da mesma, recurso hierárquico dirigido à Ministra das Finanças, invocando falta de fundamentação, nos termos do artigo 77º, nº 1 da LGT, mas concordando desde logo que o pagamento de juros indemnizatórios não era devido;

- Na reclamação graciosa concluiu-se que a aceitação como custo da quantia de € 353.345,25 teria de se ancorar em provas sólidas, claras,  inequívocas e evidentes que apenas a então Reclamante teria aptidão e capacidade para oferecer,   não tendo, porém,   logrado   concretizar   a   prova de quanto invocou,   porquanto   os   elementos   juntos por si  eram   de   relevância insignificante, por serem relativos a um número reduzido de ocorrências;

- A Requerida defende a posição de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão da reclamação graciosa, entendendo que se encontravam cumpridas as exigências legais de fundamentação (artigo 77º da LGT) e que a Requerente não havia logrado demonstrar (art. 74º, nº 1 da LGT) os factos constitutivos do direito à dedução dos custos em apreço, nem a sua indispensabilidade (art. 23º do CIRC), sendo que a invocada Informação da DSIRC à APED (ofício nº ... de 22.06.2009) também exigia dos sujeitos passivos, para efeitos de aceitação da sua dedutibilidade na determinação dos resultados fiscais, prova dos valores dos gastos, o que não fora conseguido.

-              Quanto à indispensabilidade do custo para efeitos fiscais, a Requerida reitera que, não obstante ser de aceitar a inevitabilidade e a razoabilidade das quebras alegadas pela então recorrente, ainda assim as mesmas teriam de ser comprovadas e que esse ónus de demonstração da realidade invocada recaía integralmente sobre a então recorrente porque “não é possível presumir que determinada percentagem de bens, adquiridos e incorporados nas existências seja considerada suprimida destas, por circunstâncias inerentes ao negócio. É que uma tal presunção poderia incorrer numa ausência de tributação sobre rendimentos efectivamente obtidos o que, como a recorrente refere, constituiria uma violação do princípio constitucional da tributação segundo o rendimento real».

-              Os documentos de prova juntos aos presentes autos são os já juntos com o recurso hierárquico e em sede de reclamação, assim como as queixas de furtos apresentadas junto de autoridades policiais, de que «apenas 2 participações respeitam a ocorrências do ano de 2009, verificando-se ainda que a sociedade desistiu de uma das queixas»;

-              O processo identificado pela Requerente (e antes Reclamante e Recorrente) pelo n.º .../08...PBVIS corresponde a uma ocorrência verificada no ano de 2008 (quando o que está em causa é o ano/exercício de 2009); no processo também invocado pela Requerente que correu termos sob o n.º .../09... PJPRT a A... desistiu da queixa, o que pressupõe que a situação terá sido resolvida com devolução ou pagamento do objecto (livro) furtado e no processo ainda referido pela Requerente e identificado pelo n.º .../09...PVLSB terá sido deduzida acusação, porém os livros supostamente furtados foram avaliados em 98,00 euros, o que é absolutamente insusceptível de demonstrar perdas/quebras de  €353.345,25, como a Requerente pretende.

-              Não basta alegar, sem mais, que em resultado da inventariação física se constatou que “as existências finais não correspondiam às que estavam registadas”, tornando-se necessária, pelo menos, a evidência da forma como se procedeu ao apuramento do valor que se reclama (pela indicação da quantidade de bens que terão sido objecto de extravio/furto, qual o seu valor unitário). 

-              Ora, os documentos de prova juntos à petição que consubstanciou o recurso hierárquico foram os mesmos que haviam sido juntos em sede de reclamação: i) cópia da Declaração Modelo 22 do IRC, relativa ao exercício de 2009, apresentada pela J... (em 19 de Maio de 2010); ii) cópia da Declaração Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2009, do Grupo Fiscal tributado de acordo com o RETGS, apresentada pela A... SGPS (em 26 de Maio de 2010); e iii) cópias de exemplares de queixas de furtos apresentadas pela J... junto das autoridades policiais;

-              A Requerente, não exerceu direito de audição relativamente aos projectos de decisão de indeferimento das decisões de reclamação e de recurso hierárquico - os elementos de prova aí carreados não foram aptos à demonstração que se impunha fosse feita, a de que no exercício de 2009 teve quebras em inventários no montante reclamado, não podendo agora a junção de documentos tendentes à demonstração de que «os responsáveis da J... têm envidado os melhores esforços no sentido de intensificar as medidas de segurança, tendo sempre como objectivo a redução ao máximo das quebras registadas e a minimização das perdas» alterar a natureza das coisas;

-              Relativamente ao disposto no art 23º, n.º 1, do CIRC, a defesa pela Requerente de que as quebras em inventários deverão pacificamente ser aceites como custo, não se afigurando necessária a sua “comprovação”, não está de acordo com as posições dos autores citados (Vítor Faveiro e Tomás Castro Tavares) que apontam para a necessidade dessa comprovação;

-              Não tendo comprovado os custos invocados não se mostram violados os princípios constitucionais invocados da tributação pelo rendimento real, com base na capacidade contributiva, sendo que a aceitação do custo pela AT sem essa comprovação é que se traduziria numa violação desses princípios, já que «(…) o reconhecimento da dedutibilidade fiscal de qualquer gasto/custo e, mais propriamente in casu as perdas em existências, tem de estar fundados em elementos objectivos precisos e iniludíveis, que permitam aferir  quanto aos bens que efectivamente tenham sido suprimidos  do circuito comercial e, por esse facto, os proveitos a eles subjacentes não deverem ser objecto (…) não é possível presumir que determinada percentagem de bens, adquiridos e incorporados nas existências seja considerada suprimida destas, por circunstâncias inerentes ao negócio. É que uma tal presunção poderia incorrer numa ausência de tributação sobre rendimentos efectivamente obtidos o que, como a recorrente refere, constituiria uma violação do princípio constitucional da tributação segundo o rendimento real. (…)»;

