Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 55/2015-T
Data da decisão: 2019-09-27  IUC  
Valor do pedido: € 5.305,75
Tema: IUC – Incidência subjetiva – Presunções legais – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).

*Substitui a decisão arbitral de 26 de junho de 2017.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de Abril de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

RELATÓRIO

 

1.1.        A..., S.A. (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº..., com sede no ..., Avenida ..., ..., ..., em Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 3 de Fevereiro de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre “sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas (…), por violação do disposto no art. 3º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 5.305,75 Euros, correspondente a 5.164,87 Euros de imposto pago indevidamente e 140,88 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 4 de Fevereiro de 2015 e foi notificado, à Requerida, em 10 de Fevereiro de 2015.

 

1.4.        A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 25 de Março de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Em 25 de Março de 2015, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10 de Abril de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, “apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, querendo, solicitar a produção de prova adicional”.

 

1.7.        Em 18 de Maio de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo:

 

1.7.1.     Suscitado uma questão prévia, relativa à “falta de junção das liquidações atinentes ao (…) pedido de pronúncia arbitral” e,

1.7.2.     Se defendido por impugnação, concluindo que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.

 

1.8.        Em 24 de Maio de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido de notificar a Requerente para, no prazo de cinco dias, “juntar ao processo (a) os documentos em falta no pedido de pronúncia arbitral (…), bem como, (b) as cópias das liquidações identificadas na Tabela Anexa àquele pedido”.

 

1.9.        Adicionalmente, o mesmo despacho arbitral mandou notificar a Requerida de que dispunha do prazo de cinco dias “(…) para, querendo, se pronunciar sobre o teor dos documentos que vierem a ser juntos ao processo pela Requerente (…)”.

 

1.10       Em 9 de Junho de 2015, na sequência do despacho arbitral de 24 de Maio de 2015 (acima referido no ponto 1.8.) “e tendo em consideração que nenhum documento foi anexado, no prazo de 5 dias, ao processo pela Requerente”, foi emitido novo despacho no sentido de notificar ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações.

 

1.11.      Em 19 de Junho de 2015, a Requerente apresentou requerimento “prescindindo da reunião referida no artigo 18º (…) bem como da apresentação de alegações”, e “requerendo a admissão aos autos dos documentos solicitados (…) por despacho de 24 de Maio do ano corrente (…)”, tendo ainda esclarecido que “à data do pedido de constituição de tribunal arbitral foi indicada a junção de 26 documentos quando (…) se pretendia juntar 19 documentos (…)”.

 

1.12.      Em 22 de Junho de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido de ser admitida a junção aos autos do requerimento apresentado, em 19 de Junho de 2015, pela Requerente e notificando-se a Requerida para que se pronunciasse, “no prazo máximo de cinco dias, sobre o teor do mesmo”.

 

1.13.      A Requerida não apresentou, dentro do prazo dado para o efeito, qualquer requerimento quanto ao teor dos despachos arbitrais datados de 24 de Maio de 2015 (vide ponto 1.8. e 1.9., supra), de 9 e de 22 de Junho de 2015 (vide ponto 1.10. e 1.12., supra).

 

1.14.      Assim, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 3 de Julho de 2015, foi decidido prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como prescindir da apresentação de alegações, tendo sido designado o dia 22 de Julho de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.15.      Adicionalmente, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente (…) e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar com data de 8 de Julho de 2015 e tendo comunicado ao CAAD em 27 de Julho de 2015).

 

1.16.      Nestes termos, foi proferida decisão arbitral, datada de 22 de Julho de 2015, no sentido de “julgar procedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” e “em consequência, julgar improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida”, “e, condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo”.

 

1.17.      A Requerente, inconformada com a decisão arbitral referida no ponto anterior, interpôs impugnação da mesma, junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), defendendo que a mesma deveria ser anulada “(…) por manifesta violação do princípio do contraditório (…)”, tendo o TCAS julgado, em 17 de Março de 2016, “(…) procedente a (…) impugnação (…)”, anulando “(…) a decisão arbitral proferida (…)”.

 

1.18.      Tendo este Tribunal Arbitral tido conhecimento do teor do Acórdão do TCAS com a reabertura do processo no CAAD, foram pedidos esclarecimentos, por despacho arbitral datado de 24 de Fevereiro de 2017, porquanto o “(…) teor do (…) despacho (…) se encontra[va] parcialmente ilegível na cópia constante da referida notificação”.

 

1.19.      O TCAS veio, por notificação postal registada, datada de 17 de Março de 2017 (notificada a 23 de Março de 2017), prestar os esclarecimentos que entendeu necessários, nomeadamente, através do envio de cópia datilografada do despacho de fls 283 e verso, bem como através do Ofício de fls 287.

 

1.20.      Assim, por despacho arbitral datado de 9 de Maio de 2017, a Requerente foi notificada para “(…) no prazo de 5 dias, clarificar o objecto do pedido de pronúncia arbitral”.

 

1.21.      A Requerente, em 19 de Maio de 2017, apresentou requerimento no sentido de referir que “(…) não resulta claro para a Requerente o alcance do pedido que lhe é efectuado pelo Tribunal Arbitral uma vez que o pedido de pronúncia arbitral resulta manifestamente claro do pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado a 3 de Fevereiro de 2015 (…)”, o qual transcreveu.

 

1.22.      Adicionalmente, a Requerente referiu ainda que “(…) o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre o pedido efectuado, donde resulta implícita a sua total compreensão acerca do pedido (…)”, “motivo pelo qual se requer o esclarecimento, pelo Tribunal Arbitral, quanto ao conteúdo do despacho proferido a 9 de Maio do ano corrente”.

 

1.23.      Por despacho arbitral datado de 19 de Maio de 2017, o Tribunal Arbitral entendeu esclarecer a Requerente que “(…) o Tribunal Arbitral compreendeu o pedido, tal como foi formulado no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 3 de Fevereiro de 2015 (…)” mas, face à interposição, pela Requerente, de impugnação junto do TCAS [e, tendo em consideração a decisão deste Tribunal de a julgar procedente, entendeu este Tribunal Arbitral notificar a Requerente nesse sentido, tendo em consideração o teor daquele Acórdão.

 

1.24.      Assim, por despacho arbitral de 19 de Maio de 2017, o Tribunal Arbitral veio reiterar a notificação da Requerente para, no prazo de 5 dias, clarificar o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.25.      A Requerente, em requerimento datado de 2 de Junho de 2017, veio referir que continuava “(…) a não ser claro para a Requerente que tipo de esclarecimento é pretendido pelo tribunal arbitral” e, após diversas considerações que em nada contribuíram para clarificar o pretendido, conclui no sentido de requerer “(…) que o tribunal arbitral [desse] cumprimento à decisão proferida pelo TCA Sul”.

 

1.26.      Por despacho arbitral datado de 5 de Junho de 2017, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para, querendo, se pronunciar sobre o teor dos requerimentos da Requerente, apresentados em 19 de Maio de 2017 e em 2 de Junho de 2017 (na sequência dos despacho arbitrais de 9 e 19 de Maio de 2017), tendo ainda sido fixada a data de 26 de Junho de 2017 para a prolação da nova decisão arbitral.

 

1.27.      A Requerida apresentou requerimento, em 9 de Junho de 2017, no sentido de referir que tendo em consideração “(…) o exposto no douto acórdão do TCA Sul, entende que o douto tribunal arbitral (…) procedeu à sanação do vício de que padecia a decisão arbitral, tendo notificado as partes para se pronunciarem quanto à eventual intempestividade do pedido de pronúncia arbitral”, pelo que defende que “(…) o Tribunal Arbitral deverá emitir pronúncia de nova decisão arbitral, uma vez que o vício da anterior, se considera sanado (…)”.

 

1.28.      A Requerente apresentou novo requerimento, em 16 de Junho de 2017, no sentido de “ensaiar” a tese de que não lhe foi dada “(…) oportunidade (…) para se pronunciar sobre a excepção de caducidade invocada na decisão arbitral (…)”, e apresentando esclarecimentos sobre o objecto do pedido arbitral.

 

1.29.      O Tribunal Arbitral, através de despacho datado de 22 de Junho de 2017, veio nomeadamente esclarecer que não podia “(…) aceitar um terceiro e novo requerimento apresentado, pela Requerente, em 16 de Junho de 2017, após os esclarecimentos apresentados pela Requerida (…)” atentos os motivos desenvolvidos naquele despacho.

 

1.30.      Nestes termos, foi proferida nova decisão arbitral, datada de 26 de Junho de 2017, no sentido de “julgar procedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral”, “(…) dele se absolvendo a Requerida”, bem como condenando “(…) a Requerente no pagamento das custas do (…) processo”.

 

1.31.      A Requerente, de novo inconformada com a decisão arbitral referida no ponto anterior, interpôs impugnação da mesma, junto do TCAS, defendendo que aquela decisão deveria ser anulada por preterição do princípio do contraditório, tendo o TCAS julgado, em 5 de Junho de 2019, “(…) procedente a (…) impugnação (…)”, anulando “(…) a sentença arbitral proferida, em 26/06/2019 (…)” e ordenando “(…) a baixa do processo ao CAAD”.

 

1.32.      Este Tribunal Arbitral teve conhecimento do teor do referido Acórdão (proferido pelo TCAS), em 6 de Junho de 2019 (data da reabertura do processo na CAAD) tendo, por despacho arbitral, datado de 12 de Junho de 2019, mandado notificar ambas as Partes para, no prazo sucessivo de 5 dias, “(…) se pronunciarem, caso queiram, sobre a eventual procedência da excepção da intempestividade do pedido arbitral, oficiosamente suscitada, no âmbito deste processo, pelo Tribunal Arbitral”.

 

1.33       A Requerente, em 18 de Junho de 2019, apresentou requerimento no sentido de esclarecer que “o pedido (…) visou a anulação tanto dos atos de liquidação de IUC como da decisão de indeferimento que os manteve na ordem jurídica”, sendo “(…) esta a razão pela qual o pedido faz referência expressa à apresentação da reclamação graciosa nº ...2014... e à subsequente notificação da respetiva decisão de indeferimento (…)”, pelo que “(…) a intenção impugnatória da Requerente abrange tanto os atos de liquidação (…) como o ato de indeferimento da reclamação graciosa, que manteve os primeiros na ordem jurídica (…), sem os revogar, substituir ou modificar a respetiva fundamentação” (sublinhado nosso).

 

1.34.      Assim, concluiu a Requerente o seu articulado no sentido que “(…) a exceção de intempestividade oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral deve ser julgada improcedente e o pedido anulatório formulado (…) deve ser materialmente apreciado, com a consequente anulação dos atos de liquidação contestados e da decisão de indeferimento que os manteve na ordem jurídica”.

 

1.35.      A Requerida, em 26 de Junho de 2019, apresentou requerimento no sentido de reiterar a posição assumida já nos autos e, nessa medida, defender que “(…) deve a (…) excepção ser considerada procedente, ou caso assim não se entenda o (…) pedido [deve] ser julgado improcedente (…)”.

 

1.36.      Por despacho arbitral, datado de 2 de Julho de 2019, foram ambas as Partes notificadas de que o Tribunal Arbitral decidiu “dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT; determinar que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho; designar o dia 27 de Setembro de 2019 para efeitos de prolação da nova decisão arbitral”.

 

1.37.      A Requerente apresentou, em 15 de Julho de 2019, alegações escritas no sentido de reiterar tudo quanto o já havia defendido, quer no pedido, quer nos requerimentos subsequentes, reafirmando que peticiona a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IUC e de juros compensatórios objecto do pedido de pronúncia arbitral, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que as manteve na ordem jurídica.

 

1.38.      A Requerida apresentou, na mesma data, as suas alegações escritas no sentido de reiterar tudo quanto o já tinha sido por si defendido, quer na Resposta, quer nos ulteriores requerimentos, concluindo que “(…) deve a (…) excepção ser considerada procedente, ou caso assim não se entenda o (…) pedido [deve] ser julgado improcedente (…)”.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral a anulação “das liquidações de IUC identificadas (…) e o consequente reembolso do montante de EUR 5.305,75, correspondente a (…) imposto pago indevidamente e (…) juros compensatórios indevidos, bem o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)”.

 

2.2.        “A Requerente é uma instituição financeira de crédito, sujeita a supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira”.

 

2.3.        Prossegue a Requerente referindo que “recebeu várias notas de liquidação de (…) IUC sobre veículos relacionados com a actividade supra mencionada, das quais reclamou graciosamente, tendo o processo corrido os seus termos sob o número ...2014...”, e tendo sido “notificada, no dia 3 de Dezembro de 2014, do respectivo despacho de indeferimento”.

 

2.4.        Refere ainda a Requerente que “pagou todas as importâncias liquidadas pela Autoridade Tributária referentes aos actos agora em causa”, sendo que o pedido apresentado de pronúncia arbitral respeita a actos de liquidação relativos “(…) aos anos de 2013 e/ou 2014”, remetendo para “Tabela Anexa na qual se identifica cada acto de liquidação (…)”.

 

2.5.        Reitera a Requerente que “discorda de todos os actos de liquidação objecto do presente requerimento (…)” porquanto entende que “não é o sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações oficiosas agora objecto de pedido de pronúncia arbitral” e, nesse sentido, “os actos tributários de liquidação do IUC (…) enfermam de erro sobre os pressupostos do (alegado) facto tributário, o que consubstancia um vício de violação de lei (…) susceptível de ser arguido para fundamentar a anulação dos actos tributários de liquidação de IUC (…)”.

 

2.6.        Com efeito, segundo a Requerente, “em todos os casos abrangidos pelo (…) pedido de pronúncia arbitral, o imposto liquidado respeita a veículos já vendidos pela Requerente, veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente e um caso em que o imposto se refere a um período tributário anterior à retoma do veículo pela Requerente, sendo que todos estes casos correspondem a motivos de exclusão incidência subjectiva do imposto, não atendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em cada uma das liquidações (…) objecto de pedido de pronúncia arbitral”.

 

Fundamentação quanto aos actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador

 

2.7.        Neste âmbito, alega a Requerente que “as primeiras 19 situações identificadas (…) partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação ter sido vendido (…) anteriormente à data de vencimento do IUC” o que, para a Requerente, “(…) consubstancia juridicamente um motivo de exclusão de incidência subjectiva do imposto (…)”.

 

2.8.        Assim, “(…) resulta que na data de vencimento do imposto, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada veículo, ou outro detentor equiparável (…)”.

 

2.9.        Continua a Requerente referindo que “mesmo que não tenha sido dada publicidade às transmissões da propriedade” dos veículos “através do registo automóvel, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários do veículo, uma vez demonstrada (…) a respectiva transmissão”.

 

Fundamentação quanto aos actos relativos a viaturas com contrato de Leasing vigente à data do facto gerador

 

2.10.      Nesta matéria, refere a Requerente que as “(…) situações (…) identificadas (…) reconduzem-se à mesma causa de pedir, i.e., o facto de o veículo associado à liquidação ter sido objecto de um contrato leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributário (...)”.

 

2.11.      Ora, segundo a Requerente, “sempre que os veículos são vendidos em leasing, verifica-se uma verdadeira transmissão da propriedade económica do veículo, sendo a propriedade jurídica do mesmo preservada pela instituição de crédito financiadora com uma mera função de garantia, e sendo, em conformidade, o veículo exclusivamente detido pelo locatário financeiro (…)”.

