Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 566/2019-T
Data da decisão: 2020-05-08  IMI  
Valor do pedido: € 159,96
Tema: IMI – Isenção – Imóveis Classificados/Património Histórico
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - Relatório

A..., NIF..., residente na Rue ..., ..., Suiça, representado por B...,  domicílio na Rua ..., nº..., hab. ..., ...-... Porto,  solicitou a constituição de tribunal arbitral nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT);

 

Vem o Requerente solicitar a apreciação da legalidade do ato tributário respeitante à liquidação do IMI de 2018, referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ..., ..., ..., ... e ..., sob o artigo ...-B, fração “B”, do Porto, constante do documento para pagamento com o nº 2018..., de 2019/03/23, no valor de 159,96€;

 

Por entender que a identificada liquidação não foi realizada de acordo com a lei, pretende que o Tribunal, reconhecendo as ilegalidades que aponta à liquidação, a anule e ordene a restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento.

 

Como fundamento do seu pedido, alega, sumariamente o seguinte:

  1. O Requerente considera que o ato de liquidação de IMI que identificou enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito imputável à Requerida.
  2. De conformidade com o Estatuto dos Benefícios Fiscais, os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável, estão isentos de IMI.
  3. O Ministério da Cultura, ao abrigo da Lei de Bases do Património, atribuiu ao chamado Centro Histórico do Porto, a classificação de monumento nacional integrado na lista do Património Mundial da Unesco, em 05/12/1996, uma vez que se trata de um aglomerado urbano que corporiza um conjunto com interesse cultural que demarca uma concreta circunscrição geográfica da cidade do Porto.
  4. Efetivamente, o prédio em causa nos autos está situado na União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e. .., que, por sua vez, constitui uma parte integrante desse conjunto urbano de interesse público que se denomina Centro Histórico do Porto.
  5. Contrariamente ao que entende a Autoridade Tributária, a isenção de IMI conferida ao abrigo do art.º 44º do EBF é conferida aos imóveis aí situados porque não envolve a necessidade de se atribuir a classificação individual a cada imóvel, mas sim ao aglomerado urbano que corporiza um conjunto de interesse cultural.
  6. Assim, não é coincidente o conceito de bem imóvel para efeitos de classificação patrimonial com o conceito jurídico de imóvel, enquanto prédio rústico ou urbano.
  7. Deste modo, a expressão de prédio jurídico individualmente classificado, por referência à lei de Bases do Património, deve ser interpretada como monumento, conjunto sítio ou conjunto urbano.
  8. Esta interpretação obriga ao reconhecimento da ilegalidade da liquidação de IMI impugnada porquanto para poder beneficiar da isenção o prédio aqui em causa basta estar situado no conjunto patrimonial que foi classificado com Centro Histórico do Porto sem necessidade de individualmente lhe tenha sido reconhecida essa característica.
  9. Na verdade, é por demais evidente que a classificação individual de imóvel para efeitos da isenção de IMI, referida no art.º 44º do EBF, deve ser interpretada como tratando-se de monumento, sítio ou conjunto urbano, pelo que o mesmo será dizer que a fração B do artigo urbano ... da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., sita no aglomerado urbano classificado como Centro Histórico do Porto, deve ser considerado como imóvel de interesse público e como tal abrangido pelo benefício fiscal de isenção de IMI.

 

No dia 28 de agosto de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

O Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

 

Nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi o signatário designado Árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a sua aceitação do encargo no prazo estipulado.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 14 de novembro de 2019, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

A Requerida apresentou a sua Resposta em 12 de dezembro de 2019, onde se defendeu por exceção e impugnação.

 

O Requerente foi notificado em 13/12/2019 para se pronunciar, querendo, sobre a exceção suscitada pela AT, mas nada disse.

 

Por Despacho proferido em 0/02/2020, foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o artº 18º do RJAT, convidando-se as partes para apresentarem alegações escritas em 15 dias, tendo apenas a AT usado dessa faculdade, apresentando alegações em 21 de fevereiro de 2020.

