Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 562/2020-T
Data da decisão: 2021-11-20  IVA  
Valor do pedido: € 39.052,22
Tema: IVA – Ginásios – Serviços de nutrição
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Sumário:

1.            O acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade, tal como a própria prática desportiva. Daqui resultará uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica a qual apenas existiria se fosse prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde.

2.            Nesses termos, esses serviços não beneficiam da isenção de IVA prevista na alínea 1) do art. 9.º do CIVA.

 

Decisão Arbitral

 

I – Relatório

1.            O Requerente, A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º ... – ..., em ..., Alcobaça (doravante designado por Requerente), solicita a declaração da ilegalidade parcial dos actos de liquidação de IVA relativos a 2016 e 2017 e a total das liquidações de IVA relativas a 2018 e correspondentes coimas e juros compensatórios, à frente melhor identificados, e, em consequência, que os mesmos sejam anulados, com todas as consequências legais, nos termos do disposto nos art.os 2.º/1 a) e 10.º/1 a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do art. 102.º/1 d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Peticiona, ainda, a restituição do imposto pago em excesso, acrescida de juros indemnizatórios.

2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou Requerida).

3. O Requerente, entende, sumariamente, que os referidos actos de liquidação de IVA padecem de vício de ilegalidade, porquanto todos os serviços de nutrição prestados por si se subsumem no art. 9.º/1 do CIVA e, por conseguinte, estão isentos de IVA.

4. Pela sua parte, a AT alega que:

a) A prestação de serviços de nutrição levada a cabo nos ginásios do Requerente não tem objectivo terapêutico e, por esse motivo, não lhes é aplicável a isenção de IVA prevista no artigo 9.º, alínea 1 do CIVA;

b) A actividade de nutrição levada a cabo nos ginásios do Requerente é uma prestação acessória e não principal e, portanto, alegadamente, “a realidade do negócio é constituída por apenas um serviço de ginásio que está sujeito à taxa normal de IVA”;

c) Existe um claro exagero na quantificação do serviço acessório que a empresa autonomizou como isento”.

5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 20-10-2020, aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-10-2020.

6. Em 14-12-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

7. As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 14-12-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT e dos art.s 6.º e 7.º do Código Deontológico.

8. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 14-01-2021, tendo sido proferido despacho arbitral nessa data em cumprimento do disposto no art. 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

9. Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de Abril, 4-B/2020, de 6 de Abril, 14/2020, de 9 de Maio, 16/2020, de 29 de Maio, 28/2020, de 28 de Julho, 58-A/2020, de 30 de Setembro, 75-A/2020, de 30 de Dezembro, e 1-A/2021, de 13 de Janeiro, que estabelece medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de Fevereiro de 2021 e 5 de Abril de 2021.

10. A Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excepcional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, actos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no art. 6.º-B da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação nos termos do art. 17.º do RJAT e a Resposta da AT.

11. A AT apresentou a sua Resposta em 4-05-2021, suscitando a excepção da incompetência do tribunal em relação à anulação de processos de contra-ordenação e respectivas coimas.

12. Em 13-07-2021 foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

15. Admite-se a cumulação de pedidos, ao abrigo do art. 3.º/1 do RJAT, por estarem em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

16. Importa apreciar a excepção da incompetência do tribunal em relação à anulação de coimas e restituição do respectivo valor:

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é delimitada em primeiro lugar, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de competência material, estabelecendo o seguinte:

Artigo 2º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Por outro lado, devido ao carácter voluntário das partes de acesso à jurisdição arbitral, e uma vez que a arbitragem tributária deve ser um direito potestativo dos contribuintes em conformidade com o estatuído no n.º3 do artigo 124.º da Lei n.º3-B/2010 de 28 de Abril (Orçamento de Estado para 2010), o RJAT prevê no seu n.º1 do artigo 4.º que a vinculação da administração tributária depende de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e justiça, que estabelecerá, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Essa vinculação veio a materializar-se através da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, que no que ao caso interessa, estabelece o seguinte:

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Da articulação destes dispositivos, resulta que, em termos de critério delimitativo básico, a competência dos tribunais arbitrais restringe-se a pretensões de impugnação de actos atinentes à liquidação de tributos ou à fixação da matéria tributável, que visam a declaração da sua nulidade ou anulação.