 

2.12.      Assim, conclui a Requerente que “(…) o sujeito passivo do imposto era exclusivamente o locatário financeiro (…)”.

 

Fundamentação quanto a IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente

 

2.13.      Quanto a esta questão, refere a Requerente que “o último caso mencionado (…) refere-se a liquidação de IUC relativa a um veículo adquirido pela Requerente posteriormente à data de vencimento do imposto”, ou seja, sendo “o imposto (…) exigível ao proprietário (ou outros detentores do veículo equiparáveis) no primeiro dia do período de tributação do veículo”, “(…) resulta que na data de vencimento do imposto, a Reclamante ainda não era a proprietária (…) pelo que o sujeito passivo deverá ser o anterior proprietário, ou outro detentor equiparável existente em data anterior à venda (…)”.

 

2.14.      Em resumo, “a Requerente conclui que as liquidações objecto de pedido de pronúncia arbitral não lhe devem ser imputadas sendo, como tal, ilegais”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Questão Prévia

 

3.1.        A Requerida, na resposta apresentada, começou por suscitar uma questão prévia relativa “à falta de junção das liquidações atinentes ao (…) pedido (…)”.

 

3.2.        Com efeito, segundo a Requerida, “não obstante a Requerente juntar Tabela Anexa no qual se encontram elencados os números das liquidações e o número do procedimento de reclamação graciosa, não se encontram juntas ao (…) processo nem as liquidações de IUC, nem a decisão do procedimento de reclamação graciosa” pelo que “a Requerente incumpriu o (…) normativo legal, não tendo procedido à identificação dos actos tributários, cuja legalidade vem sindicar”.

 

3.3.        Assim, defende a Requerida que “o presente pedido de pronúncia arbitral é no mínimo irregular, por clara e manifesta violação do disposto na alínea b), do nº 2, do Art.º 10º do RJAT, não tendo a Requerente junto aos autos os actos tributários respeitantes às liquidações de IUC, cuja legalidade pretende sindicar neste Tribunal Arbitral”, “(…) encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior” .

 

3.4.        Neste contexto, “a resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral pela entidade Requerida encontra-se balizada somente pelos outros documentos juntos pela Requerente”, pelo que a Requerida “reserva-se no direito de em caso de a Requerente juntar actos de liquidação de IUC relativamente a viaturas que não constam nos presentes documentos, de em prazo posterior (…) vir a apreciar e a exercer contraditório relativamente a esses factos”.

 

Por Impugnação

 

3.5.        A Requerida defendeu-se por impugnação quanto aos fundamentos apresentados pela Requerente, no que diz respeito aos “(…) actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador (…)”, aos “(…) actos relativos a viaturas com contrato de leasing vigente à data do facto gerador (…)” e ao “(…) IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente (…)”.

 

Dos actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador

 

3.6.        Quanto a estes, segundo a Requerida, “as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada” porquanto “o entendimento propugnado (…) incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC”.

 

Dos actos relativos a viaturas com contrato de Leasing vigente à data do facto gerador

 

3.7.        Neste âmbito, segundo a Requerida, “a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a ilisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC (…)”.

 

3.8.        Ora, para a Requerida, “nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis com as matrículas ... (…),

... (…), ... (…) e ... (…)”, ”(…) pelo que necessariamente terá de improceder a pretendida ilisão do artigo 3º aqui em causa”.

 

3.9.        Assim, conclui a Requerida que “(…) não tendo a Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto”, reiterando ainda que “a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova (…) que (…) deverão ser apresentados com o articulado onde se aleguem os factos correspondentes”, pelo que “após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida (…) a apresentação ulterior de prova documental”.

 

3.10.      Assim, para a Requerida, dado que a Requerente “(…) não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19º do CIUC (…) decaem os argumentos invocados pela Requerente”.

 

Quanto ao IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente

 

3.11.      Segundo a Requerida, “(…) vem a Requerente alegar a ilegalidade da liquidação de IUC (…) referente ao veículo com a matrícula ...”, mas aquela entende que “não assiste razão à Requerente (…)” porquanto da documentação anexada “(…) não se extrai a existência de reservas de propriedade a favor da Requerente para o ano tributário em causa”, não tendo a Requerente demonstrado “(…) que tal facto (…) se mantinha registado a seu favor no registo automóvel, ónus que se lhe impunha”.

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

3.12.      A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” dado que esta estabelece que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”, defendendo assim o afastamento da consagração de presunção por parte do legislador.

 

3.13.      Assim, defende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente (…) tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel”  pelo que, para a Requerida, “ o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)”.

 

Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime

 

3.14.      Entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”.

 

3.15.      Ou seja, “o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.

 

3.16.      Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos (…) pelo que a não atualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto”.

 

3.17       Prossegue a Requerida argumentando que, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)” mas, “por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou (…) locação financeira (…) com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto”.

 

3.18.      Nestes termos, no entender da Requerida, “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.

 

Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei

 

3.19.      Neste sentido, alega a Requerida que “(…) o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública”.

 

3.20.      E citando o teor dos debates parlamentares  em torno da aprovação do Decreto-Lei

nº 20/2008, de 31 de Janeiro, resulta inequívoco para a Requerida que “o IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, tendo aquele diploma atacado “(…) de frente os problemas que precisavam de ser resolvidos” dado que havia “(…) muitos veículos que não estavam registados em nome do real proprietário (…)”.

 

3.21.      Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os atos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”.

 

Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção

 

3.22.      Nesta matéria, entende a Requerida que sendo “a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC (…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.

 

3.23.      “Todavia (…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”.

 

3.24.      Com efeito, para a Requerida “as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”.

 

3.25.      E acrescenta a Requerida que “as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram ao ponto de meras facturas unilateralmente emitidas pela Requerente poderem substituir o requerimento de registo automóvel (…)”.

 

3.26.      Por outro lado, tendo em consideração que “as facturas não constituem contratos de compra e venda” e, apresentando “(…) no seu descritivo menções distintas”, entende a Requerida que “(…) então forçoso é concluir que tais documentos jamais podem beneficiar da presunção de verdade (…)”.

 

3.27.      Assim, conclui a Requerida que “a Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa (…)”.

 

Da interpretação desconforme à Constituição

 

3.28.      Neste âmbito, entende a Requerida que “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

3.29.      A este respeito, alega a Requerida que “o registo automóvel constitui a pedra angular de todo o edifício em que assenta o IUC”, mas “a competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida, mas sim atribuída a várias entidades exteriores (…) a quem cabe transmitir à Requerida as alterações que se venham a verificar quanto à propriedade dos veículos automóveis”.

 

3.30.      Em resumo, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…)”.

 

3.31.      Assim, entendendo a Requerida não ter sido “(…) quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente”, defende que “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”.

 

3.32.      Para a Requerida, “o mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente”, porquanto “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios (…)”.

 

3.33.      Nestes termos, conclui a Requerida a resposta apresentada no sentido que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, (...) absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.2.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.        No que diz respeito à tempestividade do pedido, vide Capítulo 6 desta Decisão, sob a epígrafe “Questão prévia” relativa à análise da excepção oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral.

 

4.4.        A cumulação de pedidos é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência daqueles depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.5.        Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer, nem se verificam nulidades processuais.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

Dos factos provados

 

5.1.        A Requerente é uma instituição financeira de crédito, sujeita a supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.

5.2.        No âmbito da sua actividade, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações oficiosas de IUC relativo aos anos de 2013 e 2014, bem como dos respectivos juros compensatórios, no montante total de EUR 5.305,75, como a seguir se detalha:

MATRÍCULA       Nº LIQUIDAÇÃO               ANO IUC              IUC         JUROS COMPENSATÓRIOS          TOTAL   DATA LIMITE PARA PAGAMENTO

...            2013 ... 2013       728,00   37,90     765,90   27-06-2014

                2014 ... 2014       735,00   8,86       743,86  

...            2013 ... 2013       32,00     1,64       33,64     24-06-2014

...            2014 ... 2014       35,41     0,40       35,81     24-06-2014

...            2014 ... 2014       32,00     0,32       32,36     24-06-2014

...            2014 ... 2014       351,06   4,00       355,06   26-06-2014

...            2013 ... 2013       17,47     0,90       18,37     24-06-2014

...            2013 ... 2013       32,00     1,67       33,67     27-06-2014

                2014 ... 2014       32,00     0,39       32,39    

...            2013 ... 2013       857,00   44,61     901,61   27-06-2014

                2014 ... 2014       866,00   10,44     876,44  

...            2014 ... 2014       167,43   1,91       169,34   24-06-2014

...            2013 ... 2013       54,76     2,85       57,61     27-06-2014

                2014 ... 2014       55,31     0,67       55,98    

...            2013 ... 2013       35,06     1,83       36,89     27-06-2014

                2014 ... 2014       35,41     0,43       35,84    

...            2013 ... 2013       35,06     1,83       36,89     27-06-2014

                2014 ... 2014       41,72     0,50       42,22    

...            2013 ... 2013       124,44   6,48       130,92   27-06-2014

                2014 ... 2014       135,76   1,64       137,40  

...            2014 ... 2014       52,00     0,59       52,59     24-06-2014

...            2014 ... 2014       141,47   1,61       143,08   24-06-2014

...            2014 ... 2014       160,27   1,83       162,10   24-06-2014

...            2013 ... 2013       54,76     2,81       57,57     24-06-2014

...            2013 ... 2013       17,47     0,90       18,37     24-06-2014

...            2014 ... 2014       336,01   3,83       339,84   24-06-2014

TOTAL   5.305,75              

 

5.3.        Todos os veículos automóveis referenciados nas liquidações de IUC acima identificadas encontravam-se registados, à data do facto gerador do imposto, na base de dados do Registo automóvel em nome da Requerente.

5.4.        A Requerente efectuou o pagamento das liquidações oficiosas acima identificadas dentro do prazo para pagamento voluntário.

5.5.        A Requerente apresentou, em 17 de Outubro de 2014, diversas reclamações graciosas (juntas no processo nº ...2014...) relativas a cada um dos actos de liquidação identificados no ponto 5.2., supra.

5.6.        A Requerente foi notificada do Ofício ... (do Serviço de Finanças de Lisboa ...), de 6 de Novembro de 2014, relativo ao projecto de indeferimento das referidas reclamações graciosas (despacho da Direção de Finanças do Porto, datado de 5 de Novembro de 2014), bem como para exercer por escrito, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação, o direito de audição prévia.

5.7.        A Requerente não exerceu o direito de audição prévia.

5.8.        A Requerente foi notificada do Ofício ... (despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ...), datado de 27 de Novembro de 2014 nos termos qual se confirmou a convolação em definitivo do projecto de decisão datado de 05/11/2014, tendo assim sido indeferida a reclamação graciosa apresentada.

5.9.        A Requerente apresentou pedido arbitral em 3 de Fevereiro de 2015.

5.10.      Considera-se como provada a existência dos seguintes Contratos de Locação Financeira celebrados entre a Requerente (Locadora) e os respectivos Locatários, para cada uma das viaturas a seguir identificadas, no período a que respeitam as liquidações de IUC (anos 2013 e 2014), conforme cópias dos respectivos contratos anexados com o pedido, dos quais se pode extrair, resumidamente, a seguinte informação:

                               CONTRATO        

MATRÍCULA       MÊS                 DATA INÍCIO      Nº RENDAS         ANOS    DATA FIM           LOCATÁRIO        DOC.

...            Janeiro ...            24-02-2009         61           5             24-03-2014          B...         15

...            Janeiro ...            01-04-2013         60           5             01-04-2018          C...         16

...            Janeiro ...            21-03-2012         72           6             21-03-2018          D...         17

...            Janeiro ...            01-04-2008         72           6             01-04-2014          E...         18

 

5.11.      No que diz respeito às viaturas identificadas no ponto anterior, foi liquidado e pago, relativamente aos anos de 2013 e 2014, um total de imposto e de juros compensatórios de EUR 626,09, de acordo com as respectivas liquidações.

MATRÍCULA       Nº LIQUIDAÇÃO               ANO IUC              IUC         JUROS COMPENSATÓRIOS          TOTAL

...            2013 ... 2013       124,44   6,48       130,92

                2014 ... 2014       135,76   1,64       137,40

...            2014 ... 2014       52,00     0,59       52,59

...            2014 ... 2014       141,47   1,61       143,08

...            2014 ... 2014       160,27   1,83       162,10

TOTAL   626,09

 

5.12.      Considera-se como provada a existência de um Contrato de Mútuo com reserva de propriedade, celebrado entre a Requerente (Mutuante) e o respectivo Devedor, no que diz respeito à viatura a seguir identificada, relativamente ao IUC do ano de 2013, em conformidade com a cópia do respectivo contrato anexado com o pedido, do qual se pode extrair, resumidamente, a seguinte informação:

                               CONTRATO        

MATRÍCULA       MÊS                 DATA INÍCIO      Nº RENDAS         ANOS    DATA FIM           LOCATÁRIO        DOC.

...            Janeiro ...            12-12-2007         84           7             12-12-2014          F...         19

 

5.13.      No que diz respeito à viatura identificada no ponto anterior, foi liquidado e pago, relativamente ao ano 2013, um total de imposto e de juros compensatórios de EUR 57,57, de acordo com as respectivas liquidações.

MATRÍCULA       Nº LIQUIDAÇÃO               ANO IUC              IUC         JUROS COMPENSATÓRIOS          TOTAL

...            2013 ... 2013       54,76     2,81       57,57

TOTAL   57,57

 

5.14.      No que diz respeito às viaturas a seguir identificadas, foi liquidado e pago, relativamente aos anos de 2013 e 2014, um total de imposto e de juros compensatórios de EUR 4.622,09, de acordo com as respectivas liquidações.

MATRÍCULA       Nº LIQUIDAÇÃO               ANO IUC              IUC         JUROS COMPENSATÓRIOS          TOTAL

...            2013 ... 2013       728,00   37,90     765,90

                2014 ... 2014       735,00   8,86       743,86

...            2013 ... 2013       32,00     1,64       33,64

...            2014 ... 2014       35,41     0,40       35,81

...            2014 ... 2014       32,00     0,32       32,36

...            2014 ... 2014       351,06   4,00       355,06

...            2013 ... 2013       17,47     0,90       18,37

...            2013 ... 2013       32,00     1,67       33,67

                2014 ... 2014       32,00     0,39       32,39

...            2013 ... 2013       857,00   44,61     901,61

                2014 ... 2014       866,00   10,44     876,44

...            2014 ... 2014       167,43   1,91       169,34

...            2013 ... 2013       54,76     2,85       57,61

                2014 ... 2014       55,31     0,67       55,98

...            2013 ... 2013       35,06     1,83       36,89

                2014 ... 2014       35,41     0,43       35,84

...            2013 ... 2013       35,06     1,83       36,89

                2014 ... 2014       41,72     0,50       42,22

...            2013 ... 2013       17,47     0,90       18,37

...            2014 ... 2014       336,01   3,83       339,84

TOTAL   4.622,09

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.15.      Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, devendo selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado [cf. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e) do RJAT], e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento de Processo Tributário (“CPPT”)].

