Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 576/2018-T
Data da decisão: 2019-08-27  IRC  
Valor do pedido: € 707.090,56
Tema: IRC – Dedutibilidade dos gastos; Tributação autónoma; Pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal mais favorável; Vício de forma.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Marisa Isabel Almeida Araújo (vogal) e A. Sérgio de Matos (vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 19 de Novembro de 2018, A..., LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ... e ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, no valor de €699.631,76, dos actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor de €21,25 e n.º 2017..., no valor de €54.115,47, da demonstração de acerto de contas n.º 2017... da qual resulta o valor a pagar de €707.090,56, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os referidos actos de liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             Os actos de liquidação padecem de vício de forma, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º da LGT, pelo facto de não se encontrarem fundamentados em termos legalmente adequados; 

ii.            Os gastos suportados com as comissões pagas às entidades com sede em Hong Kong são dedutíveis para efeitos fiscais, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado;

iii.           As comissões pagas às entidades com sede em Hong Kong não estão sujeitas a tributação autónoma, por não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do n.º 8 do artigo 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”);

 

3.            No dia 20-11-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 10-01-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 30-01-2019.

 

7.            No dia 06-03-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 04-06-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo este que foi prorrogado por despacho de 08-07-2019.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

1-            A Requerente foi constituída em Novembro de 2012 e prossegue, a título principal, a atividade de compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, recuperação e manutenção de imóveis, arrendamento, promoção e gestão imobiliária, a que corresponde o CAE 68100.

2-            No ano de 2014, a Requerente registou os seguintes valores de rendimentos e ganhos:

             Vendas - €7.202.000,00;

             Total dos proveitos - €7.202.000,00;

             Custo das mercadorias vendidas - €5.279.547,42;

             Fornecimento e serviços externos - €1.119.731,56;

             Outros gastos - €265.898,17;

             Total dos gastos - €6.704.746,80;

             Resultado antes de imposto/lucro tributável - €497.253,20. 

3-            No exercício de 2014, a Requerente contabilizou como gasto, na rubrica 62.2.1.3 – serviços especializados em países terceiros, o montante de €1.119.731,56, referente a “Marketing Researche Services in China”, a empresas com sede em Hong Kong, identificadas no quadro seguinte:

 

4-            No ano de 2014, Portugal beneficiava do apoio externo da Troika, período que se caracterizou por um forte constrangimento financeiro que impedia o acesso ao crédito por parte das empresas e das famílias.

5-            A Requerente tomou conhecimento do regime jurídico dos “Vistos Gold” criado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, com o intuito de atrair investimento estrangeiro.

6-            Face à crescente procura de imóveis em Portugal por parte de clientes residentes fora do território nacional, em especial na China, decidiu recorrer a angariadores fora de Portugal, nomeadamente em Hong Kong (China).

7-            A angariação de clientes no mercado chinês implicava o domínio da língua, cultura e conhecimento do mercado de origem dos potenciais clientes dos “Vistos Gold” originários daquele país. 

8-            A Requerente celebrou contratos com as sociedades B..., C..., a D..., E... e a F..., Ltd., entidades com sede em Hong Kong, com vista à angariação de clientes provenientes de países terceiros, nomeadamente da China.

9-            A cláusula 1.ª dos referidos contratos determina o seguinte:

“1- By way of this agreement, NP hires the consultancy services of AGENT for the purposes of obtaining clients in China interested in buying properties in Portugal.

2- The services to be provided by AGENT under the terms of this agreement will include, among others, the marketing and promotion of NP’s properties, internet advertising, contacts with Chinese immigration companies, contacts with Hong Kong property investors and other means that AGENT deems adequate, in its absolute discretion, for the purposes of this contract.

3- Within the scope of its services, AGENT shall introduce the potential investors (“the clients”) interested in acquiring NP’s properties.

4- By the way of this agreement, NP will provide to AGENT multiple property investiment opportunities, property information and marketing details and other additional information that might be necessary for AGENT to advertise and promote NP’s properties to their clients and potential investors in Hong Kong.”

