Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 569/2017-T
Data da decisão: 2018-04-05  IRS  
Valor do pedido: € 14.514,62
Tema: IRS- União de facto; identidade de domicílio fiscal; correcções respeitantes à desconsideração da união de facto; artigo 14º do Código do IRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte fiscal nº ... e B..., contribuinte fiscal nº ... (doravante designados por Requerentes ou Sujeitos Passivos) ambos residentes na Rua ..., nº..., ..., ...-... ..., concelho de Sintra, apresentaram em 2017-10-30 pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e artigo 10º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de nulidade dos actos de liquidação de IRS nºs 2017 ... e 2017 ..., ambos relativos ao exercício de 2014, no montante global de 14.508,05 €.[1]

 

2.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 2017-10-30.

 

3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4.Em 2017-12-21 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

5.O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2018-01-11, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6.Devidamente notificada para tanto, em 2018-02-08 a Requerida procedeu à apresentação da sua resposta e à junção do processo administrativo.

 

7.Por despacho arbitral proferido em 2018-02-09 foram notificados os Requerentes para se pronunciaram sobre a questão prévia suscitada pela AT quanto ao valor do pedido arbitral e prestaram esclarecimentos quanto à correcta identificação das liquidações subjacentes.

 

8. Com data de 2018-02-16 os Requerentes vieram pronunciar-se sobre a questão prévia em questão, prestaram os esclarecimentos solicitados, procedendo ainda à junção de dois documentos (nºs 9 e 10), correspondentes às demonstrações de liquidação de IRS dos Requerentes.

 9.Em 2018-02-26 foi proferido despacho arbitral onde, pelas razões que do mesmo constam, foi, para além do mais; (i) dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, (ii) dispensada a apresentação de alegações, e (iii) indicada como data limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes o dia vinte e seis de Abril de dois mil e dezoito.

 

10.A fundamentar o seu pedido, os Requerentes, invocaram em síntese, e com relevo para o que aqui importa o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

                                                                                                        

10.1.(…) vivem em união de facto desde o início de 2010 (cfr. artigo 1º do pedido de pronúncia arbitral),

 

10.2. (…) da citada união nasceu em 26 de Junho de 2010, uma filha C..., NIF ... (cfr. artigo 2º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com o mesmo junto),

 

10.3. Só em Janeiro de 2014 é que os Requerentes passaram a ter o mesmo domicílio fiscal (…) na Rua ..., nº ... (anterior Lote ...) ..., ...- ... ..., concelho de Sintra, onde ainda hoje residem com a sua acima citada filha (cfr. artigo 4º do pedido de pronúncia arbitral)

 

10.4. (…) em 30 de Maio de 2015, submeteram a sua Declaração conjunta de IRS relativa ao exercício de 2014, constando da mesma como unidos de facto (cfr. artigo 5º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 2 com o mesmo junto)

 

10.5. Em 03 de Julho de 2015 a Requerida terá instaurado um “processo de divergências” relativamente à declaração conjunta em causa (cfr. artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 3 com o mesmo junto)

 

10.6. Em 28 de Julho de 2015 a Requerida emitiu notificação aos Requerentes, para efeitos do exercício por estes do direito de Audição Prévia (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº4, com o mesmo junto),

 

10.7. Em 29 de Julho de 2015 os Requerentes exerceram junto da Requerida o seu direito de Audição Prévia, procedendo à junção das suas certidões de nascimento e de sua filha, bem como de uma certidão emitida pela Junta de Freguesia de ..., datada de 21 de Julho de 2016 (cfr. artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral e documentos nº 5 e 5 A com o mesmo juntos),

 

10.8. “(…) em 14 de Março de 2017 foram os Requerentes notificados pela AT de que “não reuniam as condições legalmente exigidas para que lhes fosse aplicado o regime  dos sujeitos passivos  casados, porque não se verificou o mesmo domicílio fiscal nos 2 anos anteriores ao ano a que se reporta a liquidação do imposto” (cfr. artigo 9º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 6 com o mesmo junto),

 

10.9. Tecem ainda os Requerentes no seu pedido de pronúncia arbitral várias considerações de direito, acerca do domicílio fiscal e do regime de tributação em sede de IRS aplicável aos sujeitos passivos unidos de facto,

 

10.10. Peticionando, em conclusão, que seja “declarada a ilegalidade, com a consequente anulação, dos actos tributários de liquidação separada do Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares nº 2017..., de 29.06.2017, e nº 2017..., também de 29.06.2017, ambos relativos ao ano de 2014 (…)” e “A Requerida condenada a devolver aos Requerentes o imposto retido/pago, acrescido de juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (...)”