 

5.16.      Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

 

5.17.      Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (como no caso da força probatória plena dos documentos autênticos, prevista no artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação da prova produzida o princípio da livre apreciação.

 

5.18.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal Arbitral fundou-se na análise crítica dos documentos acima discriminados e não impugnados pelas Partes e na posição por estas assumida em relação aos factos.

 

Dos factos não provados

 

5.19.      Não foi anexada aos autos prova documental suficiente para suportar a efectiva alienação das viaturas a seguir identificadas, em momento anterior ao do facto gerador do IUC a que respeitam as liquidações em crise (anos 2013 e 2014):

DOCUMENTO   DATA     CONTRATO        MONTANTE       MATRÍCULA       DESCRITIVO       DOC.

N/D-...  24-11-2003          ...            15.000,00            ...            Venda não locado            1

N/D-...  01-05-2006          ...            10.052,38            ...            Rescisão              2

FAC-...  01-05-2006                         398,27                  Capital, juros, portes     

N/D-...  24-02-2011          ...            5,08       ...            Valor residual    3

FAT-...  13-12-2013          ...            48,00     ...            Comissão Recuperação Valores em Dívida            4

FAT-...  13-12-2013                         3.020,65                              Rescisão             

FAT-...  13-12-2013                         8,26                       Juros Mora        

FAT-...  31-12-2013          ...            3.186,47               ...            Rescisão              5

...            05-02-2013          ...            11.100,00            ...            Venda de Bem em Crédito          6

NDS-... 23-04-2008          ...            17.319,47            ...            Perca Total Seguradora 7

N/D-...  01-02-2009          ...            224,87   ...            Valor Residual   8

FAT-...  10-10-2013          ...            5.344,69               ...            Rescisão              10

N/D-...  14-05-2013          ...            7.000,00               ...            Venda de Bem em Crédito          11

N/D-...                                 307,50                  Despesas de Venda de Viatura 

N/D-...                                 55,30                     Transferência de Propriedade  

N/D-...  24-01-2011          ...            3.023,32               ...            Valor Residual   12

N/D-...                                 52,84                     IUC       

N/D-...                                 6,15                       Despesas IUC   

FAC-...  01-11-2006          ...            270,03   ...            Portes, Capital, Juro       13

N/D-...                                 13.663,32                            Rescisão             

N/D-...  24-01-2012          ...            5,08       ...            Valor Resisual    14

 

5.20.      No que diz respeito à viatura matrícula ... (identificada nos pontos 5.14. e 5.19., supra) não foi anexado qualquer documento (apesar de referenciado como Doc. 9 na listagem resumo anexada, pela Requerente, com o pedido arbitral e de estar aquela viatura referenciada em reclamação graciosa constante do processo administrativo anexado pela Requerida), pelo que por este motivo não ficou provado, quanto à mesma, que tivesse sido alienada em data anterior à do vencimento do IUC relativo aos anos 2013 e 2014.

 

5.21.      Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

Questão prévia – apreciação da excepção da intempestividade do pedido (oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral)

 

6.1.        Preliminarmente à apreciação do pedido, foi verificado por este Tribunal, a título oficioso, se poderia eventualmente proceder alguma excepção, com as consequências daí decorrentes, tendo sido identificada a da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral que, nas decisões arbitrais anteriormente proferidas, obstou ao conhecimento do mérito do referido pedido.

 

6.2.        Com efeito, tendo em consideração o princípio do dispositivo, prevalente no processo civil nacional, nos termos do qual cabe às partes definir o objecto do litígio (através da dedução das suas pretensões e alegar os factos que integrem a causa de pedir), de tal modo que o juiz só pode fundar a decisão nestes, este Tribunal Arbitral entendeu que o pedido arbitral, tal como formulado à data da sua apresentação, em 2015, pela Requerente não visava a sindicância da ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa, mas sim a anulação dos actos de liquidação de IUC e de juros, com o consequente pedido de reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, porque era este o objecto que resultava inequivocamente do pedido.

 

6.3.        E se a Requerente não clarificou (das duas vezes que foi notificada pelo Tribunal Arbitral para o fazer) o pedido arbitral no sentido de abranger também a sindicância da ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa interposta relativamente aos actos de liquidação aqui em crise, não cabe ao Tribunal Arbitral colocar intenções ou palavras que não estão taxativamente formuladas no pedido arbitral (nem tão pouco foram antes esclarecidas), porquanto ao fazê-lo estaria certamente em incorrer noutro vício processual (o de excesso de pronúncia) que, com toda a certeza, constituiria motivo suficiente para interposição de (nova) impugnação para o TCAS, desta feita pela Requerida.

 

6.4.        Ora, tendo em conta que, nos termos do artigo 609º do CPC “o objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido”, entendeu-se nas decisões anteriores, e nos termos definidos pela Requerente, que o objecto do processo arbitral correspondia às liquidações de IUC e juros identificadas, com as consequências daí decorrentes em matéria de intempestividade do pedido arbitral, desenvolvidas nas decisões arbitrais anteriores.

 

6.5.        Contudo, e após a última reabertura do processo arbitral, a Requerente veio finalmente esclarecer, através de requerimento apresentado em 18 de Junho de 2019, que “o pedido (…) visou a anulação tanto dos atos de liquidação de IUC como da decisão de indeferimento que os manteve na ordem jurídica”, pelo que “(…) a intenção impugnatória da Requerente abrange tanto os atos de liquidação (…) como o ato de indeferimento da reclamação graciosa, que manteve os primeiros na ordem jurídica (…)” (sublinhado nosso).

 

6.6.        Nestes termos, no caso em análise, cumpre apreciar e decidir (de novo) sobre o mérito da excepção suscitada por este Tribunal Arbitral, porquanto, tendo em consideração que a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral (por caducidade do direito de acção) é do conhecimento oficioso, torna-se necessário apreciar e decidir, previamente, esta excepção dado que a mesma, a proceder, é impeditiva do conhecimento do mérito da causa, determinando a absolvição Requerida do pedido.

 

6.7.        Na verdade, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 576º do CPC, as excepções peremptórias “consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”, sendo que a caducidade do direito de acção constitui uma exceção peremptória, porquanto configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que aquele invoca como já validamente constituído, sendo pois pertinente analisar, desde já, qual é o prazo legalmente previsto para a apresentação, no caso em análise, do pedido arbitral.

 

6.8.        Em termos gerais, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” ou da “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”.

 

6.9.        Por outro lado, de acordo com o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”.

 

6.10.      Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT e, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do CPC.

 

6.11.      No caso em análise, tendo em consideração o decurso do prazo de três meses previsto no artigo 102º, nº 1 (contado desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas, ou seja, desde 24 e 27 de Junho de 2014, conforme ponto 5.2., supra), mas tendo a Requerente interposto reclamação graciosa relativamente às referidas liquidações de IUC e juros, a contagem do prazo (referido nos pontos 6.8. e 6.9., supra) para apresentar o pedido de pronúncia arbitral iniciar-se-ia no dia seguinte ao da notificação da decisão de indeferimento desta reclamação (ou seja, a 4 de Dezembro de 2014).

 

6.12.      Ora, tendo em consideração que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado, no CAAD, a 3 de Fevereiro de 2015, e que com este pedido se pretende sindicar “(…) tanto os atos de liquidação (…) como o ato de indeferimento da reclamação graciosa (…)”, foi assim cumprido, pela Requerente, o prazo de 90 dias previsto no artigo 10º, nº 1 alínea a) do RJAT, contado nos termos legais.

 

6.13.      Nestes termos, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está também incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IUC e de juros identificadas (como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações objecto do pedido), o pedido de pronúncia arbitral deve pois ser considerado tempestivo.

 

6.14.      Deste modo, ultrapassada que está a questão prévia suscitada (o qual poderia ter sido, refira-se, à muito resolvida), cumpre agora decidir do mérito do pedido arbitral.

 

6.15.      Com efeito, no âmbito do pedido arbitral importa analisar e decidir da (i)legalidade das liquidações de IUC e de juros notificadas à Requerente, respeitantes às viaturas identificadas nos autos e relativas ao imposto dos anos de 2013 e 2014, por alegada violação do disposto no artigo 3º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, com a determinação do consequente reembolso do montante pago pela Requerente, em caso de procedência do pedido, acrescido de juros indemnizatórios, bem como decidir da (i)legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra as referidas liquidações de imposto e juros.

 

6.16.      Com efeito, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente invoca a circunstância de nos “casos abrangidos pelo (…) pedido de pronúncia arbitral, o imposto liquidado respeita a veículos já vendidos pela Requerente, veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente e um caso em que o imposto se refere a um período tributário anterior à retoma do veículo pela Requerente, sendo que todos estes casos correspondem a motivos de exclusão incidência subjectiva do imposto, não atendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em cada uma das liquidações (…) objecto de pedido de pronúncia arbitral”.

 

6.17.      Neste âmbito, considera a Requerente não ser o sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, porquanto de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, aí está consagrada uma presunção ilidível, ou seja, uma presunção que admite prova em contrário, nomeadamente, através da demonstração que as viaturas automóveis na origem das liquidações de IUC ou estavam locadas a terceiros na data da verificação do facto gerador do imposto nos anos de 2013 e 2014, ou já tinham sido vendidas nessa data, ou ainda não tinha sido objecto de retoma pela Requerente.

 

6.18.      Em sentido contrário, a Requerida considerou que o disposto no artigo 3º, nº1 do Código do IUC, não comporta qualquer presunção legal e defende, pelo contrário, que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos estão registados.

 

6.19.      Neste âmbito, haverá que dar resposta às seguintes questões:

 

6.19.1.  O artigo 3º do Código do IUC, na redação em análise, consagra ou não uma presunção legal ilidível quanto aos sujeitos passivos de imposto?

6.19.2.  Se sim, a documentação apresentada no pedido de pronúncia arbitral foi ou não suficiente para ilidir a referida presunção, para cada uma das situações descritas?

6.19.3.  Se, estando em vigor, na data da ocorrência do facto gerador do imposto (para algumas das viaturas identificadas no ponto 5.2., supra), um contrato de locação financeira para cada uma delas, quem era, para efeitos do disposto no artigo 3º, nºs 1 e 2 do Código IUC, o sujeito passivo do IUC?

6.19.4.  Se, algumas das viaturas identificadas no ponto 5.2., tenham sido vendidas em momento anterior ao facto gerador do imposto, a Requerente ainda era, nessa data, passível de ser considerada sujeito passivo do IUC respeitante a essas viaturas?

6.19.5.  Se, tendo sido a viatura ... objecto de retoma em momento posterior ao facto gerador do imposto relativo ao ano 2013, a Requerente deveria ser considerada como sujeito passivo do IUC respeitante à mesma?

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

6.20.      Ora, sendo estas as questões a decidir nos presentes autos, será assim necessário determinar a incidência subjectiva do IUC, de acordo com o disposto no respectivo Código e assumir uma posição sobre a referida norma de incidência subjectiva de modo a aferir se a mesma estabelece ou não uma presunção legal.

 

6.21.      Todavia, e antes de passar a interpretar o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, é relevante ter presente o disposto no artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT), na medida em que as normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação e, bem assim, o disposto no artigo 9º do Código Civil que estabelece as regras e elementos para a interpretação das normas.

 

6.22.      Na verdade, a actividade interpretativa é, como refere Francesco Ferrara, “a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se (…)” pois “(…) o intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei parece objectivamente querido (…)” (sublinhado nosso).

 

6.23.      Assim, para o mesmo autor, entender a lei “não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direcções possíveis” (sublinhado nosso).

 

6.24.      Como refere Baptista Machado  “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras (…)” pelo que “(…) embora aparentemente claro na sua expressão verbal e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo – fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista” (sublinhado nosso).

 

6.25.      Assim, para que possamos concluir se o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC consagra (i) uma presunção ilidível de quem deve ser considerado sujeito passivo do imposto com base no Registo Automóvel ou se (ii) o Legislador pretendeu expressa e intencionalmente determinar, com base no Registo Automóvel, quem deve ser considerado o sujeito passivo do IUC, é fundamental em primeiro lugar atentar na letra da Lei.

 

6.26.      Nestes termos, de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC (na redação em vigor à data a que se reportam as liquidações em crise), “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” (sublinhado nosso).

 

Do Elemento Literal

 

6.27.      Ora, de acordo com o elemento literal da norma referida, a problemática centra-se na expressão “considerando-se como tais” utilizada pelo Legislador (sublinhado nosso).

 

6.28.      De facto, a letra da Lei não refere a expressão “presumindo-se”, conforme constava nos diplomas antecedentes ao presente Código do IUC, sendo assim questionável se a natureza de presunção continua ou não a estar presente na norma em análise.

 

6.29.      Neste sentido, a título de exemplo, verifica-se, que no artigo 243º, nº 3 do Código Civil e nos artigos 45º, nº 6 e 89º-A, nº 4 da LGT, também é utilizada a expressão “considera-se” e, no entanto, estamos perante presunções legais pelo que, de acordo com as normas gerais de interpretação, se considera que está assegurado o mínimo de correspondência verbal, para efeitos da determinação do pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma em apreço.

 

6.30.      E, como afirma Karl Larenz , se “o sentido literal na maior parte dos casos não basta como critério interpretativo, precisamente porque ainda permite diversas interpretações”, também é verdade que, se acompanhado de outros elementos é bastante relevante e indiciador do verdadeiro sentido da norma em análise, apontando para que a expressão “considerando-se como tais” seja equivalente à expressão anteriormente utilizada de “presumindo-se como tais” (sublinhado nosso).

 

Do Elemento Histórico

 

6.31.      Não obstante, e ainda no âmbito dos elementos da interpretação, de acordo com o artigo 9º do Código Civil, importar também atender ao elemento histórico.

 

6.32.      No entender de Baptista Machado , este elemento “compreende todos os materiais relacionados com a história do preceito, a saber: a história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico em causa (…); as chamadas fontes da lei, ou seja os textos legais ou doutrinais que inspiraram o legislador na elaboração da lei (…); os trabalhos preparatórios” (sublinhado nosso).

 

6.33.      Neste âmbito, o legislador, na definição da incidência subjectiva do Imposto Municipal sobre Veículos (IMV), do Imposto de Circulação (ICI) e do Imposto de Camionagem (ICA), impostos abolidos pelo IUC, estabelecia que "o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados" (sublinhado nosso).

 

6.34.      Nestes termos, quanto a este elemento de interpretação fica demonstrado que os antecedentes do Código do IUC consagraram uma presunção de que são sujeitos passivos do IUC os proprietários registados na Conservatória do Registo Automóvel.

 

6.35.      No que diz respeito ao IUC, não obstante continuar a atribuir aos proprietários dos veículos a qualidade de sujeitos passivos, o legislador optou por utilizar uma formulação diversa da norma de incidência, abandonando a expressão "(…) presumindo- se como tais, (…)” em favor da expressão, reitere-se, "(…) considerando-se como tais (…)".

 

6.36.      Em consequência, fica claro que o entendimento subjacente ao disposto naquele artigo do Código do IUC (na redação em análise) prevê uma presunção ilidível, relativamente à qual a questão semântica em nada altera o sentido interpretativo da norma.  