10-         No que respeita à remuneração, determina a cláusula 2.ª dos referidos contratos o seguinte:

“1- The services to be rendered by AGENT to NP within the scope of this agreement will be remunerated only if the clients introduced by AGENT effectively make property investments in Portugal through an acquisition of one of more of NP’s properties.

2- For the purposes of the previous number of this clause, NP shall pay AGENT a fee for its services that shall be agreed between the parties, according to each case.

3- It is expressly agreed between the Parties that the payment of the fee mentioned in the previous number of this clause shall become due and shall be paid by NP at the time of the granting of the Deed/Contract of Purchase and Sale of the property (is) purchased by each of the grating of the Deed/Contract of Purchase and sale of this property (is) purchased by each of the clients introduced by AGENT.

4- For the purposes of the payment of the fee mentioned in number two of this clause, AGENT shall provide the NP with the corresponding invoice”. 

11-         As entidades angariadoras sediadas em Hong Kong exigiam comissões que podiam ascender a cerca de 17% do valor do imóvel.

12-         Os acordos celebrados entre a Requerente e as entidades sedeadas em Hong Kong estabeleciam uma obrigação de resultados, ou seja, o pagamento da comissão estava exclusivamente dependente da venda dos imóveis promovidos.

13-         As entidades sedeadas em Hong Kong incorriam em despesas relacionadas com deslocações em Portugal, estadias em hotéis, acompanhamento personalizado dos potenciais clientes ao longo de todo o processo, entre outros gastos associados a deslocações a partir do estrangeiro para visitar imóveis em Portugal.

14-         A estes custos acresciam os relativos à divulgação dos imóveis comercializados pela Requerente no mercado de origem dos potenciais clientes.

15-         Os serviços prestados pelas entidades angariadoras permitiram à Requerente, no ano de 2014, obter vendas cujo valor ascendeu a €7.202.000,00.

16-         A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção tributária externa, de âmbito geral, ao exercício de 2014, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., resultante do controlo de sujeitos passivos com vendas de imóveis de valores elevados, na sequência da análise e controlo do sector da promoção e mediação imobiliária.

17-         De modo a analisar a aceitação fiscal dos encargos suportados, a Requerente foi notificada para apresentar documentos de prova sobre o cumprimento efectivo dos requisitos exigidos no artigo 23.º -A, n.º 1, alínea r) e nº 7 e 8.º do Código do IRC.

18-         Em resposta, a Requerente informou o seguinte:

 

19-         Com vista à demonstração da efectiva realização das operações, a Requerente, no âmbito da inspecção tributária, apresentou os seguintes elementos de prova:

             Escrituras de aquisição e venda dos imóveis;

             Contratos com cada uma das empresas de Hong Kong, relativos aos serviços prestados “Cooperation and Consultancy Agreement”;

             Facturas referentes aos serviços prestados;

             Documentos comprovativos dos pagamentos dos serviços prestados, consubstanciando-se em transferências bancárias para conta nacional no que se refere ao prestador de serviços D... e transferências internacionais para os restantes;

20-         Pelo Ofício ... de 30-05-2017, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção e para, querendo, exercer direito de audição.

21-         Através do Ofício n.º..., de 12-07-2017, a Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária, da qual resultou a correcção ao lucto tributável de IRC de €1.119.731,56, relativa à não dedutibilidade dos gastos com publicidade e marketing pagos a entidades não residentes e com sede em países com regime fiscal mais favorável, a que acresceu a tributação à taxa de 35% do valor de €391.906,04.

22-         Do relatório de inspecção tributária constava o seguinte:

   

23-         Na sequência da inspecção tributária, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, no valor de €699.631,76. dos actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor de €21,25 e n.º 2017..., no valor de €54.115,47 e da demonstração de acerto de contas n.º 2017... .

24-         A Requerente não procedeu ao pagamento das referidas liquidações no prazo de pagamento voluntário.

25-         Em 10-10-2017, a Requerente foi citada para o processo de execução fiscal n.º ...2017..., instaurado para cobrança coerciva da dívida de IRC e de juros compensatórios, referente ao exercício de 2014, no valor de €707.090,56, acrescido de juros de mora no valor de €1.154,44 e custas cujo valor ascende a €2.424,75, no valor total de €710.669,75.

