Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 596/2018-T
Data da decisão: 2019-06-11  IRS  
Valor do pedido: € 18.728,25
Tema: IRS - Mais-valias resultantes da alienação de imóvel.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. No dia 29 de Novembro de 2018, A..., casado, residente em ..., ... ..., titular do cartão de cidadão n.º ... e do número de identificação fiscal ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto tributário de demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2018... e do ato tributário de liquidação de juros compensatórios n.º 2018... respeitantes ao ano de 2017.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são em súmula, as seguintes:

4.1. Em 4 de janeiro de 2016, o Requerente e sua esposa, B..., portadora do número de identificação fiscal..., adquiriram a fracção autónoma, individualizada pela letra “A”, que constitui o rés-do-chão, com direito ao uso exclusivo do logradouro a tardoz, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ..., n.º..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da freguesia da ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .

4.2. A fracção foi adquirida, pelo valor de € 122.500,00 e destinava-se à habitação própria e permanente do Requerente e da sua esposa que assume a sua representação fiscal, porquanto este último reside na Suíça.

4.3. Assim, após a referida aquisição o Requerente e sua esposa começaram a residir na fracção em questão de forma permanente, ainda que no caso do Requerente apenas durante as suas deslocações a Portugal, pernoitando sempre na mesma e recebendo os seus convidados, amigos e familiares.

4.4. Em Março de 2017, o Requerente e a sua esposa alienaram a fracção supra referida pelo valor de € 340.000,00.

4.5. Aquando do preenchimento das respetivas declarações de rendimentos de IRS referentes ao período de 2017, tanto o Requerente como a sua esposa, declararam a respetiva mais-valia, cada um na proporção de 50%.

4.6. Do mesmo modo, o Requerente e a sua esposa manifestaram intenção de reinvestir a mais-valia, inscrevendo no quadro 5 “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente” do Anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS, no campo “5005 – Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004” o valor de € 69.013,00 e no campo “5006 – Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)” o valor € 100.987,00.

4.7. Não obstante, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRS, melhor identificada no introito, nos termos da qual resulta um valor a pagar de € 18.728,25.

4.8. Valor este que o Requerente pagou no prazo de pagamento voluntário.

4.9. Pelo contrário, a declaração de rendimentos de IRS da sua esposa não gerou qualquer quantia a pagar ao Estado.

4.10. Ora, da análise comparativa de ambas as declarações de rendimentos de IRS é possível extrair que o Requerente procedeu ao preenchimento do Anexo G, nos exactos termos em que procedeu a sua esposa, e que esta última adicionalmente apresentou o Anexo H no qual declarou no quadro 6 “Despesas de saúde, formação e educação, encargos com imóveis e com lares” uma despesa no valor de € 665,95.

4.11. Todavia, a apresentação de duas declarações materialmente idênticas, resultaram no apuramento, no caso do Requerente, do valor imposto a pagar ao Estado de € 18.689,34, acrescido da quantia de € 38,91 de juros compensatórios e, no caso da sua esposa, não gerou qualquer montante a pagar ou a reembolsar.

4.12. Assim, da demonstração de liquidação de IRS do Requerente é possível extrair que o mesmo foi tributado pela quota-parte do valor da mais-valia que declarou.

4.13. Pelo que se pode concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou a intenção de reinvestimento declarada pelo ora Requerente.

4.14. Adicionalmente, também se percepciona que no cálculo da mais-valia tão pouco a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe concede a possibilidade de apenas ser tributado sobre 50% do respetivo valor à luz do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS.

4.15. O artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS exclui da tributação em sede de IRS as mais-valias resultantes das alienações de imóveis “destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” desde que o valor de realização seja “reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel (…) exclusivamente com o mesmo destino situado em território português.

4.16. Ora, in casu verifica-se que efetivamente a fracção que o Requerente e a sua esposa alienaram constituía a sua habitação própria e permanente.

4.17. Efetivamente, não obstante o Requerente residir na Suíça a sua habitação própria e permanente localiza-se em Portugal, junto do seu agregado familiar que é constituído pelo Requerente, pela sua esposa e um dependente.

4.18. A própria Autoridade Tributária Aduaneira admite que os emigrantes possam ter residência permanente em Portugal nos termos do Ofício-Circulado n.º 10782, de 26.05.1998, da Direção de Serviços da Contribuição Autárquica.