 

 

11.1 A AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, pugnando pela inexistência de qualquer ilegalidade relativa às liquidações aqui em crise, concluindo, consequentemente, pela improcedência do pedido formulado pelos Requerentes, em consonância, aliás com a posição por si já expressa na resposta a que procedeu em 2017-03-14 (cfr. documento nº 6 junto pelos Requerentes e processo administrativo anexo) relativamente ao direito de audição exercício pelos Requerentes:

 

11.2. Alega assim, em brevíssima síntese, em defesa da sua posição, e para o que aqui releva, que inexiste identidade de domicílio de ambos os Requerentes, que está em causa o dever fundamental de actualização do domicílio no Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes por imperativos de combate à fraude e evasão fiscais que lhe estão associados, que a comunicação do domicílio fiscal é obrigatória e só com esta o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo goza de eficácia perante a AT, que a identidade de domicílio fiscal dos Requerentes só se verificou em 2014,

 

11.3. Para concluir, e em suma, pela não verificação dos pressupostos previstos, quer na Lei nº 7/2011, de 11 de Maio, quer, consequentemente, do artigo 14º do CIRS, por entender desde logo que os Requerentes não viviam, ao tempo das liquidações em causa há mais de dois anos em união de facto,

 

11.4. Não podendo, deste modo, “beneficiar do regime da união de facto, uma vez que não houve a comunicação atempada da alteração da sua residência para que pudesse, em 2014 beneficiar desse regime”.

 

12.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi do artigo 29º, nº 1 alínea a) do RJAT.

 

13.O processo não enferma de quaisquer nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer excepções, inexistindo qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. em 30 de Maio de 2015, os Requerentes submeteram a sua declaração de IRS relativa ao ano de 2014, a que veio a caber a identificação ..., indicando no local para tanto adequado do modelo 3 do IRS, campo 6, como estado civil “unidos de facto”

 

  1. em 03 de Julho de 2015 a AT instaurou um “processo de divergências” com o código D/31, por entender não se verificarem os requisitos legais da união de facto por parte dos Requerentes,

 

  1. através de ofício / notificação com data de 28 de Julho de 2015 foram os Requerentes notificados para o exercício da audição prévia que por estes foi exercido em 29 de Julho de 2015, nos termos que constam do documento nº 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral,

 

  1. através do nº ... ofício datado de 2017-03-03, a AT notificou os Requerentes da sua intenção de desconsiderar os esclarecimentos prestados quanto à situação de unidos de facto,

 

  1. com data de 2017-06-29 a AT emitiu aos Requerentes as notas de liquidação nºs 2017 ... e 2017 ... (documentos nºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral),

 

  1. desde 20-11-2012 que os Requerentes vivem em união de facto (documento nº 5- A junto pelos Requerentes),

 

  1. os Requerentes só têm o mesmo domicílio fiscal sito na Rua ... (anterior Lote ...), ..., em ..., concelho de Sintra, a partir de Janeiro de 2014,

 

  1. em 2017-10-30 os Requerente apresentaram junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral e pronúncia arbitral, que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Inexistem com relevo para a decisão quaisquer outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dado como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º nº 2 do CPPT, e nº 3 do  artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi do artigo 29º, nº1 alíneas a) e ) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B. DO DIREITO

 

Do valor da causa

 

- Veio a AT suscitar a questão do valor do pedido arbitral sustentando que o mesmo deverá fixar-se em 1.949,35 €, em resultado da soma dos valores a reembolsar de 449.38 € e 1.499,97 €, respectivamente quanto ao Requerente A... (NIF...) e à Requerente B... (NIF  ...), com referência às demonstrações de liquidação de IRS que lhes foram dirigidas.

Notificados por despacho arbitral de 2018-02-09 para se pronunciarem sobre essa e outras questões, vieram os Requerentes dizer que nos presentes autos não peticionam a anulação dos “valores a reembolsar”, outrossim a “declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação em separado do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2017..., de 29.06.2017, e nº 2017..., também de 29.06.2017, ambos relativos ao ano de 2014 (…)”, tendo ainda procedido à correcção do valor do pedido arbitral de 14.514,62 € para 14.508,05 €, e prestado esclarecimentos relativos à correcta identificação das liquidações de IRS que põem em causa.

