Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 604/2020-T
Data da decisão: 2021-11-24  IRC IVA  
Valor do pedido: € 259.339,43
Tema: IRC. IVA. Gastos. Requisitos de documentos de suporte. Preços de transferência. Juros compensatórios.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dra. Alexandra Coelho Martins e Dra. Sofia Ricardo Borges, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:

          

                1. Relatório

 

                A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ...-... ... (doravante a “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação dos seguintes actos:

– anulação da demonstração de liquidação n.º 2019..., de 8 de Agosto de 2019, e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., de 12 de Agosto de 2019, relativas ao período de tributação de 2015, no valor de € 40.124,69 a pagar;

– anulação da demonstração de liquidação n.º 2019..., de 21 de outubro de 2019, e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, relativas ao período de tributação de 2016, que apuraram o montante de € 81.609,09 a pagar;

– anulação dos actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios consubstanciados nas demonstrações de liquidação n.ºs 2019... a 2019..., todas de 9 de agosto de 2019, e das demonstrações de acerto de contas n.ºs 2019... a 2019..., todas de 12 de agosto de 2019, relativas aos períodos de tributação 2015/02, 2015/06, 2015/07, 2015/09, 2015/10, 2015/11 e 2015/12, respectivamente;

– anulação dos atos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios consubstanciados nas demonstrações de liquidação n.ºs 2019... a 2019... e 2019... a 2019..., todas de 9 de Agosto de 2019, e das demonstrações de acerto de contas n.ºs 2019... a 2019..., todas de 12 de agosto de 2019, relativas aos períodos de tributação 2016/01 a 2016/12, respetivamente;

– anulação parcial da decisão da reclamação graciosa n.º ...2020... .

 

A Requerente pede ainda a restituição das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-11-2020.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 18-01-2021, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.

A AT apresentou resposta, em que suscitou a excepção da intempestividade da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente respondeu à excepção.

Em 20-09-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a excepção da intempestividade.

 

2. Excepção da intempestividade

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, pelas seguintes razões, em suma:

 

– o indeferimento da reclamação graciosa foi notificado por carta registada, com ofício datado de 27-07-2020 (nos termos do nº 1 do art. 39º do CPPT, as notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo 38.º presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil).          

– o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 05-11-2020, para além do prazo de 90 dias após a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

– por isso, não terá sido apresentado dentro do prazo previsto no artigo 10.º. n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

A Requerente respondeu à excepção dizendo o seguinte, em suma:

 

– o Ofício através do qual foi notificada a Decisão de Indeferimento foi emitido em 27-07- 2020;

– a Requerente teve o cuidado de juntar ao requerimento inicial, como Doc. n.º 23, cópia da Decisão de Indeferimento, incluindo a cópia do envelope através do qual a mesma foi notificada (documento n.º 23), em que foi aposto o carimbo da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., na qualidade de remetente, e o registo postal RF ... PT;

– do mesmo envelope consta, também, o carimbo de entrada da referida notificação do escritório dos mandatários da Requerente, em 07-08-2020;

– por consulta do Portal dos CTT verifica-se que a notificação em apreço apenas foi entregue pela AT e “aceite” na Loja CTT de ... no dia 06-08-2020 (documento n.º 1, junto com a resposta à excepção);

– por isso, o prazo para impugnação iniciou-se em 11-08-2020, pelo que terminaria em 08-11-2020, passando o termo para o dia 09-11-2020, por o dia 8 ser Domingo;

– o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 05-11-2020, pelo que é tempestivo.

 

Pelo documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cuja autenticidade não é questionada, confirma-se que a notificação da decisão da reclamação graciosa foi efectuada através do registo postal n.º RF ... PT, sendo a carta entregue em 07-08-2020, como se vê pelo «print» que consta do documento n.º 1, junto com a resposta à excepção.

«Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei» (artigo 343.º, n.º 2, do Código Civil).

Assim, neste caso, recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus da prova de que a carta com o registo n.º RF...PT foi recebida pela Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou prova de que a carta expedida com o registo n.º RF...PT, que consta do processo administrativo, tenha sido recebida pela Requerente ou seu mandatário.

Por isso, a dúvida sobre a hipotética recepção desta carta pela Requerente ou seu mandatário tem de ser processualmente valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, o que se reconduz a ter-se como pressuposto de facto que ela não foi entregue.

Pelo exposto, sendo a carta com o registo n.º RF...PT a única que se prova ter sido entregue e tendo a entrega ocorrido em 07-08-2020, conclui-se que o pedido de pronúncia arbitral foi tempestivamente apresentado em 05-11-2020, dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º1 alínea a) do RJAT.

Improcede, assim, a excepção da intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A             A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço externas n.ºs OI2018... e OI2018..., em que foi elaborado Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, que foi notificado à Requerente para exercício do direito de audição;

B             A Requerente pronunciou-se no exercício do direito de audição, juntando documentos e prestando esclarecimentos, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

C             No exercício do direito de audição a Requerente, além do mais, manifestou disponibilidade «para remeter documentos adicionais, que a AT entenda serem necessários para complementar algum dos pontos abordados»;

D             No Relatório da Inspecção Tributária final (RIT), que consta do documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, a Autoridade Tributária e Aduaneira apreciou o alegado pela Requerente e os documentos juntos no exercício do direito de audição, tendo alterado as correcções que constavam do Projecto;

E             Sobre a disponibilidade da Requerente para remeter documentos adicionais a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu no RIT o seguinte:

Mostra-se o SP ainda disponível para remeter elementos adicionais que a AT entenda serem necessários. Quanto a esta disponibilidade, entende-se que o contraditório foi exercido por escrito e foi nesta fase atendido e analisado todo o conteúdo alegado no documento remetido, pelo que quaisquer factos pretensamente capazes de consubstanciar o exercício do direito ao contraditório (direito de audição), estão por opção incluídos nas alegações escritas que aqui devidamente se analisaram, nem se compreendendo que assim não seja.

F             Nessa inspecção foram efectuadas várias correcções em sede de IVA e IRC dos anos de 2015 e 2016, das quais são impugnadas no presente processo as seguintes:

a) Quanto ao IRC de 2015 (correcções à matéria coletável):

             Gastos fiscalmente não aceites, no valor de € 250.862,46;

             Preços de transferência, no valor de € 255.606,86; e

             Tributação autónoma, no montante de € 1.098,80;.

 

b) Quanto ao IRC de 2016 (correcções à matéria coletável):

             Gastos fiscalmente não aceites, no valor de € 501.857,14;

             Preços de transferência, no valor de € 406.187,14; e

             Tributação autónoma, no montante de € 704,32.

 

c) Quanto ao IVA de 2015 e 2016 (correcções ao imposto):

             foram efectuadas correções com fundamento em dedução indevida, correspondentes a gastos fiscalmente não aceites em sede de IRC, nos seguintes termos:

i. Relativamente ao ano de 2015: € 12.001,81; e

ii. Relativamente ao ano de 2016: € 126.603,79.

 

A             Na sequência da inspecção foram emitidas as seguintes liquidações de IRC:

– liquidação n.º 2019..., de 08-08-2019, relativa ao período de tributação de 2015, em que foi apurado o valor de € 40.124,69 a pagar (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e

– liquidação n.º 2019..., de 21-10-2019, relativa ao período de tributação de 2016, em que foi apurado o valor de € 81.609,09 a pagar (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B             Na liquidação de IRC relativa ao período de 2015 foi incluído o valor de € 4.457,56, que é a soma dos valores apurados das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019... e 2019... (€ 917,14 e€ 3.540,42, respectivamente) (documento n.º 1, anexo à reclamação graciosa, que consta da parte do processo administrativo com a designação «PRG+3.pdf»);

C             Na liquidação de IRC relativa ao período de 2016 foi incluído o valor de € 6.525,48 apurado na liquidação de juros compensatórios n.º 2019... (documento n.º 2, anexo à reclamação graciosa, que consta da parte do processo administrativo com a designação «PRG+3.pdf»);

D             Ainda na sequência da inspecção foram emitidas as seguintes liquidações de IVA:

 – liquidações n.ºs 2019... a 2019..., todas de 09-08-2019, relativas aos períodos de tributação 2015/02, 2015/06, 2015/07, 2015/09, 2015/10, 2015/11 e 2015/12, tendo sido apurado o valor de € 12.001,81 a pagar (documentos n.ºs 3 a 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

– liquidações de IVA n.ºs 2019... a 2019... e 2019... a 2019..., todas de 09-08-2020, relativas aos períodos de tributação 2016/01 a 2016/12, respetivamente, tendo sido apurado o valor de € 126.603,79 a pagar (documentos n.ºs 10 a 21 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

E             Não tendo sido pagas as quantias liquidadas relativas a IRC de 2015 e a IVA nos prazos de pagamento voluntário, foi instaurada execução fiscal n.º 2100 2019..., para pagamento coercivo de € 177.105,24, incluindo custas (documento n.º 38 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F             Em 27-12-2019, a Requerente pagou a referida quantia € 177.105,24 (documento n.º 39 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G            Ainda em 27-12-2019, a Requerente pagou a quantia de € 81.609,09 referente à liquidação de IRC respeitante ao ano de 2016 (documento n.º 39 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H             A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

I              A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 14-07-2020, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto de ..., com os fundamentos que constam do projecto de decisão que consta do processo administrativo e do documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

J              Em 01-04-2013, a Requerente fez com a B..., LDA o acordo cuja cópia consta do documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que esta última se comprometeu a prestar à Requerente serviços relativos ao desenvolvimento de um website para maximizar as vendas on line desta, serviços estes em que se incluíam o apoio à venda online, a concepção e gestão das campanhas de comunicação online, a realização de publicidade em motores de busca, a gestão de conteúdos do website, a gestão das redes sociais da A... (ex. Facebook) e a implementação das ferramentas de monitorização e suporte;

K             Nesse acordo, ficou assente que a remuneração (mensal) da B... correspondia a uma comissão de 25% das vendas líquidas anuais promovidas através do website, na parte que excedessem € 10.000,00, contendo outros ajustamentos em função do maior ou menor volume de vendas realizadas em todos os sites e plataformas onde figure a oferta da A...;

L              Em execução do acordo foram apresentados pela B... relatórios de vendas (documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M           Em virtude da execução do Acordo e dos serviços prestados pela B..., a A... conseguiu efetivamente aumentar o seu volume de vendas [depoimento da testemunha C... e documento n.º 27, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido de onde resulta que as vendas totais, que eram de € 943.114, em 2013 (ano da celebração do Acordo), ascenderam a € 4.259.641, em 2016];

N            A empresa D..., SA elaborou para a Requerente o Plano Estratégico e o Estudo de Viabilidade Económico-Financeira e o Plano de Marketing Internacional, a que se referem os documentos n.ºs 30, 31, 32, 33 e 34 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, com prévia fixação dos honorários, nos termos dos pontos 1.6. das propostas de prestação de serviços que constam dos documentos n.ºs 30 e 31;

O            A Requerente suportou encargos com os serviços prestados pela D..., SA (documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

P             A Requerente criou a E... Inc. (doravante E...) em 2004;

Q            A decisão de criação da E... surgiu na sequência da falência, em 2003, do principal cliente norte-americano da Requerente, pretendendo esta continuar a operar nesse mercado (depoimento da testemunha C...);

R             Em 01-03-2004, a Requerente celebrou com a E... o contrato cuja cópia consta do documento n.º 35 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

S             A viabilidade económica das vendas para os EUA dependia da minimização dos custos de transporte e a constituição da E... passou a permitir a concentração de um volume considerável de produtos expedidos pela Requerente (em contentores), a serem, depois, localmente

 distribuídos/revendidos a retalhistas pela E... no mercado norte-americano (depoimento da testemunha C...);

T             Sem a E..., as encomendas feitas nos Estados Unidos demorariam entre 8 a 10 semanas até chegarem aos clientes e com aquela subsidiária as entregas podem ser concretizadas em 3 ou 4 dias (depoimento da testemunha C...);

U            O único negócio da E... é encomendar à Requerente e vender a retalhistas os produtos adquiridos sem qualquer alteração (depoimento da testemunha C...);

V             As mercadorias enviadas pela Requerente à E... ficam em armazém desta nos Estados Unidos e esta empresa é que suporta os encargos com o transporte e pagamentos a comissionistas nos Estados Unidos (depoimento da testemunha C...);

W           A estrutura de custos locais nos Estados Unidos implica encargos da ordem dos 30% do valor das mercadorias (depoimento da testemunha C...);

X             A Requerente também fazia vendas directamente a clientes norte-americanos, (depoimentos das testemunhas C... e F...);

Y             Em 2015 e 2016 não tinha grandes clientes norte-americanos directos, designadamente que adquirissem contentores completos de mercadorias, como fazia a E... (depoimento da testemunha C...);

Z             A Requerente elaborou os dossiers de preços de transferência relativos aos anos de 2015 e 2016, que constam dos documentos n.ºs 35 e 36 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

AA          Em 25-11-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

3.2. Factos não provados

 

3.2.1. Não se provou se as despesas a que se referem as correcções efectuadas no RIT nos pontos III.1.2.1.9. - ODGVS15080063 e III. 1.2.1.12.- NDEVS1500137, NDEVS1500191 e NDEVS1500194, foram efectuadas no interesse da Requerente. Os documentos não referem a Requerente como sendo adquirente nem foi apresentada qualquer prova que demonstre que as despesas se reportam à actividade da Requerente.

 

3.2.2. Não se provou a que actividade se reportam as despesas que se referem nas correcções efectuadas no RIT nos pontos III. 1.2.2.8. - FFTVS16070162, FFTVS16100017 e ODGVS16120126 e III. 1.2.2.9. - ODGVS1 61 20079 nem que tivessem sido efectuadas no interesse da Requerente.

Na verdade, as descrições genéricas (como "Despesas com deslocações a Lisboa no 2º trimestre de 2016", "Despesas com deslocações a Lisboa no 3º trimestre de 2016" e "Deslocações a Lisboa no 4º Trimestre" e " Despesas com deslocações a fornecedores e clientes") não permitem saber se as deslocações foram efectuadas no interesse da Requerente e não foi apresentada prova da finalidade com que foram efectuadas as deslocações.

 

 

3.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

                A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela requerente e os que constam do processo administrativo.

                A testemunha C... é Diretora Financeira e de Recursos Humanos da Requerente, desde 2010, e aparentou depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base no seu depoimento.

                A testemunha F... é Inspetora Tributária e o seu depoimento confirmou o que consta do RIT, que elaborou.

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Correcções relativas a gastos fiscalmente não aceites - de € 250.862,46 em 2015 e € 501.857,14 em 2016

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira fez várias correcções relativas a gastos, com a seguinte fundamentação geral:

 

III. 1.2.- Gastos fiscalmente não aceites

Para efeitos de determinação do seu lucro tributável os SP's de IRC, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redação à data, devem considerar "dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.".

Acrescenta ainda aquele diploma legal, no n.º 3 do seu artigo 23.º, "os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito".

Por sua vez, o previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, determina que "No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço:

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados."

(...)

Efetivamente, conforme se retira da Lei, há necessidade de comprovar a efetiva realização dos gastos contabilizados pelo SP, nomeadamente através de documento de suporte válido que demonstre a efetiva aquisição de bens/serviços pela entidade que se encontra a considerá-los para efeitos fiscais.

A prova documental relativa aos gastos contabilizados pelo SP é condição sine qua non para a respetiva aceitação fiscal, dessa prova terá que resultar evidência absoluta não só da efetiva ocorrência do gasto, da sua conexão com a atividade do SP, mas sobretudo que o mesmo foi suportado pelo próprio e não por terceiro, tal como resulta da sentença proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, concretamente no Processo 04690/11 que mereceu Acórdão com data de 07-02-2012.

Verificámos, no decurso do presente procedimento inspetivo, que o SP contabilizou, a título de diversas tipologias, conforme refletido nos subpontos que se seguem, gastos cujo suporte documental não apresenta características de prova da realização dos mesmos e/ou não respeita ao SP.

De facto, documentos de reserva/consulta de preço de uma prestação de serviço, por exemplo não demonstram que aquela prestação de serviço se tenha efetivamente realizado, da mesma forma que não comprovam que tenha sido o SP o seu beneficiário, ainda que possa até ser aquele o seu pagador.

Como prova de um gasto suportado por determinada entidade, em termos fiscais, também não será aceite documento em nome de terceiro, sendo essencial para a correlação com a sua atividade a demonstração da realização dos gastos pela própria entidade, o que se fará sempre mediante documento emitido a seu favor.

Os gastos da empresa constituem, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como gastos fiscalmente aceites.

No que respeita ao "documento comprovativo", o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do CIRC, prevê que "quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deva obrigatoriamente assumir essa forma".

Em complemento ao previsto no artigo 23.º do CIRC, a alínea c) do n.º1 do artigo 23.º -A do CIRC, delimita que "não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos aos 3 e 4 do artigo 23.º (...)

 

 

4.1.1. Questão da falta de fundamentação das correcções efectuadas nos pontos 1.2.1.1., 1.2.2.6., 1.2.2.7. e 1.2.2.14. do RIT

 

A Requerente imputa vício de falta de fundamentação a estas correcções, dizendo o seguinte, em suma:

 

– o RIT não fundamenta adequadamente o motivo pelo qual se determina a desconsideração dos gastos em causa, limitando-se a citar as normas contidas no artigo 23.º, n.º 4 e n.º 6, do Código do IRC sem chegar a concretizar a “insuficiência” que imputa aos documentos em causa – tal como o volta a fazer a RFP nos pontos 50 e 51 da Resposta –;

– ao passo que noutros casos se limita a invocar a ausência de um ou outro elemento (v.g., o número de identificação fiscal – “NIF” – da Requerente) sem justificar em que medida o mesmo é obrigatório em certa circunstância concreta (v.g. faturas emitidas por entidades não residentes em Portugal).

– deste modo, e tal como aduzido no Requerimento Arbitral, a AT incumpriu a sua obrigação de fundamentação dos atos em matéria tributária de forma objetiva e absoluta,

– sendo tal suficiente para impor a anulação, por violação do disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), das correções efetuadas nos pontos 1.2.1.1., 1.2.2.6., 1.2.2.7. e 1.2.2.14. do RIT.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

– os SIT especificaram os concretos motivos pelos quais decidiram não considerar documentos;

– em sede de direito de audição, a requerente confrontada com o projecto de conclusões do relatório não alegou falta de fundamentação das correcções propostas, também não se percebe porque é que o fez agora, se então compreendeu as razões de facto e de direito, porque é que só agora não as compreende?

– quer em sede de reclamação graciosa e após a análise da mesma pela AT quer em sede de p.p.a. onde a requerente revela ter compreendido os motivos que determinaram as citadas correcções, criticando-as especificamente.

 

A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (  )

Assim, para a fundamentação ser considerada suficiente não é necessário que sejam apreciados todos os argumentos invocados pelos interessados no procedimento, mas sim que sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.

Mas, por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo». (negrito nosso).

A indicação das disposições legais aplicáveis  é, pois, um requisito mínimo da fundamentação dos acto tributários.

É a esta luz que há que apreciar se se verificam os requisitos da fundamentação.

 

4.1.1.1. Correcção efectuada no ponto 1.2.1.1. do RIT

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira fundamenta esta correcção nos seguintes termos:

 

III. 1. 2.1.1. - ODGVS15030065

Verificamos que o SP, reportado a 2015-03-31, considerou na sua contabilidade gastos no montante total de 81.532,60€. Movimento titulado pelo documento com numeração interna ODGVS15030065 e cujo lançamento nos diários contabilísticos da empresa teve repercussões no apuramento do lucro tributável do SP conforme se representa:

 

Confirmados os documentos de suporte àquelas despesas constatámos que apenas parcialmente se encontram cumpridas as exigências legais ao nível dos requisitos daqueles documentos, conforme previsto no art. 23º do CIRC conjugado com o art.º 23º-A do mesmo Código. Relacionando-se de seguida os gastos, incluídos naquele movimento, que serão fiscalmente relevantes para efeitos de matéria coletável na esfera do SP:

 

Nos termos anteriormente descritos e com a justificação apresentada, não são aceites fiscalmente os gastos contabilizados no valor de 16.635,82€ (= 81.532.60€ - 64.896,70€) correspondentes à diferença entre o valor total contabilizado como gastos pelo movimento com o nº interno ODGVS15030065 e o valor ali suportado por documentos fiscalmente elegíveis.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, embora aluda genericamente aos artigos 23.º e 23.º-A do CIRC, que contêm várias normas, não especifica quais as normas que prevêem «as exigências legais ao nível dos requisitos» que suportam esta correcção, nem é possível perceber, com a fundamentação invocada, quais os requisitos que entendeu não estarem satisfeitos relativamente a cada um dos gastos que considerou não relevantes para efeitos fiscais.