4.19. Por outro lado, ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira não reconheça, no que não se concede e só se admite por dever de prudente patrocínio, que a referida fração constituía a habitação própria e permanente do Requerente, tal não lhe permitia proceder à tributação da mais-valia.

4.20. Isto porque, decorre da lei que a exclusão de tributação das mais-valias aproveita as alienações de imóveis “destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar", pelo que residindo a esposa do Requerente e o dependente nesta fração impunha-se à Autoridade Tributária e Aduaneira que se abstivesse de proceder à respetiva tributação.

4.21. Acresce que tal não surge prejudicado pelo facto os contribuintes terem, por lapso, registado no campo 4 “Estado civil do sujeito passivo”, da folha de rosto da declaração de rendimentos de IRS, a opção “Separados de facto”, tal não corresponde à verdade porquanto o Requerente e a Exma. Senhora B... são casados.

4.22. Resulta evidente que a contribuinte B... constitui parte do agregado familiar do Requerente, e que a mesma residia, à data, na fração alienada, juntamente com o respectivo dependente.

4.23. Assim, tendo em conta que a referida fração constituía habitação própria e permanente do casal e que em cumprimento do disposto na alínea c) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS o Requerente – assim como a sua esposa – manifestou “intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, não se compreende com base em que fundamento procedeu a Autoridade Tributária e Aduaneira à tributação da referida mais-valia.

4.24. Mesmo porque o reinvestimento terá de ser efetuado “entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização”, ao abrigo da alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, prazo que ainda se encontra a decorrer uma vez que a alienação apenas ocorreu em março de 2017.

4.25. Acresce que, tão pouco se verifica in casu qualquer das situações previstas no n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS e que determinam o afastamento da exclusão de tributação plasmada no n.º 5 do mesmo artigo.

4.26. De acordo com as regras gerais de interpretação, designadamente o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

4.27. A intenção do legislador é, como ressalta da letra da norma, excluir a tributação das mais-valias obtidas com a alienação da habitação própria e permanente dos contribuintes quando sejam reinvestidas na aquisição de outra habitação com o mesmo destino.

4.28. Nos termos o n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.”.

4.29. Adicionalmente, à luz do n.º 2 do mesmo preceito “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”.

4.30. Ora, in casu, o valor de realização é o valor constante do contrato de compra e venda, i.e., o valor de € 340.000,00.

4.31. No caso sub judice o valor de aquisição ascende a € 122.500,00.

4.32. O Requerente e a sua esposa suportaram com referência à fração alienada encargos no valor de € 84.004,68.

4.33. Os valores supra referidos foram declarados pelo Requerente e pela sua esposa na proporção de 50%.

4.34. Logo, da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do Requerente resulta como valor de realização a quantia de € 170.000,00, como valor de aquisição o montante de € 61.250,00 e como valor dos encargos e despesas a quantia de € 42.002,34.

4.33. Atentos os referidos preceitos o cálculo da mais-valia é efetuado de acordo com a fórmula: mais-valia = valor de realização – (valor de aquisição + valor das despesas e encargos).

4.34. Pelo que in casu a mais-valia do Requerente corresponderia a € 66.747,66 = € 170.000,00 – (€ 61.250,00 + € 42.002,34).

4.35. Sucede que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS o valor apurado de € 66.747,66 apenas seria “considerado em 50 % do seu valor” sendo reduzido para o montante de € 33.737,83.

4.36. A este montante, de € 33.737,83, seria por fim aplicada a taxa autónoma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.

4.37. De onde resultaria um valor de imposto a pagar pelo Requerente, em virtude da obtenção da referida mais-valia, de € 9.344,67.

4.38. Contudo, resulta da demonstração de liquidação de IRS do Requerente o valor de imposto a pagar de € 18.689,34, que corresponde ao dobro daquele que seria apurado de acordo com as disposições do Código do IRS.

4.39. Deste modo, a demonstração de liquidação de IRS do Requerente padece ainda de manifesta ilegalidade por proceder de forma incorreta ao cálculo do imposto, desconsiderando a redução de 50% prevista no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

4.40. E nem se refira que a Autoridade Tributária e Aduaneira não procedeu à redução do valor da mais-valia nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS porquanto o preceito apenas se aplica às “transmissões efetuadas por residentes”.