 

Determina o disposto no nº 1 do artigo 296º do Código de Processo Civil, ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, prevendo, por seu turno o artigo 97º A) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que “os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais  tributários, são as seguintes: a) quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.

Não subsistirão quaisquer dúvidas que os Requerentes com a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, pretendem a declaração de anulação das liquidações de IRS, sendo inequívoca nesse sentido a parte final da sua peça; [seja] “declarada a ilegalidade, com a consequente anulação dos actos tributários de liquidação separada do Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares nº 2017 ... de 29.06.2017, e 2017 ..., também de 29.06.2016, ambos relativos ao ano de 2014 (…)”

Sendo o valor das liquidações em causa o supra referido e corrigido do montante de 14.508,95 € é esse o valor da utilidade económica do pedido que se fixa face ao disposto ao aplicável artigo 306º do Código de Processo Civil e, que consequentemente determina, face aos normativos supra indicados, o valor da causa no presente processo, inexistindo qualquer razão à AT, quanto ao pedido de alteração do valor que expressamente peticiona.

 

Do mérito

 

Numa primeira abordagem, a questão central que é objecto do processo a que cabe responder, face à posição e argumentos apresentados pelas partes, reconduz-se em determinar da relevância da identidade do domicílio fiscal dos sujeitos passivos unidos de facto, durante o período legalmente exigido, para efeitos de aplicação do regime tributário em IRS nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

Dito de outra forma, a questão dirimenda consiste em saber se os Requerentes poderiam na declaração modelo 3 de IRS, com referência ao ano fiscal de 2014, ter indicado como estado civil “unidos de facto” e, em consequência tributados em sede de IRS pelo regime aplicável aos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, de conformidade ao estatuído no artigo 14º do CIRS, apesar de não se encontrarem registados no Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes da AT com o mesmo domicílio fiscal, nos dois anos anteriores tal como se prevê no nº 2 do artigo 1º da Lei nº 7/2001 de 11 de Maio.

 

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O quadro normativo, à data dos factos subjacentes, que a questão suscita recorta-se como segue, e no que aqui releva:

 

Artigo 19º da Lei Geral Tributária

 

“1. O domicílio fiscal do sujeito passivo, é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual:

(…)

1.É obrigatória, nos termos de lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

 

2.É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária (…)”

 

Determinando o artigo 14º do CIRS (na redacção à data):

 

Uniões de facto

“1. As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

 

2. A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.

 

3. No caso de exercício da opção prevista no nº 1, é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 13º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias”.

 

Por outro lado, ainda há que ter em consideração, o que ao tempo (2014-12-31) dispunha a lei de protecção das uniões de facto – Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, nomeadamente nos seus artigos 1º, 2º A) e 3º nas versões aos mesmos introduzidas pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto;

Artigo 1º

Objecto

“2. A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”

 

Artigo 2º-A

Prova da União de Facto

 

“1. Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.

 

2. No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles”

 

Artigo 3º

Efeitos

“As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a […]

]

d) Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens”

 

A questão em análise foi já alvo de várias decisões no âmbito da arbitragem tributária, nomeadamente, entre outros, nos processos 143/2017- T de 2017-10-20, 11/2017- T de 2017-08-24, 547/2016-T de 2017-04-03, 413/2016-T de 2017-01-10, 773/2015 de 2016-05-03, 564/2015-T de 2016-05-17, 304/2015-T de 2016-01-14,  497/2014-T de 2015-03-06

 

Nos processos assinalados (de entre outros) estava em causa fundamentalmente, tal como no presente, o incumprimento e/ou a inverificação por parte dos unidos de facto da  “identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos”.

 

A AT relativamente a este segmento ancora-se no dever fundamental de actualização do domicílio fiscal, que impende sobre os sujeitos passivos, face ao disposto no artigo 19º da LGT, invocando a sua ineficácia enquanto a mesma não for comunicada à Administração Fiscal, no âmbito do estatuto tributário da união de facto, com obvia desconsideração em sede do estatuto tributário dos “unidos de facto”.