 

6.37.      Se for adoptado o entendimento perfilhado em anteriores decisões   sobre a mesma matéria, entendemos que deve ser concluído que, de facto, o artigo 3º, nº 1, do Código do IUC (na redação em análise) consagrava uma presunção, pois não é a substituição da expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se” que faz com que esta norma deixe de consagrar uma presunção (sublinhado nosso).

 

6.38.      Na verdade, entendemos que se está perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão, porquanto:

 

6.38.1.  Para que se esteja perante uma presunção legal, é necessário que a norma que a estabelece se adapte ao respectivo conceito legal (vertido no artigo 349º do Código Civil), sendo para tal irrelevante que a mesma seja explícita (revelada pela utilização da expressão "presumem-se") ou apenas implícita.  

6.38.2.  Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador está limitada por princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP), nomeadamente, o princípio igualdade, cuja relevância é pertinente no caso em análise.

 

6.39.      Neste âmbito, “a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses (…) previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo" (sublinhado nosso).

 

6.40.      É no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do Registo Automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo, estabelecida no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC.

 

6.41.      Com efeito, no que respeita à importância do Registo Automóvel, importa referir que o registo permite publicitar a situação jurídica dos bens e, bem assim, presumir que existe o direito sobre esses e que o mesmo pertence ao titular, conforme consta do registo.

 

Do Elemento Racional e Teleológico

 

6.42.      Caberá agora a vez de ser utilizado o elemento racional ou teleológico o qual reveste a maior importância para determinar o sentido da norma em análise, porquanto, segundo o autor Menezes Cordeiro , “a interpretação é hoje dominada pelo factor teleológico”.

 

6.43.      Assim, no que se refere ao elemento racional e teleológico, importa fazer notar que o IUC tem subjacente o princípio da equivalência (consagrado no artigo 1º do Código daquele imposto), princípio que veio corporizar as preocupações ambientais ao estabelecer que o imposto deve onerar os contribuintes pelos custos ambientais e viários provocados pela circulação automóvel, ou seja, quem poluir tem de pagar (princípio que também subjaz ao artigo 66º, nº 2, alínea h), da CRP e ao Direito Comunitário).

 

6.44.      Como escreve Sérgio Vasques , “em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria actividade” pelo que “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também” (sublinhado nosso).

 

6.45.      Com efeito, o que se pretende alcançar através da consagração do referido princípio da equivalência é fazer com que os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

 

6.46.      Sendo conhecida a dimensão dos danos ambientais causados pelos veículos automóveis, a lógica e coerência do sistema de tributação automóvel, em geral, e do regime inscrito no Código do IUC, em particular, apontam no sentido de que quem polui deve pagar, associando assim, o imposto aos danos ambientalmente causados.

 

6.47.      Tratam-se, pois, de preocupações com assinalável importância, na economia do IUC, e que não se poderão deixar de, coerentemente, ter em conta na interpretação do artigo 3º, relativo à incidência subjectiva daquele imposto.

 

6.48.      Nestes termos, correspondendo a tributação (em sede de IUC) dos reais poluidores a um importante fim visado pela lei, à luz dos elementos de carácter racional e teleológico de interpretação, impõe-se concluir que o nº 1 do artigo 3º do Código do IUC (na redação já citada) consagra uma presunção ilidível.

 

6.49.      Em resumo, importa salientar que os referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, sejam os respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se como tais” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se como tais”, devendo, assim, entender-se que, reitera-se, o disposto no nº 1 do artigo 3º do Código do IUC consagra uma presunção legal.

 

6.50.      Ora, de acordo com o disposto no artigo 349º do Código Civil, as presunções são as ilações que a lei (ou o julgador), tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

 

6.51.      Deste modo, as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), pelo que quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de fazer prova do facto a que ela conduz (artigo 350º, nº1 do Código Civil).

 

6.52.      Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (artigo 350º, nº 2 do Código Civil) e, tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente previsto no artigo 73º da LGT.

 

6.53.      E, sobre a consagração no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC (na redação em análise) de uma presunção ilidível pronunciaram-se já diversas decisões arbitrais nesse sentido, bem como Acórdãos de Tribunais superiores.

 

6.54.      Nestes termos, a resposta que deverá ser dada à questão formulada no ponto 6.19.1., supra será a de que o artigo 3º do Código do IUC consagra, efectivamente, uma presunção ilidível quanto aos sujeitos passivos de IUC, de modo a poder afastar a presunção de que são considerados como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. 

 

6.55.      No que diz respeito à segunda das questões a responder (ou seja, se a documentação apresentada no pedido de pronúncia arbitral foi ou não suficiente para ilidir a referida presunção legal, passemos a analisar, em seguida, cada uma das situações abrangidas no pedido de pronúncia arbitral:

 

6.55.1.  Viaturas objecto de contrato de locação financeira, em vigor à data do facto gerador do IUC relativo aos anos 2013 e/ou 2014;

6.55.2.  Viaturas alienadas em momento anterior à data do facto gerador do IUC relativo aos anos 2013 e/ou 2014;

6.55.3.  Viatura objecto de retoma em momento posterior à data do facto gerador do IUC (ano 2013).

 

Da incidência subjectiva do imposto na vigência do Contrato de Locação Financeira

 

6.56.      O Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira (provado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, com as alterações entretanto nele introduzidas), estabelece que é obrigação do Locador, entre outras, “conceder o gozo dos bens para os fins a que se destina”.

 

6.57.      Por outro lado, o mesmo diploma estabelece as obrigações do Locatário nomeadamente, a de “pagar as rendas”, a de “assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente”, bem como a de “usar e fruir o bem Locado”.

 

6.58.      Tendo em consideração as obrigações acima transcritas, a título de exemplo, para ambas as partes de um Contrato de Locação Financeira, será possível concluir que na vigência de um contrato daquela natureza, embora o Locador continue como proprietário do bem em causa, só o Locatário tem o gozo exclusivo do bem Locado, usando-o como se fosse ele o verdadeiro proprietário.

 

6.59.      Adicionalmente, refira-se que o Locatário financeiro é equiparado a proprietário, para efeitos do disposto no nº 1, do artigo 3º do Código do IUC, ou seja, o mesmo será dizer que será este que deve ser considerado como sujeito passivo do IUC (vide artigo 3º, nº 2 daquele Código).

 

6.60.      Assim sendo, não dispondo o Locador por imposição legal e contratual do potencial de utilização do veículo e tendo o Locatário o gozo exclusivo do automóvel, reafirmamos a conclusão de que, em nosso entender, manda a ratio legis do Código do IUC que, nos termos do disposto no nº 2, do seu artigo 3º, seja o Locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e provoca os custos viários e ambientais a ele inerentes.

 

6.61.      Aliás, à mesma conclusão se chega quando se verifica a importância dada aos utilizadores dos veículos Locados, de acordo com o preceituado no então em artigo 19º do Código do IUC, nos termos do qual, as entidades que procedessem, designadamente, à Locação Financeira de veículos ficavam obrigadas a fornecer à AT (ex-DGCI), a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos Locados, para efeitos do disposto no artigo 3º do Código do IUC.

 

6.62.      Nestes termos, e dando resposta à questão formulada no ponto 6.19.3., supra, é entendimento deste Tribunal Arbitral que se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, vigorar um contrato de Locação Financeira que tem como objecto uma viatura automóvel, o sujeito passivo do imposto não é o Locador mas sim, à luz do disposto no nº 2, do artigo 3º do Código do IUC, o Locatário, porquanto é este que tem o gozo do veículo e, como tal, o inerente potencial poluidor (independentemente do registo do direito de propriedade permanecer em nome do Locador).

 

6.63.      Face ao acima exposto, concluindo-se que o sujeito passivo do imposto é o Locatário, caso as viaturas objecto de liquidação de IUC estejam, à data do facto gerador do imposto, locadas ao abrigo de Contrato de Locação Financeira e, consagrando o já referido artigo 3º, nº 1, do Código do IUC uma presunção ilidível, cumpre ainda analisar se esta presunção foi efectivamente ilidida pela Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 73º da LGT, para as viaturas identificadas no ponto 5.10., supra.

 

6.64.      Neste âmbito, o que a Requerente se propõe provar, é que à data do facto gerador do IUC (em 2013 e 2014), as viaturas automóveis que deram origem aos actos de liquidação identificadas no ponto 5.10., supra, estavam Locadas ao abrigo de quatro Contratos de Locação Financeira (identificados no ponto 5.10., supra), anexando para efeitos de prova cópias dos Contratos de Locação Financeira celebrados, para cada uma das viaturas identificadas, entre a Requerente (Locadora) e os respectivos Locatários, devidamente assinados por ambas as partes.

 

6.65.      E, apesar da Requerida ter impugnado, para todos os efeitos legais, todos os documentos juntos pela Requerente com o pedido (artigo 119º da Resposta), a verdade é que, tratando-se de documentos particulares, impunha-se à Requerida impugnar a veracidade da letra ou da assinatura.

 

6.66.      Ora, não o tendo feito a Requerida e não tendo arguido a falsidade dos ditos documentos, têm os documentos juntos pela Requerente força probatória plena, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376º do Código Civil, porquanto não viu este Tribunal razões para pôr em causa a veracidade das cópias, dando como provados os factos neles contidos quanto à existência de contratos de locação financeira, na data do facto gerador de imposto, para as viaturas identificadas.

 

6.67.      Neste âmbito, dado que a ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347º do Código Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, tendo em consideração o acima exposto, será forçoso concluir que a Requerente conseguiu provar que, a data da ocorrência dos factos tributários em análise (2013 e 2014), os sujeitos passivos do IUC associado às liquidações relativas às viaturas identificadas no ponto 5.10., supra eram os Locatários dos respectivos Contratos de Locação Financeira, pelo que se entende que, neste âmbito, foi ilidida a presunção derivada da inscrição do Registo Automóvel (a favor da Locadora) relativamente às referidas viaturas.

 

6.68.      Consequentemente, tendo a Requerente demonstrado que, à data das referidas liquidações de IUC, não era o sujeito passivo do imposto quanto às referidas viaturas, é afirmativa a resposta a dar à questão formulada no ponto 6.19.2., ou seja, de que a Requerente conseguiu ilidir a presunção do artigo 3º do Código do IUC, no que diz respeito às liquidações identificadas no ponto 5.11., supra, sendo afirmativa a resposta a dar à questão formulada no ponto 6.19.3., supra.

 

6.69.      Deste modo, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do IUC, a Requerida não podia ter liquidado o imposto à Requerente.

 

6.70.      Em consequência, as referidas liquidações de IUC, identificadas no ponto 5.11., supra, efectuadas pela Requerida, enfermam de ilegalidade, devendo, por isso, ser anuladas.

 

Viaturas alienadas em momento anterior à data do facto gerador do IUC

 

6.71.      Neste âmbito, alega a Requerente que, em diversas situações (que identifica) subjacentes às liquidações de IUC objecto do pedido, “(…) o veículo associado à liquidação ter sido vendido (…) anteriormente à data de vencimento do IUC”, ou seja, “(…) na data de vencimento do imposto, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada veículo, ou outro detentor equiparável (…)”.

 

6.72.      E, acrescenta a Requerente que “mesmo que não tenha sido dada publicidade às transmissões da propriedade” dos referidos veículos “através do registo automóvel, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários do veículo, uma vez demonstrada (…) a respectiva transmissão” porquanto entende que este facto “(…) consubstancia juridicamente um motivo de exclusão de incidência subjectiva do imposto (…)”.

 

6.73.      Para efeitos de prova de que ocorreu a transmissão da propriedade das referidas viaturas, a Requerente anexou ao pedido cópias de diversas facturas e de notas de débito, relativas a cada uma das viaturas alegadamente transmitidas em momento anterior ao do facto gerador do IUC (acima identificadas no ponto 5.19.), com a identificação da Entidade a quem foi emitida, morada e nº de contribuinte.

 

6.74.      A Requerida contrapõe posição, afirmando que “(…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”, defendendo que “as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes” e acrescentando que “as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram ao ponto de meras facturas unilateralmente emitidas pela Requerente poderem substituir o requerimento de registo automóvel (…)”.

 

6.75.      Nestes termos, entende a Requerida que tendo em consideração que “as facturas não constituem contratos de compra e venda” e, apresentando “(…) no seu descritivo menções distintas”, e “mostrando-se as facturas desconformes (…) então forçoso é concluir que tais documentos jamais podem beneficiar da presunção de verdade (…)”, concluindo que “a Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa (…)”.

 

6.76.      Nestes termos, para efeitos de prova de que ocorreu a transmissão da propriedade das viaturas automóveis identificadas subjacentes às liquidações de IUC, em momento anterior ao do facto gerador do imposto (em 2013 e 2014), será necessário aferir que valor deve ser reconhecido aos elementos disponibilizados, pela Requerente, para provar aquela transmissão.

 

6.77.      Em termos gerais, sempre que ocorre uma compra e venda de um veículo, deve ser preenchido um documento bilateral destinado ao registo automóvel (cujo preenchimento não constitui formalidade essencial do negócio) e que contém uma declaração assinada por ambas as partes quanto à celebração do contrato.

 

6.78.      E precisamente porque a compra e venda de uma coisa móvel é um negócio não formal, aos serviços do Registo Automóvel basta este instrumento particular como prova para se proceder à alteração do registo (que pode ser promovida pelo vendedor, em nome do adquirente, munido de uma simples cópia dessa declaração).

 

6.79.      No caso em análise, o que a Requerente pretende no processo não é meramente ilidir uma presunção fiscal mas sim ilidir a presunção de veracidade dos factos que se encontram registados publicamente (e para finalidades de interesse público).

 

6.80.      Ora, o pressuposto da tributação levada a cabo pela Requerida foi, de acordo com o indicado no Registo Automóvel, de que a Requerente era, para efeitos do disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC (na redação em análise), a legítima proprietária das viaturas relativamente às quais foi liquidado o imposto, respeitante aos anos de 2013 e 2014, cuja verificação da legalidade é objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

6.81.      Como acima vimos (vide conclusão do ponto 6.49.), o artigo 3º, nº 1 do Código do IUC consagra uma presunção ilidível pelo sujeito passivo, por força do disposto no artigo 73º da LGT pelo que, face à verificação de tal pressuposto da liquidação, legitimador da actuação da Requerida, cabe à Requerente apresentar prova bastante da ilegitimidade dos actos tributários, caso em que as liquidações do imposto não se poderiam manter na ordem jurídica.

 

6.82.      Nesta matéria, e passando a analisar com mais detalhe os documentos apresentados pela Requerente, para efeitos de ilidir a presunção legal no que diz respeito às viaturas alegadamente alienadas em momento anterior ao do facto gerador do imposto, teremos de referir que facturas e notas de débito, tratando-se de documentos particulares, unilateralmente emitidos pela Requerente (ainda que com carácter comercial), sem qualquer intervenção do comprador, podem por este ser objecto de negação quanto aos desejados efeitos contratuais de qualquer negócio (nomeadamente, que este tenha sido, efectivamente, celebrado, invalidando com isso qualquer valor probatório das mesmas.  