4.41. Atento o exposto, deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira in casu ter excluído de tributação 50% da mais-valia apurada, à luz do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, interpretado à luz do entendimento do TJUE.

4.42. Resulta da demonstração de liquidação de IRS do Requerente o valor de € 38,91 a título de juros compensatórios a que corresponde a liquidação n.º 2018.... .

4.43. O Requerente, apesar de não se conformar com a demonstração de liquidação emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu ao pagamento do valor identificado na referida demonstração de liquidação – em 03.08.2018 – ainda durante o decurso do prazo para pagamento voluntário que terminava em 31.08.2018.

4.44. Ora, o artigo 35.º n.º 1, da LGT regula em termos gerais o regime dos juros compensatórios, especificando que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

4.45. Em concretização do n.º 3 do artigo 268º da CRP, o n.º 1 do artigo 77.º da LGT exige que a decisão de procedimento seja sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.

4.46. E, mesmo quando no n.º 2, do mesmo artigo 77.º da LGT se admite que a fundamentação possa ser efetuada de forma sumária, define-se como requisitos mínimos que contenha as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. Quanto à eventual suspensão de tributação da mais-valia imobiliária controvertida, mais concretamente, por via do regime instituído para o reinvestimento do valor da realização das mais-valias, o cerne do diferendo reside na aferição da natureza da afectação do imóvel alienado.

5.2. Desde logo o Requerente submeteu a declaração de rendimentos de forma individual e autónoma, não incluindo no agregado familiar B... .

5.3. Não de somenos importância, e ainda no domínio da declaração de rendimentos, o Requerente indica o seu estado civil como “separado de facto”.

5.4. Se não bastante, é mister sublinhar que, relativamente ao período de tributação de 2017, o Requerente entregou três declarações de rendimentos (n.ºs...; ...; ...).

5.5. Sendo que em todas elas o Requerente se apresenta como separado de facto.

5.6. Não se trata, assim, de um “mero lapso” já que foi corroborado e reiterado várias vezes.

5.7. Também é imperioso sublinhar que, não obstante a condição de não residente do autor datar de 15-05-2015, segundo base de dados da AT, não é menos verdade que, no período de tributação de 2015, a declaração de rendimentos, submetida pelo Requerente, como residente em território português, já discriminava a mesma condição de separado de facto.

5.8. Uma situação contrastante com as declarações de 2012, 2013 e 2014, onde o Requerente indica o seu estado civil como casado.

5.9. Por último, mas não menos importante, refira-se que não é condizente o domicílio fiscal do Requerente com o de B..., em Março de 2017.

5.10. O que afasta a aplicação da norma do artigo 13.º, n.º 11, do Código do IRS.

5.11. Sem prescindir, o Requerente contesta os valores que pontificaram na mais-valia, argumentando que a parte a ele respeitante ascenderia, enquanto valor de realização a € 170.000,00, enquanto que o valor de aquisição redundaria em € 61.250,00, e as despesas e encargos em € 42.002,34.

5.12. Ora, estas quantias não são refutadas pela AT.

5.13. O Requerente refuta o entendimento que afasta a aplicação da regra do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, aos não residentes em território português.

5.14. Desde logo, uma interpretação literal do preceito postula que tão-somente os residentes poderão ser incluídos na respectiva previsão.

5.15. Esta matéria reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num Estado Membro da União Europeia, violar o Direito Comunitário.

5.16. Tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9), cujo teor à data dos factos, era o seguinte:

«9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.»

5.17. Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.0 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que:

«10- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.»

5.18. E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.

5.19. Consultada a declaração Mod. 3 de IRS entregue em nome do Requerente (relativa ao ano fiscal de 2017), verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da EU) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

5.20. Assim, as alegações do Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10).

5.21. O n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72. ° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

5.22. O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

5.23. Como tal, para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

5.24. Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

5.25. O quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

5.26. A decisão proferida no Acórdão Hollmann, refere-se a situações ocorridas na vigência da redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, do artigo 72º do Código do IRS.

5.27. A questão em análise nos presentes autos não corresponde ao chamado “acto clarificado”, pela decisão proferida no Acórdão supra indicado.

5.28. Isto porque, a alteração legislativa introduzida ao do artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18. °, 63.°, 64.° e 65.° TFUE.