-              Quanto ao suposto entendimento dos tribunais e da própria AT, a jurisprudência citada pela Requerente não prescinde da necessária comprovação/demonstração, pelos sujeitos passivos de imposto, das situações em que se traduziram as quebras em inventários/existências e os entendimentos veiculados pela Administração Tributária (parecer do Centro de Estudos Fiscais e informação vinculativa) admitem que as quebras de mercadorias são normais e inerentes ao desenvolvimento de uma qualquer actividade comercial, mas que, ainda assim, se torna necessário, no estrito cumprimento das normas fiscais, comprovar as situações invocadas;

-              Quanto aos juros indemnizatórios não são devidos no caso de improcedência do pedido, nem o seriam em caso de procedência, porque a Requerente conformou-se com o que relativamente ao assunto foi decidido pela AT em sede de reclamação graciosa, tendo expressamente declarado (artigo 13º da petição de recurso hierárquico) não concordar com a decisão da AT “excepto na parte relativa aos juros indemnizatórios, em que a Recorrente aceita o entendimento veiculado”, passando a existir caso decidido ou julgado sobre a questão;

-              Encontra-se afastada a possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos do nºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, pois o erro invocado existia na autoliquidação, teve origem na própria Requerente (cf. Jorge Lopes de Sousa Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por atos ilegais, Áreas Editora, Lisboa 2010, pág. 52);

-              A AT não estava, aquando da apreciação administrativa da autoliquidação, na presença de todos os elementos agora juntos, mas mesmo que se concluísse que dispunha de tais elementos, sempre os juros indemnizatórios teriam de ser calculados a partir da data em que a AT tomou posição sobre a situação do contribuinte;

-              Ou seja, quanto à matéria de juros indemnizatórios pode concluir-se que: a própria Requerente concordou com a AT, aquando do recurso hierárquico, que não seriam devidos; não há erro imputável aos serviços da Requerida (mas sim da Requerente), nem a Requerente seguiu quaisquer orientações genéricas publicadas da AT no preenchimento da Declaração; a Requerente não habilitou a Requerida com elementos de análise suficientes para a aferição da indispensabilidade do custo; mesmo que assim não se entendesse, o eventual pagamento de juros indemnizatórios apenas poderia ocorrer a partir da data em que a AT tomou posição sobre a situação do contribuinte;

-              O pedido deve ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

20. Saneamento

20.1. O Tribunal Arbitral Colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT;

20.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas;

20.3. O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral;

20.4. Questões prévias

- A Requerida suscitou questões prévias, relativamente aos documentos e CD apresentados pela Requerente, respectivamente, em 17 e 23 de Dezembro (inventários de 2009), em dois requerimentos (de 2 de Fevereiro de 2015 e de 30 de Março de 2015). Veio contestar a respectiva aceitação pelo tribunal, visto que não se trata de documentos supervenientes, levantando dúvidas sobre a veracidade de inventários apresentados três anos após a data da apresentação da reclamação graciosa. Acresce, segundo a Requerida, que os ficheiros/documentos apresentados poderiam ter sido validados e assinados pelos respectivos responsáveis, o que não sucedeu, acrescendo ainda que, nesses ficheiros/documentos nem sequer existe referência à sua extracção de um qualquer programa informático, por forma a identificar minimamente a informação, mormente quanto à sua origem e data. Nestes termos, alega a Requerida, não é possível validar, do montante indicado pela Requerente, qual o valor relativo a quebras (que seria eventualmente custo), do valor relativo a livros que são objecto de devolução a fornecedores (fornecidos em regime de consignação), ou do valor relativo a livros transferidos para outras lojas.

- A Requerida levanta dúvidas sobre a veracidade de inventários apresentados três anos após a data da apresentação graciosa, considerando inaplicável a presunção de veracidade prevista no art.º 75º da LGT e defendendo a intempestividade da junção.

- Levanta ainda a requerida várias outras questões sobre a suficiência da descrição contida nos diferentes documentos, pelo que não estariam provadas as quebras invocadas.

- A Requerida põe em causa, em especial, o efeito probatório dos documentos constantes dos ficheiros 05555VF e 58446VF, relativos, respectivamente, à Livraria do ... e à ... .

- A Requerida conclui pedindo ao Tribunal Arbitral a não valoração da documentação junta.

O Tribunal analisou as referidas questões prévias e considera que:

- A alínea c) do art.º 16º do RJAT dispõe que constitui um princípio processual do processo arbitral a autonomia do tribunal na condução do processo, o essencial sendo obter uma pronúncia de mérito em prazo razoável, respeitando-se os princípios fundamentais;

- O requerimento e a documentação apresentados pela Requerente devem ser considerados à luz do princípio da verdade material. Dispõe o art.º 411º do Código de Processo Civil que incumbe ao juiz realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio;

- No que diz respeito à produção de prova Requerida, parece ser de ter em consideração, devidamente adaptado, o comentário do Conselheiro Lopes de Sousa ao art.º 114º do CPPT: “relativamente a diligências que tenham sido requeridas, a dispensa apenas deverá ocorrer quando for seguro que essas diligências são inúteis e não também quando apenas haja dúvida sobre a sua utilidade”.

- As questões em relação às quais a Requerente se propôs produzir prova através da junção de ficheiros/documentos e outros documentos podem ser relevantes para a apreciação deste litígio.

- Na da tramitação dos processos arbitrais tributários, a procura da verdade material deve primar sobre o formalismo processual.

- Acresce que a contabilidade da Requerente goza da presunção de veracidade nos termos do art.º 75º da LGT. Competia à AT demonstrar a falta de correspondência entre o teor da contabilidade e a realidade. A AT não conseguiu demonstrar que existissem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que a contabilidade da Requerente não reflecte materialmente a realidade.

Em consequência, o Tribunal decide admitir a junção dos referidos documentos, os quais serão apreciados em conjunto com a outra prova produzida. 

 

21. Questão decidenda

A questão central a decidir é a de saber se o furto ou extravio de mercadorias é subsumível à previsão do art.º 23º do CIRC, isto é, se pode ser considerado um custo ou perda para efeitos de tributação e, ainda, se pode dar-se como demonstrado nos autos a existência desse furto ou extravio.