 

Respondendo ao pedido arbitral, a Autoridade Tributária alegou o seguinte:

  1. O requerente solicita a anulação do ato de liquidação, contudo o valor impugnado é o valor da nota de cobrança e não o valor do ato de liquidação.
  2. Pelo que não é claro se o Requerente vem impugnar a nota de cobrança ou o ato de liquidação de IMI, o que determina a nulidade do pedido de pronúncia arbitral e consequente absolvição da Ré da instância, nos termos dos artºs 278º, 576º nº2 e 577º do Código de Processo Civil ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT.
  3. Por outro lado, o Requerente, no entender da AT, devia ter provado que o imóvel aqui em causa está classificado como monumento nacional porque de tal classificação e da prova depende o reconhecimento do direito à isenção de IMI, nos termos da alínea n) do art.º 44º do EBF.
  4. É a lei que determina quais os meios de prova exigíveis, nomeadamente o nº 5 do mesmo preceito, pelo que não é suficiente a apresentação de uma declaração emitida pela Câmara Municipal.
  5. Só a declaração emitida pela Direção-Geral de Património Cultural que comprove a classificação do prédio como imóvel de interesse nacional, com a designação de «monumento nacional», determina o averbamento da isenção prevista na alínea n) do nº 1 do art.º 44º do EBF.
  6. Aliás o Requerente não justifica o motivo pelo qual não entregou junto da AT o certificado da classificação cultural dos imóveis aqui em causa emitido pela Direção Regional de Cultura.
  7. Assim, não tendo o Requerente apresentado o certificado previsto na lei, não pode haver lugar ao reconhecimento da isenção, por falta de prova, mantendo-se na ordem jurídica perfeitamente válidos o ato impugnado.
  8. Acresce ainda que, a interpretação segundo a qual todo e qualquer prédio, apenas e só por se encontrar localizado no interior do perímetro, quer de um conjunto classificado quer de uma paisagem cultural, se encontra, também ele, individualmente classificado e apto a beneficiar da isenção de IMI, por força do artigo 44.º/1-n) do EBF, em articulação com o artigo 15.º, n.os 3 e 7, da LBPC, e com o artigo 3.º/3 do Decreto-Lei 309/2009, ofende princípio da igualdade tributária previsto no artigo 13.º da CRP pois este entendimento de concessão de isenção fiscal coletiva, não atende ao facto de, no interior do conjunto patrimonial, existirem realidades desprovidas de qualquer valor patrimonial cultural.
  9. Este entendimento traduz-se numa intolerável quebra da igualdade tributária, uma vez que acaba por considerar totalmente isentas de IMI realidades não só perfeitamente distintas entre si, como ainda realidades que nem o próprio legislador do património cultural quis, alguma vez, ver classificadas, in extremis, uma roulotte estacionada no centro de Évora durante 5 anos – e que, por isso, constituem prédios fiscais à luz do artigo 2.º do CIMI –, seria considerada um monumento nacional e estaria isenta de IMI à luz do artigo 44.º/11-n) do EBF e do artigo 15.º, n.ºs 3 e 7, da LBPC.
  10. Razão pela qual não pode de algum modo proceder a propagação da classificação patrimonial a toda a universalidade de bens num determinado perímetro sem atender a critérios de valoração patrimonial e cultural.
  11. De tudo quanto supra se expôs resulta claro que o ato tributário em crise é válido e legal, porque conforme ao regime legal em vigor à data do facto tributário, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.
  12. É inegável que a Requerida se limitou a dar cumprimento ao CIMI e a emitir a liquidação tendo por base a informação matricial existente à data, pelo que também por aqui necessariamente terá de falecer o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
  13. Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios

 

II - Matéria de facto

 

II. 1 Factos Provados

 