 

6.83.      Em consequência, aos documentos apresentados pela Requerente, identificados nos pontos 5.19 e 6.73., supra, por terem natureza de documentos particulares e por serem unilaterais, não pode reconhecer-se senão um valor probatório muito limitado para provar a existência de um contrato sinalagmático (como é o caso da compra e venda), porquanto qualquer daqueles documentos contabilísticos não prova sequer o pagamento do preço pelo comprador.  

 

6.84.      Com efeito, em termos gerais, tanto as facturas como as notas de débito), constituem documentos contabilísticos elaborados pelas empresas, devendo:

 

6.84.1.  As primeiras serem enquadradas como documentos contabilísticos através dos quais o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada e;

6.84.2.  As segundas serem enquadradas como documentos contabilísticos em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário.

 

6.85.      Apesar de ambos os documentos referidos no ponto anterior surgirem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, mas não fazendo qualquer prova do pagamento do preço pelo mesmo, em consequência, não podem também fazer prova de que se concluiu o contrato de compra e venda.

 

6.86.      Com efeito, em cada uma desses documentos anexados anexados pela Requerente (doc. 1 a 14) há a menção de “Válido após boa cobrança”, mas quanto a esta “boa cobrança” não foi efectuada qualquer prova pela Requerente, pelo que se pode questionar se o valor em causa em cada um desses documentos foi ou não pago pela entidade facturada.

 

6.87.      Na verdade, não tendo sido anexadas ao processo, nomeadamente, cópias dos documentos comprovativos de pagamento do preço (cheque ou comprovativo de transferência do montante relativo à alienação de cada uma das viaturas), a transmissão da propriedade efectiva das referidas viaturas não conseguiu ser comprovada.

 

6.88. Com efeito, só com a apresentação de tais documentos (com presunção de veracidade e idoneidade), é que teria havido força bastante para ilidir, de acordo com o disposto no artigo 73º da LGT, a presunção constante do artigo 3º, nº 1 do Código do IUC (e em consequência da qual resultaram as liquidações de imposto).

 

6.89. Nestes termos, será forçoso concluir que a Requerente não conseguiu provar a transmissão da propriedade dos veículos identificados no ponto 5.19., supra, em momento anterior ao do facto gerador do IUC relativo às liquidações dos anos 2013 e 2014, que fazem parte do Pedido Arbitral e, em consequência, nesta medida, não conseguiu aqui ilidir a presunção derivada da inscrição do Registo Automóvel.

 

6.90. Consequentemente, a Requerente não conseguiu demonstrar que, à data das liquidações de IUC, não era a proprietária das viaturas objecto daquelas liquidações (e identificadas no ponto 5.19., supra), sendo assim negativa a resposta a dar à questão formulada no ponto 6.19.2., ou seja, a Requerente não conseguiu ilidir a presunção do artigo 3º do Código do IUC no que diz respeito à titularidade das referidas viaturas, sendo por isso a Requerente o sujeito passivo do IUC em relação a cada uma delas.

 

6.91.      Deste modo, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do IUC, a Requerida era competente para liquidar o imposto à Requerente, enquanto pessoa em nome do qual os veículos objecto das liquidações se encontravam registados (de acordo com o disposto no artigo 3º do Código do IUC).

 

6.92.      Assim, as liquidações de IUC e juros aqui em causa, no montante total EUR 4.622,09, efectuadas, pela Requerida, não enfermam, em consequência do acima exposto, de qualquer ilegalidade, não devendo, por isso, ser anuladas.

 

Da incidência de IUC relativo ao ano 2013 no que diz respeito a viatura objecto de retoma em momento posterior ao facto gerador do imposto

 

6.93.      Nesta matéria, alega a Requerente no pedido que, também no que diz respeito à viatura matrícula ..., a liquidação de IUC do ano 2013 não é devida porquanto diz respeito “(…) a um veículo adquirido pela Requerente posteriormente à data de vencimento do imposto”.

 

6.94.      Ou seja, segundo a Requerente, sendo “o imposto (…) exigível ao proprietário (ou outros detentores do veículo equiparáveis) no primeiro dia do período de tributação do veículo”, “(…) resulta que na data de vencimento do imposto, a Reclamante ainda não era a proprietária (…) pelo que o sujeito passivo deverá ser o anterior proprietário, ou outro detentor equiparável existente em data anterior à venda (…)”.

 

6.95.      Neste âmbito, entende a Requerida que “não assiste razão à Requerente (…)” porquanto da documentação anexada “(…) não se extrai a existência de reserva de propriedade a favor da Requerente para o ano tributário em causa”, não tendo a Requerente demonstrado “(…) que tal facto (…) se mantinha registado a seu favor no registo automóvel, ónus que se lhe impunha”.

 

6.96.      Neste caso, tendo em consideração a documentação anexada pela Requerente, foi dado como provado, no ponto 5.12., supra, que a viatura matrícula ... foi objecto de um contrato de mútuo para aquisição de viatura automóvel, (contrato nº..., com início em 12-12-2007 e duração de 7 anos), no qual foi estabelecida, a favor da Requerente, uma cláusula de reserva de propriedade.

 

6.97.      Ora, o artigo 409º do Código Civil estipula que, nos contratos de alienação (no caso, de mútuo), o alienante (no caso, a Requerente) pode reservar a seu favor a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial de todas as obrigações ou até à verificação de qualquer outro evento sendo que a reserva de propriedade concede, de forma imediata, ao adquirente o uso e fruição do bem adquirido e permite a recuperação da coisa pelo alienante caso se verifique o incumprimento das obrigações contratuais.

 

6.98.      Nos casos em que a aquisição de veículo é efectuada com recurso a financiamento e seja estabelecida uma cláusula de reserva de propriedade, o adquirente contrata a compra do veículo com o fornecedor, sendo o preço pago pela entidade Mutuante (no caso, a Requerente), sendo que a propriedade do veículo só se transmite para o Mutuário no termo do contrato de Mútuo.

 

6.99.      No pedido, a Requerente anexou aos autos cópia do referido contrato de mútuo, nos termos do qual se evidencia que o mesmo estava ainda em vigor, à data do facto gerador do IUC 2013 (vide ponto 5.12., supra).

 

6.100. A reserva de propriedade a favor da Requerente (Mutuante no contrato) é constituída através de uma sub-rogação da mesma nos direitos do alienante do veículo, sendo que a existência de reserva de propriedade sobre a viatura a favor da Requerente permite-lhe reservar para si o domínio da coisa (veículo) até ao cumprimento das obrigações que recaiam sobre o devedor (Mutuário) no âmbito do contrato em causa (Mútuo).

 

6.101. Não obstante, a posse da coisa passa imediatamente, e por força do contrato, para a esfera do adquirente (Mutuário), sendo este o seu utilizador exclusivo.

 

6.102.    Ora, reconhecendo este efeito, o legislador previu, no artigo 3º, nº 2 do Código do IUC, a equiparação a proprietários, para efeitos da determinação da sujeição passiva de IUC, dos adquirentes com reserva de propriedade.

 

6.103. E sendo certo que o artigo 3º, nº 1 do artigo do Código do IUC ( na redação em vigor à data a que se reportam as liquidações de IUC em crise) dispunha que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” consagrando, como vimos, uma presunção legal ilidível, entende este Tribunal Arbitral que, na liquidação em análise, a prova documental que a Requerente anexou para a ilidir foi, no caso, suficiente para o conseguir.

 

6.104. Face ao acima exposto, sendo a prova anexada suficiente para afastar, neste caso, a presunção será assim de concluir que a liquidação de IUC e de juros incidente sobre a viatura matrícula ..., no montante de EUR 57,57, se encontram feridas de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito, nomeadamente por erro quanto à identificação da Requerente como sujeito passivo do imposto em causa.

 

6.105. Assim, deverá ser positiva a resposta à questão acima formulada no ponto 6.19.2., supra, e nativa a resposta a dar à questão acima formulada no ponto 6.19.5., pelo que as liquidações de IUC e juros aqui em causa (no montante total EUR 57,57), efectuadas pela Requerida enfermam, em consequência do acima exposto, de ilegalidade devendo, por isso, ser anuladas.

 

6.106.    No que diz respeito às liquidações de IUC e de juros incidentes sobre a viatura matrícula ..., no valor total de EUR 1.778,05, dado que não foi anexada qualquer prova para demonstrar o alegado (de que havia a viatura sido transmitida em momento anterior ao do facto gerador do IUC – 2013 e 2014), são de manter as mesmas.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.107. De acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.108. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.   

 

6.109. Assim, nos processos arbitrais tributários haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (sublinhado nosso), não sendo necessários que os mesmos sejam pedidos na petição.   

 

6.110. No entanto, importará atender ao disposto nos artigos acima referidos, na medida em que o direito a juros indemnizatórios dependerá da verificação de um erro imputável aos serviços, do qual resultou um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.111. Em resumo, o direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto superior ao devido e que tal facto derive de erro (de facto ou de direito) imputável aos serviços da Requerida.

 

6.112. No caso em análise, e para as liquidações cuja ilegalidade foi verificada, face à análise acima efectuada, ao promover as liquidações oficiosas do IUC considerando o Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Requerida limitou-se a dar cumprimento do disposto no nº 1, do artigo 3º, do Código do IUC (na redação em vigor à data a que se reporta o facto gerador do IUC) que, como acima já foi analisado, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

6.113.Ora, como acima já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, pelo que decorre para a Requerida o direito de liquidar o imposto e exigi-lo às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, não se vislumbrando assim qualquer erro que lhe fosse imputável.

 

6.114. Todavia, estipula o artigo 100º da LGT que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

6.115. Assim sendo, tal como consignado, entre outros, nas Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos nºs 208/2015-T e 748/2016-T, ao decidir a reclamação graciosa apresentada (traduzida em diversas reclamações que foram apensadas numa só), a Requerida deveria ter acolhido a pretensão da Requerente quanto à ilegalidade das liquidações acima identificadas, sendo que o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.54

 

 

6.116. Com efeito, seguindo a jurisprudência vertida naquelas decisões arbitrais, “este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção”.

 

6.117.    Deverá, desta forma, entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, começaram a contar juros indemnizatórios, juros que deverão ser calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43º, nº 1, e 35º, nº 10 da LGT, do artigo 24º, nº 1 do RJAT, do artigo 61º, nºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559º do Código Civil e da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril (ou outra(s) que alterem a taxa legal).

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.118.    Em consonância com as conclusões acima apresentadas, e nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.119. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.120. Nestes termos, tendo em consideração o acima analisado, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada à Requerente e à Requerida, na proporção do respectivo decaimento, ou seja, em 87% e em 13%, respectivamente.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, pelos fundamentos acima expostos, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção da caducidade do direito à acção, considerando o pedido de pronúncia arbitral tempestivo;

7.1.2.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, relativo às liquidações de IUC e de juros respeitantes aos anos 2013 e 2014, incidentes sobre as viaturas automóveis objecto de contrato de locação financeira, no montante total de

EUR 626,09, sendo de anular a mesmas, com a consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação na parte a que a estas respeita, determinando-se a devolução do montante indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;

7.1.3.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, relativo às liquidações de IUC e de juros respeitantes aos anos 2013 e 2014, incidentes sobre as viaturas automóveis alegadamente transmitidas em momento anterior à data do facto gerador do imposto, no montante total de EUR 4.622,09;

7.1.4.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, relativo às liquidações de IUC e de juros respeitantes ao ano 2013, incidentes sobre a viatura automóvel objecto de contrato de mútuo com reserva de propriedade, no montante total de

EUR 57,57, sendo de anular a mesmas, com a consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação na parte a que a esta respeita, determinando-se a devolução do montante indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;

7.1.5.     Em consequência, condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respectivo decaimento (em 87% e em 13%, respectivamente).

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 5.305,75.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, sendo 87% a cargo da Requerente e 13% a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

***

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Setembro de 2019

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 17 de março de 2016, já transitado em julgado, que declarou a anulação da decisão proferida nos presentes autos em 22 de julho de 2015, impõe-se a pronúncia de nova decisão arbitral.

 

Decisão Arbitral

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de Abril de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A…, S.A. (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº…, com sede no …, …, … …, segundo andar, em Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 3 de Fevereiro de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre “sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas (…), por violação do disposto no art. 3º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 5.305,75 Euros, correspondente a 5.164,87 Euros de imposto pago indevidamente e 140,88 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 4 de Fevereiro de 2015 e foi notificado, à Requerida, em 10 de Fevereiro de 2015.

 

1.4.        A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 25 de Março de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Em 25 de Março de 2015, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10 de Abril de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, “apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, querendo, solicitar a produção de prova adicional”.

 

1.7.        Em 18 de Maio de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo:

 

1.7.1.     Suscitado uma questão prévia, relativa à “falta de junção das liquidações atinentes ao (…) pedido de pronúncia arbitral” e,

1.7.2.     Se defendido por impugnação, concluindo que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.

 

1.8.        Em 24 de Maio de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido de notificar a Requerente para, no prazo de cinco dias, “juntar ao processo (a) os documentos em falta no pedido de pronúncia arbitral (Doc. 20 a 26 do pedido), bem como, (b) as cópias das liquidações identificadas na Tabela Anexa àquele pedido”.

 

1.9.        Adicionalmente, o mesmo despacho arbitral mandou notificar a Requerida “do teor deste despacho” e de que dispunha do prazo de cinco dias “(a contar da notificação da junção dos referidos documentos pela Requerente) para, querendo, se pronunciar sobre o teor dos documentos que vierem a ser juntos ao processo pela Requerente (…)”.

 

1.10.      Em 9 de Junho de 2015, na sequência do despacho arbitral de 24 de Maio de 2015 (acima referido no ponto 1.8.) “e tendo em consideração que nenhum documento foi, no prazo de 5 dias, anexado ao processo pela Requerente”, foi emitido novo despacho no sentido de notificar ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa:

 

1.10.1.  Da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, e

1.10.2.  De apresentação de alegações.

 

 

1.11.      Em 19 de Junho de 2015, a Requerente apresentou requerimento “prescindindo da reunião referida no artigo 18º (…) bem como da apresentação de alegações”, e “requerendo a admissão aos autos dos documentos solicitados (…) por despacho de 24 de Maio do ano corrente (…)”.

 

1.12.      A Requerente esclareceu ainda que, “à data do pedido de constituição de tribunal arbitral foi indicada a junção de 26 documentos quanto (…) se pretendia juntar 19 documentos (…)”.

 

1.13.      Em 22 de Junho de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido de ser admitida a junção aos autos do requerimento apresentado, em 19 de Junho de 2015, pela Requerente e notificando-se a Requerida para que se pronunciasse, “no prazo máximo de cinco dias, sobre o teor do mesmo”.

 

1.14.      A Requerida não apresentou, dentro do prazo dado para o efeito, qualquer requerimento quanto ao teor dos despachos arbitrais datados de 24 de Maio de 2015 (vide ponto 1.8. e 1.9., supra), de 9 e de 22 de Junho de 2015 (vide ponto 1.10. e 1.13., supra).

 

1.15.      Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 3 de Julho de 2015, foi decidido prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como prescindir da apresentação de alegações, tendo sido designado o dia 22 de Julho de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.16.      Adicionalmente, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar com data de 8 de Julho de 2015 e tendo comunicado ao CAAD em 27 de Julho de 2015).