Assim, quando se confronta o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT com o artigo 97.º, n.º 1 do CPPT (vd. igualmente artigo 101.º da LGT) facilmente se conclui que as pretensões que não respeitem à impugnação de actos de liquidação, designadamente as relativas a processos de contra-ordenação e aplicação de coimas – o Requerente pretende a anulação de coimas e a restituição do respectivo valor - não se encontram compreendidas na competência dos tribunais arbitrais tributários. Tal pedido não possui enquadramento na competência material atribuída pela lei aos tribunais arbitrais tributários, porquanto os poderes de cognição que lhes cabem correspondem, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, ao conhecimento da legalidade de actos de liquidação de tributos, de acordo com o esquema típico da impugnação judicial.

13. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, ressalvada a competência relativa a processos de contra-ordenação e aplicação de coimas, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos art.s 2.º/1 a), 5.º e 6.º/2 a), do RJAT.

14. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos art.s 4.º e 10.º do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

A.           Matéria de Facto

1. Factos dados como provados

a) O Requerente é um empresário em nome individual, com actividade aberta desde 7 de Janeiro de 1998, com actividade principal no sector do fitness (actividade de ginásio) e de saúde humana (nutrição).

b) Desenvolve a sua actividade sob a marca “B...”, através de 3 clubes no concelho de Alcobaça:

- Clube de ..., sito em Rua ..., s/n, ..., ...;

- Clube da ..., sito em Rua ..., nº ..., ...;

- Clube ..., sito na Rua ..., nº ..., ... .

c)            À data da realização da Inspecção Tributária, o Requerente encontrava-se inscrito como sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime normal trimestral de IVA para o exercício da actividade principal “outros serviços de reservas e actividades relacionadas”, CAE 79900, e como actividades secundárias, “nutricionistas”, código 5013, e “fisioterapeuta”, código 5012, desde 30 de Dezembro de 2014.

d)           A prestação de serviços de nutrição iniciou-se em 30 de Dezembro de 2014, tendo como alvo o público em geral e os sócios dos ginásios do Requerente (Depoimento da testemunha C...).

e)           Foi uma forma de o Requerente diversificar a oferta no mercado, sobretudo para pessoas que não gostam de fazer exercício (Declarações do Requerente).

f)            Qualquer pessoa, inscrita ou não no ginásio, pode agendar consultas de nutrição e aí efectuar o acompanhamento nutricional (Depoimento das testemunhas C..., D..., E... e F...).

g)            O Requerente dispõe nos seus ginásios de gabinetes específicos para consultas de nutrição exclusivamente, com equipamento adequado, com acessos independentes da zona de fitness, nutricionistas qualificados (Depoimento das testemunhas C..., D..., E... e F...).

h)           As consultas de nutrição são frequentadas com vários objectivos, podendo ser, designadamente, por razões clínicas, para adquirir massa muscular, para fins de emagrecimento, para alteração de hábitos alimentares e como alternativa ao exercício físico (Depoimento das testemunhas C...,  D..., E... e F...);

i)             Os actos tributários em crise foram emitidos pela AT na sequência da inspecção tributária realizada ao abrigo da ordem de serviço n.º 2 OI2019.../.../..., de 9 de Maio de 2019, aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, da qual resultaram as seguintes correcções:

 

 

 

j)             O Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere, além do mais, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 II.             

 

 

 

 

 

k)            Na sequência da inspecção, a AT emitiu as seguintes liquidações de IVA:

- Período 2016/12T – liquidação n.º..., no valor de € 3.971,57 (Doc. 4 e 5);

- Período 2017/12T – liquidação n.º..., no valor de € 11.295,82 (Doc. 6 e 7);

- Período 2018/09T – liquidação n.º ..., no valor de € 10.000,00 (Doc. 8 e 9;

- Período 2018/12T – liquidação n.º ..., no valor de € 9.399,59 (Doc. 10 e 11);

- Liquidação de juros n.º 2020..., referente ao período de 2017, no valor de € 865,83 (Documento n.º 20 e 21);

- Liquidação de juros n.º 2020..., referente ao período de 2018, no valor de € 481,54 (Doc. 22 e 23);

- Liquidação de juros n.º 2020..., referente ao período de 2018, no valor de € 353,07 (Doc. 24 e 25);

- Liquidação de juros n.º 20190..., referente ao período de 2019, no valor de € 451,96 (Doc. 26 e 27).