5.29. Quadro normativo esse que passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

5.30. Assim, por um lado, o Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez.

5.31. Por outro lado, o Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

5.32. A alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, veio, salvo melhor opinião, adequar plenamente a legislação nacional  ao direito comunitário, isto porque os n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, em consonância com o ponto 40 do decisório, passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

5.33. A alteração operada por via da introdução dos atuais n.º 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

5.34. Situação que no caso concreto não ocorreu.

5.35. Pelo que defende a AT que o Tribunal Arbitral deve considerar que a jurisprudência supra exposta não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional, assim como, julgar não verificada a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência que vimos de invocar, que obstam à aceitação do entendimento da Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados.

5.34. Pelo que, deverá suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TJUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TJUE.

5.35. Pelo que devem ser mantidas as liquidações supra mencionadas, referente ao IRS do ano fiscal de 2017, devendo-se concluir pela improcedência do ppa.

6. Notificado o Requerente para se pronunciar sobre o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, invocou o mesmo, em súmula, não se afigurar necessária a pronúncia, porquanto o Tribunal Arbitral dispõe de jurisprudência comunitária suficiente para a decisão do caso.

7. No dia 2 de Abril de 2019, foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no at. 18º, a menos que as partes a requeressem.

8. As partes não requereram a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

 

II – Factos provados

 

9. Com base nos documentos juntos aos autos, são os seguintes os factos provados, com relevo para a decisão da causa:

9.1. Em 4 de janeiro de 2016, o Requerente e, B..., portadora do número de identificação fiscal ..., adquiriram a fração autónoma, individualizada pela letra “A”, que constitui o rés-do-chão, com direito ao uso exclusivo do logradouro a tardoz, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ..., n.º..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da freguesia da ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .

9.2. O Requerente e B... são casados em comunhão de adquiridos.

9.3. A fracção foi adquirida, pelo valor de € 122.500,00

9.4. O Requerente reside na Suíça.

9.5. Em março de 2017, o Requerente e B... alienaram a fração supra referida pelo valor de € 340.000,00.

9.6. Aquando do preenchimento das respetivas declarações de rendimentos de IRS referentes ao período de 2017, tanto o Requerente como B..., declararam a respetiva mais-valia, cada um na proporção de 50%.

9.7. O Requerente e B... manifestaram intenção de reinvestir a mais-valia, inscrevendo no quadro 5 “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente” do Anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS, no campo “5005 – Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004” o valor de € 69.013,00 e no campo “5006 – Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)” o valor € 100.987,00.

9.8. Na sequência da apresentação da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2017, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação um montante de imposto a pagar pelo Requerente de € 18.689,34.

9.9. O Requerente submeteu a declaração de rendimentos de forma individual e autónoma, não incluindo no agregado familiar B... .

9.10. Relativamente ao período de tributação de 2017, o Requerente entregou três declarações de rendimentos (n.ºs...; ...; ...).

9.11. Nas declarações de rendimentos referidas em 9.9., o Requerente indicou o seu estado civil como “separado de facto”.

9.12. No período de tributação de 2015, a declaração de rendimentos submetida pelo Requerente, como residente em território português, já discriminava a mesma condição de “separado de facto”.

9.13. A fracção adquirida destinava-se à habitação permanente de B... .

9.14. Após a referida aquisição, B... começou a residir na fracção em questão de forma permanente.

9.15. O Requerente pagou o valor de € 18.728,25, no prazo de pagamento voluntário.

 

III – Factos não provados

 

10. O Tribunal não considerou provados os seguintes factos:

10.1. A fracção adquirida destinava-se à habitação própria e permanente do Requerente e de B... .

10.2. Após a referida aquisição o Requerente e B... começaram a residir na fracção em questão de forma permanente.

 

IV - Do Direito

 

11. São as seguintes as questões de direito a apreciar:

- Da ilegalidade do acto de demonstração de liquidação de IRS e da necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE

- Do direito a juros indemnizatórios.

Examinar-se assim essas questões:

 

DA ILEGALIDADE DO ACTO DE DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS E DA NECESSIDADE DE REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE

 

Invoca o Requerente ter declarado, bem como B..., a respectiva mais-valia, na proporção de 50% cada um.

Invoca ainda que ambos manifestaram intenção de reinvestir a mais-valia inscrevendo no quadro 5 “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente” do Anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS, no campo “5005 – Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004” o valor de € 69.013,00 e no campo “5006 – Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)” o valor € 100.987,00.