26-         A Requerente apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia, o qual foi deferido através de Despacho da Senhora Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa de 20 de Dezembro de 2017.

27-         Em 09-11-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto as referidas liquidações.

28-         Através do Ofício n.º..., de 17 de Agosto de 2018 da Direcção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Em concreto, os factos dados sob os pontos 5 a 7, 11, 13, 14, assentam nos depoimentos prestados, em coerência com a prova documental disponível.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Conforme se expôs já, são as seguintes as questões que a Requerente coloca:

i.             As liquidações de IRC e de juros compensatórios padecem de vício de forma, por falta de fundamentação;

ii.            Os gastos suportados com as comissões pagas às entidades com sede em Hong Kong são dedutíveis para efeitos fiscais, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado;

iii.           As comissões pagas às entidades com sede em Hong Kong não estão sujeitas a tributação autónoma, por não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC;

 

Vejamos cada uma delas.

 

*

i.

                Começa a Requerente por arguir que as liquidações de IRC e de juros compensatórios padecem de vício de forma, por falta de fundamentação.

Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da Constituição da República Portuguesa) e legal (artigo 77.º da LGT).

                Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:

1.            Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;

2.            Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;

3.            Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;

4.            Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de fundamentação.

                O artigo 77.º, n.º 1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

Descendo ao caso concreto, verifica-se que os actos de liquidação em questão fundamentam-se, exclusivamente, no relatório final de inspecção tributária, realizada à Requerente, ao exercício de 2014. 

Ora, como referiu o Ac. do TCA-Sul de 03-12-2015, proferido no processo 07854/14:

“A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).

Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).

A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr. artº. 125, do C.P.Administrativo).

Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).

No caso concreto, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a liquidação identificada no nº.1 do probatório se encontra devidamente fundamentada, fundamentação esta que pode ter características sumárias, visto ser consequência legal de declaração de rendimentos apresentada pelos recorrentes, tudo conforme já examinado supra para onde se remete, sendo que a lei prevê expressamente tal possibilidade no artº.77, nº.2, da L.G.T. (cfr.José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.835 e seg.).

Mais, se acaso não se consideravam devidamente esclarecidos da fundamentação do acto tributário objecto do presente processo, deveriam os recorrentes ter feito uso do dispositivo constante do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário.

Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente, igualmente, este fundamento do recurso, igualmente se confirmando a decisão recorrida nesta fracção.”.

                No que diz respeito às liquidações de juros compensatórios, tem sido entendido que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria”  .

                No mesmo aresto, pode ler-se, para além do mais que:

“Reportando-nos, de novo, aos pressupostos da liquidação de juros compensatórios, como liquidação autónoma, ainda que integrada na liquidação de imposto, é evidente que esta tem que possuir um mínimo de fundamentação própria no que concerne, desde logo, à base de cálculo, à taxa aplicada, ao lapso de tempo a que se reportam (4), mas, ainda e também, quanto á culpa necessária a sua imputabilidade ao sujeito passivo; E será por referência a essa mesma fundamentação que terá de ser aferido o acatamento do poder/dever da AF de facultar ao contribuinte o direito de audição prévia.

- Ora, no que diz respeito à taxa, base de cálculo e período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, nenhuma margem de conformação é facultada à AT, que apenas tem e pode concretizar o que se encontra expressamente consignado na lei, isto é, no que àqueles pressupostos se refere, a actuação da AF consiste num procedimento estritamente vinculado, pelo que a sua actuação, em tal domínio, não é susceptível de ser influenciada por quaisquer argumentos que o recorrente pudesse suscitar, no sentido de influenciar o acto de liquidação, por pretender a aplicação de uma taxa diferente, ou de um período de tempo ou de uma base de cálculo diversas, uma vez que estas não podem ser outras que não as determinadas pelo ordenamento jurídico aplicável.