(Docs. 4 a 27 juntos com o pedido arbitral)

l)             Estas liquidações perfazem um montante total de € 40.672, 15, valor que o Requerente pagou (Docs 4 a 27, juntos com o pedido arbitral).

m)          Os ginásios do Requerente encontram-se certificados pela entidade reguladora da saúde desde 1 de Dezembro de 2014, tendo o Requerente sempre liquidado as devidas Contribuições Regulatórias àquela entidade (Docs. 32, 33 a 37 e 38, juntos com o pedido arbitral);

n)           O Requerente apresentou, em 08-03-2020, reclamação graciosa (Doc. 28), que foi indeferida por despacho de 24 de Julho de 2020 (Doc. 29).

o)           Em 20-10-2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.            Factos dados como não provados

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

3.            Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais, nos documentos juntos e no processo administrativo.

Nos pontos indicados, a fixação da matéria de facto baseia-se nos depoimentos das testemunhas C..., D..., E... e F... e do Requerente, A..., que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596º e n.º 2 a 4 do artigo 607º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e) do n.º do artigo 29º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, a prova documental junta aos autos e o processo administrativo, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

B. Do Direito

No presente processo, surgido na sequência das correcções efectuadas pela AT decorrentes do Relatório de Inspecção, o Requerente pretende a declaração da ilegalidade, parcial relativa aos anos de 2016 e 2017 e total relativa ao ano de 2018, dos actos de liquidação de IVA mencionados, e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respectivos juros compensatórios, nos termos do art. 2.º/1 a) e 10.º/1 a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais.

O art. 9.º/1 do CIVA, que constitui a transposição do art. 132º/1 c) da Directiva IVA (2006/112 CE, de 28.11.2006) determinava antes da alteração produzida pela Lei 2/2020, de 31.3 (LOE 2020) que [e]stão isentas do imposto: [a]s prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.

Por seu turno, dispõe o art. 132º/1 c) da Directiva IVA que se encontram isentas as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.

As razões objectivas da isenção do exercício de actividades no âmbito da saúde são absolutamente claras e consensuais, podendo sintetizar-se que o objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e., em reduzir os custos médicos para os utentes da tributação e promover os cuidados de saúde.

A análise do âmbito e do regime de tais actividades permitir-nos-ia certamente concluir que os serviços de nutrição se inserem na prestação de cuidados de saúde.

Isto posto,

As questões que emergem dos presentes autos têm sido objecto de várias decisões proferidas pelos tribunais tributários arbitrais, sob a égide do CAAD, de entre os quais, podem referir-se os proc. 454/2017 -T, de 2018.04.92; 373/2018-T, de 2019-04-24; 570/2018-T,de 2019-09-30;159/2019-T de 2019-11-05; 161/2019-T, de 2019-10-30; 164/2019-T, 169/2019-T de 2019-11-06; 174/2019-T de 2020-01-21; 181/2019-T de 2019-11-27; 544/2019-T, de 2020-04-23, 760/2019-T de 2020-08-31 e em particular, o 609/2020-T, que aqui acompanharemos de perto.

Em todos eles tem sido invariavelmente reconhecido o caracter autónomo das sessões de aconselhamento de nutrição/dietética em relação a actividades físicas praticada nos ginásios, concluindo-se, deste modo, que tais serviços (desde que praticados por profissionais para tanto devida e legalmente habilitados) podem beneficiar da isenção prevista no art. 9º/1 do CIVA.

Tal circunstância aconselharia a que fosse prosseguida essa jurisprudência arbitral até porque, como refere o art. 8.º/3 do Código Civil nas situações que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

A questão não pode, todavia, ignorar um facto novo. É que, em 4 de Março do corrente ano o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se (proc. C-581/19 ) sobre a questão central do presente processo, em resposta a uma questão prejudicial que lhe foi colocada por um tribunal arbitral do CAAD.