  1. Para o que aos autos diz respeito, verifica-se que o Requerente tem inscrito em seu nome um imóvel urbano averbado na matriz predial da União das Freguesias de..., ..., ..., ... e..., do Porto, sob o artigo..., fração “B”;
  2. O Serviço de Finanças de Porto-... liquidou, com referência ao ano de 2018, IMI no valor de 159,96€, sobre um valor patrimonial tributário de 49 370,00€;
  3. Este prédio urbano fica situada no conjunto designado por Centro Histórico do Porto (Doc. 3)
  4. O Requerente juntou à sua petição inicial, a Documento de Cobrança do IMI de 2018 relativa ao seu património imobiliário, no qual consta a liquidação atinente ao artigo matricial aqui em apreciação.
  5. Vem documentado (doc 5) pelo Requerente que procedeu ao pagamento de 315,48€, em 16/05/2019, o que correspondente ao pagamento integral da nota de liquidação do IMI relativo a todo o património imobiliário, onde se inclui a coleta relativa ao imóvel aqui em causa.
  6. Encontra-se provado ainda que o Requerente solicitou à Câmara Municipal do Porto uma certidão “que ateste que a fração identificada, beneficia da classificação de imóvel de interesse público;
  7. A Câmara Municipal, como resulta do doc. 2, confirma que a fração em causa faz parte de um imóvel localizado no conjunto designado Centro Histórico do Porto, incluído na lista do «Património Mundial» pela Unesco a 5 de dezembro de 1996 («Relatório da 20ª Sessão do Comité do Património Mundial), conforme o Aviso nº 15173, constante do DR. nº 147, II Série, de 30/07/2010, que a legislação Portuguesa reconhece como «Monumento Nacional»
  8. Todavia, como se observa no mesmo documento, a Câmara Municipal do Porto declarou-se incompetente para emitir uma certidão que ateste que a fração em causa beneficia da classificação de imóvel de interesse municipal, referindo serem competentes para o efeito os serviços da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) ou a Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), uma vez que o imóvel está abrangido por classificação de valor supramunicipal.

 

 

II. 2 Factos não provados

 

  1. Não se encontra provado que o Requerente esteja de posse de certidão passada pela DGPC ou pela DRCN, em 2018, nem que, existindo essa certidão, ela tenha sido apresentada junto do Serviço da AT competente para a liquidação do IMI relativamente à fração acima identificada, o Serviço de Finanças de Porto – ... .
  2. Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que também não se encontrem provados.

 

 

II . 3 Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º nº7 do CPPT, da prova documental trazida aos autos consideram-se provados, com relevo para decisão, os factos acima elencados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III – DO DIREITO

 

III. 1 Questão prévia – exceção

 

Veio a Requerida alegar a existência de nulidade do pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, pedir a absolvição da Ré da instância tendo em conta que a Requerente solicita a anulação do ato de liquidação, contudo o valor impugnado é o valor da nota de cobrança e não o valor do ato de liquidação.

Deste modo não é possível saber com clareza se o requerente vem impugnar a liquidação ou a nota de cobrança.

Com efeito, segundo a PI, o Requerente interpõe pedido de pronúncia arbitral do ato tributário de IMI, referente ao período de 2018, cuja identificação é a liquidação constante do documento nº 2018..., com o valor de 157,00€.

Ao mesmo tempo respalda este pedido com a junção da Nota de Cobrança que constitui o doc 1, onde efetivamente se diz que pode ser pago em Maio o valor de 157,00€, com a indicação de que se trata da 1ª prestação.

Por outro lado, constata-se desta Nota de Liquidação e Cobrança, que esta 1ª prestação corresponde ao valor do IMI total devido pelo sujeito passivo no ano de 2018, mas que inclui, sem margem para dúvidas, o imposto referente ao prédio aqui em causa, cuja coleta total anual apurada será de 159,96€.

Sabemos por intermédio da documentação junta que este efetuou o pagamento integral da Nota de Cobrança (doc. 5), no montante de 315,48€, montante onde estão incluídos os referidos 159,96€.

Por outro lado, a final, o Requerente solicita o reembolso da importância de 157,74€, acrescidos de juros indemnizatórios e não solicita a devolução do imposto total que pagou e que corresponde ao montante da nota de cobrança, o que, obviamente, dá perfeitamente para entender que o pedido arbitral respeita apenas à liquidação do imposto referente à fração B, do artº ... que consta da última linha do documento.