- E evidente que a entidade liquidadora, por lapso ou por outra razão, pode atender, no que a tais pressupostos diz respeito, a elementos que não sejam aqueles a que deveria atender; Só que tal eventual circunstancialismo não constitui fundamento ao exercício do direito de audição prévia, antes e apenas a que a referência expressa e clara ao mesmo, terá de fazer parte da fundamentação da liquidação para que o seu destinatário possa, contra ela reagir, por vício de violação de lei.

- Por consequência e no que a estes fundamentos diz respeito, o que se entende é que, ao sujeito passivo não assiste qualquer direito de audição prévia antes da liquidação dos juros compensatórios, o que vale por dizer que, neste domínio, o não lhe ter sido facultado o exercício do mesmo não consubstancia, sequer qualquer irregularidade procedimental e, muito menos, com efeitos invalidantes do acto final de liquidação.

- Já no que diz respeito à culpa, enquanto pressuposto dos juros em questão, se entende que, tratando-se de um juízo subjectivo, tem implícito que o contribuinte, em sede de exercício de audição, possa carrear para o procedimento, elementos até aí não disponíveis pela AT, que possam afastá-lo, à luz dos elementos relevantes à sua aferição, nos termos acima referidos; Por isso que se não possa concluir que o simples facto do conhecimento do retardamento do imposto, por parte do contribuinte, da taxa aplicável e do período de tempo, implique inexoravelmente o acto da respectiva liquidação, pelo que, neste âmbito, se entende, por um lado, como formalidade essencial a observar, a notificação do destinatário do acto tributário final, para exercer, querendo, o direito de audição, e, por outro, que a preterição de tal poder/dever é insusceptível de se degradar em formalidade não essencial.

- Só que, o que se vem de dizer, não significa/implica, que a razão se encontre do lado do recorrente.

- É que, como acima se deu conta, a culpa é um conceito de direito a extrapolar da factualidade adequada e pertinente, pelo que o afastamento da mesma passa pela demonstração da falta de aderência à realidade daquela em que a entidade liquidadora estriba aquele juízo conclusivo, pela sua inadequação a tal efeito desde logo pela justificação relevante susceptível de a excluir.

- Ora, no caso dos juros compensatórios e na sequência do acima referido, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exacta medida em que se integram neste, nos termos do n.° 8, do art.° 35.° da LGT.

- Mas, assim sendo, se por um lado é inexorável que, ao contribuinte tem de ser facultado o exercício do direito de audição, antes da liquidação de juros compensatórios, sob pena de invalidade deste acto final, é igualmente axiomático que o exercício desse direito se satisfaz, no que à culpa diz respeito, com o facultar-lhe o exercício desse mesmo direito antes da liquidação do imposto a que se reportam os JC's, já que será aí que ele terá de contestar a aderência á realidade, ou justificação, das circunstâncias de facto que podem constituir o fundamento daquele juízo de censura(5).

- Ora, "in casu", está demonstrado que, ao recorrente foi facultado o direito de audição, com a notificação que lhe foi feita do projecto de relatório da acção inspectiva e de onde constam, como se dá conta na decisão recorrida, todas as circunstâncias de facto que levaram a AT a tributá-lo por recurso a metodologia indiciaria, bem como dos critérios de cálculo do "quantum ", o que vale por dizer, na linha do que acirra se referiu nenhuma outra notificação lhe tinha de ser feita a facultar-lhe o exercício de audição prévia, por referência, especificamente, à liquidação dos juros compensatórios, seja por que tal formalidade se tem de considerar acatada com a notificação que, para esse mesmo efeito, lhe foi feita com referência ao imposto, seja por que, quanto aos restantes pressupostos de liquidação de JCs, eles consubstanciam-se numa conduta estritamente vinculada da AT.”

                Este entendimento, foi sancionado pelo STA que entendeu já que:

“A verdade, porém, é que a liquidação dos juros compensatórios não pode considerar-se um “facto novo” para efeitos de direito de audição, até porque os mesmos variam consoante o período de tempo a considerar.

Por “facto novo” deve entender-se aquele que possa determinar a alteração do imposto, das correcções, etc. A liquidação dos juros traduz-se apenas numa mera operação aritmética pelo que só por si não justifica o direito de audição.