 

1.17.      Nestes termos, foi proferida decisão arbitral, datada de 22 de Julho de 2015, no sentido de “julgar procedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” e “em consequência, julgar improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida”, “e, condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo”.

 

1.18.      A Requerente, inconformada com a decisão arbitral referida no ponto anterior, interpôs impugnação da mesma, junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), defendendo que a mesma deveria ser anulada “(…) por manifesta violação do princípio do contraditório (…)”.

 

1.19.      O TCAS julgou, em 17 de Março de 2016, “(…) procedente a (…) impugnação (…)”, anulando “(…) a decisão arbitral proferida no processo nº 55/2015-T (…)”.

 

1.20.      Este Tribunal Arbitral teve conhecimento do teor do referido Acórdão (proferido pelo TCAS), em 25 de Janeiro de 2017 (data da reabertura do processo na CAAD).

 

1.21.      Na notificação efectuada ao CAAD, acima identificada, estava ainda incluído o despacho de fls 283 e verso, cujo conteúdo era ilegível pelo que, por despacho arbitral datado de 24 de Fevereiro de 2017, foram pedidos esclarecimentos quanto ao “(…) teor do douto despacho acima referido (…), dado que o mesmo se encontra parcialmente ilegível na cópia constante da referida notificação”, bem como relativamente à consequência decorrente daquele Acórdão do TCAS, porquanto “(…) do teor do douto Acórdão acima identificado não resulta, de forma expressa, a consequência decorrente da anulação da Decisão Arbitral (…)”.

 

1.22.      O TCAS veio, por notificação postal registada, datada de 17 de Março de 2017 (notificada a 23 de Março de 2017), prestar os esclarecimentos que entendeu necessários, nomeadamente, através do envio de cópia datilografada do despacho de fls 283 e verso, bem como através do Ofício de fls 287.

 

1.23.      Por despacho arbitral de 9 de Maio de 2017, a Requerente foi notificada para “(…) no prazo de 5 dias, clarificar o objecto do pedido de pronúncia arbitral”.

 

1.24.      A Requerente, em 19 de Maio de 2017, apresentou requerimento no sentido de referir que “(…) não resulta claro para a Requerente o alcance do pedido que lhe é efectuado pelo Tribunal Arbitral uma vez que o pedido de pronúncia arbitral resulta manifestamente claro do pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado a 3 de Fevereiro de 2015 (…)”, o qual transcreve.

 

1.25.      Adicionalmente, a Requerente refere ainda que “(…) o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre o pedido efectuado, donde resulta implícita a sua total compreensão acerca do pedido (…)”, “motivo pelo qual se requer o esclarecimento, pelo Tribunal Arbitral, quanto ao conteúdo do despacho proferido a 9 de Maio do ano corrente”.

 

1.26.      Por despacho arbitral datado de 19 de Maio de 2017, o Tribunal Arbitral entendeu esclarecer a Requerente que “(…) o Tribunal Arbitral compreendeu o pedido, tal como foi formulado no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 3 de Fevereiro de 2015, tendo julgado o mesmo improcedente (…)”.

 

1.27.      Contudo, esclareceu este Tribunal Arbitral que, face à interposição, pela Requerente, de impugnação junto do TCAS e, tendo em consideração a decisão deste Tribunal de a julgar procedente [decidindo pela anulação da decisão arbitral proferida, com base no facto de ter havido preterição do princípio do contraditório, porquanto “(…) a questão apreciada e em que se suportou em exclusivo a sentença impugnada não foi invocada pelas partes, impunha-se que o Tribunal Arbitral, independentemente de a questão ser de conhecimento oficioso, a suscitasse perante as partes e lhes desse oportunidade de relativamente à mesma se pronunciarem (…)”], entendeu este Tribunal Arbitral notificar a Requerente nesse sentido, tendo em consideração o teor daquele Acórdão do TCAS (pedido de esclarecimento formulado no Despacho Arbitral de 9 de Maio de 2017).

 

1.28.      Assim, por despacho arbitral de 19 de Maio de 2017, o Tribunal Arbitral veio reiterar a notificação da Requerente para, no prazo de 5 dias, clarificar o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.29.      A Requerente, em requerimento datado de 2 de Junho de 2017, veio referir que continuava “(…) a não ser claro para a Requerente que tipo de esclarecimento é pretendido pelo tribunal arbitral” e, após diversas considerações que em nada contribuíram para clarificar o pretendido, conclui no sentido de requerer “(…) que o tribunal arbitral dê cumprimento à decisão proferida pelo TCA Sul”.

 

1.30.      Por despacho arbitral datado de 5 de Junho de 2017, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para, querendo, se pronunciar sobre o teor dos requerimentos da Requerente, apresentados em 19 de Maio e em 2 de Junho de 2017 (na sequência dos despacho arbitrais de 9 e 19 de Maio de 2017), tendo ainda sido fixada a data de 26 de Junho de 2017 para a prolação da nova decisão arbitral.

 

1.31.      A Requerida apresentou requerimento, em 9 de Junho de 2017, no sentido de referir que tendo em consideração “(…) o exposto no douto acórdão do TCA Sul, entende que o douto tribunal arbitral (…) procedeu à sanação do vício de que padecia a decisão arbitral, tendo notificado as partes para se pronunciarem quanto à eventual intempestividade do pedido de pronúncia arbitral”, pelo que defende que “(…) o Tribunal Arbitral deverá emitir pronúncia de nova decisão arbitral, uma vez que o vício da anterior, se considera sanado (…)”.

 

1.32.      A Requerente apresentou novo requerimento, em 16 de Junho de 2017, no sentido de “ensaiar” a tese de que não lhe foi dada “(…) oportunidade (…) para se pronunciar sobre a excepção de caducidade invocada na decisão arbitral (…)”, e apresentando esclarecimentos sobre o objecto do pedido arbitral.

 

1.33.      O Tribunal Arbitral, através de despacho datado de 22 de Junho de 2017, veio nomeadamente esclarecer que não podia “(…) aceitar um terceiro e novo requerimento apresentado, pela Requerente, em 16 de Junho de 2017, após os esclarecimentos apresentados pela Requerida (…)” atentos os motivos que naquele despacho desenvolve, nomeadamente:

 

1.33.1.  “(…) por duas vezes foi dada à Requerente a possibilidade de se pronunciar sobre o pedido e, consequentemente, por duas vezes lhe foi dada a possibilidade de apresentar a argumentação necessária (…), relativa às implicações associadas às motivações que determinaram que o Tribunal Arbitral (na decisão arbitral anteriormente proferida no âmbito deste processo), tenha conhecido oficiosamente da excepção da caducidade do pedido”;

1.33.2.  “(…) os dois prazos de 5 dias cada concedidos à Requerente, para os devidos efeitos, pelos despachos arbitrais acima já exaustivamente referidos, têm natureza peremptória, de acordo com o disposto no artigo 139º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)” e que “”(…) o nº 1 do artigo 139º do CPC dispõe que “o prazo é dilatório ou peremptório”, sendo que o nº 3 do mesmo artigo refere que “o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto” (sublinhado nosso);

 

1.34.      O Tribunal Arbitral, através de despacho datado de 22 de Junho de 2017, veio nomeadamente esclarecer que não podia “(…) aceitar um terceiro e novo requerimento apresentado, pela Requerente, em 16 de Junho de 2017, após os esclarecimentos apresentados pela Requerida (…)” atentos os motivos que naquele despacho desenvolve, nomeadamente:

 

1.34.1.  “(…) por duas vezes foi dada à Requerente a possibilidade de se pronunciar sobre o pedido e, consequentemente, por duas vezes lhe foi dada a possibilidade de apresentar a argumentação necessária (…), relativa às implicações associadas às motivações que determinaram que o Tribunal Arbitral (na decisão arbitral anteriormente proferida no âmbito deste processo), tenha conhecido oficiosamente da excepção da caducidade do pedido”;

1.34.2.  “(…) os dois prazos de 5 dias cada concedidos à Requerente, para os devidos efeitos, pelos despachos arbitrais acima já exaustivamente referidos, têm natureza peremptória, de acordo com o disposto no artigo 139º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)” e que “”(…) o nº 1 do artigo 139º do CPC dispõe que “o prazo é dilatório ou peremptório”, sendo que o nº 3 do mesmo artigo refere que “o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto” (sublinhado nosso);

1.34.3.  “de acordo com o vertido em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (nº 08B2372), de 27-11-2008, por remissão para o artigo 145º do CPC de 1961 (actual artigo 139º do CPC)” nos termos do qual “resulta do n º 3 do preceito transcrito que é prazo peremptório o estabelecido para a prática de um acto processual que, uma vez ele decorrido, deixa de poder ser praticado. Deixando a parte decorrer o prazo peremptório de que legalmente disponha, extingue-se o direito de o praticar (…). A este regime preclusivo que decorre do decurso de prazo peremptório estabelece a lei duas excepções [que não se verificam no caso em análise]. A primeira: a parte pode praticar o acto fora do prazo, havendo justo impedimento (entenda-se, de o praticar dentro do prazo). A segunda: independentemente do justo impedimento, a parte pode praticar o acto fora do prazo desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei. A regra é ser peremptório o prazo processual relativo a acto a praticar pela parte” (sublinhado nosso).

 

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral a anulação “das liquidações de IUC identificadas (…) e o consequente reembolso do montante de EUR 5.305,75, correspondente a (…) imposto pago indevidamente e (…) juros compensatórios indevidos, bem o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)”.

 

2.2.        “A Requerente é uma instituição financeira de crédito, sujeita a supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira”.

 

2.3.        Prossegue a Requerente referindo que “recebeu várias notas de liquidação de (…) IUC sobre veículos relacionados com a actividade supra mencionada, das quais reclamou graciosamente, tendo o processo corrido os seus termos sob o número …2014…”, tendo sido “notificada, no dia 3 de Dezembro de 2014, do respectivo despacho de indeferimento”.

 

2.4.        Refere ainda a Requerente que “pagou todas as importâncias liquidadas pela Autoridade Tributária referentes aos actos agora em causa”, sendo que o pedido apresentado de pronúncia arbitral respeita a actos de liquidação relativos “(…) aos anos de 2013 e/ou 2014”, remetendo para “Tabela Anexa na qual se identifica cada acto de liquidação (…)”.

 

2.5.        Reitera a Requerente que “discorda de todos os actos de liquidação objecto do presente requerimento (…)” porquanto entende que “não é o sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações oficiosas agora objecto de pedido de pronúncia arbitral” e, nesse sentido, “os actos tributários de liquidação do IUC (…) enfermam de erro sobre os pressupostos do (alegado) facto tributário, o que consubstancia um vício de violação de lei (…) susceptível de ser arguido para fundamentar a anulação dos actos tributários de liquidação de IUC (…)”.

 

2.6.        Com efeito, segundo a Requerente, “em todos os casos abrangidos pelo (…) pedido de pronúncia arbitral, o imposto liquidado respeita a veículos já vendidos pela Requerente, veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente e um caso em que o imposto se refere a um período tributário anterior à retoma do veículo pela Requerente, sendo que todos estes casos correspondem a motivos de exclusão incidência subjectiva do imposto, não atendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em cada uma das liquidações (…) objecto de pedido de pronúncia arbitral”.

 

Fundamentação quanto aos actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador

 

2.7.        Neste âmbito, alega a Requerente que “as primeiras 19 situações identificadas (…) partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação ter sido vendido (…) anteriormente à data de vencimento do IUC” o que, para a Requerente, “(…) consubstancia juridicamente um motivo de exclusão de incidência subjectiva do imposto (…)”.

 

2.8.        Assim, “(…) resulta que na data de vencimento do imposto, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada veículo, ou outro detentor equiparável (…)”.

 

2.9.        Continua a Requerente referindo que “mesmo que não tenha sido dada publicidade às transmissões da propriedade” dos veículos “através do registo automóvel, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários do veículo, uma vez demonstrada (…) a respectiva transmissão”.

 

Fundamentação quanto aos actos relativos a viaturas com contrato de Leasing vigente à data do facto gerador

 

2.10.      Nesta matéria, refere a Requerente que as “(…) situações (…) identificadas (…) reconduzem-se à mesma causa de pedir, i.e., o facto de o veículo associado à liquidação ter sido objecto de um contrato leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributário (...)”.

 

2.11.      Ora, segundo a Requerente, “sempre que os veículos são vendidos em leasing, verifica-se uma verdadeira transmissão da propriedade económica do veículo, sendo a propriedade jurídica do mesmo preservada pela instituição de crédito financiadora com uma mera função de garantia, e sendo, em conformidade, o veículo exclusivamente detido pelo locatário financeiro (…)”.

 

2.12.      Assim, conclui a Requerente que “(…) o sujeito passivo do imposto era exclusivamente o locatário financeiro (…)”.

 

Fundamentação quanto a IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente

 

2.13.      Quanto a esta questão, refere a Requerente que “o último caso mencionado (…) refere-se a liquidação de IUC relativa a um veículo adquirido pela Requerente posteriormente à data de vencimento do imposto”, ou seja, sendo “o imposto (…) exigível ao proprietário (ou outros detentores do veículo equiparáveis) no primeiro dia do período de tributação do veículo”, “(…) resulta que na data de vencimento do imposto, a Reclamante ainda não era a proprietária (…) pelo que o sujeito passivo deverá ser o anterior proprietário, ou outro detentor equiparável existente em data anterior à venda (…)”.

 

2.14.      Em resumo, “a Requerente conclui que as liquidações objecto de pedido de pronúncia arbitral não lhe devem ser imputadas sendo, como tal, ilegais”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Questão Prévia

 

3.1.        A Requerida, na resposta apresentada, começou por suscitar uma questão prévia relativa “à falta de junção das liquidações atinentes ao (…) pedido (…)”.

 

3.2.        Com efeito, segundo a Requerida, “não obstante a Requerente juntar Tabela Anexa no qual se encontram elencados os números das liquidações e o número do procedimento de reclamação graciosa, não se encontram juntas ao (…) processo nem as liquidações de IUC, nem a decisão do procedimento de reclamação graciosa” pelo que “a Requerente incumpriu o (…) normativo legal, não tendo procedido à identificação dos actos tributários, cuja legalidade vem sindicar”.

 

3.3.        Assim, defende a Requerida que “o presente pedido de pronúncia arbitral é no mínimo irregular, por clara e manifesta violação do disposto na alínea b), do nº 2, do Art.º 10º do RJAT, não tendo a Requerente junto aos autos os actos tributários respeitantes às liquidações de IUC, cuja legalidade pretende sindicar neste Tribunal Arbitral”, “(…) encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior” .

 

3.4.        Neste contexto, “a resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral pela entidade Requerida encontra-se balizada somente pelos outros documentos juntos pela Requerente”, pelo que a Requerida “reserva-se no direito de em caso de a Requerente juntar actos de liquidação de IUC relativamente a viaturas que não constam nos presentes documentos, de em prazo posterior (…) vir a apreciar e a exercer contraditório relativamente a esses factos”.

 

Por Impugnação

 

3.5.        Neste âmbito, a Requerida defendeu-se por impugnação quanto aos fundamentos apresentados pela Requerente:

 

3.5.1.     “(…) actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador (…)”;

3.5.2.     “(…) actos relativos a viaturas com contrato de leasing vigente à data do facto gerador (…)”;

3.5.3.     “(…) IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente (…)”.