.

22. Factos provados

Com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos (incluindo o processo administrativo) e nas declarações das testemunhas, o Tribunal fixa a seguinte factualidade relevante:

22.1. A Requerente dedica-se à venda de livros em 55 estabelecimentos distribuídos pelo País;

22.2.Por vezes, a Requerente realiza eventos de vendas fora dos estabelecimento;

 

22.3.No exercício de 2009 a Requerente, A..., SGPS, SA,  era sociedade    dominante de um grupo de empresas, tributado no âmbito do RETGS, designado "Grupo I...",  composto pelas seguintes sociedades:

 

NIPC      DENOMINAÇÃO SOCIAL

...            A..., SGPS, S.A.

...            K..., Lda.

...            L..., Lda.

...            J..., S.A.

 

 

22.4. Relativamente ao exercício de 2009, as sociedades referidas no número anterior   entregaram, individualmente, as respectivas Declarações de Rendimentos Modelo 22, apurando os resultados seguintes:

 

NIPC      Declaração de Rendimentos - Modelo 22

                Número               Data      Resultado Fiscal

...            ...            04-05-2010          - € 426.833,08

...            ...            11-05-2010          € 289.851,95

...            ...            29-04-2010          € 941.749,09

...            ...            25-05-2010          € 888.880,77

Total      € 1.693.648,73

 

22.5. O somatório dos resultados individuais do grupo identificados no número anterior corresponde ao resultado fiscal do Grupo declarado pela Requerente na Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo de Sociedades, submetida em 26.05.2010, e à qual foi atribuído o número ... .

 

22.6. Para efeitos de apuramento do Lucro Tributável, todas as sociedades que compõem o Grupo inscreveram valores na linha 225 (linha em branco) do Quadro 07, nos termos abaixo discriminados:

 

NIPC      Declaração de Rendimentos

Modelo 22          Quadro 07

Linha 225

...            ...            € 37.964,45

...            ...            € 227.568,65

...            ...            € 42.224,98

...            ...            € 1.934.892,57

 

22.7. Em 20 de Fevereiro de 2012, a A... SGPS apresentou Reclamação graciosa com fundamento em erro na autoliquidação, pedindo as correcções das declarações das declarações modelo 22 da A... e do grupo Fiscal I... SGPS (PA, RG, fls 1 a 65).

22.8. A reclamação graciosa (processo nº ...2012...) foi objecto de informação propondo o indeferimento que mereceu despacho superior favorável em 18 de Julho de 2012, sendo notificada por ofício datado de 20 de Julho de 2012 para exercício do direito de audição prévia, que não exerceu, foi o despacho de indeferimento convertido em definitivo por despacho de 6 de Setembro de 2012 do Director de Finanças Adjunto  da Direcção de Finanças de Lisboa, notificado a 10 de Setembro de 2012 (PA, RG, fls 73 a 83).

22.9. Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi, em 4 de Outubro de 2012, interposto Recurso Hierárquico que, após informações da Direcção de Finanças de Lisboa e da Direcção de Serviços do IRC, foi indeferido por despacho da Directora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, de 30 de Abril de 2014, notificado à Requerente em 15 de Maio de 2014 (PA, RH, fls. 1 a 105).

22.10 No âmbito da sua actividade, como procedimento habitual, a A... procede a inventariação e catalogação dos livros (i. e., inventários/existências) nas diversas lojas, procedendo,  semestral ou anualmente,  ao confronto dos livros .

22.11 À semelhança  de  exercícios  anteriores,  verificou-se,  em  2009, uma  quebra  na inventariação física  (dado   que  as  existências   finais  não   correspondiam    as que estavam  registadas),  pelo que, de forma a representar   fielmente  os resultados  da sua actividade,  foi  registado contabilisticamente   um   gasto   no   montante    de   EUR353.345,25, embora  não seja possível identificar  individualmente e com rigor as datas  efectivas  das  quebras  em existências verificadas,  e inequívoco  que as mesmas resultam  de furtos e extravios  de livros,

22.12. Os livros são objectos de pequenas dimensões, leves e maleáveis, fáceis de transportar   e encontram-se   expostos  em  áreas  de  grande  dimensão,   com  livre acesso  ao  público  em  geral,  fatos  que  facilitam  o contacto  com  os  livros  e que dificultam  a detecção  de furtos ou extravio dos mesmos.

22.13. Os responsáveis   da A...  tem envidado   os seus melhores esforços no sentido de intensificar as medidas de segurança, tendo sempre como objectivo a redução ao máximo das quebras  registadas   e a minimização  das perdas.

22.14. Tais esforços   concretizaram-se    na implementação    de   diversas   medidas   de segurança, as quais implicam   avultados gastos imediatos   e de manutenção:

• Contratação de vigilantes e seguranças privados, que são colocados nas lojas de rua (uma vez que as lojas situadas em centros comerciais já possuem   segurança própria);

• Colocação de câmaras de vigilância,

• Colocação de alarmes nas lombadas dos livros e de "antenas-alarme" nas lojas, que detectam a saída de livros quando não haja sido efectuado  pagamento  prévio.  (Cfr. Doc.s  2 a 4)

 

22.15.Não  obstante  as referidas  diligencias,  não é possível  evitar  ou eliminar  a totalidade  dos furtos oque implica, por consequência,  que as quebras em inventários  se considerem  uma  realidade  intrínseca  da própria  actividade,  inerentes a natureza  do próprio  negocio do retalho  (seja ele qual for), ainda  que causadas  par factores extemos  a mesma  (são as designadas  "quebras desconhecidas").

22.16. É  possível  remover   com  relativa facilidade   os  alarmes   dos  livros  bem  como  oculta-los   de  modo   a  não   serem detectados  a saída  das lojas.

22.17. Por outro lado, são  também  possíveis  métodos  mais  engenhosos   que  poderão implicar  a troca  de etiquetas  e/ou  códigos  de barras  de um  livro  de valor  superior por  outras  pertencentes   a livros de valor inferior,  implicando  urna registo  incorrecto na saída da mercadoria.