Assim, justifica-se a anulação desta correcção, no montante de € 16.635,82.

 

4.1.1.2. Correcção efectuada no ponto 1.2.2.6. do RIT

 

Esta correcção tem a seguinte fundamentação:

 

III. 1. 2. 2. 6. - ODGVS16120058

Verificámos ainda que o SP assumiu como gastos da sua atividade as importâncias registadas em contas da classe 6, conforme lançamento contabilístico que reproduzimos abaixo, no montante total de 4.577,18€:

 

Da totalidade dos documentos juntos ao documento interno com o nº ODGVS16120058 verificou-se que apenas um é fiscalmente relevante, a reter:

 

- Fatura Simplificada nº FS2016016228/V14745 de 11-10-2016 emitida a favor do SP por G..., no valor de 6,70€;

 

Assim, por infração às normas constantes do art.º 23º do CIRC, concretamente nos seus nºs 6 e 4, al. a) e b), cumpre-nos propor a correção do valor não devidamente suportado em documentos fiscalmente relevantes, acrescendo-se à matéria coletável do SP a importância de 4.570,48€.

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira faz referência ao n.º 6 e às alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, que abrangem várias situações:

– a alínea a) do n.º 4 prevê com requisitos dos documentos o «nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário»;

– a alínea b) do n.º 4 prevê com requisitos dos documentos os «números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional»;

– o n.º 6 estabelece que «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma».

 

Pela fundamentação que consta do RIT, designadamente apenas com a referência genérica às normas referidas, não se percebe qual ou quais os fundamentos em concreto da não aceitação das despesas referidas como gastos pela Autoridade Tributária e Aduaneira:

– terá entendido que faltavam nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário?

– terá entendido que faltavam os números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, e que se tratava de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional?

– terá entendido que faltam todos estes requisitos ou apenas algum ou alguns e quais?

– terá entendido que o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços estava obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA e que o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços deveria obrigatoriamente assumir essa forma?

 

É manifesto que a fundamentação utilizada, que não esclarece estas dúvidas, não constitui a fundamentação expressa e acessível exigida pelo artigo 268.º, n.º 3, da CRP.

Assim, justifica-se a anulação desta correcção no valor de € 4.570,48.

 

 

4.1.1.3. Correcção efectuada no ponto 1.2.2.7. do RIT

 

A fundamentação desta correcção é a seguinte:

 

III. 1. 2. 2. 7. - ODGVS16120060, ODGVS16120062 e ODGVS16120064

Conforme podemos constatar e confirmar nos lançamentos contabilísticos que abaixo reproduzimos, o SP considerou como gastos do exercício de 2016, as importâncias registadas nas contas da classe 6 ali registadas, num total de 7.668,15€.

 

De forma idêntica ao constatado noutros casos já aqui relatados, verificámos que o SP lançou em bloco, na sua contabilidade, diferentes documentos, os quais consultámos a fim de confirmar a dedutibilidade dos gastos que os mesmos pretendem titular, concluímos que aqueles não respeitam as disposições legais constantes do CIRC (art.º 23º, nº 4 e 6), pelo que, nos termos do art.º 23º A do mesmo diploma legal, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável do SP.

Haverá então que proceder ao acréscimo daquela importância (7.668,15€) ao resultado líquido da empresa para efeitos de tributação em sede de IRC, o que propomos desde já.

 

A fundamentação é essencialmente idêntica à da correcção referida no ponto 1.2.2.6. do RIT, pelo que valem aqui as considerações que se fizeram no anterior ponto 4.1.1.2. deste acórdão.

Assim, justifica-se a anulação desta correcção no valor de € 7.668,15.

 

 

4.1.1.4. Correcção efectuada no ponto 1.2.2.14. do RIT

 

Esta correcção tem a seguinte fundamentação:

 

 

III. 1. 2. 2. 14. - NDEVS1600138

Ainda no decurso do exercício de 2016, o SP reconheceu pelo valor global despesas baseadas em vários documentos de suporte, a cujo movimento contabilístico atribuiu o número interno NDEVS1600138, o qual passamos a expor:

 

 

A título dessas despesas, registou 1.632,69€ a débito da conta 6223323 - Publici. - Feiras Out- OUT.

Consultados os respetivos documentos de suporte verificámos que apenas parte dos mesmos respeitam o disposto no art.º 23º, nº 4, al. a) e b) do CIRC, a reter:

             Fatura Simplificada 687/149368 no valor de 24,95€ emitida a favor do SP pela entidade com NIPC ...;

             Fatura/Recibo FR FTU/50890 no valor de 6,72€ emitida a favor do SP pela entidade com NIPC ...;

             Fatura/Recibo FR FTU/8684 no valor de 6,42€ emitida a favor do SP pela entidade com NIPC...;

 

Assim, teremos que desconsiderar a diferença no valor de 1.594,60€ (1.632,69€ - 24,95€ - 6,72€ -6,42€) em virtude de estarmos perante gastos cujo suporte não cumpre com os requisitos legalmente determinados, em concreto no art.º 23º, nº 4 al. a) e b) do CIRC, propondo-se, para esse efeito, o correspondente acréscimo à matéria coletável do SP.

 

 

A fundamentação é essencialmente idêntica à da correcção referida no ponto 1.2.2.6. do RIT, pelo que valem aqui as considerações que se fizeram no anterior ponto 4.1.1.2. deste acórdão.

Assim, justifica-se a anulação desta correcção no valor de € 1.594,60.

 

 

4.1.2. Questão da violação do princípio do inquisitório

 

O princípio do inquisitório está enunciado no artigo 58.º da LGT que estabelece que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

A Requerente defende, em suma, que

– a AT não questionou a veracidade das operações propriamente ditas: antes pelo contrário, aceitou que os documentos em causa titulavam operações efetivas, simplesmente considerando tais documentos insuficientes para as “comprovar”.

– o princípio da verdade material, na dimensão do princípio do inquisitório, obriga a AT a diligenciar no sentido do preenchimento de qualquer “espaço vazio” e de esclarecimento de quaisquer dúvidas, encontrando-se-lhe vedada a decisão “facilitista” de fazer automaticamente desembocar tal incerteza na pura e simples rejeição dos gastos dos contribuintes; e

– ainda que se verificasse uma verdadeira insuficiência documental, sempre outros meios de prova seriam admissíveis, designadamente o testemunhal, designadamente por exigência do princípio da capacidade contributiva ínsito no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

 

A regra geral em matéria de dedutibilidade de encargos em sede de IRC é enunciada no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que deve ser interpretado como abrangendo todos os encargos relacionados com a actividade empresarial e efectuados tendo em vista prosseguir essa actividade. (  )

No entanto, no artigo 23.º-A do mesmo Código indicam-se os «encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», «mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação».

Trata-se de excepções à regra da dedutibilidade de encargos, justificadas por razões de várias ordens, como a mera técnica de quantificação do imposto [é o caso dos encargos de natureza fiscal, a que se referem as alíneas a), p), q) e s) do n.º 1], a de as despesas corresponderem a actos reprováveis à face do ordenamento jurídico [é o que sucede com as despesas ilícitas e as multas, coimas indicadas nas alíneas d) e e) do n.º 1], a de as despesas serem atinentes a zonas de convergência de interesses pessoais e empresariais [é o caso das despesas referidas nas alíneas h), i), j), k) e l) do n.º 1] e a de despesas cuja realização e relação com a actividade da empresa não é susceptível de fácil comprovação, indispensável para a Administração Tributária exercer eficientemente os seus poderes de controle da legalidade [é o que sucede com as despesas a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1].

É nesta última situação que se enquadram as despesas cuja documentação não satisfaça os requisitos mínimos previstos no n.º 4 do artigo 23.º, cuja dedutibilidade é proibida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que tem em vista impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários para assegurar a eficiência do controle da afectação das despesas a fins empresariais, essencial para relevância de aquisições de serviços com gastos, e para evitar situações de evasão fiscal. (  )

Por outro lado, a exigência de referência à quantidade dos serviços tem em vista permitir à Administração Tributária controlar se não há pluralidade de facturação relativa a um mesmo tipo de encargos. (  )

É de notar que as exigências formais de documentação que constam daquele n.º 4 do artigo 23.º foram manifestamente acentuadas pela reforma do IRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que, em princípio, deixou de ser admissível no caso de falta dos requisitos mínimos, a possibilidade de utilização de quaisquer meios de prova da materialidade das operações cujos encargos estivessem indevidamente documentados, que era admitida jurisprudencialmente, à face do regime legal anterior. (  )

Nestas situações especiais de indedutibilidade por deficiências de documentação, o que justifica a não dedutibilidade não é a eventualidade de as despesas não terem sido efectuadas, mas sim o incumprimento dos deveres de documentação, com o que se tem em vista impor ao sujeito passivo o cumprimento desses deveres, facilitando a Administração Tributária o desempenho da sua missão de controle da actividade tributária dos sujeitos passivos.

No entanto, nos casos em que pode ser apurada com segurança pela Administração Tributária a materialidade da operação insuficientemente documentada, é de aventar que possam ser dispensadas certas exigências formais de prova relativas à dedutibilidade de encargos contabilizados, por imposição dos princípios constitucionais da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e com base na capacidade contributiva (que decorre do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP), mas sem olvidar que estes princípios não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, pelo que não se opõem a que, legislativamente, numa ponderação global dos interesses em presença, deva dar-se prevalência à protecção do interesse público na efectividade do combate à fuga e evasão fiscal, subjacente à imposição das exigências formais de documentação. (  )

Por essa razão, poderá justificar-se a irrelevância do incumprimento dos requisitos formais quando houver um conhecimento seguro da materialidade das operações subjacentes aos documentos, mas estas exigências formais devem prevalecer sempre que a Administração Tributária não disponha da informação necessária para verificar se estão reunidos os requisitos materiais de que depende a dedutibilidade de encargos.

Sendo assim, a Administração Tributária não pode considerar insuperável a falta dos requisitos formais das facturas sem notificar o sujeito passivo para prestar esclarecimentos, no cumprimento do dever de colaboração que lhe impõe a alínea d) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT, ou realizar diligências tendentes a apurar a realidade subjacente à documentação. (  )

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a Requerente para se pronunciar sobre o projecto de RIT, na sequência do que a Requerente exerceu o direito de audição, apresentando documentos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre o que a Requerente alegou no exercício do direito de audição e alterou correcções projectadas com base no alegado e documentos juntos.

No exercício do direito de audição a Requerente, além do mais, manifestou disponibilidade «para remeter documentos adicionais, que a AT entenda serem necessários para complementar algum dos pontos abordados», não sugerindo a realização de quaisquer diligências.

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre esta manifestação de disponibilidade dizendo que «o contraditório foi exercido por escrito e foi nesta fase atendido e analisado todo o conteúdo alegado no documento remetido, pelo que quaisquer factos pretensamente capazes de consubstanciar o exercício do direito ao contraditório (direito de audição), estão por opção incluídos nas alegações escritas que aqui devidamente se analisaram, nem se compreendendo que assim não seja».

Afigura-se que, não tendo sido requeridas ou sugeridas pela Requerente quaisquer diligências, para além de apresentação de prova documental adicional, designadamente não tendo sequer aventado a produção de prova testemunhal, a que alude no presente processo, não havia razão para a Autoridade Tributária e Aduaneira decidir produzi-la, pois os meios de prova a que o contribuinte tem acesso devem ser oferecidos, no âmbito do seu dever de cooperar com boa-fé na instrução do procedimento, como resulta do teor expresso do n.º 2 do artigo 48.º do CPPT.

Por outro lado, quanto à disponibilidade para juntar novos documentos, não tendo sido indicados quais os documentos que a Requerente poderia juntar adicionalmente, não merece censura a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, de facto, é de pressupor que a Requerente tenha feito junção da totalidade dos documentos que possuía que considerou relevantes para defesa das posições que assumiu.

Neste contexto, não se demonstra violação dos deveres de realização de diligências impostos à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo princípio do contraditório, enunciado no artigo 58.º da LGT.

 

4.1.3. Questão da ilegalidade face à desconsideração dos documentos internos

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– a AT corrigiu a matéria coletável da aqui Requerente, em larga medida, pelo facto de os correspondentes gastos se encontrarem suportados em documentos interno, sem qualquer outra justificação;

– isso sucedeu quanto às correcções referidas nos pontos 1.2.2.3., 1.2.2.4., 1.2.2.5., 1.2.2.21..

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que:

– os gastos, quando envolvendo transações com terceiros deverão ser suportados por documentos externos identificativos dos elementos relevantes da transação em ordem a aferir da sua conformação ao estatuído no artigo 23º e a contrarium no artigo 23º-A, ambos do CIRC;

– a prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade);

– a Requerente não cumpriu o devido ónus probandi, nos termos do preceituado no art.º 74º da LGT, pois, face às correções ora impugnadas, não apresentou documentação relevante de apoio aos lançamentos em causa, que permitisse o afastamento da qualificação e quantificação efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, em sede de relatório final.

 

Desde logo há que notar, quanto à generalidade das correcções relativas a gastos não fiscalmente aceites, que a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, que a Requerente invoca, não tem o alcance de afastar a necessidade de satisfação dos requisitos de que depende a dedutibilidade de gastos, como resulta do próprio teor expresso da parte final desta norma:

 

Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

 

Isto é, em matéria de dedutibilidade de gastos, não se aplica esta presunção, pelo que tem aplicação a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, da LGT que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

Desta regra resulta que o ónus da prova, em matéria de dedutibilidade de gastos, recai sobre o contribuinte que pretende ver deduzidos os encargos, pelo que a falta da prova exigida por lei deve, em princípio, ser valorada contra o contribuinte, afastando a dedutibilidade dos gastos não provados nos termos previstos na lei. Diz-se, «em princípio» porque esta regra geral do ónus da prova é temperada pela do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que impõe a anulação dos actos impugnados, nos casos de «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário».

É a esta luz que há que apreciar as correcções efectuadas em matéria de dedutibilidade de gastos.

 

 

 

4.1.3.1. Correcção efectuada no ponto III.1.2.2.3. – FFTVS16010182, FFTVS16020016, ODGVS16040091, ODGVS16050093 e ODGVS16120144

 

Esta correcção tem a seguinte fundamentação:

 

No decurso do presente procedimento inspetivo verificámos que o SP registou na sua conta 622193 - Rendas e Alugueres OUT, em 2016, gastos no valor total de 21.500,00€, distribuídos pelos 5 movimentos que relacionamos abaixo:

 

 

 

Por consulta aos documentos de suporte daqueles movimentos, arquivados na contabilidade do SP, constatámos que os mesmos não identificam o SP de forma inequívoca, uma vez que ali não é referido o seu número de identificação fiscal (NIF).

De notar que os documentos ODGVS16040091, ODGVS050093 e ODGVS16120144 são de natureza interna, contrariamente ao disposto no art.º 23º, nº 4 e nº 6, ambos do CIRC, pelo que nos termos do art.º 23º-A, nº 1, al. c) do mesmo diploma legal, os gastos neles contidos não serão relevantes do ponto de vista da tributação em sede de IRC, pelo que, no âmbito do presente procedimento terão que ser acrescidos à matéria coletável do SP.

Daquela forma, quanto aos documentos de suporte das restantes operações aqui em análise, ficam por respeitar os requisitos legais estipulados no art.º 23º do CIRC, concretamente na alínea b) do nº 4 do CIRC, a qual define como elemento fundamental constante do teor do documento de suporte (fatura) os NIF's, quer do emitente/prestador de serviços quer do destinatário/cliente da fatura, conforme já tivemos oportunidade de transcrever anteriormente.

Assim, haverá que desconsiderar para efeitos de apuramento da matéria coletável do SP, relativamente ao ano de 2016, aquela importância, correção que propomos de imediato.

 

Como decorre desta fundamentação, embora relativamente a alguns dos documentos se faça referência à sua natureza de documentos internos, o fundamento essencial da não aceitação da relevância destes documentos para justificar gastos é a falta dos «requisitos legais estipulados no art.º 23º do CIRC, concretamente na alínea b) do nº 4 do CIRC, a qual define como elemento fundamental constante do teor do documento de suporte (fatura) os NIF's, quer do emitente/prestador de serviços quer do destinatário/cliente da fatura».

Se uma correcção tem mais que um fundamento e cada um deles é suficiente para, por si só, justificar a decisão, o êxito da impugnação depende de serem imputadas ilegalidades a todos os fundamentos invocados no acto, pois se houver algum fundamento que não seja atacado e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente, terá de se concluir que o acto deverá ser mantido na ordem jurídica, por a decisão nele contida ter um fundamento cuja validade jurídica não foi destruída.

De resto, o entendimento que tem vindo a ser jurisprudencialmente perfilhado é no sentido de que quando um acto de administrativo tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois «o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229). Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».

Assim, no caso em apreço, não imputando a Requerente qualquer vício ao fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira da falta de NIF e seu enquadramento na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção, no valor de € 21.500,00.

 

 

4.1.3.2. Correcção efectuada no ponto III.1.2.2.4. – NDEVS160G060, NDEVS1600128 e NDEVS1600132

 

A fundamentação desta correcção é a seguinte:

 

O SP, registou na sua contabilidade, por atacado, várias operações económicas, a cujos documentos de suporte couberam os nºs internos NDEVS1600060, NDEVS1600128 e NDEVS1600132, cujos lançamentos transcrevemos de imediato:

 

Efetuada a habitual validação do preenchimento dos requisitos legais para aceitação do gasto titulado pelos correspondentes documentos de suporte, concluímos que na sua totalidade, os mesmo não só não são considerados documentos fiscalmente relevantes, uma vez que não se revestem de carácter oficial, não sendo em si mesmos documentos de faturação, conforme o espírito da lei, que emana do nº 6 do art.º 23º do CIRC, como não identificam inequivocamente o SP, nos termos das alíneas a) e b) do nº 4 do art.º 23º do CIRC.

Neste contexto, e atendendo ao estipulado na alínea c), nº 1 do art.º 23ºA do CIRC, teremos de desconsiderar a importância total dos gastos ali contidos e registados no valor de 8.720,23€, que corresponde ao somatório de todas as parcelas lançadas em contas da classe 6 dos movimentos acima reproduzidos.

 

Como decorre desta fundamentação, não foi apenas o tipo de documento nem o n.º 6 do artigo 23.º do CIRC o fundamento destas correcções, pois é invocado também que os documentos «não identificam inequivocamente o SP, nos termos das alíneas a) e b) do nº 4 do art.º 23º do CIRC».

 Para além disso, pela referência à alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC como fundamento das correcções, conclui-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira as justificou com base no n.º 4 do artigo 23.º e não no n.º 6.

Assim, valem aqui as considerações que se fizeram no ponto 4.1.3.1. deste acórdão sobre a falta de relevância da referência ao tipo de documento, com base no n.º 6, por as correcções estarem também justificadas com base nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC e não ser imputado vício a este fundamento.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções, no valor de € 8.720,23.

 

4.1.3.3. Correcção efectuada no ponto III.1.2.2.5. – ODGVS16110097

 

A fundamentação desta correcção é a seguinte:

 

Relativamente ao movimento registado sob o nº interno ODGVS16110097, verificámos que à semelhança das notas de despesa anteriores, o mesmo respeita a várias operações suportadas em diferentes tipos de documentos, sendo que os gastos registados pelo mesmo, e que se encontram descritos no lançamento contabilístico que apresentamos de seguida, totalizam a importância de 2.047,70€ (664,04€+ 1.075,11€ + 149,97€ + 158,58€):

 

 

Efetivamente, na validação dos documentos de suporte aos gastos contabilizados pelo movimento acima constatámos os mesmos não constituem documento de quitação e/ou não se encontram emitidos a favor do SP com indicação do seu NIF, em incumprimento do disposto no art.º 23º, nº 4, al. a)e b) do CIRC.

Desta forma iremos desconsiderar, para efeitos de apuramento da matéria coletável do SP, em 2016 a importância de 2.047,70€.

 

Resulta desta fundamentação que não é apenas o tipo de documento que justifica a não aceitação das despesas como gastos, mas também a falta de indicação do NIF do Sujeito Passivo, e o art.º 23º, nº 4, al. a) e b) do CIRC.

Assim, valem aqui as considerações que se fizeram no ponto 4.1.3.1. deste acórdão sobre a falta de relevância da referência ao tipo de documento, por as correcções estarem também justificadas com base nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC e não ser imputado vício a este fundamento.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções, no valor de € 2.047,70.

 

4.1.3.4. Correcção efectuada no ponto III.1.2.1.21 – FFTVS16060267, ODGVS16040058 e ODGVS16020033

 

A fundamentação desta correcção é a seguinte:

 

Consultados os movimentos contabilísticos registados pelo SP no ano de 2016, verificámos que o mesmo afetou os seus resultados tributáveis com base nos lançamentos que de seguida reproduzimos.