Além do mais, o documento de cobrança é isso mesmo, é um documento onde se dá conhecimento ao contribuinte do montante de cada uma das liquidações que foram efetuadas pela AT relativamente a todos os prédios de que ele é proprietário e que não estejam isentos, devidamente afetos a cada um dos concelhos onde eles se situarem, ou seja, pode conter informação relativa a mais do que uma liquidação, como é o caso.

Logo o documento de cobrança não é impugnável, mas tão só as liquidações individuais dele constantes, donde, nunca se pode pôr em questão a existência de qualquer nulidade com a natureza da que foi invocada pela AT, tanto mais que, in casu, nós sabemos qual é a liquidação a sindicar.

Embora não corretamente expresso no que se refere ao montante, até porque o imposto liquidado correspondente à fração em causa é 159,96€, todo a análise fáctica e jurídica decorre ao redor o prédio sito no Centro Histórico do Porto, pelo que não se pode transformar um lapso manifesto, que no entender do Tribunal só pode ter relevância para efeitos de valor do processo, e, eventualmente, em prejuízo na restituição de 2,22€, em nulidade que conduza à absolvição da instância.

Improcede, pois, a exceção suscitada.

 

III. 2 DO MÉRITO DO PEDIDO

 

Aqui chegados, a questão a decidir consiste em saber se o ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativo ao ano de 2018 é ou não ilegal.

Atendendo aos factos provados, confirma-se que o prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ..., ..., ..., ... e ..., sob o artigo..., fração “B”, do Porto, é um imóvel classificado “Monumento Nacional” em decorrência de estar inserido no conjunto designado por “Centro Histórico do Porto”, que foi considerado Património Mundial pela UNESCO em 1986. Por esse facto, tal prédio reúne os pressupostos estabelecidos na lei para usufruir da isenção de IMI consagrada na alínea) n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF?

O que diz o normativo citado:

“1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis:

n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável”.

 

A questão aqui sindicada não é nova e tem sido regularmente apreciada pelos Tribunais Judiciais e mesmo pelo CAAD, sendo esmagadoramente maioritárias as decisões que apontam como beneficiando da isenção contemplada no artº 44º do EBF todo o prédio que esteja integrado num conjunto ao qual tenha sido atribuída a classificação de Património Mundial da Unesco, secundada pela atribuição pela legislação nacional, concomitantemente, da classificação de monumento nacional ( vide, por exemplo os Ac. do CAAD constantes dos Proc. 325/2014-T, Proc.76/2015-T, Proc. 33/2016-T, Proc. 98/2016-T, Proc. 379/2016-T. Proc. 534/2016-T, Proc. 46/2017-T, Proc. 468/2018-T, Proc. 470/2018-T, Proc. 471-2018T, Proc. 643/2018-T, Proc. 77/2019-T, e toda a jurisprudência arbitral e judicial aí citada).

Não vemos razão para discordar, antes apoiar a tese jurisprudencial maioritária que já é bastante antiga.

A AT tem defendido que não é o facto de um prédio estar integrado num conjunto declarado monumento nacional que, só por si, confere a esse imóvel o direito a beneficiar da isenção do artº 44 do EBF. Só nos casos de essa classificação ser atribuída individualmente se pode considerar a verificação dos requisitos previstos nesse artº 44º do EBF.

Por outro lado, a AT tem ainda complementado a defesa da sua posição com a invocação de que, a não ser assim, estar-se-iam a violar os princípios constitucionais “(i) da igualdade tributária, (ii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) da proporcionalidade, (v) da autonomia local e (v) da participação na decisão, (vii) além de inconstitucionalidade orgânica”.

 

No presente processo a posição defendida alterou-se para se entender que “a questão em apreço nos presentes autos consiste em saber se o Requerente fez prova, pelos meios prova legalmente exigíveis de que o imóvel de que é proprietário está classificado como monumento nacional. De tal classificação e da prova que da mesma for feita depende o reconhecimento do direito à isenção de IMI nos termos do artigo 44.º alínea n) do EBF”.

 

 

Com efeito e com interesse para o objeto do presente litígio, acompanhamos a jurisprudência resultante da decisão do TCA Norte, proferidos no Proc n.º 00134/14.42BEPRT, de 07.12.2016, cujo sumário deste último refere:

«1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. Artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

2 - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.