22.18.O próprio  seguro  não  abrange  as situações, aqui  em  apreço,  quer  por  se tratar  de  furtos  de valor  reduzido   (se considerados individualmente), inferiores  a  franquia   do  seguro,   quer   porque   a  data  da  sua ocorrência  e  desconhecida  e apenas   são  detectados aquando da  inventariação periódica,

22.19. A  apólice  Multirriscos   da  A..., atento  o  constante  do art. 5º  nº 7, alínea e), (pagina  23 das condições  gerais), ficam, por  vontade   unilateral   da  Seguradora,   expressamente    exc1uidos,  de  protecção  e respectiva   cobertura  “O desaparecimento  inexplicável,  as perdas   ou  extravios,  bem como  as  subtracções    de  qualquer   espécie",   previsão em  que  se  enquadram,  as situações  em causa nestes  autos. (Cfr doc. nº5).

22.20. Sempre que os autores do furto são identificados, os gerentes de loja apresentam queixa junto das autoridades policiais competentes (Doc. nº? 3, junto com a Reclamação), tendo demonstrado a experiência prática que tal procedimento é inócuo quando os autores dos crimes são desconhecidos, o que acontece na maior parte das situações),

22.21. A própria AT concorda   com a Recorrente no que respeita a proporcionalidade da taxa media  das quebras  verificadas,  referindo  que "acredita-se que, como informado,  a taxa media  de perdas,  em Portugal  seja de 1,26% e que na J...,  SA, esse rácio tenha sido de 0,94%".

22.22 O relatório  do "The Global  Retail  The  Barometer   2009", do  Centre   for  Retail  Research  - entidade  independente    que  se dedica a análise do  impacto do  furto  no  sector  do  retalho a nível  europeu   - que concluiu, em referência ao exercício de 2009, que a taxa de perdas  desconhecidas  em Portugal,  no sector do retalho, se cifrou em 1,26% das vendas.

22.23. O mesmo estudo refere que os livros se encontram  no  top  5 de  artigos  ou produtos mais furtados e dos que teve um maior crescimento  de 2008 para 2009.

22.24. A A... apresenta um rácio de  0,94% do volume   total  das vendas (dado  que  o valor  total  das  vendas  efectuadas   pela A...,  no exercício  de  2009, ascendeu a EUR 37.556.964,58).

22.25. Em 2009 a Requerente teve um volume de negócios de   37.556.964,58€;

22.26. Para o controlo e contabilização das existências (livros) a Requerente adopta um sistema informático de gestão de stocks (SAP), que integra o sistema de inventário permanente, obrigatório pelo DL 44/99 de 12 de Fevereiro, com vista à determinação real dos seus resultados, para a qual é determinante o valor do custo das mercadorias vendidas e consumidas e as suas determinantes;

22.27. A utilização do referido sistema de inventário permite saber a cada momento o nº de unidades teóricas de cada livro existente em cada livraria, podendo cada livraria saber as existências teóricas das restantes, de cada título, e assim satisfazer a curto prazo algum pedido sem disponibilidade na livraria onde o pedido é efectuado mas porventura existente noutra livraria do grupo. Tudo em tempo real, pois as saídas de livros actualizam imediatamente o stock, quando passam no caixa;

22.28. Os livros furtados continuam contabilisticamente a figurar como existentes, uma vez que não passam pela caixa;

22.29. É o sistema de inventario permanente que permite à Requerente a evidenciação na contabilidade das perdas por loja e por tipo de livro, das perdas por quebras sem justificação verificadas em 2009;

22.30. É impraticável controlar em permanência o stock físico de cada livro, assim como é impraticável detetar com oportunidade os furtos e outras quebras;

22.31. Pode acontecer também existir algum livro no stock contabilístico e não ser detetado pelo empregado no momento de um pedido, mas não é relevada de imediato a falta pois o livro em questão pode estar fora do sítio devido;

22.32. As faltas só são confirmadas nos inventários anuais (ou bianuais), onde os livros existentes são introduzidos um a um (incluindo recontagem), e apenas após terminado o inventário físico, quando este é informaticamente comparado com o stock teórico e são evidenciadas as faltas. São os chamados mapas com determinação das diferenças de inventario por lojas e produtos, que servem de base ao lançamento contabilístico ou em alternativa poderiam ter justificado um aumento do custo das mercadorias consumidas sem relevação autónoma;

22.33. A Requerente relevou na contabilidade autonomamente estas perdas, mas não as reconheceu para efeito de IRC, acrescendo-as no quadro O7 da declaração fiscal;

22.34. Mais tarde, alertada por parecer de um seu consultor, a Requerente decidiu alterar o critério de aceitação fiscal deste custo e apresentou uma reclamação graciosa;

22.35. Esta listagem “diferenças de inventario” que inclui o resumo dos livros furtados por loja, e loja a loja, os título furtados e o respetivo valor, sendo a base do lançamento contabilístico evidenciando as perdas dos elementos em stock (inventario) é retirada do sistema informático, que permite formatar os “outputs de acordo com as necessidades;

22.36. Usualmente imprimem-se resumos destes outputs formatados, que no caso concreto e apenas as listagens das diferenças de inventário por loja, recebidas em ficheiros informáticos, incluiriam muitos milhares de páginas impressas;

22.37.O verdadeiro comprovante é o próprio sistema informático donde se extraem formatadas a pedido a listagem de suporte para os vários fins em vista;

22.38. A evidência física na contabilidade do registo das perdas no stock por causas desconhecidas em conta própria terá sido o resumo das quebras por loja, (uma página) constante dos autos;

22.39. A Requerente optou por lançar na contabilidade as diferenças de inventario em conta própria, o que foi possível por dispor de um sistema informático que lhe permite evidenciar por loja e por produto as quebras;

22.40. Em 2009 o valor das quebras relevadas na contabilidade totalizou 353.345,25;

22.41. Aquele valor corresponde a 0,94 % das vendas do mesmo ano. (37.556.964,58 €);

22.42. A apresentação de queixa às autoridades ocorre sempre que os autores dos furtos são detetados, o que corre em raríssimas ocasiões. É outro procedimento dissuasor estabelecido;