 

 

 

No cômputo das 3 operações acima reproduzidas constata-se que o SP considerou gastos do exercício o valor de 9.275,12€ (= 6.153,13€ + 78,64€ -<- 1.955,03€ + 1.088,32€). A fim de validar aquela consideração procurámos confirmar o cumprimento dos requisitos legais subjacentes para o efeito, o que não nos foi possível em virtude de os respetivos documentos de suporte não se encontrarem na ordem que lhes competia junto dos restantes elementos da contabilidade do SP.

Em face daquela impossibilidade solicitámos ao SP, via email de 25-03-2019, cópia desses mesmos documentos, contudo, até à presente data, a cópia do documento de suporte ao movimento com o nº interno FFTVS16060267 não nos foi facultada, concluindo-se da falta de cumprimento do disposto no art. 23º, nº 3 e 4 do CIRC.

Quanto aos restantes movimentos, os respetivos documentos apresentados, tratam-se de documentos internos, os quais não cumprem igualmente com o estipulado na lei, concretamente no nº 4 do mesmo artº 23º do CIRC.

Por força da aplicação do disposto no art.º 23º-A, n.º 1, al. b) e al. c) do CIRC, não são, por conseguinte, dedutíveis as despesas ali consideradas, pelo que teremos que corrigir a matéria coletável do SP, acrescendo-lhe a importância de 9.275,12€, correção que aqui propomos.

 

A Requerente defende, em suma, que:

– a AT corrigiu a sua matéria coletável, em larga medida, pelo facto de os correspondentes gastos se encontrarem suportados em documentos internos e “não estarem suficientemente apoiados em documentos externos”;

– tratando-se de operações efetivas, cuja veracidade se não contesta, é ilegal a imposição de correções com fundamento no facto de os gastos se encontrarem suportados em documentos “meramente” internos;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu como se existisse uma presunção de falsidade do afirmado pelos contribuintes, quando se há algum espírito que emana da lei, e mais precisamente do artigo 75.º da LGT, é precisamente o contrário.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, reafirma a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, dizendo, em suma, que «no que respeita aos documentos internos, em matéria de prova tem-se assente na jurisprudência e na doutrina que os gastos, quando envolvendo transações com terceiros deverão ser suportados por documentos externos identificativos dos elementos relevantes da transação em ordem a aferir da sua conformação ao estatuído no artigo 23º e a contrarium no artigo 23º-A, ambos do CIRC»

O fundamento jurídico essencial invocado para estas correcções é o artigo 23º-A, n.º 1, alíneas b) e c) do CIRC, que respeitam, respectivamente, a despesas não documentadas e a encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC.

No que concerne ao movimento com o número interno FFTVS16060267, percebe-se que o fundamento da correcção não foi o facto de o documento de suporte ser interno, mas sim o facto de não ter sido apresentado qualquer documento, pelo que se está perante uma situação de despesa não documentada, cuja não dedutibilidade para formação do lucro tributável é imposta pela alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.

No que concerne ao fundamento da falta de cumprimento nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC não é perfeitamente perceptível em que se baseiam as correcções, pois prevêem-se no n.º 4 vários requisitos dos documentos de suporte de encargos e não é possível saber quais foram os que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não estarem satisfeitos.

Assim, o único fundamento das correcções que é perceptível é o de se tratar de documentos internos.

A questão da admissibilidade de documentos internos como suporte de registos contabilísticos foi adequadamente apreciada no acórdão arbitral de 04-05-2015, proferido no processo n.º 236/2014-T, em que se refere o seguinte:

 

A base documental dos registos pode ser de natureza externa ou interna.

Será de natureza externa, no caso de as operações a registar serem realizadas entre entidades diversas. Assim, as vendas de mercadorias a clientes, o pagamento de juros a um banco, são documentalmente baseados em facturas, notas de débito, ou outros documentos que são emitidos por uma entidade e remetidos à outra.

Casos existem, porém, relativamente aos quais os factos a registar pela contabilidade financeira ou patrimonial, respeitando a operações puramente internas, não se podem basear em documentos externos emitidos por terceiros ou a eles destinados. Será o caso, por exemplo, da deterioração de existências, ou do cálculo e registo como custo num determinado exercício dos valores referentes a encargos com férias e subsídios de férias cujo direito se constituiu nesse exercício, mas que apenas se pagarão no seguinte.

Em tais situações, o suporte documental dos registos contabilísticos é geralmente constituído por elementos elaborados internamente, nos quais se baseiam depois as notas de lançamento que evidenciam as contas movimentadas. (  )

Todavia, em matéria de gastos que resultem – ou se contabilizem em decorrência – de relações com terceiros, eles deverão, por regra, ser apoiados ou baseados em documentos de terceiras entidades (v.g., facturas, recibos, extractos, notas de débito, conta-corrente, contratos), exigindo-se, pois, que tais gastos sejam comprovados, em primeira linha, por tais documentos.

(...)

Mas as operações com terceiros têm de evidenciar, ao menos, base documental que se julgue como elemento mínimo de suporte, eventualmente reforçado por outro tipo de prova, que esclareça ou complemente o indício de que uma certa entidade incorreu num custo. Se forem documentos internos, têm de conter informação bastante para que a informação neles expressa sobre as transacções seja testada, no confronto com as entidades que deles constam como contrapartes.

Outros meios de prova, como a testemunhal, servirão fulcralmente, via de princípio, como elementos auxiliares ou de comprovação suplementar, caso a prova documental permita suscitar ou indagar esse tipo de comprovação adicional ou supletiva.

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.1.2014, proc. n.º 01632/13, considerou-se que “apesar de lei tributária fazer depender a dedutibilidade do gasto/custo da respectiva comprovação (art. 23º nº 1 e art. 45º nº 1 al. g) do CIRC), não a restringe à resultante da respectiva inscrição contabilística e documento externo de suporte, aceitando-se que, na insuficiência destes, seja, para este efeito (em sede de IRC), feita a prova da ocorrência do custo e da respectiva afectação empresarial, por outros meios de prova”, mas logo se assinalou que “aquela prova documental se deve ter como preponderante na documentação do custo e na sua consequente dedutibilidade”.

Em suma, os documentos - externos e internos - que sustentam custos decorrentes de operações que envolvem terceiras entidades deverão ser sujeitos a um escrutínio particular, até em função do princípio da real capacidade contributiva.

 

A exigência de documento externo, quando não se tratar de encargo que, por sua natureza, não seja susceptível de prova por documento interno, foi acentuada pela reforma do IRC de 2014, em que se passou a exigir que «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma» (n.º 6 do artigo 23.º do CIRC).

E, embora esta aplicação das exigências de documentação aplicáveis em matéria de IVA deva ser efetuada por força do princípio da coerência valorativa do sistema jurídico (artigo 9.º.n.º 1, do Código Civil) e da regra da primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), o certo é que não se pode prescindir da comprovação dos requisitos substantivos da operação cuja documentação não satisfaça esses requisitos. (  )

No caso em apreço, as referências dos lançamentos contabilísticos ODGVS16040058 e ODGVS16020033 permite concluir que se reportam a juros de empréstimos bancários e a prestação de serviços, pelo que se trata de operações relativamente às quais é viável documentação externa.

Por outro lado, não se demostra que a Autoridade Tributária e Aduaneira possuísse a informação necessária para apurar a realidade substantiva subjacente a tais operações, pelo que não se está perante situação em que se deva aplicar a interpretação restritiva do n.º 6 do artigo 23.º do CIRC com o alcance da dispensa dos requisitos formais exigidos em matéria de IVA, quando eles são dispensados pela jurisprudência do TJUE.

Como se referiu no ponto 4.1.3., não vale em matéria de dedutibilidade de gastos a presunção prevista no artigo 75.º, n.º 1, pelo que a falta de prova da realidade subjacente as operações referidas, tem de ser processualmente valorada contra a Requerente, por força do preceituado no artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções, com o valor global de € 9.275,12.

 

4.1.4. Questão da ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC: a inexigibilidade da indicação do NIF da A... em facturas emitidas por entidades não residentes

 

Relativamente às correcções efectuadas nos pontos 1.2.1.5., 1.2.1.7, 1.2.1.8, 1.2.1.10, 1.2.2.1, 1.2.2.10., 1.2.2.11, 1.2.2.12 e 1.2.2.19, basearam-se na falta de indicação do NIF da Requerente.

Estão em causa os seguintes documentos resumidos no seguinte quadro, apresentado pela Requerente:

 

 

 

O artigo 23.º, n.º 4, alínea b), do CIRC estabelece seguinte:

 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

(...)

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

 

 A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– na generalidade dos casos nos quais os SIT corrigiram gastos à aqui Requerente, com o fundamento de que os mesmos são titulados por faturas que não continham o NIF do adquirente, estavam em causa prestadores de serviços/alienantes de bens estrangeiros, sem residência ou estabelecimento estável em Portugal;

– as regras de territorialidade do Código do IRC não permitem sequer que a Requerente imponha às contrapartes das suas relações comerciais o formalismo de uma lei fiscal que se lhes não aplica;

– a AT diz no Projeto de Indeferimento da revisão oficiosa que:

i. “(…) haverá que ter em conta que pelo menos as relativ[as] às entidades comunitárias, elas terão que ser emitidas de acordo com a legislação aplicável no país de origem, contudo, essa legislação está harmonizada com a Diretiva 2001/115/CE, pelo que deverão apresentar os requisitos do artigo 36.º e 40.º do CIVA, com as devidas adaptações do país de origem”; e

ii. “Quanto às outras, não tendo aposto o número de identificação fiscal do reclamante, é difícil estabelecer um elo de ligação entre a despesa efetuada e o respetivo adquirente, número esse que seria facilmente fornecido ao emitente do documento.”

 

– mas, tais entidades não estão obrigadas a inserir os NIF nos seus documentos, nem certamente lhes será exigido que adaptem os seus sistemas informáticos às exigências das autoridades fiscais portuguesas, como que por cortesia para com os adquirentes;

– o Código do IVA não é aplicável a estas entidades, e nada na Lei permite a aplicação “extraterritorial” das respetivas regras, como é aventada pela AT;

– a Lei só exige que seja indicado o NIF das entidades adquirentes e alienantes dos bens ou serviços, quando estejam em causa entidades residentes ou com estabelecimento estável em território nacional;

            mas não é isso que sucede com as seguintes correções, que têm por base documentos (externos!) emitidos por entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal.

 

 

No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira diz o seguinte, em suma:

 

– relativamente às despesas efetuadas em países comunitários/países terceiros, nãoestamos de facto perante fornecedores ou prestadores de serviços nacionais, mas sim de outros países;

– é evidente que relativamente a essas faturas, emitidas por entidades não estabelecidas em território nacional, haverá que ter em conta que, pelo menos as relativas às entidades comunitárias, elas terão que ser emitidas de acordo com a legislação aplicável no país de origem, contudo, essa legislação está harmonizada com a Diretiva 2001/115/CE, pelo que deverão apresentar os requisitos do artº 36º e 40º do CIVA, com as devidas adaptações do país de origem;

– relativamente às restantes, os mesmos devem obedecer à legislação do país emitente;

– contudo, nunca poderiam ser aceites como gasto fiscal, valores resultantes de relevações contabilísticas que tenham como suporte documentos emitidos noutro país, em que se desconheça a identificação do cliente e /ou a natureza da operação, elementos estes que não nos parecem de uma especial dificuldade de obter;

– tendo em conta a legislação nacional, os documentos em causa, para que sejam aceites como gasto fiscal em sede de IRC, deverão ter os elementos referidos no n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, caso contrário não poderão ser aceites como encargo dedutível para efeitos fiscais, nos termos da alínea c) do art.º 23.º-A do CIRC, pelo que terá o seu montante de ser acrescido no quadro 07 da declaração de Rendimentos Mod. 22, do respetivo período de tributação.

 

A alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC estabelece expressamente que o requisito da indicação dos números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, apenas é exigível «sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional».

A Autoridade Tributária e Aduaneira não explica no RIT (nem mesmo a posteriori na decisão da reclamação graciosa), como pode aplicar essa exigência de indicação do NIF às entidades residentes em países fora da União Europeia, e, em relação às que fazem parte da União Europeia, embora diga que será exigida a indicação para efeitos de IVA, não indica qual a legislação dos respectivos países que eventualmente faça tal exigência.

De qualquer modo, a exigência de indicação de NIF que resulta da referida alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, para efeitos de dedutibilidade de encargos em sede de IRC, apenas se aplica quando se trata de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional, como resulta do teor expresso dessa norma, e não sempre que o NIF deva ser indicado para efeitos de IVA.

Por isso, não se demonstrando que as entidades referidas tenham residência ou estabelecimento estável em Portugal, não há suporte legal para aplicar esta exigência da indicação do NIF nas correcções referidas nos pontos 1.2.1.5., 1.2.1.7., 1.2.1.8., 1.2.1.10, 1.2.2.1., 1.2.2.10., 1.2.2.11., 1.2.2.12. e 1.2.2.19.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto as estas correcções, no valor global de € 59.678,59.

 

4.1.5. Questão da ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC: as exigências formais relativas a deslocações e estadas

 

Neste âmbito a Requerente impugna as correcções feitas nos pontos 1.2.1.9., 1.2.1.12., 1.2.2.8. e 1.2.2.9. do RIT.

 

4.1.5.1. Correcções feitas nos pontos 1.2.1.9. e 1.2.1.12.

 

Os fundamentos destas correcções são os seguintes:

 

III. 1. 2.1. 9. - ODGVS15080063

Relativamente à operação registada com o nº interno ODGVS15080063 foram ali considerados gastos do exercício de 2015 pela A... conforme lançamento contabilístico que passamos a transcrever:

 

 

Do detalhe acima reproduzido, verificamos que na conta 62227199 - Desloc. Estadias - Hoteis-Rest. foram imputados 1.064,60€ como componente negativa do apuramento do resultado líquido da empresa em 2015.

Como suporte a esse valor, o SP detém na sua contabilidade documentos que não cumprem com os requisitos legalmente exigidos para que os mesmos sejam considerados fiscalmente relevantes em sede de IRC, uma vez que não se encontram emitidos a favor da empresa, contrariando o disposto no nº 4 do art.º 23º do CIRC, nomeadamente as alíneas a) e b).

Face às conclusões acima expostas teremos de retirar aquele valor dos gastos elegíveis em termos tributários para efeitos de apuramento da matéria coletável do SP, proposta que fica aqui consagrada.

 

(...)

 

III. 1. 2. 1.12.- NDEVS1500137, NDEVS1500191 e NDEVS1500194

De acordo com os registos que abaixo reproduzimos, o SP considerou ainda gastos do exercício em 2015 nos valores de 759,10€, 766,77€, 1487,76€ e 925,73€, contabilizados nas contas 62227398 -Desloc.Estadias - Viagens e 62227199 - Desloc. Estadias - Hoteis-Rest, conforme ali consta:

 

 

 

 

Cada um daqueles movimentos respeita a diversas componentes isoladas que são lançadas em agregado, tendo-se constatado que os documentos de suporte às verbas acima mencionadas, num total de 3.939,96€ (1.487,76€ + 766,77€ + 925,73€ + 759,70€) não respeitam as regras legalmente definidas para que os gastos neles contidos sejam aceites fiscalmente.

Na validação dos pressupostos da eficácia fiscal daqueles mesmos documentos, constatámos que ali não se encontravam reunidos os requisitos legalmente exigidos para que cada um deles possa ser considerado fiscalmente relevante para efeitos de determinação da matéria coletável do SP em sede de IRC.

Efetivamente, não só são documentos avulso, não se tratando, na sua generalidade, de faturas ou documentos equiparados, contrariando o disposto no n.º 6 do art.º 23º do CIRC, como também não respeitam ao SP, uma vez que se encontram ali nomeados como adquirentes/destinatários dos bens/serviços entidade(s) terceira(s), o que por sua vez contraria o disposto nas alíneas a) e b) do nº 4 do art.º 23º do CIRC.

Perante o enquadramento anteriormente exposto, teremos que proceder à necessária correção, a qual propomos desde já, mediante o acréscimo ao resultado líquido do SP no valor de 3.939,96€.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– as despesas foram suportadas com transporte, estadas, refeições efetuadas pelos trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho mediante a apresentação de um documento comprovativo;

            não é questionada pela AT a veracidade do suporte documental das mesmas despesas, nem o facto de a Requerente ter, efetivamente, incorrido na correspondente despesa;

– a prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório;

– um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto;

– a AT não envidou quaisquer esforços no sentido de proceder a uma análise casuística e subjetiva dos gastos registados a título de deslocações e estadas, relativamente a cada um dos gastos comprovadamente incorridos pela Requerente;

– se houvesse correcção a fazer sempre se circunscreveria a mesma à tributação autónoma das despesas em apreço, e nunca à desconsideração da respetiva dedutibilidade para efeitos fiscais, por ser esta a consequência legal quando existe uma manifesta conexão do gasto com a atividade normal da empresa, sem, contudo, se identificarem os seus concretos beneficiários.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que a Requerente não cumpriu o devido ónus da prova, nos termos do preceituado no art.º 74º da LGT.

As alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC impõem como requisito da dedutibilidade de gastos, entre outros, a indicação da denominação social do adquirente dos bens ou serviços, bem como a indicação do seu NIF, sempre que se trata de entidade com residência ou estabelecimento estável em Portugal.

Por sua vez, a alínea c) do mesmo número estabelece como requisito de dedutibilidade a indicação da quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados.

No que concerne às correcções relativas a documentos que não se encontram emitidos a favor da Requerente, a dedutibilidade é afastada pelas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 23.º.

Por outro lado, se é certo que, como já se referiu, essa falta de elementos poderá não ser obstáculo à dedutibilidade quando forem apurados, por outras vias, os elementos em falta, tal não sucede neste caso, em que não foi feita prova de que as despesas tenham sido efectuadas no interesse da Requerente.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções, nos valores de € 1.064,60 e € 3.939,96, respectivamente.

 

4.1.5.2. Correcções feitas nos pontos 1.2.2.8. e 1.2.2.9. do RIT

 

 Estas correcções foram efectuadas com os seguintes fundamentos:

 

III. 1. 2. 2. 8. - FFTVS16070162, FFTVS16100017 e ODGVS16120126

No exercício de 2016, o SP suportou gastos titulados pelos documentos que mereceram a numeração interna FFTVS16070162, FFTVS16100017 e ODGVS16120126, todos emitidos pela empresa H..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC..., os quais foram registados na conta 62227499 - Desloc.Estadias - Out. Custos, conforme reproduzimos de seguida:

 

 

Compulsados cada um daqueles documentos de suporte, verificámos que as respetivas descrições dos serviços faturados são insuficientes, da mesma forma que a quantificação e valorização individual sai prejudicada.

De facto, uma descrição genérica como as ali inscritas ("Despesas com deslocações a Lisboa no 2º trimestre de 2016", "Despesas com deslocações a Lisboa no 3º trimestre de 2016" e "Deslocações a Lisboa no 4º Trimestre"), não permitem à AT conhecer as operações em concreto ali incluídas, nomeadamente não facultam informação do nº de deslocações em causa, dos clientes visitados, das datas dessas visitas ou sequer da natureza das mesmas.

Nestes termos, a descrição e quantificação dos documentos de suporte revela-se insuficiente para que os gastos pelos mesmos titulados possam ter relevância fiscal, sendo os mesmos de desconsiderar desde logo em sede de IRC, propondo-se um acréscimo à matéria coletável do SP, no exercício de 2016, na importância de 2.461,81€ (738,36€ +862,77€ + 860,68€).

 

III. 1. 2. 2. 9. - ODGVS1 61 20079

Emitido também pela empresa H..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC..., o SP considerou no apuramento do seu resultado líquido, a contabilização de documento englobado no lançamento que efetuou por agregado e a que coube o nº interno ODGVS16120079.

Tal como podemos verificar no registo que transcrevemos abaixo, o SP contabilizou a importância de 985,97€ na conta 62227499 - Desloc.Estadias - Out. Custos e como suporte na sua documentação de apoio tem arquivada fatura com a descrição "Despesas com deslocações a fornecedores e clientes".

 

 

À semelhança do que já mencionámos no ponto anterior, também aqui, em face da falta de informação que resulta da descrição constante do documento de suporte àquela operação, a AT fica impossibilitada de conhecer os serviços prestados, ficando impedida, nomeadamente, de avaliar a sua conexão com a atividade do SP.