Deste modo, ainda que na altura do convite para o exercício do direito de audição os juros compensatórios não estivessem liquidados, a Administração Tributária não estava obrigada a ouvir de novo a recorrida só por terem sido liquidados os juros” .

                Por outro lado, como se referiu no Ac. do STA de 04-12-2013, proferido no processo 01111/13, “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.”, sendo certo a demonstração de liquidação contém todos os elementos referidos.

                Assim, e face ao exposto, devem improceder o vício de forma por falta de fundamentação arguido pela Requerente.

 

*

ii.

                Seguidamente, alega a Requerente que os gastos suportados com as comissões pagas às entidades com sede em Hong Kong são dedutíveis para efeitos fiscais, e que não estão sujeitos a tributação autónoma, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

                Em causa nesta parte está, portanto, a aplicação dos artigos 23.º-A, n.ºs 1/r), 7 e 8, do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (vigente em 2014), e 88.º, n.º 8 do mesmo Código, que estabeleciam o seguinte, no que ao caso interessa:

“Artigo 23.º-A

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (...)

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)

7 - O disposto na alínea r) do n.º 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer título, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.

8 - A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.”

 “Artigo 88º

Taxas de tributação autónoma

(...)

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”.

O território de Hong Kong estava incluído, em 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

                Em questão estará, no caso sub iudice, a prova, imposta por ambas as supra-citadas normas, relativamente à efectividade das operações e ao carácter normal ou não exagerado das operações, prova essa cujo ónus, nos termos das normas aplicáveis, assiste à Requerente.

                Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no processo 07022/13, estamos perante a “aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:

a-            Estarmos perante operações efectivamente realizadas;

b-           Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.”.

Podendo-se, ainda, ler no mesmo aresto que:

“Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g. artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”

                Será, portanto, à luz do critério indicado que se haverá de aferir a legalidade dos actos tributários sub iudice.

                Vejamos, então.

*

                Conforme resulta das normas em questão, e da interpretação judicial que das mesmas é feita, e que previamente se expôs, cumpre apurar se se encontra feita a prova de que:

a.            Estamos perante operações efectivamente realizadas; e que

b.            As mesmas não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.

Relativamente à primeira das circunstâncias, considera a AT, em suma, que “não existe qualquer comprovação da realização material das prestações de serviços por parte das empresas sediadas em HONG KONG”.

Ressalvado o devido respeito, não se tem por justificada, em concreto, qualquer dúvida, relativamente à ocorrência das operações em questão.

                Com efeito, como resulta da matéria provada, a Requerente teve um aumento exponencial do volume de vendas no ano de 2014, proporcionada pelo aumento das vendas de imóveis a cidadãos oriundos da China.

Por outro lado, verifica-se a circunstância – não contestada - de que os imóveis em questão foram efectivamente vendidos a cidadãos oriundos da China, sem que se apure ou indicie qualquer circunstância que aponte que os mesmos hajam chegado ao contacto da Requerente, e dos seus imóveis, sem que seja por via da intermediação das entidades sediadas em Hong Kong.

Daí que, sob um ponto de vista de normalidade, não deverá haver dúvidas razoáveis de que os serviços que foram facturados pelas entidades com sede em Hong Kong, em conformidade com o contracto celebrado com a Requerente, foram efectivamente prestados.

                Como se escreveu no processo arbitral 198/2017T, em termos transponíveis para os presentes autos:

“Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B… só era paga precisamente se fosse se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente actividade de angariação.

            Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B… correspondem a operações efectivamente realizadas.

            Neste contexto, afigura-se manifestamente injustificado exigir, para prova da efectividade da actividade desenvolvida pela B…, a «identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor», a «evidência de reuniões, "surveys"; «saber se quem executou tem experiência profissional», pois, para além de serem informações que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira  para serviços de angariação, não haverá grande preocupação do adquirente quando se trata de pagamentos que são efectuados apenas em função dos resultados.