 

No caso sub judice vem a concluir que “os Requerentes não poderiam beneficiar do regime da união de facto, uma vez que não houve a comunicação atempada da alteração da sua residência para que pudessem em 2014 beneficiar desse regime”, retomando-se aqui a afirmação dos Requerentes que vivem em união de facto desde inicio de 2010 mas que somente em Janeiro de 2014 passaram a ter o mesmo domicilio fiscal.

 

Poder-se-á então sintetizar, para o que aqui importa, que a Administração Fiscal tem vindo a pugnar pelo entendimento de que a exigência de identidade de domicilio fiscal dos sujeitos passivos, durante o período legalmente exigível, enquanto pressuposto formal do estatuto tributário da união de facto, que se fundamenta no dever de actualização de dados dos contribuintes, afigura-se adequada às funções de controlo da Administração Tributária, sem violar os limites impostos pela constituição fiscal, incluindo o princípio da proporcionalidade.

É esta em síntese a posição que a AT tem vindo a considerar a respeito do segmento em causa.

Contudo, e como se deu já conta nomeadamente no âmbito das decisões arbitrais tributárias proferidas no âmbito dos processos 11/2017-T de 24/08/2017 e 143/2017-T, de 21/10/2017 não tem sido este o entendimento de várias decisões arbitrais e da jurisprudência das instâncias.

 

No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/11/2016, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Aragão Seia (processo nº 0761/15) pode ler-se:

 

“As exigências vertidas no artigo 14º, nº 2 do CIRS, indicação de uma morada comum e da assinatura conjunta da declaração de rendimentos, apenas podem ser vistas como requisitos formais que facilitam a prova perante a AT da referida união de facto e, caso os interessados não cumpram tais exigências, incumbe-lhes fazer a prova, por qualquer meio, de que podem efetivamente beneficiar do regime próprio das uniões de facto”.

 

“O incumprimento do disposto no artigo 14º, nº 2 do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos, não impedia os interessados de optar pelo regime da tributação própria dos contribuintes unidos pelo casamento”.

 

Em sentido idêntico, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08/19/2015, relatado pela Exma. Senhora Desembargadora Cristina Flora (processo nº 06685/13):

 

“Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança da domicílio fiscal prevista no art. 19º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressuposto de “habitação permanente” o nº 5 do art.10º do CIRS a não comunicação do domicilio fiscal”

 

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07-04-2011, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador José Correia, no âmbito do processo nº 04550/11:

 

I. O conceito de domicilio fiscal estatuído no disposto no artigo 19º da LGT, nomeadamente no seu nº 1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e cumprimentos dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82º do C.C., embora ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direito e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no artº 59º da LGT”

 

II- O domicílio dos contribuintes pode e deve ser rectificado oficiosamente com base nos elementos que estavam ao dispor  da administração tributária em observância do disposto no nº 6 do referido normativo porque se trata exactamente disso: de um poder - dever, destinado antes de mais a proteger a verdade tributária em concretização também do dito princípio da colaboração consagrado no artº 59º da LGT”.

 

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Se como vimos de dizer a não identidade de domicílio fiscal não afasta de per si para os unidos de facto a aplicação do regime previsto no artigo 14º do Código do IRS, afigura -se- nos todavia necessária para além da óbvia assinatura da declaração de rendimentos por ambos os sujeitos passivos, e indicação no campo para tanto adequado no modelo 3 da declaração do IRS “unidos de facto” a existência  da união de facto.

Neste segmento afirmam os Requerentes e como já sinalizado, que “vivem em união de facto desde o início de 2010 (cfr. artigo 1º do pedido de pronúncia arbitral), e que “só em Janeiro de 2014 é que os ora Requerentes passaram a ter o mesmo domicílio fiscal” (cfr. artigo 4º do pedido de pronúncia arbitral).

No exercício do seu direito de audição prévia em resultado de a AT ter entendido o não cumprimento dos requisitos previstos no artigo 14º do CIRS, mormente a “união de facto” os Requerentes procederam à junção das suas certidões de nascimento e da filha C..., bem assim como de uma “justificação administrativa”, emitida pela Junta de Freguesia de ..., do concelho de Sintra,  consubstanciada no documento número 5 A junto com a petição inicial, onde, para alem do mais é afirmado que os Requerentes vivem “em situação de união de facto desde 20-11-2012”

 

Pois bem;

 

Revisitando a Lei nº 7/2001, de 11 de Maio e para efeitos de prova da união de facto, determina o nº 2 do artigo 2º A) aditado pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto:

 

“No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles”.