Assim, e mais uma vez pela falta de reunião dos requisitos legalmente exigidos, em concreto no art.º 23º, nº 4, al. c) do CIR, dado que não é ali referido o nº de visitas efetivadas a cada cliente e a cada fornecedor, não identifica os clientes e fornecedores visitados, nem as datas e locais dessas visitas, ou sequer os propósitos das mesmas, iremos proceder à correção fiscal daquela importância, mediante o acréscimo da mesma à matéria coletável do SP.

 

A argumentação da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira são as referidas quanto ao ponto anterior.

Está subjacente a estas correcções a alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, que estabelece como requisito da dedutibilidade de gastos a indicação da «quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados».

Nestes casos, foram utilizadas descrições genéricas ("Despesas com deslocações a Lisboa no 2º trimestre de 2016", "Despesas com deslocações a Lisboa no 3º trimestre de 2016" e "Deslocações a Lisboa no 4º Trimestre" e "Despesas com deslocações a fornecedores e clientes"), que não permitem saber se as deslocações foram efectuadas no interesse da Requerente e não foi apresentada prova da finalidade com que foram efectuadas as deslocações.

Como já se referiu no ponto 4.1.3.4, a insuficiência da descrição pode ser suprida pela comprovação dos requisitos substantivos das operações, mas nestes casos não foi apresentada qualquer prova que permita completar a informação que consta dos documentos e permita concluir que se trata de actividades desenvolvidas no interesse da Requerente.

Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral, pois estas correcções, nos valores de € 2.461,81 e € 985,97, respectivamente, encontram fundamento na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.

 

4.1.6. Questão da ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC: a desproporcionalidade da informação solicitada pela AT acerca das quantidades e descrição das operações

 

A Requerente imputa ilegalidade às seguintes correcções:

 

 

 

A Requerente defende que são ilegais estas correcções pelas seguintes razões, em suma.

 

– as correções baseiam-se em falta do detalhe que a AT considera “adequado” para justificar os gastos;

– é irrelevante se o montante da fatura correspondesse, afinal, a apenas uma hora de trabalho, posto que não é isso que a lei lhe exige à AT que “valide”;

– não sendo questionada a veracidade e a efetividade das operações, o preço que é pago pela Requerente ou por qualquer sujeito passivo por um determinado bem ou serviço está absolutamente fora do controlo da AT;

– não é a esta que cabe decidir se a mesma pagou muito, ou pouco, por um determinado bem ou serviço, sendo aos administradores cabe escrutinar a bondade e a oportunidade das operações concretamente realizadas;

– não é normalmente no interesse comercial da sociedade que presta um determinado serviço revelar quantas pessoas envolveu, qual a senioridade das mesmas ou quantas horas cada uma despendeu, o que no fundo faculta à contraparte informação indireta sobre as margens que pratica, pressionando fortemente a negociação dos preços;

– a única validação que a Lei permite à Autoridade Tributária e Aduaneira é a validação de Documentos e não das operações;

– a AT não está autorizada a formular juízos de valor sobre as decisões empresariais, nem a sindicar a bondade e/ou oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, que cabe às empresas, em concretização da liberdade de iniciativa económica e de empresa, prevista nos artigos 61.º, 80.º, al. c), e 86.º da CRP;

– apenas não seria assim se estivesse em causa qualquer indício de fraude ou evasão fiscal, de situações de “faturas falsas” ou de pretensas “operações” destinadas a encobrir operações ilícitas, o que não é aventado no RIT;

– essas formalidades ficam cumpridas pela “mera” indicação da descrição do bem/serviços e da quantidade, mesmo que essa quantidade seja de apenas “1”.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira mantém o entendimento adoptado no RIT, porque as descrições são vagas, não identificando valores unitários ou mesmo quantidades que permitissem identificar com clareza a natureza económica do gasto e se contribuía para a realização de rendimentos.

 

4.1.6.1. Correcções referidas no ponto III. 1.2.1.3. - FFTVS15090035, FFTVS15090034, FFTVS15090033 e FFTVS15090032 do RIT

 

Estas correcções têm a seguinte fundamentação:

 

III. 1.2.1.3. - FFTVS15090035, FFTVS15090034, FFTVS15090033 e FFTVS15090032

No decurso do presente procedimento inspetivo foi detetável o registo contabilístico de vários documentos, com os números de classificação interna FFTVS15090035, FFTVS15090034, FFTVS15090033 e FFTVS15090032, todos eles emitidos pela mesma entidade D..., SA, NIPC..., cujas descrições são unicamente "Plano Estratégico", não especificando ou concretizando, áreas de intervenção, como por exemplo, mercado(s), entidade(s) terceira(s), produto(s), processo(s) produtivo(s), linha(s) de produção, ou eventualmente incidência sobre a gestão financeira/comercial/etc.

Ficamos assim impossibilitados de avaliar em concreto o(s) plano(s) estratégico(s), aliás, fica-nos mesmo vedada a possibilidade inclusive de percecionar se estamos perante a mesma realidade ou se se tratam de projetos diferentes. Atendendo a que nas faturas emitidas a favor do SP pela D... nada é referido nesse sentido, somos impelidos a admitir que cada fatura respeita a um plano estratégico diferente, uma vez que ali é feita sempre referência à quantidade "1".

É, assim, manifesta a falta de informação constante dos documentos em avaliação, não existindo margem para dúvidas no incumprimento do disposto nos dispositivos legais anteriormente mencionados, isto é, no art.º 23º e 23º- A, ambos do CIRC, razão pela qual não poderão ser aceites os gastos titulados pelos documentos em causa e cujas contabilizações passamos a transpor:

 

 

 

Nesta matéria, devemos ainda atender aos movimentos registados ao abrigo dos documentos com a numeração interna ODGVS15120155 e ODGVS15120200, cujos lançamentos reproduzimos abaixo:

 

 

Conforme tivemos oportunidade de verificar, o tratamento dado àqueles gastos não foi uniforme, sendo que parte dos mesmos foi diferido para anos seguintes através da movimentação da conta 27224 – D...- Diagnostico/Est. Viabilid.(até 2020) por contrapartida a crédito da conta de gastos 622361 -Trabalhos Especializados-C/IVA.

Serão então de desconsiderar, em 2015, os gastos ponderados pelo SP no valor de 5.092,81€ (=3.650,00€ + 2.200,00€ + 2.200,00€ + 1.442,81€ - 2.200,00€ - 2.200,00€), por se encontrarem suportados por documentos que não cumprem os requisitos legais para serem fiscalmente aceites em matéria de apuramento de lucro tributável, acréscimo que propomos desde já.

 

Nesta correcção a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas faz referência aos artigos 23.º e 23.º-A do CIRC, que contêm várias normas, pelo que não é claro que o fundamento seja a alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.

No entanto, não há suporte legal para exigir que na descrição das facturas relativas a prestações de serviços sejam especificadas ou concretizadas as «áreas de intervenção, como por exemplo, mercado(s), entidade(s) terceira(s), produto(s), processo(s) produtivo(s), linha(s) de produção, ou eventualmente incidência sobre a gestão financeira/comercial/etc.», ou elementos que possibilitem «avaliar em concreto o(s) plano(s) estratégico(s)».

Na verdade, são relevantes como gastos todos os encargos «incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados». (  )

Por outro lado, no que concerne à quantificação dos serviços prestados exigida pela alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, a quantidade «1» satisfaz a exigência legal quando não se trata de mais que um serviço prestado.

Para além disso, quando à descrição de facturas relativas a prestação de serviços, o que exige a alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC é apenas a «denominação usual» dos serviços , no caso a elaboração de um plano estratégico, e não indicação que das várias actividades desenvolvidas para o elaborar como a indicação dos «mercado(s), entidade(s) terceira(s), produto(s), processo(s) produtivo(s), linha(s) de produção, ou eventualmente incidência sobre a gestão financeira/comercial/etc.», ou elementos que possibilitem «avaliar em concreto o(s) plano(s) estratégico(s)».

Assim, resulta da prova produzida que foi elaborado pela D..., SA para a Requerente um Plano Estratégico, um Estudo de Viabilidade Económico-Financeira e um o Plano de Marketing Internacional, cuja realização é comprovada pelos documentos n.ºs 30, 31, 32, 33 e 34 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, pelo que se está manifestamente perante encargos suportados no interesse da Requerente e não dos seus sócios ou terceiras pessoas.

Por outro lado, os honorários a pagar pela Requerente pelos serviços prestados foram fixados antecipadamente nas cláusulas 1.6 das propostas que constam dos documentos n.ºs 30 e 31, o que torna evidente a irrelevância da quantificação dos meios utilizados.

Para além disso, não se insere nas competências da Autoridade Tributária e Aduaneira «avaliar em concreto o(s) plano(s) estratégico(s)», nem tem qualquer relevância para dedutibilidade dos encargos suportados pela Requerente a qualidade do plano. Na verdade, insere-se na liberdade de gestão da Requerente, garantida pelo princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da CRP) definir os serviços que entende relevantes para a sua actividade e acordar com os fornecedores os preços da sua aquisição e os encargos que forem suportados tendo em vista os interesses empresariais, sendo esses serviços fiscalmente dedutíveis.

Pelo exposto, esta correcção, no valor de € 5.092,81, enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por erro de interpretação dos artigos 23.º e 23.º-A do CIRC, que justifica a sua anulação.

 

4.1.6.2. Correcções referidas no ponto III. 1.2.1.13. - ODGVS15120166 do RIT

 

A fundamentação destas correcções é a seguinte:

 

III. 1.2.1.13. - ODGVS15120166

Com o número interno ODGVS15120166, o SP lançou na sua contabilidade, em 2015, a importância de 145.634,05€ a débito da conta 622361 - Trabalhos Especializados-C/IVA, a título de acréscimo de custos por contrapartida da conta 27394 - Outros Encargos, a importância de 145.634,05€, tal como abaixo se demonstra:

 

 

 

Por consulta ao seu arquivo documental daquele exercício verificámos que o documento de suporte não se encontrava na ordem correspondente, pelo que, via email, solicitámos, junto do SP, cópia do mesmo a 25-03-2019. Parte da informação solicitada não nos foi facultada até à presente data.

Contudo, no decurso das restantes diligências associadas ao presente procedimento inspetivo foi possível apurar que parte daqueles gastos (no total de 130.000,00€) respeitam aos documentos internamente classificados com os nº FFTVS16010208,

 FFTVS1601209, FFTVS16010210, FFTVS16010211, FFTVS16010212,

 FFTVS16010213 e FFTVS16010214, os quais enfermam de déficit de informação no que respeita à descrição e quantificação dos serviços prestados, limitando-se a:

- FFTVS16010208 (15.000,00€) - Marketing digital - Optimização de motores de busca -Quant: 1;

- FFTVS16010209 (25.000,00€) - Digital Business Development-Reino Unido-Quant: 1;

- FFTVS16010210 (25.000,00€) - Digital Business Development - França - Quant.: 1;

- FFTVS16010211 (25.000,00€) - Digital Business Development - Alemanha - Quant.:1;

- FFTVS16010212 (15.000,00€) - Marketing Digital - Publicidade On-Line - Google e Facebook (Reino Unido) - Quant.: 1;

- FFTVS16010213 (15.000,00€) - Marketing Digital - Publicidade On-Line - Google e Facebook (Alemanha) - Quant.: 1;

- FFTVS16010214 (10.000,00€) - Marketing digital - Novas Funcionalidades da loja on-line Estados Unidos - Quant: 1;

 

Assim, a semelhança do que faremos noutros casos, com idêntico enquadramento legal, abordados ao longo deste relatório, teremos que desconsiderar aqueles gastos para efeitos fiscais em virtude de não se encontrarem cumpridos os requisitos legais estabelecidos no art.º 23º, nº 4 do CIRC.

Perante a falta de comprovação documental dos restantes gastos acima enunciados (145.634,05€ -130.000,00€ = 15.634,05€), infração ao disposto al. b) do nº 1 do art.º 23º A do CIRC, haverá que acrescer aquela importância ao resultado líquido apurado e declarado pelo SP para efeitos de tributação em sede de IRC, o que propomos de imediato.

 

No que concerne ao valor de € 15.634,05, que no RIT se referiu como não estando documentado, refere-se na decisão da reclamação graciosa que foi apresentado um documento com o n.º FFTVS16070189 (página 26 da parte do processo administrativo designada como «PRG+7.pdf»). O documento foi apresentado no exercício do direito de audição como documento n.º 12 (ponto 34), mas a Autoridade Tributária e Aduaneira não o juntou ao processo administrativo, embora se confirme na decisão da reclamação graciosa que ele foi apresentado com o exercício do direito de audição. Por isso, deixou de se verificar o fundamento da correcção quanto a este documento.

Pelo que se referiu no ponto anterior a descrição das restantes facturas referidas afigura-se ser suficientemente descritiva, satisfazendo o exigido pela alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções no valor global de € 145. 634,05.

 

4.1.6.3. Correcções referidas no ponto III. 1.2.1.14. - FFTVS15020209, FFTVS15100246 e FFTVS15110245

 

Estas correcções têm a seguinte fundamentação:

 

 

III. 1.2.1.14. - FFTVS15020209, FFTVS15100246 e FFTVS15110245

No decurso do ano de 2015, o SP procedeu à contabilização, a débito da conta 6223311 - Publici. -Feiras - C/ IVA, dos 3 documentos com numeração interna FFTVS15020209, FFTVS15100246 e FFTVS15110245 como reproduzimos:

 

 

Consultados os documentos de base a cada um daqueles movimentos verificou-se a inexistência, na ordem que lhe competia, do documento de suporte ao movimento com o número interno FFTVS15020209, tendo-se solicitado à empresa a correspondente cópia, via email de 25-03-2019, a qual até à presente data se mantém em falta.

Mediante a falta de apresentação do documento em causa, vê-se a AT impossibilitada de proceder à validação da operação e dos requisitos apresentados no documento em causa. Nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 23º A do CIRC, estaremos perante uma situação de falta de comprovação de gastos, pelo que os mesmos não serão aceites para efeitos de determinação da matéria coletável do SP.

Por outro lado, verificámos que os documentos de suporte aos movimentos titulados com os identificadores FFTVS15100246 e FFTVS15110245 apresentam défice de informação, nomeadamente no que respeita à descrição e quantificação dos serviços neles faturados, em incumprimento do disposto na al. b) do nº 4 do art.º 23º do CIRC, conforme passamos a resumir:

 

Assim, apesar de as faturas em questão fazerem menção a uma descrição genérica e referirem no campo da Quantidade o número "1", revelam-se ambas as indicações escassas e insuficientes para efeitos de compreensão da abrangência, avaliação e validação de cada uma daquelas operações por parte da AT.

Pela descrição e quantificação apostas nos documentos em análise não é possível à AT perceber quais os meios envolvidos e necessários à prestação de serviços em causa ou sequer quais os tempos necessários à concretização dos mesmos, elementos essenciais para a validação de qualquer operação.

Sempre que estamos perante uma prestação de serviços a indicação da quantidade deverá atender à especificidade dos mesmos, dando-se indicação dos meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) com menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas).

Quando no nº 4 do art.º 23º do CIRC se determina que o documento comprovativo dos gastos dedutíveis em sede de IRC deve conter entre outros elementos, na sua alínea c) a "Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados", não o faz por acaso, sendo inequívoca a necessidade de relação direta entre ambas as informações, isto é, entre a descrição dos bens/serviços faturados e as respetivas quantificações (unidades de medida adaptadas à realidade em questão).

Mencionar a quantidade "1" por defeito, não pode ser aceite como estando cumprido o requisito relativo à quantificação, uma vez que quaisquer serviços são mensuráveis, quer seja em unidades horárias, quer seja em dias de calendário, quer seja em unidades de abrangência (como por exemplo no setor da construção civil, da agricultura, entre outros) ou noutras igualmente adequadas, desde que inteligíveis e relacionadas, o que não acontece nos casos em apreço.

Como é sabido, o incumprimento do disposto no nº 4 do art.º 23º do CIRC determina a não aceitação dos gastos nos termos da al. c) do nº 1 do art.º 23ºA do mesmo Código, o que terá como consequência a desconsideração daqueles valores para efeitos de apuramento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas a pagar pelo SP.

Em face do anteriormente exposto, iremos propor o acréscimo ao resultado líquido apurado e declarado pelo SP a importância total de 12.730,95€ (1500,00€ + 3.100,87€ + 8130,08€).

 

Quanto ao movimento contabilístico FFTVS15020209, não foi apresentado qualquer documento, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao efectuar a correcção, no valor de € 1.500,00.

Quanto aos movimentos titulados com os identificadores FFTVS15100246 e FFTVS15110245, valem aqui as considerações que se fizeram no ponto 4.1.6.1. sobre os requisitos da descrição das facturas exigidos pela alínea c) do n.º 4 do artigo23.º do CIRC e a falta de suporte legal para exigir que na descrição das facturas relativas a prestações de serviços sejam especificadas ou concretizadas os «meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) com menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas)».

Por isso, estas correcções relativas aos identificados identificadores FFTVS15100246 e FFTVS15110245, no valor de € 11.231,82 (€3.100,87 + € 8130,08) enfermam de vício por erro de interpretação da alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º documento CIRC.

 

4.1.6.4. Correcções referidas no ponto III. 1. 2.1.18. - ODGVS15120184

 

Estas correcções têm a seguinte fundamentação:

 

III. 1.2.1.18. - ODGVS15120184

Notámos, no decurso dos procedimentos de validação dos movimentos contabilísticos do ano de 2015, que o SP registou a débito da conta 622243 - Royalties - OUT, pelo seu documento interno nº ODGVS15120184, gastos no total de 15.890, 75€. Movimento esse que reproduzimos:

  ©

 

Conforme podemos verificar aquela importância respeitou a um acréscimo de gastos repartido por diversos parceiros económicos da A.. . Haveria então que proceder à validação dos correspondentes documentos de suporte, pelo que solicitámos ao SP, através de email de 25-03-2019, "Cópia dos documentos de quitação, bem como dos respetivos lançamentos contabilísticos" do registo em análise.

Em resposta de 30-03-2019, o SP informou, pela mesma via:

 

"ODG-VS1512-0184 - Provisão Royalties - documentos de quitação, FFT-VS1 602-0082, FFT-VS1604-0142, FFT-VS1 602-0085, ODG-VS1812-0181, FFT-VS1 602-0081, FFT-VS1 602-0036, FFT-VS1611-0206, FFT-VS1 601 -0095, FFT-VS1 601-01 23"

 

Analisados aqueles documentos de suporte constatámos que, para além de não corresponderem à totalidade daqueles gastos, uma vez que se encontram em falta os documentos relativos às parcelas "PROV.ROY-2015-... - 43,32€" e "PROV.ROY-2015-... - 752,28€", parte dos mesmos não reúne as condições legalmente determinadas para que os gastos ali incluídos possam relevar em termos fiscais apresentando diversas irregularidades, a saber:

> FFTVS16020082 - gasto no valor de 2.492,28€ - não consta dos documentos contabilísticos do SP em arquivo, pelo que não nos foi possível validar o respetivo teor e alinhamento fiscal;

> FFTVS16040142 - gasto no valor de 482,42€ - apresenta uma descrição genérica como "Royalties 2015" sem qualquer referência a dados que permitam validar a respetiva correlação com a atividade do SP ou a determinação do valor faturado, ficando em falta, mais uma vez, a indicação dos valores unitários ou as quantidades em causa, ou outros dados que permitissem à AT proceder à necessária confirmação do negócio;

> ODGVS18120181 - gasto no valor de 752,28€ - não consta dos documentos contabilísticos do SP em arquivo, pelo que não nos foi possível validar o respetivo teor e alinhamento fiscal;

> FFTVS16020081 - gasto no valor de 592,28€ - apresenta uma descrição genérica como "Serviços de Design" sem qualquer referência a dados que permitam validar a respetiva correlação com a atividade do SP ou a determinação do valor faturado, ficando em falta, mais uma vez, a indicação dos valores unitários ou as quantidades em causa, ou outros dados que permitissem à AT proceder à necessária confirmação do negócio;

> FFTVS16020036 - gasto no valor de 383,49€ - apresenta uma descrição genérica como "Prestação de Serviços Design" sem qualquer referência a dados que permitam validar a respetiva correlação com a atividade do SP ou a determinação do valor faturado, ficando em falta, mais uma vez, a indicação dos valores unitários ou as quantidades em causa, ou outros dados que permitissem à AT proceder à necessária confirmação do negócio;

> FFTVS16110206 - gasto no valor de 451,11€ - não contém indicação do NIF do SP, inviabilizando a sua identificação inequívoca e contrariando as disposições legais aplicáveis;

 

No total, aqueles documentos respeitam a gastos contabilizados pelo SP de 5.949,46€ (= 43,32€ + 752,28€ + 2.492,28€ + 482,42€ + 752,28€ + 592,28€ + 383,49€ + 451,11€), os quais, pelas razões acima enunciadas, não poderão ser considerados para efeitos fiscais, nomeadamente em sede de IRC, pela aplicação do disposto no art.º 23º, nº 4 e nº 6, conjugado com o art.º 23º A, nº 1, al. c), todos do CIRC, pelo que é agora proposta a respetiva correção.