3 - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.»

Assim, tratando-se de um imóvel sito no Centro Histórico da cidade do Porto, legalmente qualificado como monumento nacional, é manifesto que beneficia da referida isenção.

A AT não vem pôr em causa a verificação da situação objetiva de isenção em relação aos prédios inseridos em centros históricos das cidades nos termos referidos, como é o caso do presente processo.

Porém, transferiu a aferição do direito à isenção para requisitos de natureza procedimental que envolvem uma atuação do interessado no sentido de ter de ser ele a provar classificação do prédio como monumento nacional.

Na verdade o nº 5 do artº 44º estabelece que – “As isenções a que se referem as alíneas n) e q) do n.º 1 são de caráter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, do reconhecimento pelo município como estabelecimentos de interesse histórico e cultural ou social local e de que integram o inventário nacional dos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local, respetivamente, a efetuar pela Direção-Geral do Património Cultural ou pelas câmaras municipais, conforme o caso, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados ou reconhecidos e integrados, mesmo que estes venham a ser transmitidos.”

Todavia, o que o preceito determina, sem margem para dúvidas, é que as isenções da alínea n) do nº 1 são de caráter automático e operam mediante comunicação da classificação como monumento nacional a efetuar pela Direção-Geral do património Cultural ou pela Câmara Municipal.

Ou seja, classificado o imóvel com as caraterísticas referidas, compete à Direção-Geral do Património Cultural ou à Câmara Municipal respetiva comunicar aos serviços fiscais que o prédio obteve a referida classificação, e, a estes, procederem ao averbamento para efeitos de IMI.

Não se descortina na lei nenhuma outra obrigação ou procedimento, nomeadamente o que se pretende impor ao proprietário de provar a classificação. Segundo a norma tudo decorre de forma oficiosa.

Além disso, a lei não faz depender da prova por parte do proprietário de que o imóvel foi classificado para que o imóvel tenha benefício fiscal, mas apenas tem por base a atribuição da classificação como monumento nacional e a publicação dela em Diário da República.

Decorre do artº 5º do EBF, que há benefícios fiscais automáticos e há benefícios fiscais dependentes de reconhecimento. Os benefícios automáticos resultam imediatamente da lei, os outros pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.

Assim sendo, e determinando a lei que o benefício da alínea n) do nº do artº 44º do EBF é automático, não se pode pôr em causa a sua atribuição com base em omissão de procedimentos.

Por outro lado, decorre ainda do artº 12º do EBF que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo da AT ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiária, salvo quando a lei dispuser o contrário.

A acolher a tese da AT estava-se a atribuir ao documento a apresentar pelo contribuinte natureza constitutiva do benefício, um procedimento que a lei não prevê.

No caso dos autos, tratando-se de um benefício que, pelos vistos, a AT já não põe em causa mesmo sem a já referida declaração de classificação individual do prédio, o caráter constitutivo advém-lhe da Declaração de classificação publicada em Diário da República que opera depois da sua comunicação pelas entidades competentes para o efeito: a Câmara Municipal ou a Direção-Geral do Património Cultural ao Serviço de Finanças, ainda assim, desde a data em que se verificaram os requisitos, como decorre do citado artº 12º.

Vem dado como provado que a Fração B faz parte de um imóvel localizado no conjunto designado por Centro Histórico do Porto, incluído na lista do “Património Mundial” em 5 de dezembro de 1996, que a legislação portuguesa reconhece como “Monumento Nacional” (Doc 3). É tudo quanto basta para que se deva reconhecer a isenção de IMI ao abrigo da alínea n) do nº 1 do artº 44º do EBF.

Aliás, o procedimento para efeitos de reconhecimento explanados pela Requerida é apoiado na pretensa obrigação de apresentar um Modelo, que juntou aos autos, para que o sujeito passivo “requeira” a isenção por meio de uma certidão da classificação enquadrável no artigo citado.