            Deve dizer-se mesmo que a exigência de «identificação dos recursos humanos envolvidos» e o apuramento da respectiva experiência profissional numa actividade com a dimensão da descrita está para além dos limites da razoabilidade, pois, na sua literalidade, abrangerá a identificação de todos os que prestaram os serviços de transporte por avião, de serviços em restaurantes e hotéis, motoristas de táxis, etc.”.

            Assim, é de considerar existir prova suficiente de que os pagamentos em questão correspondem a operações efectivamente realizadas.

Neste quadro, cumpre então aferir se as operações em causa não têm um carácter anormal ou se o montante em causa não é exagerado, à do luz entendimento jurisprudencial, atrás referenciado, segundo o qual “o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”.

 

*

                Relativamente à verificação, ou não, de operações com um carácter anormal ou exagerado, refere a AT, em suma, que:

- “não tendo o sujeito passivo produzido qualquer prova material que permita aferir da natureza intrínseca do gasto, ou da sua consentaneidade para com a atividade negocial, não é possível aferir do caráter normal face à atividade desenvolvida”;

- “os pagamentos são adequados ao valor real dos serviços prestados (...) desde que os rendimentos compensem os respetivos gastos, isto é, que os rendimentos obtidos são de tal monta que justificaram o respetivo encargo, e o serviço inerente ao gasto foi efetivamente realizado”.

                Ora, e desde logo, quer um quer outro dos critérios enunciados, são inábeis para aferir da verificação dos pressupostos em questão.

                Com efeito, e no que diz respeito ao caracter não anormal, o mesmo não se verifica, ou não, conforme exista prova material “que permita aferir da natureza intrínseca do gasto”, ou seja, da efectividade das operações.

                No que diz respeito ao caracter exagerado, ou não, o critério enunciado pela AT radica num entendimento muito ultrapassado, pela doutrina e jurisprudência actuais, que reporta a adequação empresarial dos gastos, aos resultados dessa mesma actividade. Ora, como é consabido, a empresarialidade dos gastos, tal como, no que para o caso importa, o caracter exagerado ou não daqueles, dever-se-á aferir no momento em que os mesmos são incorridos, e não no momento em que os ganhos que aqueles têm em vista gerar se verificam (ou não).

Posto isto, e tendo em conta a prova produzida, e os factos dados como provados, haverá que concluir que quer um quer outro dos referidos critérios, se encontram cumpridos.

                Efectivamente, em concreto, apura-se que no ano de 2014 a Requerente obteve vendas cujo valor ascendeu a €7.202.000,00, todas elas, conforme decorre do próprio RIT, a clientes de nacionalidade chinesa.

                Daqui resultará, sem que restem dúvidas razoáveis, que:

- o serviço de angariação de clientes estrangeiros interessados na aquisição de imóveis em ordem a reunir os pressupostos para beneficiaram do regime dos Vistos Gold, à data dos factos tributários, era um serviço habitualmente praticado e utilizado na actividade empresarial a que se dedicava a Requerente, com o objectivo de se alcançar eficazmente os objectivos estatutários; e que

- os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados e a relação custo benefício é apropriada.

                Assim, e no que diz respeito ao primeiro dos aspectos indicados, pode, inclusive, ter-se como facto notório que, nos anos que se seguiram à instituição do regime dos Vistos Gold e, de resto, em consonância com o que foi a intencionalidade subjacente àquela instituição, as empresas que operavam na área do imobiliário se socorreram dos serviços de empresas especializadas na intermediação entre tais empresas e cidadãos estrangeiros interessados na aquisição de imóveis para reunir os pressupostos para beneficiaram do regime dos Vistos Gold.

                No que diz respeito ao segundo dos aspectos indicados, em concreto, estão em causa pagamentos que podem chegar até valores representativos de 17% do preço de venda dos imóveis.