 

 

                Relativamente às parcelas "PROV.ROY-2015-... - 43,32€" e "PROV.ROY-2015-... - 752,28€" e aos documentos com os n.º FFTVS16020082 e ODGVS18120181, não tendo sido apresentados documentos de suporte, não se verificam os requisitos da dedutibilidade, à face do artigo 23.º, n.º 4, do CIRC.

                No que concerne ao documento n.º FFTVS16040142 - gasto no valor de 482,42€ - apresenta uma descrição genérica como "Royalties 2015", que se afigura não ser suficientemente descritiva da natureza do gasto, designadamente por não indicar quais as royalties a que se reporta.

                Quanto aos documentos com os n.ºs FFTVS16020081 - gasto no valor de 592,28€ - e FFTVS16020036 - gasto no valor de 383,49, apresentam descrições genéricas ("Serviços de Design" e "Prestação de serviços de design") que se afiguram ser insuficientes, sem prova adicional, para viabilizar o apuramento da sua relação com o interesse da Requerente.

                No que concerne ao documento n.º FFTVS16110206 - gasto no valor de 451,11€ - a falta de indicação de NIF só poderia ser fundamento de não aceitação da relevância fiscal do gasto se se demonstrasse que foi emitido por entidade com residência ou estabelecimento estável no território nacional, pois a exigência de indicação de NIF só é feita nestas situações, pela alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC. Assim, não se demonstrando que se esteja perante uma situação em que fosse imprescindível a indicação de NIF, esta correcção enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

                Em resumo, quanto a estas correcções, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à referente ao documento n.º FFTVS16110206 - gasto no valor de 451,11€ -improcedendo quanto às restantes.

 

 

4.1.6.5. Correcções referidas no ponto III. 1.2.2.2. - FFTVS16080169 e FFTVS16100223 do RIT

               

                Estas correcções têm a seguinte fundamentação:

 

III. 1.2.2.2. - FFTVS16080169 e FFTVS16100223

O SP, registou na sua contabilidade duas operações económicas, a cujos documentos de suporte couberam os nºs internos FFTVS16080169 e FFTVS16100223, cujos lançamentos transcrevemos de imediato:

 

 

 

Conforme podemos aferir, foram considerados gastos nas importâncias de 500,00€ e 4.884,16€, respetivamente, os quais operaram em sede de IRC, ao nível da conta 622281 - Comissões - C/IVA, ao contribuírem negativamente no apuramento da matéria coletável do SP, no valor total de 5.384,16€ (500.00€ + 4.884,16€).

No suporte a estes dois movimentos estão dois documentos em cujos descritivos apenas se encontram mencionadas "Comissões" com indicação do valor total faturado, sem indicação dos negócios a que respeitam as mesmas comissões, da fórmula de cálculo das mesmas e dos respetivos valores unitários, impedindo a AT de proceder ao respetivo controlo das operações inerentes.

Contrariando o disposto na alínea c) do nº 4 do art.º 23º do CIRC, os gastos suportados naqueles documentos não concorrem para a formação da matéria coletável do SP, nos termos do art.º 23ºA, nº 1, al. c) do CIRC, pelo que propomos o seu acréscimo ao resultado líquido do SP para efeitos de tributação em sede de IRC.

 

                Pela descrição «Comissões», infere-se que não se está perante um serviço cujo preço é globalmente fixado, mas perante uma pluralidade de pagamentos.

A mera descrição «Comissões», desacompanhada de qualquer outra prova sobre a sua natureza e finalidade não permite concluir que se esteja perante encargos relacionados com a actividade da Requerente.

Por isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao não aceitar a relevância fiscal destes documentos, com fundamento na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, por falta «de indicação dos negócios a que respeitam as mesmas comissões» e falta de indicação dos valores de cada uma das comissões abrangidas.

                Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções no valor de € 5.384,16.

 

4.1.6.6. Correcções referidas no ponto III. 1.2.2.17. - FFTVS16070188,

 FFTVS16070189, FFTVS16070190, FFTVS16070191, FFTVS16070192,

FFTVS16070193, FFTVS16070194 e FFTVS16070195 do RIT

 

Estas correcções têm a seguinte fundamentação:

 

III. 1.2.2.17. - FFTVS16070188, FFTVS16070189, FFTVS16070190, FFTVS16070191, FFTVS16070192, FFTVS16070193, FFTVS16070194 e FFTVS16070195

No decurso do presente procedimento inspetivo constatámos que, no exercício de 2016, o SP contabilizou na conta 622361 - Trabalhos Especializados-C/IVA a importância total de 300.855,08€, correspondente à soma dos valores suportados nos documentos que o próprio numerou internamente com as referências FFTVS16070188, FFTVS16070189, FFTVS16070190,

 FFTVS16070191, FFTVS16070192, FFTVS16070193, FFTVS16070194 e FFTVS16070195, conforme se retirou do seu ficheiro SAFT:

 

 

Validado o teor de cada um daqueles documentos, concretamente no que toca ao respeito pelo cumprimento das exigências legais em sede de IRC, nos termos do art.º 23º A, nº 1, al. c) conjugado com o disposto no art.º 23º, nº 4, ambos do CIRC, verificámos que os descritivos/quantidades de cada um daqueles documentos correspondem às que passamos a transcrever:

 

 

Assim, apesar de as faturas em questão fazerem menção a uma descrição genérica e referirem no campo da Quantidade o número "1", revelam-se ambas as indicações escassas e insuficientes para efeitos de compreensão da abrangência, avaliação e validação de cada uma daquelas operações por parte da AT.

Pela descrição e quantificação apostas nos documentos em análise não é possível à AT perceber quais os meios envolvidos e necessários à prestação de serviços em causa ou sequer quais os tempos necessários à concretização dos mesmos, elementos essenciais para a validação de qualquer operação.

Sempre que estamos perante uma prestação de serviços a indicação da quantidade deverá atender à especificidade dos mesmos, dando-se indicação dos meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) com menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas).

Quando no nº 4 do art.º 23º do CIRC se determina que o documento comprovativo dos gastos dedutíveis em sede de IRC deve conter entre outros elementos, na sua alínea c) a "Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados", não o faz por acaso, sendo inequívoca a necessidade de relação direta entre ambas as informações, isto é, entre a descrição dos bens/serviços faturados e as respetivas quantificações (unidades de medida adaptadas à realidade em questão).

Mencionar a quantidade "1" por defeito, não pode ser aceite como estando cumprido o requisito relativo à quantificação, uma vez que quaisquer serviços são mensuráveis, quer seja em unidades horárias, quer seja em dias de calendário, quer seja em unidades de abrangência (como por exemplo no setor da construção civil, da agricultura, entre outros) ou noutras igualmente adequadas, desde que inteligíveis e relacionadas, o que não acontece nos casos em apreço.

Assim, conclui-se que os documentos em apreço não reúnem a plenitude dos requisitos mínimos determinados no nº 4 do art.º 23º do CIRC, pelo que, por força do art.º 23º A, nº 1 al. c) do CIRC, os gastos neles titulados não são dedutíveis para efeitos de apuramento da matéria coletável em sede de IRC, propondo-se o acréscimo do valor de 300.855,08€ ao resultado líquido do SP em 2016.

 

                              

                O fundamento destas correcções é a falta de indicação «dos meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) com menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas)».

                Pelo que já se referiu, designadamente no ponto no ponto 4.1.6.1., a exigência de quantificação prevista na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, relativamente a prestação de serviços que têm preço global, não abrange a indicação dos meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) ou a menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas).

                Por isso, esta correcção, no valor de € 300.855,08, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito.

 

                4.1.6.7. Correcções referidas no ponto III. 1.2.2.18. - FFTVS16070206 do RIT

 

                Estas correcções têm a seguinte fundamentação:

 

III. 1.2.2.18. - FFTVS16070206

Verificámos que o SP contabilizou o documento com a numeração interna FFTVS16070206 a débito da conta 622361 - Trabalhos Especializados-C/IVA, no valor total de 11.289,75€, tal como consta do ficheiro SAFT, conforme representamos:

 

Efetuada a necessária validação do documento de suporte ao movimento enunciado acima verificámos que a sua descrição e quantificação não apresentam o detalhe mínimo e essencial para a avaliação das operações subjacentes. De seguida apresentamos quadro resumo com elementos retirados da fatura em causa:

 

Desde logo verificamos que a fatura menciona apenas valores globais, não discriminando os valores individuais por tipo de peça da mesma forma que não menciona as quantidades de cada elemento entregue/montado.

Perante aquela falta de indicação exata das quantidades e valores respeitantes aos diferentes produtos/serviços encontra-se a AT impossibilitada de proceder à validação da operação económica subjacente aquele documento, concluindo-se que o mesmo não reúne em si próprio os elementos mínimos legalmente exigidos, contrariamente ao disposto no art.º 23º, nº 4, al. c) do CIRC, para que os gastos que o mesmo encerra possa relevar em termos fiscais, neste caso em sede de IRC.

Propõe-se o acréscimo ao resultado líquido apurado e declarado pelo SP do valor de 11.289,75€, pela aplicação do art.º 23º A, nº 1 al. c) do CIRC.

               

Pelo que já se referiu, designadamente no ponto no ponto 4.1.6.1., a exigência de quantificação prevista na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, relativamente a prestação de serviços que têm preço global, não abrange a necessidade de discriminação dos valores individuais por tipo de peça ou das quantidades de cada elemento entregue/montado.

A descrição «Montagem e colocação de cabeceiras de cama, cadeiras, sofás cama, mesas de jantar, mesas de TV ..., no aldeamento da ..., Vila do Bispo» afigura-se corresponder perfeitamente à «denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados» exigida pela alínea c) do n.º 4 do artigo 24.º do CIRC. Não constando da fundamentação do acto qualquer questionamento quanto a tratar-se de uma prestação de serviços.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto a esta correcção no valor de € 11.289,75.

 

 4.1.6.8. Correcções referidas no ponto III. 1.2.2.20. - FFTVS16010218,

 FFTVS16060239, FFTVS16090221, FFTVS16100213, ODGVS16120147,

ODGVS16120148 e ODGVS16120149 do RIT

 

A fundamentação destas correcções e a seguinte:

 

III. 1.2.2.20. - FFTVS16010218, FFTVS16060239, FFTVS16090221, FFTVS16100213, ODGVS16120147, ODGVS16120148 e ODGVS16120149

Constatamos também que o SP procedeu à contabilização dos documentos que classificou internamente com os nºs FFTVS16010218, FFTVS16060239, FFTVS16090221, FFTVS16100213, QDGVS16120147, ODGVS16120148 e ODGVS16120149, conforme passamos a apresentar:

 

Daqui se retira que o SP considerou gastos do exercício de 2016, nomeadamente através da movimentação a débito da conta 622361 - Trabalhos Especializados-C/IVA, o valor global de 63.420,50€ (5.500,00€ + 937,50€ + 35.500,00€ + 15.000,00€ + 5.833,00€ + 1.250,00€ + 4.400,00€).

Ao validarmos os documentos de suporte a cada um daqueles movimentos, verificámos que as ODG são simples documentos internos não imbuídos de caráter de quitação, contudo, pela análise aos movimentos contabilísticos subjacentes verifica-se que aqueles lançamentos a débito ocorreram por contrapartida de uma conta de acréscimo de gastos (27224 – D...- Diagnostico/Est. Viabilid.(até 2020)).

Assim, solicitámos ao SP, via email de 18-06-2019, "cópia dos documentos que titulam os gastos considerados com os movimentos internos nº ODGVS16120147/8/9".

Em resposta de 26-06-2019, vem o SP associar cada uma daquelas "ODG" a documentos de faturação como segue:

- ODGVS16120147 — FFTVS16090221

- ODGVS16120148 — FFTVS16100213

- ODGVS16120149 — FFTVS15090033

 

Quanto aos documentos classificados com os nºs internos FFTVS16010218, FFTVS16060239, FFTVS16090221 e FFTVS16100213, verificámos que as respetivas descrições enfermam de insuficiência de detalhe, bem como da respetiva quantificação, tal como passamos a resumir:

 

No que toca ao documento classificado internamente com o nº FFTVS15090033, tal como já havíamos avaliado no ponto III. 1.2.1.3., o mesmo enferma do mesmo tipo de falha/insuficiência de informação, pelo que quer naquele ponto (com reflexos em 2015), quer no presente o tratamento dado aos gastos nele suportados será o mesmo, isto é a sua desconsideração para efeitos de tributação em sede de IRC, nos mesmos moldes dos restantes aqui abordados.

Face ao anteriormente exposto e às conclusões retiradas da análise aos documentos de suporte, constata-se que que os gastos contabilizados pelo SP no valor total de 63.420,50€, não são relevantes para efeitos de tributação em sede de IRC, pois está incumprido o disposto no art.º 23º, nº 4, al. c) do CIRC, assim, por força do artº 23º A, nº 1 al. c) do CIRC ter-se-á que promover a correção à situação descrita, o que se concretizará pela via da proposta de acréscimo daquele valor ao resultado líquido do SP em 2016.

Efetivamente, como já tivemos oportunidade de referir no presente relatório de inspeção, a descrição e respetiva quantificação tem sempre que possuir o detalhe mínimo e suficiente para que a AT possa proceder à impreterível validação das operações que cada documento reflete, o que não acontece nos casos aqui em análise.

De facto, não é possível percecionar a extensão dos serviços prestados, os meios técnicos e humanos envolvidos ou sequer qual a abrangência desses mesmos serviços. A indicação de uma descrição tão genérica como aquela ali constante, bem como a aposição de uma quantidade igual a "1", a qual revela-se inadequada para quantificar serviços, pois nestes casos haverá que especificar qual a unidade de medida (hora/homem, hora/máquina ou outra) e discriminar o nº exato de unidades despendidas/cobradas ao cliente, assim como haverá que discriminar esses dados distribuídos pelas diferentes componentes dos serviços prestados.

O incumprimento detetado não só impede a AT de concretizar um dos seus propósitos, neste caso o da inspeção das operações ali retratadas, como impede o SP de considerar os gastos em questão dedutíveis para efeitos de apuramento da sua matéria coletável, contudo não foi essa a conduta do SP, infringindo o disposto no artº 23º A, nº 1 al. c) do CIRC, situação cuja correção é aqui proposta.

 

 

A fundamentação essencial das correcções é a insuficiência descritiva por falta de indicação dos «meios técnicos e humanos envolvidos» ou «a abrangência desses mesmos serviços».

A informação que consta das facturas referidas, complementada com os documentos a que se reportam (juntos com o pedido de pronúncia arbitral sob os n.ºs 30 a 34), permite apurar a relação das despesas com o interesse da Requerente.

Assim, pelo que se refere no ponto 4.1.6.1 deste acórdão, estas correcções, no valor global de € 63.420,50, enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do artigo 23.º, n.º 4, alínea c) do CIRC.

 

4.1.6.9. Correcções referidas no ponto III. 1.2.2.23. - ODGVS16120121

 

                Estas correcções têm a seguinte fundamentação:

 

III. 1.2.2.23. - ODGVS16120121

Finalmente, ainda no decurso da análise aos elementos da contabilidade do SP de 2016, apurámos que o mesmo movimentou a débito a conta "622243 - Prov. Royalties 2016" pelo movimento classificado internamente com o nº ODGVS16120121, no valor total de 13.372,85€, conforme passamos a expor:

 

 

Conforme podemos verificar aquela importância respeitou a um acréscimo de gastos repartido por diversos parceiros económicos da A... . Haveria então que proceder à validação dos correspondentes documentos de suporte, pelo que solicitámos ao SP, através de email de 25-03-2019, "Cópia dos documentos de quitação, bem como dos respetivos lançamentos contabilísticos" do registo em análise.

Em resposta de 30-03-2019, o SP informou, pela mesma via:

"ODG-VS1612-0121 - Provisão Royalties - documentos de quitação (com cópia em anexo) FFT-VS1702-0022, FFT-VS1701-0016, FFT-VS1703-0014, ODG-VS1812-0181, FFT-VS1701-0135, FFT-VS1701-0136, FFT-VS1701-0134, FFT-VS1701-0123, FFT-VS1701-0001, FFT-VS1712-0284"

Analisados aqueles documentos de suporte constatámos que, para além de não corresponderem à totalidade daqueles gastos, uma vez que se encontram em falta os documentos relativos às parcelas "PROV.ROY-2015-... - 320,32€", parte dos mesmos não reúne as condições legalmente determinadas para que os gastos ali incluídos possam relevar em termos fiscais apresentando diversas irregularidades, a saber:

             FFTVS17010016 - gasto no valor de 456,98€ - apresenta uma descrição genérica como "Royalties" sem qualquer referência a dados que permitam validar a respetiva correlação com a atividade do SP ou a determinação do valor faturado, ficando em falta, mais uma vez, a indicação dos valores unitários ou as quantidades em causa, ou outros dados que permitissem à AT proceder à necessária conferência do negócio;

             FFTVS17030014 - gasto no valor de 1.155,75€ - apresenta uma descrição genérica como "Design services provided to A..." sem qualquer referência a dados que permitam validar a respetiva correlação com a atividade do SP ou a determinação do valor faturado, ficando em falta, mais uma vez, a indicação dos valores unitários ou as quantidades em causa, ou outros dados que permitissem à AT proceder à necessária conferência do negócio;

             ODGVS18120181 - gasto no valor de 941,05€ - trata-se de documento interno, sem carater de quitação, em desrespeito do determinado no nº 6 do art.º 23º do CIRC;

             FFTVS17010135 - gasto no valor de 624,446 - apresenta uma descrição genérica como "Serviços Design" sem qualquer referência a dados que permitam validar a respetiva correlação com a atividade do SP ou a determinação do valor faturado, ficando em falta, mais uma vez, a indicação dos valores unitários ou as quantidades em causa, ou outros dados que permitissem à AT proceder à necessária conferência do negócio;

             FFTVS17010136 - gasto no valor de 255,83€ - apresenta uma descrição genérica como "Prestação de Serviços Design" sem qualquer referência a dados que permitam validar a respetiva correlação com a atividade do SP ou a determinação do valor faturado, ficando em falta, mais uma vez, a indicação dos valores unitários ou as quantidades em causa, ou outros dados que permitissem à AT proceder à necessária conferência do negócio;

             FFTVS17010134 - gasto no valor de 755,16€ - não contém indicação do NIF do SP, inviabilizando a sua identificação inequívoca e contrariando as disposições legais aplicáveis;

No total, aqueles documentos respeitam a gastos contabilizados pelo SP de 4,509,53€ (= 320,32€ + 456,98€ + 1.155,75€ + 941,05€ + 624,44€ + 255,83€ + 755,16€), os quais, pelas razões acima enunciadas, não poderão ser considerados para efeitos fiscais, nomeadamente em sede de IRC, pela aplicação do disposto no art.º 23º, nº 4 e nº 6, conjugado com o art.º 23º A, nº 1, al. c), todos do CIRC, pelo que é agora proposta a respetiva correção.

 

 

                No que concerne às parcelas "PROV.ROY-2015-... - 320,32€" não foi apresentado qualquer documento, pelo se justifica a correcção.

Relativamente à correcção relativa ao documento FFTVS17010016 - gasto no valor de 456,98€ - com a descrição genérica "Royalties”, valem aqui as considerações que se fizeram no ponto 4.1.6.4. deste acórdão, relativa a idêntica correcção relativa ao ano de 2015, no sentido da sua insuficiência. Por isso, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção.

Quanto ao documento n.º FFTVS17030014 - gasto no valor de 1.155,75€ - apresenta uma descrição genérica como "Design services provided to A..." que se afigura ser insuficiente, sem prova adicional, para viabilizar o apuramento da sua relação com o interesse da Requerente. Por isso, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a esta correcção, à face do preceituado na alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.

                No que concerne ao documento n.º ODGVS18120181 - gasto no valor de 941,05€ - a correcção baseia-se apenas em ser um documento interno. Como se referiu no ponto 4.1.3.4., a admissibilidade de documentos internos para demonstração de gastos depende de se tratar de despesas que, por sua natureza, não podem ser provadas por documentos externos. Pela descrição deste documento infere-se que se trata de pagamento de royalties, pelo que se trata de encargo que deve ser comprovado por documento externo.

Improcede, assim o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções, no valor total de 13.372,85.