 

Dos actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador

 

3.6.        Quanto a estes, segundo a Requerida, “as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada” porquanto “o entendimento propugnado (…) incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC”.

 

Dos actos relativos a viaturas com contrato de Leasing vigente à data do facto gerador

 

3.7.        Neste âmbito, segundo a Requerida, “a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a ilisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC (…)”.

 

3.8.        Ora, para a Requerida, “nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis com as matrículas

…-… -… (…), …-…-… (…),…-…-… (…) e …-…-… (…)”, ”(…) pelo que necessariamente terá de improceder a pretendida ilisão do artigo 3º aqui em causa”.

 

3.9.        Assim, conclui a Requerida que “(…) não tendo a Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto”, reiterando ainda que “a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova (…) que (…) deverão ser apresentados com o articulado onde se aleguem os factos correspondentes”, pelo que “após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida (…) a apresentação ulterior de prova documental”.

 

3.10.      Assim, para a Requerida, dado que a Requerente “(…) não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19º do CIUC (…) decaem os argumentos invocados pela Requerente”.

 

Quanto ao IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente

 

3.11.      Segundo a Requerida, “no âmbito deste capítulo vem a Requerente alegar a ilegalidade da liquidação de IUC (…) referente ao veículo com a matrícula

…-… -…”, mas para aquela “não assiste razão à Requerente (…)” porquanto da documentação anexada “(…) não se extrai a existência de reservas de propriedade a favor da Requerente para o ano tributário em causa”, não tendo a Requerente demonstrado “(…) que tal facto (…) se mantinha registado a seu favor no registo automóvel, ónus que se lhe impunha”.

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

3.12.      A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” dado que esta estabelece que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”, defendendo assim o afastamento da consagração de presunção por parte do legislador.

 

3.13.      Assim, defende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente (…) tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel”  pelo que, para a Requerida, “o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)”.

 

Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime

 

3.14.      Entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”.

 

3.15.      Ou seja, “o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.

 

3.16.      Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos (…) pelo que a não atualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto”.

 

3.17.      Prossegue a Requerida argumentando que, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)”.

 

3.18.      “Por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou (…) locação financeira (…) com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto” e, por isso, no entender da Requerida, “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.

 

Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei

 

3.19.      Neste sentido, alega a Requerida que “(…) o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública”.

 

3.20.      E citando o teor dos debates parlamentares  em torno da aprovação do Decreto-Lei

nº 20/2008, de 31 de Janeiro, resulta inequívoco para a Requerida que “o IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, tendo aquele diploma atacado “(…) de frente os problemas que precisavam de ser resolvidos” dado que havia “(…) muitos veículos que não estavam registados em nome do real proprietário (…)”.

 

3.21.      Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os atos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”.

 

Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção

 

3.22.      Nesta matéria, entende a Requerida que sendo “a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC (…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.

 

3.23.      “Todavia (…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”.

 

3.24.      Com efeito, para a Requerida “as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”.

 

3.25.      E acrescenta a Requerida que “as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram ao ponto de meras facturas unilateralmente emitidas pela Requerente poderem substituir o requerimento de registo automóvel (…)”.

 

3.26.      Por outro lado, tendo em consideração que “as facturas não constituem contratos de compra e venda” e, apresentando “(…) no seu descritivo menções distintas”, entende a Requerida que “mostrando-se as facturas desconformes (…) então forçoso é concluir que tais documentos jamais podem beneficiar da presunção de verdade (…)” pelo que conclui que “a Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa (…)”.

 

Da interpretação desconforme à Constituição

 

3.27.      Neste âmbito, entende a Requerida que “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

3.28.      A este respeito, alega a Requerida que “o registo automóvel constitui a pedra angular de todo o edifício em que assenta o IUC”, mas “a competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida, mas sim atribuída a várias entidades exteriores (…) a quem cabe transmitir à Requerida as alterações que se venham a verificar quanto à propriedade dos veículos automóveis”.

 

3.29.      Em resumo, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…)”.

 

3.30.      Assim, entendendo a Requerida não ter sido “(…) quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente”, em consequência defende que “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”.

 

3.31.      Para a Requerida, “o mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente”, porquanto “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios (…)”.

 

3.32.      Nestes termos, conclui a Requerida a resposta apresentada no sentido que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, (...) absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        No que diz respeito à intempestividade do pedido, vide Capítulo 6 desta Decisão, sob a epígrafe “Questão prévia”

 

4.2.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.        O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.        Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer para além da intempestividade do pedido, oficiosamente suscitada pelo Tribunal Arbitral (vide análise no Capítulo 6 desta Decisão).

 

4.5.        Não se verificam nulidades processuais.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos anexados aos autos e não contestados pelas Partes, incluindo processo administrativo anexado pela Requerida.

 

Dos factos provados

 

5.2.        Assim, consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.2.1.     A Requerente é uma instituição financeira de crédito, sujeita a supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.

5.2.2.     No âmbito da sua actividade, a Requerente foi notificada das seguintes notas de liquidação de IUC relativo ao ano de 2013 e 2014, bem como de juros compensatórios, no montante total de EUR:

 

MATRÍCULA       Nº LIQUIDAÇÃO               ANO IUC              IUC         JUROS COMPENSATÓRIOS          TOTAL   DATA LIMITE PARA PAGAMENTO

…-…-...  2013 … 2013       728,00   37,90     765,90   27-06-2014

                2014 … 2014       735,00   8,86       743,86  

…-…-...  2013 … 2013       32,00     1,64       33,64     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       35,41     0,40       35,81     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       32,00     0,32       32,36     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       351,06   4,00       355,06   26-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       17,47     0,90       18,37     24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       32,00     1,67       33,67     27-06-2014

                2014 … 2014       32,00     0,39       32,39    

…-…-...  2013 … 2013       857,00   44,61     901,61   27-06-2014

                2014 … 2014       866,00   10,44     876,44  

…-…-...  2014 … 2014       167,43   1,91       169,34   24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       54,76     2,85       57,61     27-06-2014

                2014 … 2014       55,31     0,67       55,98    

…-…-...  2013 … 2013       35,06     1,83       36,89     27-06-2014

                2014 … 2014       35,41     0,43       35,84    

…-…-...  2013 … 2013       35,06     1,83       36,89     27-06-2014

                2014 … 2014       41,72     0,50       42,22    

…-…-...  2013…   2013       124,44   6,48       130,92   27-06-2014

                2014 … 2014       135,76   1,64       137,40  

…-…-...  2014 … 2014       52,00     0,59       52,59     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       141,47   1,61       143,08   24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       160,27   1,83       162,10   24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       54,76     2,81       57,57     24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       17,47     0,90       18,37     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       336,01   3,83       339,84   24-06-2014

TOTAL   5.305,75              

 

5.2.3.     A Requerente efectuou o pagamento das liquidações acima identificadas dentro do prazo para pagamento voluntário (vide nota de rodapé nº 14).

5.2.4.     A Requerente apresentou, em 17 de Outubro de 2014, reclamações graciosas (processo nº …2014…) relativas aos actos de liquidação identificados no ponto 5.2.2., supra.

5.2.5.     A Requerente foi notificada do Ofício … (do Serviço de Finanças de Lisboa…), de 6 de Novembro de 2014, relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada (despacho da Direção de Finanças do Porto, datado de 5 de Novembro de 2014), bem como para exercer por escrito, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação, o direito de audição prévia, o qual não foi exercido pela Requerente;

5.2.6.     A Requerente foi notificada do Ofício … (despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa…), datado de 27 de Novembro de 2014 nos termos qual se confirmou a convolação em definitivo do projecto de decisão de 05/11/2014 deva convolar-se em definitivo, sendo indeferida a reclamação graciosa apresentada.

 

Dos factos não provados

 

5.3.        Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

Questão prévia – apreciação da excepção da intempestividade do pedido

 

6.1.        Preliminarmente à apreciação do pedido, foi verificado por este Tribunal, a título oficioso, se poderia eventualmente proceder alguma excepção, com as consequências daí decorrentes, tendo sido identificada a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral que obstou ao conhecimento do mérito do referido pedido.

 

6.2.        Com efeito, a questão da intempestividade do pedido arbitral foi analisada, a título oficioso, pelo Tribunal Arbitral, aquando da elaboração da decisão arbitral de 22 de Julho de 2015, tendo a referida decisão julgado “(…) procedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” e em consequência, julgado “(…) improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida”, tendo-se ainda condenado “(…) a Requerente no pagamento das custas do presente processo” (vide ponto 1.17., supra).

 

6.3.        Contudo, a Requerente, inconformada com o teor da decisão arbitral referida no ponto anterior, interpôs impugnação da mesma, junto do TCAS, defendendo que a mesma deveria ser anulada “(…) por manifesta violação do princípio do contraditório (…)”, tendo o TCAS julgado, em 17 de Março de 2016, “(…) procedente a (…) impugnação (…)”, anulando “(…) a decisão arbitral proferida (…)”, com fundamento em violação do princípio do contraditório na análise da referida excepção.

 

6.4.        Neste âmbito, e para dar cumprimento ao Acórdão do TCAS referido no ponto anterior, reaberto o procedimento arbitral em 25 de Janeiro de 2017, e após a tramitação descrita nos pontos 1.20. a 1.22., supra, o Tribunal Arbitral, por despacho de 9 de Maio de 2017, notificou a Requerente para “(…) no prazo de 5 dias, clarificar o objecto do pedido de pronúncia arbitral”, tendo a Requerente, em 19 de Maio de 2017, apresentado requerimento no sentido de referir que “(…) não resulta claro para a Requerente o alcance do pedido que lhe é efectuado pelo Tribunal Arbitral uma vez que o pedido de pronúncia arbitral resulta manifestamente claro do pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado a 3 de Fevereiro de 2015 (…)”, ou seja “nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas na Tabela Anexa, por violação do disposto no art. 3º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 5.305,75 Euros, correspondente a 5.164,87 Euros de imposto pago indevidamente e 140,88 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43º da LGT” (sublinhado nosso).

 

6.5.        Adicionalmente, a Requerente veio ainda referir que “(…) o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre o pedido efectuado, donde resulta implícita a sua total compreensão acerca do pedido (…)”, motivo pelo qual veio requerer esclarecimentos (adicionais) “(…) quanto ao conteúdo do despacho proferido a 9 de Maio do ano corrente”, os quais foram prestados através do teor do despacho arbitral de 19 de Maio de 2017(vide ponto 1.26., supra) (sublinhado nosso).

 

6.6.        Com efeito, este Tribunal Arbitral compreendeu, conforme refere a Requerente, o pedido, tal como foi formulado no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 3 de Fevereiro de 2015 (e reiterado no requerimento apresentado em 19 de Maio de 2017) mas, tendo em consideração o teor do douto Acórdão do TCAS acima referido no ponto 6.3., o Tribunal Arbitral veio reiterar, em despacho arbitral datado de 19 de Maio de 2017, a notificação da Requerente para, no prazo de 5 dias, clarificar o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

6.7.        A Requerente, em requerimento datado de 2 de Junho de 2017, veio referir que continuava “(…) a não ser claro para a Requerente que tipo de esclarecimento é pretendido pelo tribunal arbitral”.

 

6.8.        Ora, estando em causa, como é do conhecimento de ambas as Partes, o cumprimento do Acórdão do TCAS, acima já referido, nos termos do qual se anulou a decisão arbitral anterior proferida em 22 de Julho de 2015, com base na violação do princípio do contraditório, o Tribunal Arbitral, no cumprimento das regras subjacentes àquela princípio, notificou também a Requerida (por despacho arbitral datado de 5 de Junho de 2017) para, querendo, se pronunciar sobre o teor dos requerimentos apresentados pela Requerente (datados de 19 de Maio e de 2 de Junho de 2017).

 

6.9.        A Requerida apresentou requerimento, em 9 de Junho de 2017, no sentido de referir que tendo em consideração “(…) o exposto no douto acórdão do TCA Sul, entende que o douto tribunal arbitral (…) procedeu à sanação do vício de que padecia a decisão arbitral, tendo notificado as partes para se pronunciarem quanto à eventual intempestividade do pedido de pronúncia arbitral”, pelo que defende que “(…) o Tribunal Arbitral deverá emitir pronúncia de nova decisão arbitral, uma vez que o vício da anterior, se considera sanado (…)” (sublinhado nosso).

 

6.10.      Do “ping-pong de notificações e requerimentos” acima descrito, entende o Tribunal Arbitral que resulta claro que os esclarecimentos pedidos à Requerente através dos despachos arbitrais de 9 e de 19 de Maio de 2017 (quanto à clarificação do pedido de pronúncia arbitral) só poderiam dizer respeito ao facto de ser necessário, no cumprimento do princípio do contraditório (cuja violação está na origem da anulação da decisão arbitral de 22 de Julho de 2015), que a Requerente viesse esclarecer o que realmente pretendia com o pedido arbitral:

 

6.10.1.  Ou pedir somente a anulação dos actos de liquidação de IUC identificados, com o reembolso das quantias pagas (imposto e juros), acrescidos de juros indemnizatórios (teor literal do pedido);

6.10.2.  Ou pedir, para além do identificado no ponto anterior, a sindicância do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada com respeito aos referidos actos tributários.

 

6.11.      A Requerente, aparentemente não compreendeu a razão de ser dos dois pedidos de esclarecimento notificados pelo Tribunal Arbitral, tendo vindo apenas reiterar (a 19 de Maio e a 2 de Junho de 2017) o pedido tal como o formulou em 2015, aquando da apresentação, no CAAD do seu pedido de pronúncia arbitral, tendo até referido que, e cite-se, “(…) o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre o pedido efectuado, donde resulta implícita a sua total compreensão acerca do pedido (…)” (sublinhado nosso).

 

6.12.      Ora, como referido nos pontos 1.31. e 6.9, supra, tendo a Requerida (devidamente notificada para o fazer), vindo comentar no processo que “(…) o doutro tribunal arbitral (…) procedeu à sanação do vício de que padecia a decisão arbitral anterior (…)”, só aí é que a Requerente aparentemente compreendeu o que estava em causa com os pedidos de esclarecimento anteriormente notificados, tendo apresentado novo requerimento, o qual pelos motivos expostos no ponto 1.33., não foi aceite no processo tendo em consideração os motivos aí apresentados.

 

6.13.      Com efeito, está convicto este Tribunal Arbitral que, de facto, compreendeu à data e continua agora a compreender muito bem que o pedido arbitral apresentado em 2015 pela Requerente não visa a sindicância da ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa, mas sim a anulação dos actos de liquidação de imposto e juros, com o consequente pedido de reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

6.14.      E se a Requerente não clarificou (das duas vezes que foi notificada pelo Tribunal Arbitral para o fazer) o pedido arbitral naquele sentido, não cabe ao Tribunal Arbitral colocar intenções ou palavras que não estão formuladas no pedido arbitral (nem tão pouco foram agora atempadamente esclarecidas), porquanto ao fazê-lo estaria certamente em incorrer noutro vício processual (excesso de pronúncia) que, com toda a certeza, constituiria motivo suficiente para interposição de (nova) impugnação para o TCAS, desta feita pela Requerida.