                Ora, quer tendo em conta o valor – igualmente notório – de cerca de 5% praticado pela mediação imobiliária nacional/tradicional, quer tendo em conta os valores praticados pelas referidas empresas de intermediação que surgiram a operar no mercado dos Vistos Gold, que, no caso, se apura atingirem valores até 17%, não se poderá crismar como anormal ou exagerado o valor praticado pelas entidades sediadas em Hong Kong, sobretudo à luz das circunstâncias e do risco inerentes aos serviços em causa, que implicam, por um lado, a prospecção e o acompanhamento de interessados na aquisição do imóveis, provenientes de geografias e contextos culturais muito distantes, e, por outro, o risco próprio de tais serviços apenas serem remunerados no caso da efectiva concretização do negócio e em função do valor deste.

Daí que não se tenham dúvidas que os valores em questão correspondem, no seu contexto, a operações normais e não têm carácter exagerado.

                Repristinando o quanto se escreveu no já referido acórdão arbitral proferido no processo 198/2017T:

“Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela B… não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela B… (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).

Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.

Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior

Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava previsto que o processo de construção e venda dos imóveis estivesse concluído até 2010, cinco anos após o início do processo de construção, e ainda não os tinha conseguido vender até 2013 e 2014, devido à situação de crise económica e financeira que afectava Portugal.

A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, quer à B…, que não as aceitava, nem a outros prestadores de serviços de angariação, pois nenhum lhe proporcionava clientes que pagassem os preços de venda que a Requerente pretendia para si obter.

Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior.

A razoabilidade dos pagamentos efectuados à B… é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à B… acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.

Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à B… não foram anormais nem exagerados.”

                Como se refere no aresto transcrito, julga-se que a aferição do carácter normal e não exagerado das operações se deve reportar ao caso concreto, tendo em conta a situação específica em que tais operações se realizaram, não se podendo formular “tabelas” ou fórmulas a priori, que excluam mecanicamente determinados tipos de operações do âmbito da razoabilidade, ou as remetam para o plano do exagero.

                No caso, as comissões em questão surgem no cenário de crise económica aguda, em que o mercado estava, praticamente, parado, e em que os serviços remunerados por aquelas comissões aportam um significativo valor acrescentado ao produto vendido, desde logo, e no caso, por permitirem a sua venda, libertando fundos para a redução do passivo e correspondentes encargos financeiros associados.

                Por outro lado, sendo o serviço pago, unicamente, em função do resultado, verifica-se um risco acrescido para o prestador, que tem de suportar – notoriamente – custos avultados para trazer clientes “do outro lado do mundo”, e uma segurança adicional para o adquirente dos serviços, que apenas se constitui na obrigação de pagar, tendo assegurado o retorno decorrente da concretização das suas vendas, sendo de notar, ainda, que a actividade em questão permitia acomodar o custo adicional, assegurando uma margem de lucro para o vendedor.

                Por fim, no caso não se detecta, nem é substanciado pela AT, qualquer indício concreto de fraude ou evasão fiscal.

                Daí que se deverão considerar dedutíveis para efeitos fiscais as comissões pagas às entidades com sede em Hong Kong, e que os correspondentes pagamentos não estão sujeitos a tributação autónoma, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

                Deste modo, e em face de todo o exposto, julga-se que, na parte ora em causa, enferma o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo por isso ser anulado, e procedendo consequentemente, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

                Face a todo o exposto, deverá proceder totalmente o pedido arbitral formulado, relativamente:

a)            Ao imposto liquidado decorrente da não consideração como gastos dedutíveis dos pagamentos efectuados às entidades com sede em Hong Kong;

b)           Ao imposto relativo à tributação autónoma aplicada aos pagamentos efectuados às entidades com sede em Hong Kong; 

Consequentemente, deverão ser anuladas as liquidações de imposto e juros correspondentes, bem como a decisão da reclamação graciosa que manteve os referidos actos tributários.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., referente ao exercício de 2014, no valor de €699.631,76, de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor de €21,25 e n.º 2017..., no valor de €54.115,47, e da demonstração de acerto de contas n.º 2017... da qual resulta o valor a pagar de €707.090,56.

b)           Anular, consequente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve os referidos actos de liquidação, ora anulados;

c)            Condenar a Requerida em custas nos termos abaixo fixados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 707.090,56, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 10.404,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Agosto de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

 

O Árbitro Vogal

(A. Sérgio de Matos)