Não se descortina na lei a referência a nenhum impresso ou pedido que o beneficiário deva formular, o que seria até contrário ao caráter automática atribuído na lei ao benefício, o qual, para operar, está apenas dependente da comunicação pelas entidades referidas, isto é, trata-se de um procedimento oficioso que terá efeitos desde a data em que se verificaram os requisitos para a isenção.

Aliás, da leitura do impresso e das suas instruções, conclui-se mesmo tratar-se de um formulário para solicitar a emissão de certidão para os diversos efeitos assinalados no cabeçalho, que visará facilitar quer o interessado quer os serviços quanto ao pedido em si e quanto à matéria a certificar na certidão.

Nada tem a ver com efeitos constitutivos nem aí se refere que opera como condição para a concessão de benefícios de caráter automático. Ao contrário, da leitura das instruções detetamos que se trata de um requerimento inicial relativo ao procedimento de classificação de bens imóveis.

Mas ainda que assim não fosse, a interpretação que faz a Requerida no sentido de que competia ao beneficiário apresentar uma certidão emitida pela Direção-Geral do Património Cultural para poder obter o reconhecimento do beneficio da alínea n) do nº 1 do arº 44º do EBF, não tem qualquer aderência na lei pois, como expressamente resulta da leitura desse preceito o benefício tem caráter automático que se consubstancia com a classificação, operando logo que seja comunicada a classificação aos serviços da AT competentes desde a data em que se verificaram os respetivos pressupostos.

Improcede, portanto, a pretensão da Requerida que se funda na necessidade de a concessão de isenção estar dependente de um procedimento adicional relacionado com a aprova da classificação do imóvel por parte do beneficiário, porquanto o Requerente fez prova através do doc. 3 - informação da Câmara Municipal e Diário da República - que o prédio aqui em causa foi classificado como monumento nacional e que a lei imputa à DGPC ou à Câmara Municipal a obrigação de comunicação.

 

Alega a AT que, além da impossibilidade de concessão da isenção dada a falta de prova imputável ao sujeito passivo, “… o pedido arbitral sempre deve improceder porque a interpretação segundo a qual todo e qualquer prédio, apenas e só por se encontrar localizado no interior do perímetro, quer de um conjunto classificado quer de uma paisagem cultural, se encontra, também ele, individualmente classificado e apto a beneficiar da isenção de IMI, por força do artigo 44.º/1-n) do EBF, em articulação com o artigo 15.º, n.os 3 e 7, da LBPC, e com o artigo 3.º/3 do Decreto-Lei 309/2009, ofende princípio da igualdade tributária previsto no artigo 13.º da CRP pois este entendimento de concessão de isenção fiscal coletiva, não atende ao facto de, no interior do conjunto patrimonial, existirem realidades desprovidas de qualquer valor patrimonial cultural”.

O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) determina que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente.

Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não obsta a uma lei que adote medidas de criem distinções. Ainda assim, proíbe-se a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional.

Nesta senda é importante relembrar que alguns detentores de direitos reais sobre imóveis estão sujeitos especiais obrigações, como sejam as enumeradas no artigo 21.º da Lei n.º 107/2001, que prevê o seguinte:

“1 - Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados estão especificamente adstritos aos seguintes deveres:

a) Facilitar à administração do património cultural a informação que resulte necessária para execução da presente lei;

b) Conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração;

c) Adequar o destino, o aproveitamento e a utilização do bem à garantia da respetiva conservação.

2 - Sobre os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados incidem ainda os seguintes deveres: a) Observar o regime legal instituído sobre acesso e visita pública, à qual podem, todavia, eximir-se mediante a comprovação da respetiva incompatibilidade, no caso concreto, com direitos, liberdades e garantias pessoais ou outros valores constitucionais; b) Executar os trabalhos ou as obras que o serviço competente, após o devido procedimento, considerar necessários para assegurar a salvaguarda do bem”.

Ou seja, a lei impõe especiais deveres e limitações aos titulares de direitos reais sobre imóveis que sejam classificados, quer se trate de classificação individual, quer o imóvel esteja integrado num conjunto que esteja classificado como “monumento nacional”.