22.43. As quebras de inventários deste tipo, são uma inevitabilidade no negócio do retalho, nomeadamente nas livrarias, ao qual se dedica a A...;

22.44. A Requerida reconhece a inevitabilidade referida no número anterior, tal como resulta do Parecer nº 63/92 do Centro de Estudos Fiscais e a informação vinculativa A509 2009009 de 26 de Junho de 2009, onde o mesmo parecer é referido;

22.45. A AT admite que a aceitação para fins tributários das perdas por "quebras desconhecidas" depende de análise casuística e circunstanciada da situação em concreto;

 

23. Fundamentação de direito

 

23.1. A Requerente formulou os seguintes pedidos:

•             Revogação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, por forma a anular parcialmente o acto tributário de liquidação de IRC/2009, corrigindo-o nos termos explicitados, restituindo à Requerente o montante de imposto decorrente dessas correcções acrescido dos juros respectivos;

•             Condenação consequente da Requerida a corrigir oficiosamente as liquidações da A... relativas aos exercícios seguintes, levando em conta as correcções efectuadas, no tocante a procedimento de reporte de prejuízos;

•             Proceder ao reembolso da Derrama paga indevidamente, em excesso, no montante de €5.300,54 relativa ao ano de 2009.

23.2. A Requerida, por seu turno, considera:

•             Que o tribunal não poderá deixar de julgar improcedente a pretensão da Requerente, porquanto a mesma não logrou demonstrar que teve quebras em existências no valor de € 353.345,25, e, consequentemente, a indispensabilidade dos gastos subjacentes àquele valor, sendo por isso de confirmar a legalidade da decisão do recurso hierárquico e declarar-se a mencionada quantia indedutível para efeitos fiscais, por não cumprir os requisitos previstos no artigo 23º do CIRC;

•             Que no que se refe aos juros indemnizatórios, reitera que, caso os elementos juntos pela Requerente em 17.12.2014 e em 06.02.2015 venham a ser considerados para efeitos dos factos por ela alegados, a Requerida sempre terá de ser absolvida de tal pedido, já que a decisão da reclamação graciosa e do recurso hierárquico foram proferidas sem que a mesma tivesse tomado conhecimento de tais elementos;

•             O mesmo sucedendo em relação às custas processuais, já que foi a Requerente quem deu azo ao processo, com a sua recusa constante de apresentar os efectivos documentos que permitiriam à AT a comprovação dos factos em causa.

23.3. A questão central a decidir é se o furto ou extravio de mercadorias pode ser considerado custo ou perda para efeitos de tributação desde que comprovado no caso concreto.

23.4. É importante para enquadrar a questão de direito o Parecer n.º 63/92 do Centro de Estudos Fiscais.

23.5. Nesse Parecer n.º 63/92 do CEF de 13 de julho de 1992, na pág. 13 diz-se:

"b) Existências

Nos casos já atrás assinalados de pequenos furtos de existências verificados em superfícies de venda a retalho, poderá solicitar-se, a requerimento da empresa interessada e independentemente de participação policial, a correspondente perda para efeitos de determinação do lucro tributável, devendo o contribuinte demonstrar que tais perdas se situam dentro de limites razoáveis para o respetivo sector de atividade e condições de exercício do mesmo e indicar quais os sistemas de controlo e contabilístico designadamente de natureza informática, instituídos em conexão com a verificação destes eventos."

23.6.Ora, resulta da matéria de facto:

•             A existência de sistemas de controlo para assegurar a minimização dos furtos bem como o sistema de registo informático de quebras de existências e de controlo.

•             A relevação contabilística das quebras ocorridas que tem como suporte documentos internos, com prevalência dos informáticos, traduzindo com detalhe as diferentes fases do controlo.

•             Que as perdas por quebras não identificadas apresentam valores dentro de limites razoáveis para o setor da distribuição e do comércio por retalho, tendo em conta o estudo elaborado.

Pelo que podemos concluir que estão implementados na empresa sistemas para assegurar a minimização dos furtos, bem como sistemas de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, pressupostos estabelecidos para que as perdas por quebras não identificadas (furtos de existências) sejam consideradas um custo elegível, para efeitos de IRC.

Ficou demonstrada a inevitabilidade destas perdas no negócio da A... e que assumir o risco destas é uma das condições inerentes ao negócio, sendo indispensáveis ao negócio, e logo elegíveis para efeito de IRC.

O sistema contabilístico e informático da empresa confere fiabilidade e transparência ao controlo das existências e à relevação destas ocorrências.

O sistema de controlo interno instituído, numa análise custo-benefício, está organizado de forma a minimizar estas quebras, com bastante rigor.

A percentagem de 0,94% das vendas constatada a partir das perdas detectadas por inventário físico, situa-se em limites de razoabilidade para o sector não contestados. 

A prova apresentada, gradualmente aprofundada para responder a dúvidas suscitadas, parece-nos adequada sendo que a verdadeira evidência de suporte é de natureza informáticas e humana e foi aferida e comprovada pelas descrições do sistema e dos procedimentos e pelos testemunhos.

A contabilidade da Requerente está devidamente organizada de acordo com a legislação fiscal e comercial. Os sistemas de controlo para assegurar a minimização dos furtos, bem como o sistema de registo informático de quebras de existências e de controlo interno implementados pela Requerente preenchem os critérios exigidos.

O sistema contabilístico confere fiabilidade à relevação destas ocorrências.

As perdas por quebras não identificadas (designadamente furtos de existências) relevadas contabilisticamente e suportadas pela documentação interna anteriormente referida reúnem o requisito da indispensabilidade, condição necessária à dedutibilidade do custo no âmbito do IRC.

Está provado que no exercício de 2009, a sociedade "J...", sociedade integrante do perímetro do Grupo fiscal da Requerente, apurou na respetiva Declaração Modelo 22 individual um lucro tributável no montante de EUR 888.880,77, tendo na determinação do aludido resultado sido considerado como não dedutível para efeitos fiscais o valor de 1.934.892,57, o qual foi acrescido no campo 225 do Quadro 07 da referida declaração de rendimentos.