A identidade da questão é absoluta: em relação a uma sociedade comercial - que exerce, designadamente, uma actividade de gestão e exploração de instituições desportivas, actividades de manutenção e bem‑estar físico, bem como actividades de promoção e apoio à saúde humana, como o acompanhamento e o aconselhamento nutricional ou a avaliação física (cf. n.º 7 do ac.) – pretende saber-se se essa actividade [e especificamente a relativa ao acompanhamento nutricional] configura a previsão do art. 132.º/1 b)  da Directiva 2006/112 que, na transposição para a ordem jurídica nacional está regulada pelo art. 9.º/1 do CIVA.

O Tribunal começa por recordar que, segundo uma jurisprudência constante, que as isenções devem ser interpretadas de forma restrita (n.º 22). Refere depois que, em qualquer caso, as isenções não se circunscrevem a prestações efectuadas no meio hospitalar ou equivalente (n.º 23), sendo que, todavia, se referem a prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (n.º 24). Daí retira que as prestações em causa devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA (n.º 25).

No acórdão reconhece-se que, no caso, os serviços nutricionais são prestados por profissionais habilitados – o que preenche um dos requisitos da isenção (a prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas) – cf. n.os 27 e 28). O mesmo se passa no caso sub judice.

Subsiste, todavia, um outro requisito – que exige que se cumpra uma finalidade de interesse geral, comum ao conjunto das isenções previstas (cf. n.os 27 e 29), Ora, o entendimento do Tribunal é no sentido de que o acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade, tal como a própria prática desportiva. Daqui resultará uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica (n.º 30) – o que implicaria que fosse prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde (n.º 32).

Por conseguinte, entende o Tribunal que não estando verificado esse requisito, não pode haver lugar à aplicação da disposição que autoriza a isenção de IVA.

 

Mais recentemente, em acórdão uniformizador de jurisprudência proferido em 20-10-2021, no proc. 077/20.2BALSB, o STA já veio estabelecer que «[o]s serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de actividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.»

E isto porque, como ali se explica:

«(…), o regime das isenções de IVA nas transacções internas constitui matéria que é objecto de harmonização nas legislações dos diversos Estados-membros. No preâmbulo da Sexta Directiva considerou-se a este propósito “que é conveniente estabelecer uma lista comum de isenções, a fim de que os recursos próprios sejam cobrados de forma uniforme em todos os Estados-membros”.

Daqui deriva, não só que os Estados-membros devem adoptar internamente legislação harmonizada com as normas comunitárias, mas também que as suas disposições devem ser interpretadas em sentido conforme com as disposições comunitárias que intentaram transpor.

Mesmo que estejam em causa operações internas.

O artigo 9.º, alínea 1) do CIVA representa (actualmente), a transposição para o direito interno do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 [doravante “Directiva IVA”].

Deste último deriva que os Estados-Membros devem isentar as “prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-membro em causa”.

Assim (cfr. referido nos Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de Setembro de 2002, Kügler, C-141/00, n.º 27, e de 27 de Abril de 2006, Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen, C-443/04 e C-444/04, n.º 23), a isenção a que se reporta esta norma depende do preenchimento de dois requisitos: (1.º) constituir uma prestação de serviços de assistência na saúde e (2.º) ser efectuada no âmbito do exercício de actividades médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.

Por outro lado (cfr. já referido no Acórdão do mesmo Tribunal de 2 de Julho de 2015, De Fruytier, C-334/14, n.º 20) o conceito de «prestações de serviços de assistência», na acepção do artigo 132.º n.º 1, alínea c), da Directiva IVA, visa prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde.

Ora (cfr. decidido no recente Acórdão do mesmo Tribunal de 4 de Março de 2021, Frenetikexito, C-581/19, n.º 30), o serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva não é, em princípio, susceptível de ser considerado uma prestação de serviços de assistência na saúde para os efeitos do disposto no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Directiva IVA.

O que sucede precisamente por lhe faltar a finalidade terapêutica: embora possa ser considerado um meio de prevenção de certas doenças a médio e a longo prazo, não é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde.