Não tenho, contudo, essa intenção de reinvestimento do valor da realização do imóvel sido considerada pela Autoridade Tributária, no que se reporta ao Requerente.

Conforme refere o artigo 9º, nº 1, do Código do IRS:

“Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;”.

Dispondo o artigo 10º, nº 1, do mesmo diploma:

“Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;”.

Refere ainda o nº 5 do mesmo artigo:

“São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”.

Sucede, contudo, que o Requerente, como sublinha a Autoridade Tributária, declarou ser separado de facto, e reside actualmente na Suíça.

É, portanto, manifesto que não se pode considerar que o sujeito passivo residia no imóvel vendido, nem que este irá efectuar um reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel, para a sua habitação.

No entanto, o artigo 10º, nº 5 do Código do IRS refere-se a “imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

Ora, poderemos, portanto, considerar que B... faz parte do agregado familiar do Requerente, não obstante este ter declarado que são separados de facto?

Conforme dispõe o artigo 13º, nº 4 do Código do IRS:

“4 – O agregado familiar é constituído por:

a) os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respectivos dependentes;

b) cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, respectivamente, nos casos de separação judicial de pessoas e bens ou de declaração de nulidade, anulação ou dissolução do casamento, e os dependentes a seu cargo;

c) o pai ou a mãe solteiros e os dependentes a seu cargo;

d) o adoptante solteiro e os dependentes a seu cargo.”

Verifica-se, portanto, que, para efeitos da definição de agregado familiar, nos termos do Código do IRS, não é relevante que os cônjuges estejam separados de facto, mas apenas que se encontrem (ou não) separados judicialmente de pessoas e bens.

Nesses termos, teremos de considerar que B..., independentemente de poder estar separada de facto do Requerente, para efeitos do Código do IRS, faz parte do seu agregado familiar.

Como tal, o imóvel vendido terá de considerar-se como destinado à habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente, bem como terá de se admitir o reinvestimento em imóvel com o mesmo destino.

Nesses termos, é ilegal o acto tributário de demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por ter tributado indevidamente o valor das mais-valias referentes à venda do imóvel elencado no nº 1 dos Factos Provados.

Invoca ainda a Requerente não ter a Autoridade Tributária considerado a redução de 50% prevista no artigo 43º, nº 2, alínea b) do Código de IRS.

Invoca, por outro lado, a Autoridade Tributária não ser aplicável o artigo em questão, uma vez que o Requerente é residente noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e, como tal, nos termos do artigo 72º, nº 9 do Código do IRS, teria de optar pela tributação da totalidade dos seus rendimentos em Portugal, incluindo-se, portanto, os rendimentos obtidos no estrangeiro, não sendo aplicável o Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11 (Hollmann), uma vez que o mesmo é anterior a esta alteração legislativa.

Invoca ainda a Autoridade Tributária que, uma vez que o quadro legislativo não corresponde ao quadro em vigor, quando foi proferido o Acórdão Hollmann, se verifica a necessidade de sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial.

Ora vejamos.

Refere o artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:

“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.”

Ora, e como bem defende o Requerente, a questão já foi objecto de ampla jurisprudência, tanto europeia, como nacional.

Nesses termos, não se verifica necessário o reenvio prejudicial para o TJUE.

Será de analisar, portanto, se a Autoridade Tributária poderia ter considerado o valor total da mais-valia.

Refere o artigo 43º, nº 2 do Código do IRS (à data dos factos):

“2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor”.

Referindo o artigo 72º, nº 9, do mesmo diploma (à data dos factos):

“Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”

Contudo, conforme refere o Acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08, em situação análoga:

“Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento de que a opção de equiparação é susceptível de excluir a discriminação em causa. Antes de mais, importa recordar que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, como F. Gielen, escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no presente caso, essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência, como é essencialmente observado pelo advogadogeral no n.° 52 das suas conclusões, validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C446/04, Colect., p. I11753, n.° 162). Decorre do exposto que a escolha concedida, no âmbito do litígio em causa no processo principal, ao contribuinte não residente, através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação constatada no n.° 48 do presente acórdão.”