Parte desse valor, o montante de EUR 353.345,25, é relativo a quebras em inventários em resultado, essencialmente, de furtos ou extravios.

A Requerente tem como objeto social o comércio a retalho de livros, atividade que é desenvolvida em diversas livrarias, situadas quer em lojas de rua, quer em centros comerciais, que procedem a inventário anual, com contagem física de todos os itens existentes em cada uma das lojas e respectivos armazéns de apoio e que sempre apresenta quebras.

Tanto na reclamação graciosa como no recurso hierárquico, nunca foi apresentado o suporte contabilístico dos inventários, o qual se deu como assente, apenas se referindo a origem das quebras, uma vez que se entendeu que nunca esteve em causa a existência das mesmas, mas sim a sua qualificação ou não como custo fiscal.

Tal facto estava, de resto, atestado na certificação legal de contas (juntas aos autos por iniciativa deste Tribunal), que teria de incluir uma referência às quebras, como foi confirmado pela testemunha Sr. F..., caso estas não se encontrassem devidamente documentadas e suportadas.

Na verdade, a prática das Certificações Legais de Contas emitidas por um Revisor Oficial de Contas consiste apenas em discriminar as não conformidades materialmente relevantes, através de reservas às contas ou limitações ao âmbito.

A Certificação Legal de Contas do ano em causa foi emitida sem quaisquer reservas.

Tal comprova que na opinião do ROC as demonstrações financeiras das "A..." se apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, referindo expressamente que foram verificados os suportes das quantias constantes nas demonstrações financeiras o que significa que foram verificados e aceites os suportes das quebras em causa (cfr. certificações legais juntas aos presentes autos).

A contabilidade da Requerente goza da presunção de veracidade, nos termos do art.º 75º da LGT.

A A.T. não demonstrou de qualquer modo a falta de correspondência entre essa contabilidade e a realidade.

A forma da AT aferir a razoabilidade destas quebras em cada caso está influenciada pela forma como a empresa reconhece este custo e pela forma como reporta o mesmo na declaração de rendimentos para fins de IRC.

Constituindo a substância do nosso caso e sendo talvez a mais generalizada, tratamos das diferenças de inventário, diferenças entre o inventário esperado de acordo com o sistema contabilístico e a contagem física do stock.

Existem duas formas de tratamento contabilístico deste gasto, ambas conducentes ao mesmo resultado final.

A mais vulgar passa por diminuir o stock contabilístico ajustando-o à existência final do stock resultante do inventário, o que implicitamente afecta o custo das mercadorias consumidas (aumentando-o) e, consequentemente afecta (para menos) a margem bruta de exploração.

Esta forma de contabilizar (em que as diferenças influenciam directamente o custo das mercadorias vendidas e indirectamente a margem bruta de exploração é a forma típica quando as empresas usam o sistema de inventário permanente e é também usada em muito contribuintes que utilizam o sistema de inventário permanente.

A contabilidade não regista em conta própria o valor das diferenças de inventário, que deverão ser suportados no processo do inventário e na justificação do lançamento de regularização do stock contabilístico.

Neste sistema, a comparação desta margem bruta com dados do grupo ou do sector, e entre os anos anteriores e o actual, é um dos primeiros e mais significativos indicadores da razoabilidade da margem bruta apurada, do custo das mercadorias vendidas e das quebras e, indirectamente, de eventuais diferenças de inventário implícitas na margem bruta, de acordo com a equação:

Margem Bruta= Vendas – Custo das Vendas e

Custo das Vendas= Compras+Existência inicial-Existência Final

A comparação das margens brutas é a forma mais corrente de detectar níveis de quebras (entre as quais as diferenças de inventário, consumos e desperdícios excessivos, etc.), não sendo possível isolar as causas podendo algumas nada ter a ver com roubos, podendo mesmo ser resultado de opções estratégicas: vender mais a menor preço, por exemplo, foi política agressiva de descontos, não consistente com práticas anteriores ou com a concorrência.

Esta forma de tratamento contabilístico, sem qualquer correcção fiscal no quadro 07 da declaração modelo 22, é a forma mais corrente de tratamento contabilístico e fiscal das diferenças de inventariação que nos ocupam.

O contribuinte não isola as diferenças de inventário. A AT testa em primeira linha a razoabilidade da margem bruta. A AT, em caso de dúvida, fiscaliza a empresa indagando explicações para o aparente consumo excessivo de mercadorias ou de matérias primas.

Contudo, algumas empresas (as mais organizadas, entre as quais a Requerente), têm um tratamento contabilístico mais sofisticado, levando ao limite a aplicação do sistema de inventário permanente.

Tal é o caso da Requerente.

Cada venda despoleta a consequente diminuição do  stock, sendo assim possível sempre detectar as existências de determinado livro na Loja. No caso da Requerente, tendo o sistema integrado de todas as lojas, permite de imediato saber se o livro não existente na loja em que o cliente o pede existe porventura disponível noutra loja do grupo.

No final do ano, o sistema de controlo físico das existências, extensivo a todas as lojas, com contagem dos livros (introdução no sistema informático, já não há listas manuais de contagem), resulta a existência real que por comparação com a existência contabilística, traduz as diferenças de inventário.

As listagens de diferenças de inventário, resumo por lojas, loja a loja, livro a livro ou outras podem ser formatadas a pedido do utilizador, posto que a evidência é sobretudo informática.

Embora o resultado líquido contabilístico nos dois sistemas seja igual, a Requerente determinou item a item as diferenças de inventário em cada uma das lojas, contabilizou este gasto autonomamente e, em primeira mão, acresceu este valor ao resultado contabilístico, considerando que esta verba não seria aceite fiscalmente.

Entendimento que depois alterou e daí a reclamação que originou este processo.