Existe, assim, uma razão objetiva para o tratamento diferenciado entre proprietários de prédios classificados – sujeitos a deveres especiais – e proprietários de prédios não classificados – não sujeitos a tais deveres –, o que justifica o benefício fiscal previsto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

Como se refere no Proc. 77/2019-T do CAAD, esta isenção não é incompatível com o princípio constitucional da igualdade tendo em conta os referidos deveres especiais que impendem sobre os proprietários de imóveis classificados (individualmente ou integrados em conjuntos classificados) e as finalidades que lhes estão, designadamente a de preservação do património.

Daí que a isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF não se revele excessiva nem se possa considerar criadora de desigualdade em relação a outros prédios.

O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio, o que não se verifica neste caso, como resulta dos deveres especiais impostos a estes proprietários, pelo que não obstante as considerações tecidas pela Requerida,  a verdade é que a isenção em causa não se pode considerar arbitrária ou discriminatória já que se fundamenta em situações distintas: os imóveis classificados como “monumentos nacionais” são distintos dos imóveis que não tenham essa classificação. E é assim independentemente da razão pela qual assumem essa classificação.

Assim, só pode considerar-se que a atribuição de isenção aos prédios que estejam localizados no interior do perímetro, quer de um conjunto classificado, não viola nenhum preceito ou princípio constitucional.

Desta forma, uma vez que se encontra provado que a Fração em causa é um imóvel classificado como monumento nacional, e, dado que a isenção decorrente do artº 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não foi tida em conta na liquidação efetuada pela AT relativamente ao ano de 2018, a liquidação impugnada enferma, efetivamente, de vício de violação de lei pelo que procede o pedido arbitral visando a sua anulação.

 

Finalmente, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

 

 

 

IV – DO PEDIDO DE REEMBOLSO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1. Complementarmente, cumula o Requerente o pedido de decisão anulatória com o pedido de condenação da AT no reembolso da importância paga, acrescida dos juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento da coleta até à data da respetiva restituição.
  2. Ora, sobre esta matéria a jurisprudência tem sido pacífica, tendo em conta o artº 43.º da LGT, que determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  3. Considera-se o erro imputável à administração quando o mesmo não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto ou de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
  4. Como é bom de ver, resulta do ato tributário contestado a obrigação de pagamento de um valor de imposto superior ao que seria devido sem o cometimento das ilegalidades apontadas.
  5. Nesta conformidade, enfermando a liquidação impugnada de vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos imputável à Autoridade Tributária, e tendo o imposto sido pago, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante por se encontrarem verificados os requisitos do artº 43º da LGT

 

 

V. DECISÃO

 

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente a invocada exceção;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação do ato de liquidação do IMI de 2018, condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso da coleta paga.
  3. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data de 16/05/2019 do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VI. CUSTAS

 

Indicou o Requerente como valor do processo o montante correspondente ao valor da 1ª prestação a que se refere a Nota de Cobrança que juntou para documentar e identificar a liquidação impugnada, como sendo de 157,74€.

 

Todavia, como referiu a AT, não é esse, efetivamente o valor da liquidação, o qual ascende a 159,96€.

 

De conformidade com o que se encontra estabelecido no artº 315º do CPC, subsidiariamente aplicável, compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, passando a ser esse o valor económico do processo.

 

Ora, como ficou provado, efetivamente, o benefício económico que o Requerente vai obter com a decisão favorável do tribunal é o que corresponder ao montante do valor de imposto que lhe vier a ser reconhecido para reembolso, que, no caso, é o valor da liquidação anulada.

 

Nestes termos, o montante do reembolso é o valor de 159,98€ devendo ser esse, portanto, o valor da causa.

 

Assim, nos termos do citado artº 315º do Código de Processo Civil, fixa-se como valor do processo aquele montante de 159,96€.

 

De qualquer modo, a decisão não altera o valor da taxa arbitral custas que nos termos do artº 22º, nº 4 do RJAT é devida e que se fixa em 306,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam a cargo da Requerida.

 

Notifique-se

Lisboa 8 de maio de 2020

 

O Árbitro Singular

 

José Ramos Alexandre