Referindo também o Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2007, proferido no Processo C-443/06: “Assim, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, o montante das mais-valias realizadas por residentes aquando da alienação de bens imóveis em Portugal é apenas considerado em 50% do seu valor. Ao invés, para os não residentes, o CIRS prevê que a tributação do valor das mais-valias realizadas no caso de alienação dos referidos bens incide sobre a totalidade deste valor. Daqui decorre que, nos termos das disposições pertinentes do CIRS, a tributação das mais-valias realizadas não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos. Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a matéria colectável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%. Por consequência, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal tem por efeito tornar a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes, dissuadindo-os de efectuar investimentos imobiliários em Portugal e, consequentemente, operações relacionadas com estes investimentos, tal como a venda de um bem imóvel. Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE.”.

Esta jurisprudência é aplicável apesar de o Requerente residir na Suíça, como decorre do art. 25º do Anexo I do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros e a Confederação Suíça, nos termos do Acórdão do TJUE de 11/2/2010, proferido no processo C-541/08.

Tendo em conta o teor da jurisprudência europeia, não se afigura relevante a alteração legislativa constante do artigo 72º, nº 9, hoje art. 72º, nº13, do Código do IRS, mantendo-se o entendimento de que a tributação de mais-valias de 50% ser apenas aplicada a residentes em Portugal ser contrária ao Direito da União Europeia.

Igualmente assim se têm entendido na jurisprudência arbitral.

Veja-se o Acórdão do CAAD nº 45/2012-T:

“Resta saber se a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º do Código do IRS, e vigente à data dos factos subiudicio, permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes. Para além de, como bem assinalam os Requerentes, a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa. Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (…). Não se desconhece que as consequências aqui retiradas da jurisprudência comunitária acima mencionada, em particular do Acórdão Hollmann, propiciam uma tributação mais favorável das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes, pois, para além de beneficiarem de igual modo da redução a 50% da base de incidência de IRS, são sujeitos a uma taxa única de 25%, que será, na maioria dos casos, inferior às taxas progressivas dos residentes, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, a que acresce o facto de estes últimos terem de englobar todos os seus rendimentos. Todavia, no actual estádio do Direito Comunitário, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos residentes, constituindo a fiscalidade directa um domínio da competência dos Estados-Membros. Deste modo, atento o que ficou exposto, procede o vício de violação de lei alegado pelos Requerentes, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação dos actos tributários objecto de pronúncia arbitral.”

Do mesmo modo, decidiu-se no Acórdão do CAAD nº 127/2012-T, no qual se refere:

“Assim, a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. E, consequentemente, ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.”

Idêntica decisão foi proferida pelo CAAD, no processo nº 520/2017-T, no qual se afirma: “Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica do citado Acórdão proferido por este Tribunal, bem como no Acórdão Hollman. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os residentes noutro Estado membro da União Europeia”.

Face ao supra exposto, teremos de entender pela ilegalidade do acto tributário de demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por violação do direito comunitário, nomeadamente do disposto no artigo 63º do TFUE.

 

DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Conforme dispõe o artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Nos termos do artigo 24º, nº 5 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT): “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Para que a Autoridade Tributária seja condenada no pagamento de juros, é necessário, antes de mais, averiguar se existiu erro dos serviços, que permita responsabilizar a mesma pelo pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

No caso concreto, e não obstante as declarações do Requerente e de B..., nas suas respectivas declarações de IRS, a Autoridade Tributária decidiu ignorar a intenção de reinvestimento das mais-valias por parte do Requerente, bem como tributar esse valor na totalidade e não em 50%.

Face à jurisprudência comunitária e nacional existente, é manifesto que a Autoridade Tributária teria de ter conhecimento da ilegalidade dessa tributação.

Tendo a Autoridade Tributária persistido nos mesmos errados fundamentos, terá de se entender pela existência de negligência, o que configura um “erro imputável aos serviços”, para efeitos da aplicação do artigo 43º da LGT.

Nesses termos, entende-se que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 18.728,25, que serão contados desde 29-11-2018, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

V – Decisão

 

Julga-se procedente o pedido de declaração do acto tributário de demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e do acto tributário de liquidação de juros compensatórios referentes ao exercício de 2017, no montante de € 18.728,25.

Julga-se igualmente procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 18.728,25, que serão contados desde 29-11-2018, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

Fixa-se ao processo o valor de € 18.728,25 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas pela entidade requerida.

 

Lisboa, 11 de Junho de 2019

 

 

O Árbitro

(Luís Menezes Leitão)