Estas diferenças de inventários, diferenças para menos entre inventário contabilístico e o resultante da contagem no final do ano, são na sua maioria resultantes de furtos inevitáveis, e quando contabilizadas em conta própria, originam cálculos de margens butas superiores às do método alternativo de contabilização. O resultado líquido é igual nos dois métodos de contabilização.

Foi o que aconteceu no caso em questão.

Conduzindo ao mesmo resultado líquido origina diferenças de valores da margem bruta, devendo para efeitos de comparações ser ponderada a forma de contabilização destas diferenças de inventário.

Se a Requerente não tivesse efectuado esta correcção no quadro =7, o critério de validação da razoabilidade das quebras declaradas (autonomamente ou não), se não fosse evidente essa razoabilidade, despoletaria uma inspecção onde essa razoabilidade fosse questionada e analisado o sistema contabilístico e de controlo existente, nomeadamente o sistema informático que permitiu a determinação das quebras.

Ora, neste processo, a AT não conseguiu pôr em causa razoabilidade das diferenças de inventário declaradas pela Requerente.

No que respeita à prova, esta consubstancia-se, em primeiro lugar, na fiabilidade do sistema informático e na avaliação do ambiente de controlo e contabilístico de cada entidade.

Não foi apreciado directamente pela AT o sistema informático, contabilístico e de controlo da Requerente, nem colocada em causa a razoabilidade das perdas. O argumento principal da recusa da regularização parece ser o da falta, inadequação ou falta de oportunidade da prova apresentada.

O que não nos parece razoável.

Os elementos de comprovação documental carreados para o processo sucessivamente pela Requerente, a descrição do sistema de controlo de stocks, e o teste à sua conformidade, nomeadamente pela arguição das testemunhas são de molde a validar a adequação do sistema informático e os comprovantes obtidos a partir deste.

A evolução dos sistemas informáticos torna impraticável a exigência sistemática de provas em suporte físico, sendo os outputs formatados de acordo com as exigências dos vários utilizadores e estando a prova mais sólida na validação do próprio sistema.

A transformação dos mapas de diferenças de inventário, carreados para o processo em ficheiros informáticos em listagens impressas, daria, só por si, um suporte de vários milhares de páginas que em substância nada acrescentam à matéria em causa.

“As circunstâncias de cada caso são determinantes para a aceitação para fins tributários das quebras por razões desconhecidas”, cf ficha doutrinária A509 2009009, e a análise destas no caso concreto em apreciação, leva-nos a considerar que estão cumpridas as condições da sua aceitação.

O valor supra referido de EUR 353.345,25 foi, na verdade, incorretamente acrescido pela Requerente, uma vez que o mesmo deveria ser considerado fiscalmente dedutível na sua totalidade.

Os bens em causa - livros - sendo objectos de pequenas dimensões, leves e maleáveis, fáceis de transportar e encontrando-se expostos em áreas de grande dimensão, com livre acesso ao público em geral, são facilmente furtáveis, sendo difícil a deteção dos mesmos.

A Requerente estabeleceu medidas de segurança, tendo sempre como objectivo a redução ao máximo das quebras registadas e a minimização das perdas. Nomeadamente, a existência de:

•             vigilantes e seguranças privados no que respeita às lojas de rua, sendo que as lojas situadas em centros comerciais já possuem segurança própria;

•             sistemas de vigilância em todas as lojas, e respectiva manutenção;

•             alarmes nas lombadas dos livros e de "antenas-alarme" nas lojas, que detectam a saída de livros quando não haja sido efetuado pagamento prévio.

É impossível, neste tipo de actividade, evitar ou eliminar a totalidade dos furtos ou extravios o que implica, por consequência, que as quebras em inventários se considerem uma realidade intrínseca da própria atividade.

Da apólice Multirriscos da A..., atento o constante do artigo 5.º, n.º 7, alínea e), (página 23 das condições gerais), estão, expressamente excluídos de protecção e respectiva cobertura o desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravios, bem como as subtrações de qualquer espécie.

Sempre que os autores do furto são identificados, os gerentes de loja apresentam queixa junto das autoridades policiais competentes. Tal procedimento, porém, é destituído de eficácia prática quando os autores dos furtos são desconhecidos, o que acontece na maior parte das situações.

Da matéria de facto dada como assente resulta que as quebras em inventários são uma consequência direta e inevitável no negócio do retalho, nomeadamente o negócio livreiro.

A inevitabilidade de furtos de existências/inventários nas superfícies de venda a retalho é admitida pela própria A.T., tal como resulta do Parecer n.º 63/92 do Centro de Estudos Fiscais.

Este Parecer refere que pode aceitar-se a correspondente perda para efeitos fiscais, devendo o sujeito passivo demonstrar que as perdas se situam dentro dos limites razoáveis para o setor de atividade (...)".

A A.T., na decisão da reclamação graciosa afirma que "estará certamente o Contribuinte imbuído de verdade quando assegura que (...) as quebras em inventários são uma consequência inevitável no negócio do retalho, nomeadamente, livreiro".

A A.T. refere também: "acredita-se que, como informado, a taxa média de perdas, em Portugal seja de 1,26% e que na A... SA, esse rácio tenha sido de 0,94%".

Reconhecendo-se a inevitabilidade económica das quebras em inventários e a razoabilidade das mesmas, tais quebras não podem deixar de ser consideradas como fiscalmente dedutíveis nos termos gerais.

Conforme consta da Informação Vinculativa supra referida, "que os pequenos furtos de existências são inerentes à própria atividade normal da empresa, preenchendo claramente o requisito da indispensabilidade", estabelecendo como condição que (i) os controlos instituídos assegurem a minimização de ocorrência de furtos e que (ii) o sistema confira fiabilidade à tradução contabilística das ocorrências.

"No âmbito do IRC, as quebras de existências identificadas e não identificadas (pequenos furtos) nas grandes superfícies de venda a retalho são tidas como ocorrências inerentes à própria atividade das empresas, tal como se refere no Parecer n.º 63/92 do CEF, pelo que se enquadram, em regra, no princípio da indispensabilidade, tendo em conta as circunstâncias de cada situação em concreto".