 

4.1.6.10. Correcções referidas no ponto III. 1.2.2.17. - FFTVS16070188,

FFTVS16070189, FFTVS16070190, FFTVS16070191, FFTVS16070192, 

FFTVS16070193, FFTVS16070194 e FFTVS16070195 do RIT

               

A fundamentação desta correcção é a seguinte:

 

                III. 1.2.2.17.- FFTVS16070188, FFTVS16070189, FFTVS16070190, FFTVS16070191, FFTVS16070192, FFTVS16070193, FFTVS16070194 e FFTVS16070195

No decurso do presente procedimento inspetivo constatámos que, no exercício de 2016, o SP contabilizou na conta 622361 - Trabalhos Especializados-C/IVA a importância total de 300.855,08€, correspondente à soma dos valores suportados nos documentos que o próprio numerou internamente com as referências FFTVS16070188, FFTVS16070189, FFTVS16070190, FFTVS16070191, FFTVS16070192, FFTVS16070193, FFTVS16070194 e FFTVS16070195, conforme se retirou do seu ficheiro SAFT:

 

Validado o teor de cada um daqueles documentos, concretamente no que toca ao respeito pelo cumprimento das exigências legais em sede de IRC, nos termos do art.º 23º A, nº 1, al. c) conjugado com o disposto no art.º 23º, nº 4, ambos do CIRC, verificámos que os descritivos/quantidades de cada um daqueles documentos correspondem às que passamos a transcrever:

 

Assim, apesar de as faturas em questão fazerem menção a uma descrição genérica e referirem na campo da Quantidade o número "1", revelam-se ambas as indicações escassas e insuficientes para efeitos de compreensão da abrangência, avaliação e validação de cada uma daquelas operações por parte da AT.

Pela descrição e quantificação apostas nos documentos em análise não é possível à AT perceber quais os meios envolvidos e necessários à prestação de serviços em causa ou sequer quais os tempos necessários à concretização dos mesmos, elementos essenciais para a validação de qualquer operação.

Sempre que estamos perante uma prestação de serviços a indicação da quantidade deverá atender à especificidade dos mesmos, dando-se indicação dos meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) com menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas).

Quando no nº 4 do art.º 23º do CIRC se determina que o documento comprovativo dos gastos dedutíveis em sede de IRC deve conter entre outros elementos, na sua alínea c) a "Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados", não o faz por acaso, sendo inequívoca a necessidade de relação direta entre ambas as informações, isto é, entre a descrição dos bens/serviços faturados e as respetivas quantificações (unidades de medida adaptadas à realidade em questão).

Mencionar a quantidade "1" por defeito, não pode ser aceite como estando cumprido o requisito relativo à quantificação, uma vez que quaisquer serviços são mensuráveis, quer seja em unidades horárias, quer seja em dias de calendário, quer seja em unidades de abrangência (como por exemplo no setor da construção civil, da agricultura, entre outros) ou noutras igualmente adequadas, desde que inteligíveis e relacionadas, o que não acontece nos casos em apreço.

Assim, conclui-se que os documentos em apreço não reúnem a plenitude dos requisitos mínimos determinados no nº 4 do art.º 23º do CIRC, pelo que, por força do art.º 23º A, nº 1 al. c) do CIRC, os gastos neles titulados não são dedutíveis para efeitos de apuramento da matéria coletável em sede de IRC, propondo-se o acréscimo do valor de 300.855,08€ ao resultado líquido do SP em 2016.

 

                A fundamentação essencial desta correcção é o entendimento de que os documentos relativos aos encargos deveriam conter indicação «dos meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) com menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas)».

Valem aqui as considerações que se fizeram no ponto 4.1.6.1. sobre os requisitos da descrição das facturas exigidos pela alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC e a falta de suporte legal para exigir que na descrição das facturas relativas a prestações de serviços sejam especificadas ou concretizadas os «meios da prestação (humanos, mecânicos ou outros) com menção do volume de trabalho aplicado (por exemplo, dias ou horas)».

No caso em apreço, em que os documentos são suportados por um acordo em que se estabelece remuneração do fornecedor de serviços em função de percentagem de vendas, nem mesmo faria qualquer sentido a indicação desses elementos quantitativos, pois são absolutamente irrelevantes para a determinação do valor dos serviços prestados.

                Por outro lado, resulta da prova produzida que os serviços foram efectivamente prestados e produziram resultados (forte incremento das vendas on line) pelo que é inequívoco que não há fundamento para não aceitar a relevância fiscal dos encargos suportados pela Requerente.

                Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções, no valor total de € 300.855,08.

 

4.1.6.11. Correcções referidas no ponto III. 1. 2. 2. 20. - FFTVS16010218,

 FFTVS16060239, FFTVS16090221, FFTVS16100213, ODGVS16120147,

ODGVS16120148 e ODGVS16120149

 

A fundamentação desta correcção é a seguinte:

 

Constatamos também que o SP procedeu à contabilização dos documentos que classificou internamente com os nºs FFTVS16010218, FFTVS16060239, FFTVS16090221, FFTVS16100213, ODGVS16120147, ODGVS16120148 e ODGVS16120149, conforme passamos a apresentar:

 

Daqui se retira que o SP considerou gastos do exercício de 2016, nomeadamente através da movimentação a débito da conta 622361 - Trabalhos Especializados-C/IVA, o valor global de 63.420,50€ (5.500,00€ + 937,506 + 35.500,00€ + 15.000,00€ + 5.833,00€ + 1.250,00€ + 4.400,00€).

Ao validarmos os documentos de suporte a cada um daqueles movimentos, verificámos que as ODG são simples documentos internos não imbuídos de carater de quitação, contudo, pela análise aos movimentos contabilísticos subjacentes verifica-se que aqueles lançamentos a débito ocorreram por contrapartida de uma conta de acréscimo de gastos (27224 – D...- Diagnostico/Est. Viabilid.(até 2020)).

Assim, solicitámos ao SP, via email de 18-06-2019, "cópia dos documentos que titulam os gastos considerados com os movimentos internos nº ODGVS16120147/8/9".

Em resposta de 26-06-2019, vem o SP associar cada uma daquelas "ODG" a documentos de faturação como segue:

- ODGVS16120147 — FFTVS16090221

 -ODGVS16120148 — FFTVS16100213

- ODGVS16120149 — FFTVS15090033

 

Quanto aos documentos classificados com os nºs internos FFTVS16010218, FFTVS16060239, FFTVS16090221 e FFTVS16100213, verificámos que as respetivas descrições enfermam de insuficiência de detalhe, bem como da respetiva quantificação, tal como passamos a resumir:

 

 

No que toca ao documento classificado internamente com o n.º FFTVS15090033, tal como já havíamos avaliado no ponto III. 1.2. 1, 3., o mesmo enferma do mesmo tipo de falha/insuficiência de informação, pelo que quer naquele ponto (com reflexos em 2015), quer no presente o tratamento dado aos gastos nele suportados será o mesmo, isto é a sua desconsideração para efeitos de tributação em sede de IRC, nos mesmos moldes dos restantes aqui abordados.

Face ao anteriormente exposto e às conclusões retiradas da análise aos documentos de suporte, constata-se que que os gastos contabilizados pelo SP no valor total de 63.420,50€, não são relevantes para efeitos de tributação em sede de IRC, pois está incumprido o disposto no art.º 23º, nº 4, al. c) do CIRC, assim, por força do artº 23º A, nº 1 al. c) do CIRC ter-se-á que promover a correção à situação descrita, o que se concretizará pela via da proposta de acréscimo daquele valor ao resultado líquido do SP em 2016.

Efetivamente, como já tivemos oportunidade de referir no presente relatório de inspeção, a descrição e respetiva quantificação tem sempre que possuir o detalhe mínimo e suficiente para que a AT possa proceder à impreterível validação das operações que cada documento reflete, o que não acontece nos casos aqui em análise.

De facto, não é possível percecionar a extensão dos serviços prestados, os meios técnicos e humanos envolvidos ou sequer qual a abrangência desses mesmos serviços. A indicação de uma descrição tão genérica como aquela ali constante, bem como a aposição de uma quantidade igual a "1", a qual revela-se inadequada para quantificar serviços, pois nestes casos haverá que especificar qual a unidade de medida (hora/homem, hora/máquina ou outra) e discriminar o nº exato de unidades despendidas/cobradas ao cliente, assim como haverá que discriminar esses dados distribuídos pelas diferentes componentes dos serviços prestados.

O incumprimento detetado não só impede a AT de concretizar um dos seus propósitos, neste caso o da inspeção das operações ali retratadas, como impede o SP de considerar os gastos em questão dedutíveis para efeitos de apuramento da sua matéria coletável, contudo não foi essa a conduta do SP, infringindo o disposto no art" 23º A, nº 1 al. c) do CIRC, situação cuja correção é aqui proposta.

 

Está-se perante correcções com fundamentação essencialmente idêntica às referidas no ponto III.1.2.1.3 do RIT, que foram apreciadas no ponto 4.1.6.1. do presente acórdão.

Assim, pelas razões aí referidas, estas correcções, no valor global de € 63.420,50, enfermam também de erro sobre os pressupostos de direito que justifica a sua anulação.

 

4.1.7. Questão da violação dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real e da justiça material

A Requerente defende, em suma, que se não forem considerados os gastos que atrás se referiram:

– estaria a admitir-se que a Requerente fosse sujeita, na prática, a uma tributação excessiva, por desconsiderar custos que efectiva e comprovadamente suportou, gerando dessa forma uma situação de gritante e intolerável injustiça material, atentatória dos princípios estruturantes do ordenamento jurídico-tributário;

– isto mesmo que a documentação de suporte, que foi apresentada, analisada e percebida pela AT, não disponha de todos e cada um dos elementos que, na interpretação que a mesma faz da Lei, dela deveria constar;

– a interpretação preconizada pela AT redunda na tributação da Requerente sem que sejam considerados gastos que efetivamente teve, em grosseira violação dos princípios da legalidade e da tributação do rendimento das empresas tendencialmente em função do lucro real, de acordo com a sua capacidade contributiva, enquanto manifestação dos princípios da justiça e igualdade tributárias, ínsitos nos artigos 103.º e 104.º da CRP;

– serão inconstitucionais as normas contidas no artigo 23.º, n.º 4 e n.º 6, do Código do IRC, na dimensão normativa sustentada pela AT, com as demais consequências ao nível da anulação das Liquidações de IRC.

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– as exigências de natureza formal e de documentação dos custos têm subjacente a proteção do interesse público no combate à fraude e à evasão fiscal.        

– assim, se por um lado releva o imperativo da tributação pelo rendimento real, do outro

lado, há-de valorar-se e ponderar os interesses que estão subjacentes às exigências formais;

– as empresas têm de dispor de "contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal";

– esta ênfase sobre a rigorosa exigência documental, "para além de provocar um eficaz controlo da atividade do contribuinte, traduz-se, ainda, num mecanismo invisível de promoção da realidade e eliminação da tentação de fraude fiscal, por mera ausência de declaração dos rendimentos auferidos e/ou artificial inflacionamento dos custos suportados.

 

Esta questão suscitada pela Requerente apenas se coloca quanto às correcções respeitantes a gastos relativamente aos quais o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Assim, a questão coloca-se quanto às correcções baseadas em falta de documentos de suporte, descrições genéricas insuficientes, sem prova adicional para viabilizar o apuramento da sua relação com o interesse da Requerente (pontos 4.1.5.1., 4.1.5.2., 4.1.6.4., 4.1.6.5.), falta de identificação da Requerente nos documentos de suporte, inclusivamente de não indicação do NIF (pontos 4.1.31., 4.1.3.2., 4.1.3.3.), falta de documento externo em situações em que ele devia ser apresentado (pontos 4.1.3.4. e 4.1.6.9).

Trata-se de excepções à regra da dedutibilidade de encargos, justificadas por razões de várias ordens, como a mera técnica de quantificação do imposto [é o caso dos encargos de natureza fiscal, a que se referem as alíneas a), p), q) e s) do n.º 1], a de as despesas corresponderem a actos reprováveis à face do ordenamento jurídico [é o que sucede com as despesas ilícitas e as multas, coimas indicadas nas alíneas d) e e) do n.º 1], a de as despesas serem atinentes a zonas de convergência de interesses pessoais e empresariais [é o caso das despesas referidas nas alíneas h), i), j), k) e l) do n.º 1] e a de despesas cuja realização e relação com a actividade da empresa não é susceptível de fácil comprovação, indispensável para a Administração Tributária exercer eficientemente os seus poderes de controle da legalidade [é o que sucede com as despesas a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1].

Como já se referiu no ponto 4.1.2. deste acórdão, a exigência de contabilidade organizada e a apresentação de requisitos mínimos de suporte contabilístico de gastos que se faz nos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC, tem em vista impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários para assegurar a eficiência do controle da afectação das despesas a fins empresariais, essencial para a relevância de aquisições de serviços como gastos, e para evitar situações de evasão fiscal.

Nestas situações especiais de indedutibilidade por deficiências de documentação, o que justifica a não dedutibilidade não é a eventualidade de as despesas não terem sido efectuadas, mas sim o incumprimento dos deveres de documentação, com o que se tem em vista impor ao sujeito passivo o cumprimento desses deveres, facilitando a Administração Tributária o desempenho da sua missão de controle da actividade tributária dos sujeitos passivos.

Trata-se de situações em que, numa ponderação global dos interesses em presença, se entendeu legislativamente dever dar-se prevalência à protecção do interesse público na efectividade do combate à fuga e evasão fiscal, subjacente à imposição das exigências formais de documentação, em relação ao direito à dedutibilidade de gastos para formação do lucro tributável.

É certo que é injusto não admitir a dedutibilidade de gastos que se comprove terem sido suportados pelos sujeitos passivos no interesse da empresa e é precisamente por isso que se entendeu no ponto 4.1.2. que o não cumprimento das exigências formais não implica a não dedutibilidade quando houver um conhecimento seguro da materialidade das operações subjacentes aos documentos.

Mas, como também aí se referiu, estas exigências formais devem prevalecer sempre que a Administração Tributária não disponha da informação necessária para verificar se estão reunidos os requisitos materiais de que depende a dedutibilidade de encargos.

Assim, nestas situações em que se julgou improcedentes as pretensões da Requerente, o que justifica a não dedutibilidade é, em última análise, a falta de prova de que as despesas contabilizadas pela Requerente como gastos foram realizadas no interesse empresarial e devem ser contabilizadas para determinação do lucro tributável.

Por isso, não se pode considerar demonstrado que a não relevância dessas despesas para a formação do lucro tributável implique um tratamento injusto para a Requerente ou contenda com o princípio constitucional da tributação com fundamento na capacidade contributiva da Requerente.

Consequentemente, nas referidas situações em que improcede o pedido de pronúncia arbitral, não se demonstra a violação dos princípios da justiça e igualdade tributárias, que a Requerente invoca com fundamento nos artigos 103.º e 104.º da CRP, não se verificando inconstitucionalidade das normas invocadas (art.º 23.º, n.ºs 4 e 6) na interpretação que das mesmas foi feita.

 

4.2. Tributação Autónoma – ponto III.1.3 do RIT

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, antes do exercício do direito de audição, aplicou tributações autónomas à Requerente, com base no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, a título de despesas não documentadas, nos valores de € 9.665,83 relativamente ao ano de 2015 e de € 704,32 quanto ao ano de 2016, com base nas seguintes correcções:

             III.1.2.1.13, quanto ao documento interno n.º ODGVS15120166 no valor de 15.634,05€;

             III.1.2.1.14., no que toca ao documento interno n.º FFTVS15020209 no valor de 1.500,00€;

             III.1.2.1.16, referente ao documento interno n.º ODGVS1S050083 na cifra parcial de 1.402,00€;

             III.1.2.1.18., no que respeita aos registos com as descrições "PROV.ROY-2015-FERN.BRI, no valor de 43,32€ e "PROV.RQY-2015-... ", no valor de 752,28€;

             III.1.2.2.21., referente ao documento FFTVS16060267, no valor de 1.088,32€ e

             III.1.2.2.23. no que respeita ao registo com a descrição "PROV.ROY-2016-FERN.BRI", na importância de 320,32€.

 

As tributações autónomas foram calculadas nos seguintes termos:

 

 

 

Após o exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira afastou a tributação autónoma relativamente aos valores de € 15.634,05 (documento n.º ODGVS15120166) e de € 1.500,00 (documento interno n.º FFTVS15020209), fixando o valor das tributações autónomas relativas ao ano de 2015 em € 1.098,80 e mantendo o valor de € 704,32 relativamente ao ano de 2016 (página 98 do RIT).

A Requerente defende, em suma, que não estamos perante o tipo de despesas confidenciais e não documentadas a que alude o artigo 88.º, n.º 1, do Código do IRC, por se tratar de «gastos com a aquisição de bens e serviços cujos prestadores/alienantes são do conhecimento da AT» e que não estão abrangidas pela previsão desta norma as despesas não devidamente documentadas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que apenas foram sujeitos a tributação autónoma os gastos que não estavam suportados documentalmente.

Esta norma estabelece que «as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A».

Como defende a Requerente e resulta do teor literal desta norma, aplica-se a tributação autónoma apenas nos casos em que as despesas não estão documentadas e não também nos casos em que existe documento que permite conhecer o destino da quantia correspondente, embora os documentos não satisfaçam os requisitos legais e, por isso, as despesas estejam indevidamente documentadas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere que «o SP considerou todos aqueles gastos sem, contudo, estarem os mesmos suportados em termos documentais, pelo que haverá lugar a tributação autónoma dos mesmos em IRC, nos termos do art.º 88º do CIRC».

O artigo 88.º do CIRC prevê a aplicação de tributação autónoma a despesas não documentadas e não às que, mesmo sem satisfação dos requisitos legais, estão suportadas por documentos.

No que respeita ao ponto III.1.2.1.16, do RIT, referente movimento n.º ODGVS1S050083, a tributação autónoma foi aplicada apenas na parte respeitante ao valor de € 1.402,00, correspondente à parte das despesas relativamente às quais não foi apresentado qualquer documento (com a designação «6223323 - Publici. - Feiras Out— Outubro») e não também à parte relativamente à qual foi apresentado documento, no valor de € 1.031 ,94, relativa à conta «62227398 - DeslocEstadias — Viagens». Por isso, na parte a que foi aplicada tributação autónoma, está-se perante despesa não documentada, enquadrável no n.º 1, do artigo 88.º do CIRC.

Quanto ao ponto III.1.2.1.18 quanto às parcelas "PROV.ROY-2015-..., no valor de 43,32€" e "PROV.RQY-2015-... ", no valor de 752,28€" não foi apresentado documento de suporte, como se refere no ponto 4.1.6.4, deste acórdão, pelo que se está perante despesas não documentadas.

No que respeita ao ponto III.1.2.2.21., referente ao documento FFTVS16060267, no valor de 1.088,32€, não foi apresentado documento, como se refere no ponto 4.1.3.4, deste acórdão, pelo que se está perante despesa não documentada.

Quanto ao ponto III.1.2.2.23. no que respeita ao registo com a descrição "PROV.ROY-2016-... ", na importância de 320,32, trata-se de despesa relativamente à qual não foi apresentado documento de suporte, como se refere no ponto 4.1.6.9. deste acórdão, pelo que se está perante despesa não documentada.

Assim, conclui-se que foi correcta a aplicação das tributações autónomas que foram mantidas após o exercício do direito de audição, nos valores de € 1.098,80, quanto ao ano de 2015, e de € 704,32, quanto a na de 2016.

Improcede, por isso, o pedido de pronúncia arbitral quanto às tributações autónomas.

 

 

4.3. Correcções em matéria de preços de transferência

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correções com fundamento no regime de preços de transferência, que consta do artigo 63.º do CIRC, que estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2015 e 2016:

 

Artigo 63.º

 

Preços de transferência

 

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

 

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

 

a             Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

b             Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

c              Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d             Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta;

e             Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f              Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

g             Entidades cujo relacionamento jurídico possibilita, pelos seus termos e condições, que uma condicione as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional;

h             Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

5 - Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indireta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não haja regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.

6 - O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados setoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.

7 - O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 121.º, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:

a             Identificar as entidades em causa;

b             Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;

c              Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.

 

8 - Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efetuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância.

9 - As regras previstas no presente artigo são igualmente aplicáveis nas relações entre:

a             Uma entidade não residente e um seu estabelecimento estável situado em território português, ou entre este e outros estabelecimentos estáveis situados fora deste território;

b             Uma entidade residente e os seus estabelecimentos estáveis situados fora do território português ou entre estes.

10 - O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às pessoas que exerçam simultaneamente atividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral de IRC.

11 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira proceda a correções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efetuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.

12 - Pode a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstos.

13 - A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentou as correcções nos seguintes termos, no essencial:

 

Então, teremos que confirmar que nas relações entre a A... e a E... foram contratados, aceites e praticados termos ou condições idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidade independentes em operações comparáveis.