Só assim não seria se houvesse a indicação de que era prestado para estes fins. O que, no caso nem importaria considerar ou apurar. Porque nunca foi sequer alegado.

Na verdade, a Requerente (ora Recorrente) tinha efectivamente alegado que os serviços de nutrição tinham finalidades terapêuticas, não porque tivessem em vista a prevenção, o diagnóstico ou o tratamento de alguma doença em particular, mas «como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico em melhoria das condições de saúde em geral» (artigo 62.º do douto requerimento inicial) e porque a adopção de hábitos alimentares saudáveis promovia a saúde em geral e tinha impacto na prevenção de doenças crónicas.

O que, de alguma forma, até foi confirmado na decisão arbitral recorrida. Cfr. referido no ponto ee) dos factos provados, foi apurado que a disponibilização dos serviços de nutrição não prevenia nem respondia a nenhum problema de saúde dos utentes em particular, mas aos objectivos que os clientes da Requerente tinham ao aderir aos próprios serviços de ginásio, em especial a perda de peso.

Pelo que (seguindo de perto a terminologia do acórdão do Tribunal de Justiça que citamos por último) os serviços de acompanhamento nutricional da Requerente (ora Recorrente) não tinham uma finalidade terapêutica, mas uma finalidade sanitária. E, assim sendo, não poderiam beneficiar da isenção a que alude o artigo 9.º, alínea 1) do CIVA.»

 

O mesmo se passa neste processo. Efectivamente, o próprio Requerente declarou que a nutrição foi uma forma de diversificar a oferta no mercado, sobretudo para as pessoas que não gostam de fazer exercício. As testemunhas ouvidas foram unanimes ao considerar a importância dos cuidados de nutrição, em particular, para a manutenção de um estilo de vida saudável, direccionados a todos, frequentadores ou não de ginásios, que tenham preocupações com o peso, o corpo, os hábitos alimentares, a saúde, de uma forma genérica. Ou seja, fins sanitários e não terapêuticos como atrás se referiu. Pelo que, não pode este tribunal arbitral senão seguir a doutrina dos acórdãos do TJUE e do STA acima referidos.

 

É certo que, em pelo menos numa decisão do CAAD (proc. 599/2020-T), se considerou que – mesmo face à doutrina do acórdão de 4 de Março do TJUE –, na medida em que a AT fundamentou a liquidação impugnada no carácter acessório das consultas nutricionais e essa acessoriedade não ficou demonstrada, não podia este tribunal deixar de concluir pela nulidade da mesma (contendo-se na sua apreciação, aos fundamentos da decisão impugnada).

Compreendendo tal posição, não parece que, no caso sub judice, se deva seguir o mesmo raciocínio, na medida em que do RIT resulta expressamente invocado o carácter não terapêutico das consultas de nutrição, coincidindo, portanto, com os fundamentos dos acórdãos do TJUE e do STA já citados.

Nestas circunstâncias, convém recordar que a interpretação do Direito da União cabe ao Tribunal de Justiça (art. 267.º TFUE) e, para mais, no caso, estamos perante um imposto europeu - cujo regime é determinado à escala continental – sendo que a própria disposição nacional serve o objectivo central da transposição dos termos da Directiva (à qual está vinculado). Face a estas circunstâncias, bem se compreende que, na matéria, não subsista sequer qualquer margem de interpretação ou flexibilização do regime aquando da sua aplicação.

E nesses termos de afastam todos os demais argumentos invocados pelo Requerente.

 

III. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

 

a.            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral de declaração da ilegalidade parcial dos actos de liquidação de IVA relativos a 2016 e 2017 e ilegalidade total dos relativos a 2018; e

b.            Julgar procedente a excepção da Autoridade Tributária e Aduaneira, por incompetência material relativamente aos pedidos de anulação de coimas e restituição do respectivo valor, formulados e acima identificados.

c.            Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

IV. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 39.052,22, nos termos do art. 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e do n.º 3 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, uma vez que o pedido foi julgado improcedente, nos termos dos art.os 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Novembro de 2021

 

O Árbitro,

(Cristina Aragão Seia)