 

Aqui chegados, a questão que urge apreciar e decidir é a de saber-se, se os documentos juntos pelos Requerentes (quer nos presentes autos quer no âmbito do processo administrativo anexo) bem como a declaração /  exposição (documento nº 5) pelos mesmos emitida, e subscrita em 28 de Julho de 2015, apenas pela Requerente B..., satisfazem o desiderato contido no citado artigo 2º -A da Lei 7/2001, de 11 de Maio.

 

Embora o tribunal não seja insensível às observações tecidas pela AT quanto à prova documental apresentada pelos Requerentes, concernente à sua união de facto, (em particular, assento de nascimento de C..., e “justificação administrativa” emitida pela Junta de Freguesia de ...), a verdade é que não se vislumbram razões sérias para por em dúvida a declaração emitida pela entidade administrativa em causa tanto mais que de acordo com os seus dizeres, fundamentou-se a mesma em “prova documental e testemunhal as quais se encontram arquivadas neste Junta”.

Coisa diferente é a ausência da “declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos (….)” prevista na parte final do nº 2 do artigo 2º -A da Lei 7/2001, de 11 de Maio (na versão actualizada)

Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que tal declaração, e fundamentalmente a declaração sob “compromisso de honra” para além do seu carácter eminentemente formal tem a ver com a responsabilidade e ocorrência no crime de falsas declarações (artigo 256º do Código Penal) dos sujeitos passivos quando afirmam viver em união de facto, não correspondendo essa afirmação à verdade.

 Em nosso entender, e na esteira da posição que se subscreve quanto ao carácter de  relatividade quanto à da verificação da identidade de domicilio que supra se deixou antever, a declaração  em causa, constituirá uma formalidade ad probationem, entendida esta como passível de ser suprida por outros meios de prova, e de carácter instrumental e acessório, uma vez que sempre se facultaria, perante o disposto no nº1 do artigo 2º -A do artigo da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio a prova da união de facto “por qualquer meio legalmente admissível”.

 

Renovando-se que não se vislumbram quaisquer motivos que abalem a credibilidade da declaração emitida pela Junta de Freguesia de ..., haverá que considerar que, pelo menos desde 20/11/2012 os Requerentes vivem em união de facto, entendendo este Tribunal Arbitral Singular, à semelhança do que já foi dito no âmbito do processo nº 142/2017-T de 2017/07/10, do CAAD, que tal facto se revela juridicamente mais relevante do que a falta de participação à AT da identidade de domicílios fiscais.

Assim sendo, os actos de liquidação objecto do presente processo, assentam em erro nos seus pressupostos de facto e de direito, devendo, em consequência ser anulados.

 

 III- DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.”

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade”  para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser fundamentalmente um processo de anulação de actos tributários admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como decorre do artigo 43º, nº 1 da LGT, em que se estabelece no seguinte sentido: “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61º, nº 4 do CPPT ( na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro) no sentido de que “se a decisão reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.”

 

Face ao que vem dito, o nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

 

No caso subjacente é manifesta a ilegalidade dos actos tributários que afectam as liquidações, cujos valores deverão ser devolvidos acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.

 

 

IV- DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

(i). julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral declarando-se a ilegalidade dos actos de liquidação de IRS relativos ao ano de 2014, com os nºs 2017... e 2017..., com a sua consequente anulação,

 

(ii) condenar a AT à restituição do valor do IRS indevidamente pago ou retido e ao pagamento dos juros indemnizatórios a calcular sobre este,

 

(iii) condenar a Requerida ao pagamento das custas do processo.

 

 

V- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º- A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 14.508,05 €.

 

VI- CUSTAS                        

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 918.00 €.

 

NOTIFIQUE-SE

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

Cinco de Abril de dois mil e dezoito

 

 

O árbitro

 

 

(José Coutinho Pires)

 

 



[1] Os valores das liquidações, bem como a identificação, diferentes dos referidos no pedido de pronúncia arbitral, resultaram de rectificação a que os Requerentes procederam, em resultado de esclarecimento solicitado pelo tribunal.