Para tal, começámos por consultar o Dossier de Preços de Transferência (DPT), componente do Dossier Fiscal do SP para cada um dos exercícios. Dali retiramos que, em resultado da celebração, a 01-03-2004, de um contrato de fornecimento de produtos e mercadorias entre o SP e a sua participada passou "a ser responsabilidade da E... a contratação e remuneração de comissionistas locais, o armazenamento, manuseamento e embalagem dos produtos vendidos bem como o transporte local para entrega das encomendas. Com referência a 2015, estes custos, representaram 30,12% do valor das vendas." e (...) "Com referência a 2016, estes custos, representaram 28,1% do valor das vendas."

Desde logo, surge-nos uma problemática, como atestar a aderência à realidade dos pesos dos custos ali mencionados sobre os valores das vendas? Tratam-se de dados que respeitam a terceiro e que não constam da contabilidade do SP que nos encontramos a inspecionar.

Daqueles DPT retiramos também que "O contrato acima mencionado prevê que a A... se obriga a fornecer determinados produtos e mercadorias à E... com o objectivo de esta os comercializar junto dos retalhistas residentes nos Estados Unidos da América.

Adicionalmente, a A... presta determinados serviços de gestão de stock, administrativos e comerciais à E..."

A título de contraprestação pela prestação daqueles serviços de gestão de stock, administrativos e comerciais a A... fatura valor calculado anualmente adicional de 64.852,00€, em 2015 e 68.395,00€, em 2016, representando-se de forma simplificada as relações entre ambas as entidades:

 

Ressalve-se desde já as condições previstas no referido contrato, transcritas para o DPT e aqui reproduzidas:

 

Como contraprestação pelos serviços prestados, a E... obriga-se a pagar à A... o valor dos artigos comercializados à medida que estes sejam vendidos, facturados e pagos pelos retalhistas locais. O valor de venda inclui já as despesas de transporte marítimo, manuseamento local, seguro, despacho e desalfandegamento dos bens, na medida em que os mesmos são da responsabilidade da A... . Adicionalmente, no sentido de aumentar as vendas no mercado americano, a A... suporta os custos de publicidade relativos a feiras e outros certames que entende relevantes, bem como os custos relacionados com eventuais deslocações e estadias do seu pessoal.

Relativamente ao preço, o valor praticado pela A... corresponde a 70% do valor em tabela de preços para as vendas directas efectuadas para aquele mercado. O desconto praticado pretende remunerar, de forma apropriada, as funções desenvolvidas pela E..., a qual, pela sua actividade irá assumir diversos custos, nomeadamente as comissões pagas a intermediários, despesas e custos relacionados com a armazenagem de produtos, transporte local das mercadorias, seguro de stock comunicações e serviços especializados de apoio contabilístico e fiscal.

 

Considerando a estrutura de repartição do capital da E... Inc, acima descrita, concluiu-se que o sujeito passivo se encontrava em situação de relações especiais com aquela empresa. As relações especiais verificaram-se por força da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, uma vez que o sujeito passivo detém uma participação não inferior a 10% o capital daquela sua cliente (100% mais precisamente).

Significa isto que as operações comerciais entre ambas constituem operações vinculadas, nos termos descritos na alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro (doravante designada apenas por "Portaria"), conjugado com o estatuído na alínea d) do n.º 3 do artigo 1º e com a alínea a) do artigo 2º do mesmo normativo, estando subordinada ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, preconizado no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC, o qual já anteriormente transcrevemos.

A alínea a) do n.º 3 do artigo 1º da Portaria vem regulamentar o conceito de operações a que o n.º 1 do artigo 63.º alude e subordina ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, referindo que, o termo «operações» abrange as operações financeiras e, bem assim, as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objeto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços, ainda que realizadas no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos e de prestação de serviços intragrupo, ou de uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes.

Reconhecendo a complexidade técnica das realidades que envolvem a aplicação do Princípio de Plena Concorrência e a validação do respetivo cumprimento, a Portaria refere, adicionalmente, no seu Preâmbulo que "(...) nos casos de maior complexidade técnica, é aconselhável a consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria, e cuja adoção pelos países membros é objeto de recomendações aprovadas pelo Conselho desta organização internacional'.

As Orientações emanadas pela OCDE constituem uma fonte de primordial importância na interpretação da temática de preços de transferência, nomeadamente, na aplicabilidade do Princípio de Plena Concorrência. A este respeito, Stephen Callahan (in "As Novas Regras de Preços de Transferência em Portugal', Fisco n.ºs 97-98, setembro, 2001, p. 39-48) refere "A OCDE através do Comité para os Assuntos Fiscais, tem incentivado as Administrações Fiscais e contribuintes a adotar princípios internacionais comuns de tributação, com o propósito de estimular o comércio e evitar a dupla tributação internacional.

Nestes termos, tendo ficado demonstrada a existência de relações especiais entre as entidades envolvidas na operação de transferência do negócio de comercialização de produtos de mobiliário, bem como a subordinação daquelas operações ao Princípio de Plena Concorrência (n.º 1 do artigo 63º do CIRC em conjugação com o n.º 3 do artigo 1º da Portaria), em articulação com as Orientações da OCDE, importa agora demonstrar que os termos e condições praticados na referida operação vinculada divergem daqueles que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, violando, por isso, o Princípio de Plena Concorrência.

Para a comprovação da conformidade destas operações com o Princípio de Plena Concorrência os n.ºs 6 e 13 do artigo 63.º do Código do IRC e os artigos 13.º e 14.º da Portaria 1446-C/2001, obrigam ao registo e posse de um extenso conjunto de informação relevante, para que seja possível determinar, em qualquer momento, a substância dos factos económicos e as razões lógicas justificativas dos comportamentos dos sujeitos passivos.

Estando reunidas as condições exigidas para a obrigação de preparação do processo de documentação fiscal para efeitos de preços de transferência, recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar a paridade de mercado dos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efetuadas com entidades relacionadas. Essa obrigação compreende a prova da seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência, que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações efetuadas com outras substancialmente idênticas, realizadas por entidades independentes em situação normal de mercado.

Sobre o ónus da prova na matéria de preços de transferência o Acórdão Arbitral de 8 de julho de 2016, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sobre o Processo n.º 733/2005-T, refere que "no plano prático, e num primeiro nível, os sujeitos passivos que atinjam um volume de vendas líquidas e outros proveitos previstos na lei terão de preparar a documentação de preços de transferência de forma a sustentar a paridade das condições e termos praticados nas transações com partes relacionadas com aquelas realizadas em condições semelhantes por partes não relacionadas". Acrescenta ainda que "A AT, ao inspecionar o contribuinte, terá acesso a essa informação e verificará da conformidade com as exigências legais dos elementos atinentes aos preços de transferência, em particular da observância pela operação vinculada do princípio de plena concorrência".

Voltando à análise dos DPT fornecidos pelo SP e constantes da sua documentação fiscal, e resumindo os dados até aqui apurados, verificamos:

             O SP preenche os requisitos para que as relações que estabelece com a sua participada E... sejam consideradas "relações especiais" para efeitos fiscais;

             Aquele seu cliente, por força do contrato estabelecido entre ambas as partes, goza de condições especiais de relacionamento, nomeadamente:

             Paga à medida que for recebendo dos clientes;

             O valor do custo da mercadoria inclui já despesas de transporte marítimo, manuseamento local, seguro, despacho e desalfandegamento dos bens;

             Os custos de publicidade bem como custo de deslocações e estadias do seu pessoal no sentido de aumentar as vendas no mercado americano, são da responsabilidade do fornecedor, isto é, do SP;

             O preço praticado pela A... corresponde a 70% do valor em tabela de preços para as vendas diretas efetuadas para aquele mercado, conforme resulta da própria posição contratualmente assumida pelas partes;

             Obtém uma margem de cerca de 30% que hipoteticamente permitirá ao cliente suportar os gastos (residuais) a jusante que ficarão a seu cargo e ainda obter uma margem de lucro razoável, dados estes que não poderão ser confirmados pela AT simplesmente porque não respeitam ao SP;

             Beneficia ainda de apoio ao nível de algumas atividades de suporte, designadamente determinados serviços administrativos e atividades de marketing, pelos quais, no final de cada exercício, o SP fatura a título adicional um valor global (64.852€ em 2015 e 68.395€ em 2016).

             O SP usufrui ainda de uma quota no mercado norte americano, na medida em que a Empresa mantém a sua relação comercial com os grandes clientes, como assumido no próprio contrato em causa e atestado na análise aos elementos contabilísticos do SP;

             Vem mencionado nos DPT que a empresa entende que o Método do Preço de Revenda Minorado (MPRM) é o mais adequado para validar que os preços praticados cumprem a regra da concorrência, isto é, que se encontram alinhados com os preços praticados em negócios idênticos entre partes não relacionadas.

Ora, no que respeita a este último ponto, temos que recorrer ao disposto na Portaria, nomeadamente no seu art.º 4º, nº 1, al. a): "O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;"

Desde logo verificamos que são, naquela alínea, apontados 3 métodos alternativos, não devendo ser a sua utilização efetuada de forma indiscriminada, mas sim pela ordem indicada, isto é, o método primordial será o primeiro (MPCM) e só em caso de esse não ser apropriado é que se avançará para o(s) seguinte(s) e assim sucessivamente.

Continua aquele dispositivo legal, agora no seu nº 2: "Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis."

A pergunta que nos cabe neste momento colocar é:

E será o MPRM mais apropriado do que o MPCM?

 

E é a essa questão que nos propomos desde já dar resposta. Para tal deveremos mais uma vez valer-nos da Portaria e, desta feita, atender ao disposto no art.º 6º, nº 1 da mesma: "A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.", bem como ao disposto no seu art.º 7º, nº 1: "A aplicação do método do preço de revenda minorado tem como base o preço de revenda praticado pelo sujeito passivo numa operação realizada com uma entidade independente, tendo por objecto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável e com igual nível de representatividade comercial.".

Pela natureza dos produtos e das operações, pelo grau de dispersão dos clientes (incluindo o próprio mercado norte americano) e ainda pelas próprias cláusulas do contrato de fornecimento de produtos e mercadorias entre a A... e a E..., não partilha a AT do mesmo entendimento que o SP, isto é, a AT não entende que o MPRM será apropriado ao caso em concreto.

Vejamos:

1. Os produtos fornecidos àquele cliente estão standartizados e obedecem a esquemas/moldes de fabrico e montagem iguais a produtos fornecidos pela mesma entidade a clientes terceiros com quem não está relacionado de forma especial;

2. As operações (simples transação de bens) em causa regem-se pelos mesmos ajustes de todas as outras, apontando-se diferenças, então serão de favorecimento deste cliente relativamente aos restantes (vejamos por exemplo, as facilidades no pagamento ou até mesmo os encargos incluídos no preço a pagar), funcionando à contrário, uma vez que se devidamente valorizadas o preço final dos produtos teria tendência a ultrapassar o preço praticado aos clientes que não beneficiam dos mesmos planos;

3. É o próprio Contrato, anteriormente referido, que determina que o preço praticado a este cliente é de 70% do preço de mercado para aquela região.

 

Concluindo-se:

1. Existir um mercado para os diferentes produtos entre intervenientes não relacionados, o próprio SP e a sua restante clientela;

2. As operações em causa, que representam meras transações de bens standartizados, têm

espelho em outras operações da mesma natureza e nos mesmos termos realizadas entre o SP e os seus outros clientes (não relacionados);

3. Existir um preço para o mesmo mercado definido/conhecido, o qual não está, conscientemente, a ser praticado para com este cliente, a quem inclusive estão a ser dadas outras benesses do ponto de vista negocial.

 

De acordo com o § 2.15 das Orientações da OCDE, desde que seja possível a identificação de operações comparáveis em mercado aberto, o Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) constitui "o meio mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência", pelo que deve ser dada preferência a este sobre os demais. O MPCM consiste na comparação direta de operações, através da comparação dos preços praticados em operações vinculadas com os preços praticados em operações comparáveis não vinculadas, realizadas entre entidades independentes. Por outras palavras, este método pode, assim, ser utilizado quando o sujeito passivo tenha, nomeadamente, realizado operações da mesma natureza, cujo objeto seja um serviço idêntico, com uma entidade independente.

Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 77.º da LGT é de referir que, face as características da operação e à informação disponível, o MPCM revela-se como o mais apropriado, em concordância com o previsto no n.º 2 do artigo 4.º da já referida Portaria. Deste modo, o MPCM assume-se como o método mais adequado a utilizar e será utilizado na análise das condições que seriam praticadas entre entidades independentes em operações similares a ora analisada. A sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais direta de determinar se as condições acordadas, entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência,

Daí que, a AT entenda que o MPCM é o mais adequado ao caso em análise. Ainda assim, iremos debruçar-nos sobre a adequação do método escolhido pelo SP (MPRM).

Conforme já tivemos oportunidade de atrás transcrever, define a Portaria no seu art.º 7º, nº 1, que o MPRM tem como base o preço de revenda, de um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, praticado pelo sujeito passivo numa operação realizada com uma entidade independente, ora, como podemos constatar este não é em absoluto o caso do SP.

De facto, o SP não compra a entidade relacionada para vender a entidade independente, é exatamente o contrário, vende a entidade relacionada que irá por sua vez revender.

Deste modo, conclui-se que não só o MPC é o método apropriado a este caso, como o MPRM não se adequa, nem sequer supletivamente, aos factos em concreto. Ficando assim por demonstrar, nos DPT do SP, bem como na restante documentação fiscal por si apresentada, que as operações em análise cumprem com o Princípio da Plena Concorrência.

Aliás, rematamos que à luz da aplicação do MPC e atendendo aos contornos das operações, não só não este provado o cumprimento do Princípio da Plena Concorrência como não está o mesmo cumprido, praticando-se preços substancialmente inferiores aos de mercado, assumindo perdas que advêm da atividade de terceiros, neste caso, do cliente E..., delapidando o património/rendimento do SP a favor daquela outra entidade, paralelamente deslocalizando tributação, incidente sobre esse património/rendimento, do nosso território (onde o mesmo é gerado) para território terceiro.

Deste modo, propomos uma correção aos resultados declarados pelo SP pelo incumprimento do disposto no art.º 63º, nº 8, o qual define que: "Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância."

De facto, deveria o SP ter acrescido o efeito da prática de preços de transferência nos campos 744 dos Quadro 07 de cada uma das Mod. 22 de IRC, o que não se verificou, cabendo agora à AT a tarefa de proceder à necessária correção, o que nos propomos desde já a fazer pelos montantes de seguida calculados:

Premissas para o mercado norte-americano:

a. Preço praticado com E... (Pré) = 70% Preço do Mercado Norte-Americano (Pm)

b. Vendas de produtos e mercadorias à E... em 2015 = 596.416€

c. Vendas de produtos e mercadorias à E... em 2016 = 947.770€

d. Desconsideraremos os valores faturados a título de prestação de serviços administrativos por considerarmos estar perante um mero redébito de despesas suportadas por conta daquele cliente.
 

Cálculos:

 

a. Ano de 2015

596.416€ = 0,7xPm

 Pm = 596.416€/0,7

Pm = 852.022,86€

 

Significa que se os produtos e mercadorias vendidos no ano de 2015 à E... tivessem sido faturados ao preço de mercado praticado pela A... para o mesmo mercado, o SP teria faturado o valor total de 852.022.86€, apurando-se para 2015 uma diferença de 255.606,86€ (= 852,022,866 -596.416,00€), a acrescer ao seu resultado líquido nos termos anteriormente defendidos.

 

b. Ano de 2016

947.770€ = 0,7 x Pm

Pm = 947.7706/0,7

Pm = 1.353.957,146

Significa que se os produtos e mercadorias vendidos no ano de 2016 à E... tivessem sido faturados ao preço de mercado praticado pela A... para o mesmo mercado, o SP teria faturado o valor total de 1.353.957,14€, apurando-se para 2016 uma diferença de 406.187,14€ (= 1.353.957,14€ -947.770€), a acrescer ao seu resultado líquido nos termos anteriormente defendidos.

 

Propõe-se, por inobservância do disposto no art.º 63º, nº 8 do CIRC, ajustamentos ao resultado líquido do SP nos montantes acima determinados e conforme se resumem no quadro que segue:

 

 

 

A Requerente formulou nas suas alegações as seguintes conclusões sobre estas correcções:

 

questão:

(xiv) Finalmente, as correções em matéria de preços de transferência são baseadas em equívocos factuais e contradições jurídicas insanáveis, além de viciadas também por falta de fundamentação;

(xv) Com efeito, a AT tomou como referência um preço de tabela para vendas diretas e postulou que estas últimas seriam comparáveis ao fornecimento “grossista” efetuado pela Requerente à sua participada E..., erigindo sobre esse engano uma série de inferências totalmente erróneas quanto às relações entre a Requerente e o mercado norte-americano, a amplitude da margem lograda pela E... e a magnitude das funções (e

correspondentes gastos) desta última;

(xvi) Mas esse equívoco serviu igualmente de alicerce ao infundado repúdio do MPRM e à injustificada insistência na aplicabilidade do MPCM, mesmo quando se tornou inescapável a inexistência da mínima comparabilidade entre a operação vinculada e a operação referencial, quando na realidade a lei exige que a aplicação de tal método se baseie no mais elevado grau de comparabilidade entre as mesmas;

(xvii) Em suma, para além da inexistência de adequada fundamentação e da deficiente compreensão dos factos, a correção em crise encontra-se inquinada pela ilegal imposição do MPCM para efeitos de determinação dos termos que seriam praticados entre entidades independentes sem que exista a mais remota fímbria de comparabilidade entre as operações referencial e vinculada,

(xviii) O que implica que seja projetado sobre a Requerente não o resultado fiscal que teria apurado se houvesse realizado com um terceiro independente as mesmíssimas operações que realizou com a E... mas o resultado fiscal que decorreria da realização de operações que não efetuou nem podia efetuar, porque decorrente de operações com características totalmente distintas das efetivamente realizadas;

(xix) Ainda que se revelasse de meridiana clareza a ilegalidade desta correção e das Liquidações de IRC na mesma baseadas, como é o caso, sempre cumpriria promover o ajustamento correlativo na esfera da E..., nos termos do artigo 9.º, n.º 2, da Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, obrigação que a AT também não cumpriu;

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira reafirma o entendimento adoptado no RIT, dizendo ainda o seguinte, em suma:

 

– Assim sendo, recai sobre a requerente o ónus de provar a paridade de mercado dos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efetuadas com entidades relacionadas.

– Essa obrigação compreende a prova da seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência, que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações efetuadas com outras substancialmente idênticas, realizadas por entidades independentes em situação normal de mercado.

– À AT, em contrapartida, cabe a verificação da conformidade desses elementos constante do DPT com as exigências legais dos elementos relativos aos preços de transferência, em particular da observância pela operação vinculada do princípio de plena concorrência, conforme mencionado no RIT e sustentado pelo Acórdão Arbitral, de 8 de julho de 2016, sobre o processo nº 733/2005-T.

– A requerente praticava preços tabelados para todos os seus outros clientes e assumiu que estava a praticar um preço de 70% face ao tabelado para os outros clientes: Conforme consta a pág. 75 do RIT: Relativamente ao preço, o valor praticado pela A... corresponde a 70% do valor em tabela de preços para as vendas directas efectuadas para aquele mercado é a requerente que assume, pois, que continua a ter mercado e que continua a vender para outros clientes. E que assume que não vende para este cliente a preços de mercado. Note-se que os outros clientes também teriam iguais custos com armazenagem de produtos, transporte local das mercadorias, seguro de stock, etc, já que, a requerente não suportava nas vendas com outros clientes esse tipo de gastos.

perante as particularidades das condições negociais celebradas entre a requerente e a sua subsidiária, como assumido pela própria requerente estava logo posto em causa o preço praticado pela requerente como preço praticado com a E... em condições de plena concorrência.

– em conformidade com o definido na Portaria 1441-C/2001, em concreto atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 6º de que: “A adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.”, bem como de acordo com o disposto no seu art.º 7º, nº 1: “A aplicação do método do preço de revenda minorado tem como base o preço de revenda praticado pelo sujeito passivo numa operação realizada com uma entidade independente, tendo por objeto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável e com igual nível de representatividade comercial.”

– pela natureza dos produtos e das operações, pelo grau de dispersão dos clientes (incluindo o próprio mercado norte americano), e pelas próprias cláusulas do contrato de fornecimento de produtos e mercadorias entre a A... e a E... o método adotado (MPRM) não é o apropriado.

– a requerente não compra a entidade relacionada para vender a entidade independente, o que ocorre é que a requerente fabrica os bens, para vender a entidade relacionada, que por sua vez irá revender, ou seja, estamos perante exatamente o contrário.