Além de sistemas de controlo que as empresas devem implementar para minimizar as quebras, deve existir um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, o que a Requerente não demonstrou possuir, já que se limitou a juntar documentos informáticos de inventário, que não cumprem igualmente os requisitos previstos na ficha doutrinária como em seguida veremos, porquanto:

"II) este sistema organizativo de quebras de existências deve englobar não só as quebras identificadas bem como as quebras não identificadas (furtos de existências). Para as quebras identificadas deve ser elaborado documento interno donde conste todos os elementos identificativos do produto (descrição, código, quantidade, motivo da quebra e destino do produto), assinado pelo responsável da secção e pelo gerente de loja. Este documento interno deve servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks, devendo ser emitida por este sistema uma listagem de regularização de stocks que suportará os lançamentos contabilísticos de quebras de existências".

Da jurisprudência resulta que se não prescinde da necessária comprovação/demonstração, pelos sujeitos passivos de imposto, das situações em que se traduziram as quebras em inventários/existências, demonstração esta que foi feita no presente caso.

O furto ou extravio de mercadorias pode, assim, ser considerado um custo fiscal.

Como resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Junho de 1997, proferido no recurso com o n.º 12.610 e de cujo sumário doutrinal consta a seguinte asserção: "O valor do furto de dinheiro ou de mercadorias constitui custo ou perda imputável ao exercício respetivo, com previsão no art. 26.º do CCI". Acórdão publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de outubro de 2000, págs. 1739 a 1745. Este entendimento corresponde ao conceito de existências e à repercussão das variações positivas e negativas das mesmas. O desaparecimento de mercadorias originado por causas exógenas, ou seja, estranhas à atividade da empresa, deve por isso ser havido como perda.

Este entendimento é o que melhor se adapta ao tratamento contabilístico a dar às mercadorias desaparecidas ilicitamente, bem como ao princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real.

Quanto à impossibilidade de segurar o risco de furto de mercadorias armazenadas, pese embora em abstrato nada a obstar à transferência contratual desse risco para uma empresa seguradora, certo é que em concreto as seguradoras não o aceitam.

Embora não exista qualquer impedimento legal à celebração de contrato de seguro que cubra o risco de furto ou extravio de mercadorias, na prática negocial as companhias de seguros não aceitam esse risco.

Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do CIRC, "O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste código".

No art.º 23º do CIRC enunciam-se, a título exemplificativo, as situações que podem integrar o grupo dos elementos negativos a relevar para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrando como critério definidor, que se consideram como custos ou perdas "os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

Sendo inequívoco que a existência de mercadorias é um valor positivo, porque se destinam à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material de mercadorias, seja a que título for, designadamente por furto, não pode deixar de ser considerada como realidade que foi "indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

Verificam-se assim as condições para considerar dedutível o montante registado como quebras em inventários da Requerente em 2009 no valor de EUR 353.345,25.

23.7 Quanto ao pedido de condenação da AT a corrigir oficiosamente as liquidações da A... e Recorrente, levando em conta as correções efetuadas no tocante a procedimento de reporte de prejuízos nos exercícios subsequentes

A Recorrente põe em causa neste processo um acto tributário relativo a 2009, o pedido acima transcrito é demasiado vago e pouco concretizado estando desacompanhado de qualquer fundamentação de facto.

Competia à Requerente alegar e provar a existência de prejuízos em anos subsequentes, demonstrando quais os efeitos concretos, devidamente fundamentado, de uma eventual decisão favorável relativa a 2009. A Requerente limita-se a alegar que "fica prejudicada a sua utilização para reporte nos exercícios subsequentes".

Não faz qualquer demonstração susceptível de justificar, de facto ou de direito, essa afirmação. Não havendo nos autos quaisquer elementos que permitam ao Tribunal considerar que reflexos a decisão eventualmente terá em anos subsequentes, o pedido improcede.

22.7. Quanto aos juros indemnizatórios

A Requerida contesta este pedido argumentando, em síntese que:

•             A Requerente se conformou com o que, em sede de reclamação graciosa, relativamente ao assunto, foi decidido pela A.T., tendo expressamente declarado (cf. art. 13.º da petição de recurso hierárquico) não concordar com a decisão da A.T. exceto na parte relativa aos juros indemnizatórios, em que a Recorrente aceita o entendimento veiculado".

•             Nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT: "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido", considerando-se, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, que também existe "erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicados"

A Requerente apresentou, em 20.02.2012, reclamação graciosa relativa ao acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2009, donde se depreende ser a própria Requerente que entende ter existido um erro relativamente ao acto de liquidação de IRC, não tendo, por lapso seu, deduzido as quantias relativas às alegadas quebras em inventários.

Encontrando-se, assim, afastada a possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, pois o erro que alegadamente existe na autoliquidação tem origem na própria Requerente, sendo que a própria aceita em sede de recurso hierárquico, a decisão da Requerida quanto ao pedido de juros formulado na reclamação graciosa.

 

II - Decisão

Pelos fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

(1) julgar procedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico (RH), interposto da decisão da reclamação graciosa que pedia a correção de autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2009 e anular parcialmente o acto tributário respectivo na parte em que não considerou dedutível o montante de €353.345,25, registado como quebras em inventário (livros) da Requerente nesse ano.

(2) julgar improcedente o pedido de condenação da AT a corrigir oficiosamente as liquidações da A... e Requerente, levando em conta as correcções efectuadas no tocante a procedimento de reporte de prejuízos nos exercíaios subsequentes.

(3) julgar procedente o pedido de anulação parcial da derrama no montante de €5.300,54, relativa ao ano de 2009 

(4) julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios

(5) Considerando que ambas as partes decaíram parcialmente na sua argumentação e nos pedidos, condenar a Requerida em 2/3 das custas e a Requerente em 1/3.

 

Valor: € 93.637,00 (noventa e três mil, seiscentos e trinta e sete euros)

Custas: € 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros)

 

Lisboa, 24 de junho de 2015

 

Os árbitros,

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros

Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro

Dr. Armindo Fernando Costa