– o MPRM é particularmente indicado para avaliar o preço praticado por empresas que adquirem bens ou serviços a entidades relacionadas e que revendam esses mesmos bens ou serviços a entidades independentes.

– É um método especialmente indicado para os distribuidores que revendem produtos sem qualquer valor acrescentado. Na situação em análise a sociedade portuguesa vende a uma entidade relacionada. A E... é que adquire a uma entidade relacionada para depois revender a entidades relacionadas.

 

 

As correcções baseadas no regime dos preços de transferência  tiveram por pressuposto o facto de as condições estabelecidas entre a Requerente e a sua subsidiária integral, com sede e residência fiscal nos Estados Unidos da América (“EUA”), a E... Inc. (“E....”), no contrato celebrado em 1 de março de 2004, para o fornecimento de artigos de mobiliário comercializados pela Requerente (Documento 15), serem distintas das praticadas nas vendas directas a entidades independentes, infringindo o disposto no artigo 63.º do CIRC e em legislação complementar (a Portaria).

Não vem controvertido que as operações objecto de ajustamento com fundamento em preços de transferência tiveram como intervenientes entidades em situação de relações especiais, de harmonia com o  conceito definido no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, e, por isso, são abrangidas pela previsão do artigo 63.º, n.º 1. do CIRC, que consagra o princípio de plena concorrência ou “arm’s length”, e pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, emitida na sequência das orientações ou Guidelines que têm sido adotadas pela OCDE.

Havendo relações especiais, as operações realizadas que não respeitem as condições de mercado, provocando aumentos ou reduções “anómalas” da matéria colectável, podem ver o seu preço corrigido pela AT para o valor de plena concorrência (preço de mercado), para efeitos de determinação da matéria coletável de IRC (artigos 77.°, n.º 3 da LGT e 63.º do Código do IRC).

Importa, assim, constatar um primeiro pressuposto da aplicação do regime de preços de transferência pela Autoridade Tributária e Aduaneira: que tenham sido estabelecidas condições substancialmente diferentes das que seriam normalmente acordadas entre entidades independentes e que aquelas tenham conduzido ao apuramento de uma base tributária distinta da que seria apurada na ausência de tais relações.

O passo seguinte consistirá em determinar o preço de plena concorrência, de acordo com a metodologia desenvolvida no âmbito da OCDE e recebida pelo direito interno, que postula a comparabilidade das transações utilizadas como referencial (ou termo) de comparação com as operações efectuadas pelas entidades relacionadas.

A Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º sobre a determinação do método mais apropriado e factores de comparabilidade:

 

Artigo 4.º

 

Determinação do método mais apropriado

 

1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

 

 

Artigo 5.º

Factores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

 

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

À luz destas regras e do n.º 2 do artigo 63.º do CIRC, é fundamental que a realidade comparada e a comparável comunguem de idênticas propriedades ou “factores de comparabilidade”, ou no caso de essa comparabilidade ser parcial, que seja viável realizar os ajustamentos necessários em ordem a assegurá-la ( ).

Constitui jurisprudência consolidada que é à AT que cabe provar os pressupostos em que assentam as correções de preços de transferência, ónus que abrange a identificação e prova de relações especiais, dos “termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias” por forma a demonstrar que o preço praticado não é o de mercado, e de qual o preço de mercado aplicável, descrevendo e quantificando o montante efetivo que serviu de base à correção ( ). Naturalmente, com a ressalva de que não estamos perante uma ciência exacta, pelo que os aspetos quantitativos são alcançados de forma aproximativa, dentro de intervalos de razoabilidade.

Para este efeito, as normas referidas impõem a adoção de um método de determinação do respetivo preço (de mercado) susceptível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações, e estabelecem que os sujeitos passivos devem seguir um de três métodos (o método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado), ou, na sua impossibilidade ou insuficiência, outros métodos (nomeadamente o método do fracionamento do lucro ou o método da margem líquida da operação, conforme preceitua o artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CIRC).

Quanto à comparabilidade, estabelece o artigo 4.º, n.º 3, da Portaria nº 1446-C/2001, acima transcrito, que as “operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”

Relevam para efeitos de comparabilidade, designadamente, as funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos, os termos e condições contratuais, as circunstâncias económicas das entidades e a estratégia das empresas (estes e outros factores de comparabilidade são enunciados pelo artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

Estas considerações advêm dos princípios estabelecidos no seio da OCDE, referindo-se no parágrafo § 1.33 das Guidelines: “Application of the arm’s length principle is generally based on a comparison of the conditions in a controlled transaction with the conditions in transactions between independent enterprises. In order for such comparisons to be useful, the economically relevant characteristics of the situations being compared must be sufficiently comparable. To be comparable means that none of the differences (if any) between the situations being compared could materially affect the condition being examined in the methodology (e.g. price or margin), or that reasonably accurate adjustments can be made to eliminate the effect of any such differences.” (   )

Aliás, o artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001 limita-se a reproduzir os cinco factores que, de acordo com os parágrafos § 1.36 e seguintes das Guidelines da OCDE, podem determinar a comparabilidade dos preços (ou das margens) das operações: “Attributes or «comparability factors» that may be important when determining comparability include the characteristics of the property or services transferred, the functions performed by the parties (taking into account assets used and risks assumed), the contractual terms, the economic circumstances of the parties, and the business strategies pursued by the parties.” (   )

Assim, todas as características que sejam suscetíveis de afectar o preço têm de ser substancialmente semelhantes, sem prejuízo da possibilidade de serem feitos «os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas», quando a semelhança não é total (n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

A decisão de constituir a E... em 2004 surgiu na sequência da falência, em 2003, do principal cliente norte-americano da Requerente, pretendendo esta continuar a operar nesse mercado. A viabilidade económica das vendas para os EUA dependia da minimização dos custos de transporte, que é  proporcionada pelas vendas em grandes quantidades.  A constituição da subsidiária passou a permitir a concentração na E... de grande volume de produtos expedidos pela Requerente (em contentores), a serem, depois, localmente revendidos a retalhistas pela E... (no mercado norte-americano).

Nos termos do contrato celebrado com a Requerente, a E... tem a função de dinamizar e promover as vendas dos artigos de mobiliário da Requerente no mercado norte-americano, para os comercializar junto de retalhistas aí residentes. Para tanto, a E... assumiu a responsabilidade:

– pela contratação e remuneração dos comissionistas locais;

– pelo armazenamento no território dos EUA dos artigos de mobiliário;

– pelo manuseamento e embalagem dos artigos;

– pelo transporte local para entrega aos clientes locais,

atuando como um intermediário grossista, com funções e riscos diferentes dos de um destinatário direto dos produtos da Requerente.

A E... beneficiou de condições especiais, designadamente a faculdade de poder pagar à Requerente à medida que for recebendo dos seus próprios clientes (retalhistas), de adquirir os produtos daquela com um desconto de 30%, ou seja, só pagando 70% do preço da tabela para vendas diretas efetuadas com destino ao mercado norte-americano, para além de a Requerente manter ainda a responsabilidade por algumas actividades e custos relativos à comercialização no referido mercado, os quais são refacturados à E... no caso de serviços administrativos e algumas atividades de marketing.

No contrato celebrado com a E... a Requerente salvaguardou as vendas directas a grandes clientes (com volume para encher um dado número de contentores). Na prática, apesar dessa salvaguarda, resulta da prova produzida que o único grande cliente nos EUA desde então foi a E... e, nomeadamente, não foi efectuado qualquer negócio com qualquer grande cliente norte-americano nos anos de 2015 e 2016.

Deste modo, não é possível identificar, por inexistir, um comparável interno nas operações efectuadas pela Requerente com entidades não relacionadas no mercado norte-americano.

Com efeito, o comparável de que a Autoridade Tributária e Aduaneira se socorre são os preços de tabela de clientes directos (finais) da Requerente, relativamente aos quais não se demonstram os factores de comparabilidade exigidos para aplicação do regime de preços de transferência, designadamente o método do preço comparável de mercado que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou.

Na verdade, comparar operações comerciais realizadas com grossistas (por um lado) com operações efectuadas com retalhistas e destinatários directos (por outro lado), é comparar realidades substancialmente distintas, pois a intervenção de grossistas no circuito de comercialização implica, necessariamente, que sejam praticados preços que lhes assegurem uma margem de lucro, o que não sucede nas vendas feitas directamente aos retalhistas. Com efeito, é insustentável, do ponto de vista económico, que, nas aquisições à Requerente para posterior revenda a retalhistas, um intermediário grossista independente aceitasse um preço que não lhe permitisse remunerar-se com uma margem (que visasse cobrir os seus custos adicionados de uma remuneração).

Por isso, não se pode considerar demonstrado que o preço que seria praticado entre a Requerente e a E..., se esta fosse um grossista independente, seria o preço praticado pela Requerente com retalhistas.

Por outro lado, as quantidades vendidas pela Requerente para a E... são distintas (muito superiores) às comercializadas com outros clientes directos da Requerente no mercado americano e a quantidade de mercadorias vendidas é um dos factores «susceptíveis de influenciar o preço das operações» expressamente previsto na alínea a) do n.º 5 da Portaria n.º 1446-C/2001.

Para além disso, são também diferentes as condições em que é feita comercialização, pois nenhuma das operações realizadas com os clientes directos retalhistas estava sujeita às condições acordadas no contrato celebrado entre a Requerente e a E... e «os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação», são factores de comparabilidade que a alínea b) do artigo 5.º da Portaria 1446-C/2001 impõe que sejam ponderados. Neste contexto, não pode deixar de ter-se em conta que o diferimento de pagamento permitido a uma entidade detida a 100% não implica suportar um risco económico semelhante ao que é inerente a operações com entidades independentes.

 

Neste contexto, havendo características únicas nas operações da Requerente com a E..., é manifesta a falta de adequação do método do preço comparável de mercado, pois este  «requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001).

Essa falta de adequação do método do preço comparável de mercado é confirmada pela alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de que se infere que, no que concerne à utilização de comparáveis internos, este método não pode ser utilizado quando não existe «uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares».

Por fim, sublinha-se que, sendo o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados. Por isso, não está em causa apreciar se foi correcta ou não a aplicação pela Requerente do regime de preços de transferência (por exemplo, em relação ao uso do Método do Preço de Revenda Minorado previsto no artigo 7.º da Portaria n. 1446-C/2001), mas apurar se as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira têm suporte legal.

No caso em apreço, as correcções são ilegais por erro na escolha do método do preço comparável de mercado e sua aplicação a situação em que não se verificam os requisitos legais exigidos para sua aplicação.

Assim, é de concluir que enfermam de erro sobre os pressupostos de direito as correcções efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com fundamento no regime de preços de transferência.

Este erro justifica a anulação das correcções, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC),  o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente. Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às correcções baseadas no regime de preços de transferência.

 

4.4. Correcções em matéria de IVA 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções em sede de IVA como fundamento em insuficiência da documentação de suporte aos gastos relevados contabilisticamente pela Requerente, restringindo o direito desta à dedução, invocando o artigo 19.º, n.º 2, do CIVA, em que se estabelece, além do mais que «só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo (...) em facturas passadas na forma legal».

Como se referiu no ponto 4.1.3.4., as exigências de documentação aplicáveis em matéria de IVA devem ser aplicadas em sede de IRC, por força do princípio da coerência valorativa do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil) e da regra da primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), designadamente com o alcance que não se justificam em sede de IRC exigências de documentação superiores às que são exigidas pelo TJUE para exercício do direito à dedução.(   )

Por isso, as formalidades das facturas necessárias para o exercício do direito à dedução, designadamente as previstas no artigo 36.º do CIVA, para que remete implicitamente o artigo 19.º, n.º 2, alínea a) do mesmo Código, devem ser interpretadas em sintonia com a jurisprudência do TJUE, que entendeu que o artigo 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112, do Conselho, de 28-11-2006, se opõe a que «as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos». ( )

Assim, as considerações que se fizeram relativamente às correcções em sede de IRC sobre a relevância e irrelevância fiscal de documentos de suporte de despesas, valem também em sede de IVA, pelo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente ou improcedente quanto às liquidações de IVA em consonância com o decidido quanto as liquidações de IRC.

Nestes termos, pelo que se referiu nos pontos 4.1.4., 4.1.5., 4.1.5.1. , 4.1.5.2, 4.1.6.1., 4.1.6.2, 4.1.6.3., 4.1.6.4. (esta apenas quanto à correcção referente ao documento n.º FFTVS16110206 - gasto no valor de 451,11€), 4.1.6.5., 4.1.6.6., 4.1.6.7., 4.1.6.8., 4.1.6.10., 4.1.6.11., são relevantes os documentos aí referidos para efeitos do exercício do direito à dedução.

Para além disso, quanto às correcções referidas nos pontos 4.1.1.1., 4.1.1.2, 4.1.1.3., 4.1.1.4. deste acórdão, justifica-se a anulação por falta de fundamentação, que releva também quanto às liquidações de IVA que naquelas se basearam.

Consequentemente, por violação do artigo 19.º, n.º 2, alínea a), do CIVA, são ilegais as liquidações de IVA impugnadas, nas partes em que têm subjacente a recusa do direito a dedução com base nos documentos referidos nos pontos indicados.

 Pelo exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações de IVA, na medida em que se baseiam na não aceitação do direito à dedução com base nos documentos nos pontos 4.1.1.1., 4.1.1.2, 4.1.1.3., 4.1.1.4., 4.1.4.,  4.1.6.1., 4.1.6.2, 4.1.6.3., 4.1.6.4. (esta apenas quanto à correcção referente ao documento n.º FFTVS16110206 - gasto no valor de 451,11€),  4.1.6.6., 4.1.6.7., 4.1.6.8., 4.1.6.10., 4.1.6.11, e improcede quanto aos restantes documentos indicados no ponto 4.1.6.4. e aos documentos indicados nos pontos 4.1.3.1,  4.1.3.2., 4.1.3.3., 4.1.3.4., 4.1.5.1., 4.1.5.2., 4.1.6.5. e 4.1.6.9..

 

 

4.4. Liquidações de juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRC, pelo que enfermam dos mesmos vícios, justificando-se também a sua anulação, nas partes correspondentes às liquidações anuladas.

No entanto, a Requerente imputa, subsidiariamente, vícios autónomos às liquidações de juros compensatórios, pelo que importa apreciar estes vícios, que são relevantes na medida em que as impugnações das liquidações de IRC são julgadas improcedentes.

A impugnação autónoma de juros compensatórios tem por base, em suma, a falta de demonstração de culpa da Requerente.

No que concerne à liquidação de juros compensatórios constata-se que a única fundamentação é a que consta da demonstração das liquidações de juros compensatórios, que constam dos documentos n.ºs 1 e 2, juntos com a reclamação graciosa (parte «PGR+2.pdf» do processo administrativo), pois no Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer referência a juros compensatórios.

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte.( )

Por outro lado, se é certo que, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo» ( ), também o é que isso não sucede necessariamente nas situações em que se está perante a falta de prova de requisitos de dedutibilidade de gastos.

Na verdade, a falta dos requisitos de dedutibilidade de gastos não afasta a presunção de boa-fé das declarações dos contribuintes, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, ao estabelecer que «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos».  

Neste caso, perante a falta de qualquer referência a essa imputabilidade e razões que a justificam, quer no Relatório da Inspecção Tributária quer nas demonstrações da liquidação de juros compensatórios, fica-se sem saber se a entidade que emitiu a liquidação de juros compensatórios entendeu que a responsabilidade por juros compensatórios é automática, decorrendo do próprio facto de terem sido efectuadas correcções, ou se concluiu que se pode formular um juízo de censura em relação à actuação da Requerente, susceptível de preencher o requisito da imputabilidade, situação em que a fundamentação deveria conter indicação dos factos subjacentes a esse juízo de censura.

Assim, tem de se concluir que não se demonstra o requisito da culpa exigido para imputação da responsabilidade por juros compensatórios.

Pelo exposto, as liquidações de juros compensatórios enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

5. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

                A Requerente pede que lhe sejam devolvidos os montantes pagos, com juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

5.1. Reembolso de quantia paga

 

Na sequência da anulação parcial das liquidações de IRC e de IVA e da anulação das liquidações de juros compensatórios, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente suportadas, o que é consequência imediata da anulação.

Não havendo elementos que permitam determinar com exactidão os montantes a reembolsar, correspondentes às partes das liquidações que são ilegais, eles deverão ser determinado em execução do presente acórdão, nos termos do 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, há direito a juros indemnizatórios em caso de anulação por vício que constitua «erro», entendendo-se como tal os vícios que na dogmática administrativa têm tal designação, que são os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 05-05-1999 processo n.º 05557-A; de 17-11-2004 processo n.º 0772/04; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008 processo n.º 0622/08; de 25-06-2009 processo n.º 0346/09; de 09-09-2009 processo n.º 0369/09; de 04-11-2009 processo n.º 0665/09; de 08-06-2011 processo n.º 0876/09; de 07-09-2011, processo n.º 0416/11; de 30-05-2012, processo n.º o410/12; e de 22-05-2013, processo n.º 0245/13.

Na linha desta jurisprudência, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios quanto às partes das liquidações de IRC que enfermam de ilegalidade apenas por vício de falta de fundamentação das correcções, o que sucede com as seguintes:

– correcção referida no ponto 4.1.1.1. deste acórdão (relativa ao ponto 1.2.1.1. do RIT), no valor de € 16.635,82, quanto ao exercício de 2015;

– correcção referida no ponto 4.1.1.2. deste acórdão (relativa ao ponto 1.2.2.6. do RIT), no valor de € 4.570,48, quanto ao exercício de 2016;

– correcção referida no ponto 4.1.1.3. deste acórdão (relativa ao ponto 1.2.2.7. do RIT), no valor de € 7.668,15, quanto ao exercício de 2016;

– correcção referida no ponto 4.1.1.4. deste acórdão (relativa ao ponto 1.2.2.14. do RIT), no valor de € 1.594,60, quanto ao exercício de 2016.

 

No que concerne às restantes correcções que enfermam de vícios de violação de lei, os erros são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as emitiu por sua iniciativa, pelo que a Requerente tem de direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Os juros indemnizatórios devem ser contados relativamente a cada um dos montantes a reembolsar desde as datas em que foram efectuados os respectivos pagamentos, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

               

6. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A             Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto às partes das liquidações de IRC e IVA que se basearam nas correcções referidas nos pontos 4.1.1.1., 4.1.1.2, 4.1.1.3., 4.1.1.4., 4.1.4., 4.1.6.1., 4.1.6.2, 4.1.6.3., 4.1.6.4. (esta apenas quanto à correcção referente ao documento n.º FFTVS16110206 - gasto no valor de 451,11€), 4.1.6.6., 4.1.6.7., 4.1.6.8., 4.1.6.10., 4.1.6.11., bem como às partes das liquidações de IRC que têm como pressupostos correcções relativas a preços de transferência referidas no ponto 4.3. deste acórdão;

B             Anular parcialmente a liquidação IRC n.º 2019..., de 08-08-2019, relativa ao período de tributação de 2015, na parte em que tem como pressupostos correcções indicadas na alínea A);

C               Anular parcialmente a liquidação IRC n.º 2019..., de 21-10-2019, relativa ao período de tributação de 2016, na parte em que tem como pressupostos correcções indicadas na alínea A);

D             Anular parcialmente as liquidações de IVA n.ºs 2019 ... a 2019..., todas de 09-08-2019, relativas aos períodos de tributação 2015/02, 2015/06, 2015/07, 2015/09, 2015/10, 2015/11 e 2015/12, nas partes em que têm como pressupostos correcções indicadas na alínea A);

E             Anular parcialmente as liquidações de IVA n.ºs 2019 ... a 2019 ... e 2019 ... a 2019..., todas de 09-08-2020, relativas aos períodos de tributação 2016/01 a 2016/12, respetivamente, nas partes em que têm como pressupostos correcções indicadas na alínea A);

F             Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de juros compensatórios e anular as respectivas liquidações n.ºs 2019 ... e 2019 ..., relativas ao ano de 2015 (no valor total de € 4.457,56), e n.º 2019 ..., relativa ao ano de 2016 (no valor de € 6.525,48);

G            Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente as quantias incluídas nos valores da liquidações de IRC e de IVA, que forem apuradas em execução do presente acórdão, correspondentes às correcções referidas na alínea A);

H             Julgar procedente o pedido de reembolso quanto às liquidações de juros compensatórios referidas na alínea F) e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 10.983,04 (€ 4.457,56 + € 6.525,48);

I              Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente com base nas quantias a reembolsar correspondentes às liquidações anuladas com base em vícios de violação de lei, nos termos do ponto 5.2. deste acórdão;

J              Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos nas partes respectivas.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 259.339,43, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 24-11-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Alexandra Coelho Martins)

(Sofia Ricardo Borges)