 

6.15.      Ora, tendo em conta que, nos termos do artigo 609º do CPC “o objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido”, entende-se que, nos termos definidos pela Requerente, o objeto do processo arbitral corresponde às liquidações de IUC e juros identificadas.

 

6.16.      Nestes termos, no caso em análise, cumpre apreciar e decidir (de novo) sobre o mérito da excepção suscitada por este Tribunal Arbitral, porquanto, tendo em consideração que a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral (por caducidade do direito de acção) é do conhecimento oficioso, torna-se necessário apreciar e decidir, previamente, esta excepção dado que a mesma, a proceder, é impeditiva do conhecimento do mérito da causa e, nesse caso, determinará a absolvição Requerida do pedido.

 

6.17.      Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 576º do CPC, as excepções peremptórias “consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor” e, sendo que a caducidade do direito de acção constitui uma exceção peremptória, porquanto configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que aquele invoca como já validamente constituído, nesta perspectiva integra o domínio daquele tipo de excepções que “são as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor (…) levando à improcedência total ou parcial da acção”.

 

6.18.      Assim, torna-se pertinente analisar, desde já, qual é o prazo legalmente previsto para a apresentação do pedido arbitral.

 

6.19.      Em termos gerais, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” ou da “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”.

 

6.20.      Por outro lado, de acordo com o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”.

 

6.21.      Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT.

 

6.22.      E, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do CPC.

 

6.23.      No caso em análise, tendo em consideração o decurso do prazo de três meses previsto no artigo 102º, nº 1 (contado desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas, ou seja, desde 24 e 27 de Junho de 2014, conforme ponto 5.2.2., supra), mas tendo a Requerente interposto reclamação graciosa relativamente às referidas liquidações de IUC e juros, a contagem do prazo (referido nos pontos 6.19. e 6.20., supra) para apresentar o pedido de pronúncia arbitral iniciar-se-ia no dia seguinte ao da notificação da decisão de indeferimento desta reclamação (ou seja, a 4 de Dezembro de 2014), mas só no caso de naquele pedido de pronúncia arbitral ter sido pedida a sindicância da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

6.24.      Ora, tendo em consideração que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado, no CAAD, a 3 de Fevereiro de 2015, poder-se-ia afirmar que, aparentemente, face ao genericamente disposto na lei, o prazo de 90 dias referido no ponto anterior estaria a ser cumprido pela Requerente.

 

6.25.      Não obstante, para decidir nesta matéria, será necessário analisar o teor do pedido apresentado, porquanto, de acordo com o pedido apresentado, em 3 de Fevereiro de 2015, a Requerente pretende apenas que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre “sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas (…) quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 5.305,75 Euros (…) de imposto pago indevidamente e (…) de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)” (sublinhado nosso).

 

6.26.      Assim, no objecto do pedido, expressamente delimitado pela Requerente (vide pontos 1.2., 1.24. e 6.11., supra), é claramente referido que o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas com fundamento na sua ilegalidade (e consequente pedido de reembolso das quantias pagas, não sendo pedida a sindicância do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

 

6.27.      Contudo, para que fosse possível sindicar somente as liquidações de imposto em crise, o prazo previsto para esse efeito seria contado desde o “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” (ou seja, tendo as liquidações de IUC objecto do pedido um prazo para pagamento voluntário até 24 e 27 de Junho de 2014), aquele prazo seria contado desde 25 e 28 de Junho de 2014, respectivamente), pelo que o pedido de pronúncia arbitral em análise se revela, desde logo, intempestivo face à data da sua interposição (3 de Fevereiro de 2015).

 

6.28.      Não obstante, tal intempestividade não se verificaria caso a Requerente tivesse enunciado de forma clara que o objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral era a ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa (oportunamente apresentada), sendo a ilegalidade dos actos de liquidação de IUC identificados o objecto mediato daquele pedido de pronúncia arbitral.

 

6.29.      Com efeito, a forma como o pedido se apresenta, e tendo em consideração as explicações dadas pela Requerente em sede de esclarecimento do âmbito do pedido de pronúncia arbitral, solicitados por despacho de 9 e 19 de Maio de 2017 (prestados por requerimentos de 19 de Maio e de 2 de Junho de 2017), verifica-se que em nenhum momento do seu articulado pede a Requerente a sindicância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apesar de referir que “(…) tendo sido notificado do indeferimento total da reclamação graciosa interposta com respeito às liquidações (…) vem (…) solicitar a constituição de tribunal arbitral”, numa lógica de apresentação da sequência cronológica de acontecimentos.

 

6.30.      Assim, resta concluir que, no caso em análise, à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral (3 de Fevereiro de 2015), decorrido que estava o prazo contado desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas, a ilegalidade destes actos de liquidação apenas poderia ser apreciada através da apreciação da ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa e, apenas para este efeito, o prazo previsto seria contado a partir da notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (ou seja, a partir de 4 de Dezembro de 2014), porquanto este comportou a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em crise.

 

6.31.      Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral não está pois incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IUC e de juros identificadas (como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações objecto do pedido), o pedido de pronúncia arbitral deve pois ser considerado intempestivo porquanto, face ao acima exposto, a Requerente apenas demonstrou que pretendia tão somente sindicar a legalidade das referidas liquidações de IUC e de juros.

 

6.32.      Consequentemente, sendo a intempestividade do pedido, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, uma excepção impeditiva do exercício do respectivo direito, implica pois a absolvição da Requerida desse mesmo pedido, porquanto sendo aquele pedido intempestivo, este Tribunal não pode dele conhecer.

 

6.33.      Com efeito, sendo este prazo de caducidade peremptório e de conhecimento oficioso (determinando, o seu decurso, a extinção do direito de praticar o acto, conforme disposto no nº 3 do artigo 139º do CPC), tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação directa dos actos liquidação de imposto (ou seja, o prazo de impugnação dos actos primários), a tempestividade do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso dos actos de liquidação onde tivesse sido prolatada decisão a indeferir (total ou parcialmente) as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um acto de segundo grau).

 

6.34.      Neste âmbito, tem entendido a doutrina e a jurisprudência arbitral do CAAD que apesar do artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT fazer referência explícita à competência dos Tribunais Arbitrais para declararem a ilegalidade de actos de liquidação, essa competência se estenderá também aos actos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade dos actos primários (como é o caso, nomeadamente, de um acto de indeferimento de reclamação graciosa).

 

6.35.      Nestes termos, tendo sido ultrapassado o prazo para uma impugnação directa das liquidações de IUC e de juros, abria-se à Requerente a via de impugnar o acto de indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, suscitar a apreciação da legalidade daquelas liquidações na dependência da interposição e decisão desfavorável de um meio de defesa gracioso.

 

6.36.      Assim, se é inequívoco que a Requerente ao identificar e formular o seu pedido arbitral propriamente dito não fez qualquer referência à impugnação do acto de indeferimento da reclamação graciosa identificado, também é certo (como já referido) que o âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal está limitado pelo âmbito do pedido.

 

6.37.      Ora, entende o Tribunal Arbitral que o objecto do pedido são, face ao acima apresentado, as liquidações de IUC e de juros identificadas, estando absolutamente consentâneo com essa evidência (confirmada pela Requerente no Requerimento datado de 19 de Maio de 2017), ou seja, nele a Requerente expressamente refere (e reitera) que pretende que o Tribunal se digne apreciar a legalidade dos actos de liquidação oficiosa identificados no processo.

 

6.38.      Neste âmbito refira-se que o acesso ao direito não é ilimitado nem incondicional e estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido (e não o podendo, como é óbvio exceder ) fica este Tribunal impedido de apreciar e declarar o que quer que seja relativamente ao pedido dado que o mesmo é, face ao acima exposto, intempestivo.

 

6.39.      Dado que a caducidade do direito à ação consubstancia uma exceção peremptória, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 576.º, do CPC [(ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT e alínea a) e alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT)] deve, em consequência, ser a Requerida absolvida do pedido, uma vez que a caducidade do direito de acção obsta à produção dos efeitos jurídicos pretendidos pela Requerente (anulação dos actos de liquidação de IUC e juros), porquanto o pedido formulado é improcedente porque considerado intempestivo.

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

6.40.      De harmonia com o acima exposto, procedendo a excepção da intempestividade do pedido, verifica-se que existe um obstáculo à apreciação do próprio pedido formulado pela Requerente, absolvendo-se a Requerida do pedido e ficando prejudicado o conhecimento do mérito do mesmo.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.41.      De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.42.      Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.43.      Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.44.      No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, impõe-se que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, pelos fundamentos acima expostos, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar procedente a excepção da caducidade do direito à acção, porquanto o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo;

7.1.2.     Em consequência, absolver a Requerida do pedido;

7.1.3.     E, condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 5.305,75.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Junho de 2017

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de Abril de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

3.            RELATÓRIO

 

1.1.        A…, S.A. (doravante designada por “Requerente”), pessoa colectiva nº…, com sede no…, …, lote …, segundo andar, em Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 3 de Fevereiro de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre “sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas (…), por violação do disposto no art. 3º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 5.305,75 Euros, correspondente a 5.164,87 Euros de imposto pago indevidamente e 140,88 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 4 de Fevereiro de 2015 e foi notificado, à Requerida, em 10 de Fevereiro de 2015.

 

1.4.        A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 25 de Março de 2015, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Em 25 de Março de 2015, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10 de Abril de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, “apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, querendo, solicitar a produção de prova adicional”.

 

1.7.        Em 18 de Maio de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo:

 

1.7.1.     Suscitado uma questão prévia, relativa à “falta de junção das liquidações atinentes ao (…) pedido de pronúncia arbitral” e,

1.7.2.     Se defendido por impugnação, concluindo que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido”.

 

3.8.        Em 24 de Maio de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido de notificar a Requerente para, no prazo de cinco dias, “juntar ao processo (a) os documentos em falta no pedido de pronúncia arbitral (Doc. 20 a 26 do pedido), bem como, (b) as cópias das liquidações identificadas na Tabela Anexa àquele pedido”.

 

3.9.        Adicionalmente, o mesmo despacho arbitral mandou notificar a Requerida “do teor deste despacho” e de que dispunha do prazo de cinco dias “(a contar da notificação da junção dos referidos documentos pela Requerente) para, querendo, se pronunciar sobre o teor dos documentos que vierem a ser juntos ao processo pela Requerente (…)”.

 

3.10.      Em 9 de Junho de 2015, na sequência do despacho arbitral de 24 de Maio de 2015 (acima referido no ponto 1.8.) “e tendo em consideração que nenhum documento foi, no prazo de 5 dias, anexado ao processo pela Requerente”, foi emitido novo despacho no sentido de notificar ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa:

 

3.10.1.  Da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, e

3.10.2.  De apresentação de alegações.

 

 

3.11.      Em 19 de Junho de 2015, a Requerente apresentou requerimento “prescindindo da reunião referida no artigo 18º (…) bem como da apresentação de alegações”, e “requerendo a admissão aos autos dos documentos solicitados (…) por despacho de 24 de Maio do ano corrente (…)”.

 

3.12.      A Requerente esclareceu ainda que, “à data do pedido de constituição de tribunal arbitral foi indicada a junção de 26 documentos quanto (…) se pretendia juntar 19 documentos (…)”.

 

3.13.      Em 22 de Junho de 2015, foi emitido despacho arbitral no sentido de ser admitida a junção aos autos do requerimento apresentado, em 19 de Junho de 2015, pela Requerente e notificando-se a Requerida para que se pronunciasse, “no prazo máximo de cinco dias, sobre o teor do mesmo”.

 

3.14.      A Requerida não apresentou, dentro do prazo dado para o efeito, qualquer requerimento quanto ao teor dos despachos arbitrais datados de 24 de Maio de 2015 (vide ponto 1.8. e 1.9., supra), de 9 e de 22 de Junho de 2015 (vide ponto 1.10. e 1.13., supra).

 

3.15.      Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 3 de Julho de 2015, foi decidido prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como prescindir da apresentação de alegações, tendo sido designado o dia 22 de Julho de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

3.16.      Adicionalmente, foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.

 

4.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral a anulação “das liquidações de IUC identificadas (…) e o consequente reembolso do montante de EUR 5.305,75, correspondente a (…) imposto pago indevidamente e (…) juros compensatórios indevidos, bem o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)”.

 

2.2.        “A Requerente é uma instituição financeira de crédito, sujeita a supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira”.

 

2.3.        Prossegue a Requerente referindo que “recebeu várias notas de liquidação de (…) IUC sobre veículos relacionados com a actividade supra mencionada, das quais reclamou graciosamente, tendo o processo corrido os seus termos sob o número …2014…”, tendo sido “notificada, no dia 3 de Dezembro de 2014, do respectivo despacho de indeferimento”.

 

2.4.        Refere ainda a Requerente que “pagou todas as importâncias liquidadas pela Autoridade Tributária referentes aos actos agora em causa”, sendo que o pedido apresentado de pronúncia arbitral respeita a actos de liquidação relativos “(…) aos anos de 2013 e/ou 2014”, remetendo para “Tabela Anexa na qual se identifica cada acto de liquidação (…)”.

 

2.5.        Reitera a Requerente que “discorda de todos os actos de liquidação objecto do presente requerimento (…)” porquanto entende que “não é o sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações oficiosas agora objecto de pedido de pronúncia arbitral” e, nesse sentido, “os actos tributários de liquidação do IUC (…) enfermam de erro sobre os pressupostos do (alegado) facto tributário, o que consubstancia um vício de violação de lei (…) susceptível de ser arguido para fundamentar a anulação dos actos tributários de liquidação de IUC (…)”.

 

2.6.        Com efeito, segundo a Requerente, “em todos os casos abrangidos pelo (…) pedido de pronúncia arbitral, o imposto liquidado respeita a veículos já vendidos pela Requerente, veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente e um caso em que o imposto se refere a um período tributário anterior à retoma do veículo pela Requerente, sendo que todos estes casos correspondem a motivos de exclusão incidência subjectiva do imposto, não atendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em cada uma das liquidações (…) objecto de pedido de pronúncia arbitral”.

 

Fundamentação quanto aos actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador

 

2.7.        Neste âmbito, alega a Requerente que “as primeiras 19 situações identificadas (…) partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação ter sido vendido (…) anteriormente à data de vencimento do IUC” o que, para a Requerente, “(…) consubstancia juridicamente um motivo de exclusão de incidência subjectiva do imposto (…)”.

 

4.8.        Assim, “(…) resulta que na data de vencimento do imposto, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada veículo, ou outro detentor equiparável (…)”.

 

3.33.      Continua a Requerente referindo que “mesmo que não tenha sido dada publicidade às transmissões da propriedade” dos veículos “através do registo automóvel, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários do veículo, uma vez demonstrada (…) a respectiva transmissão”.

 

Fundamentação quanto aos actos relativos a viaturas com contrato de Leasing vigente à data do facto gerador

 

3.34.      Nesta matéria, refere a Requerente que as “(…) situações (…) identificadas (…) reconduzem-se à mesma causa de pedir, i.e., o facto de o veículo associado à liquidação ter sido objecto de um contrato leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributário (...)”.

 

3.35.      Ora, segundo a Requerente, “sempre que os veículos são vendidos em leasing, verifica-se uma verdadeira transmissão da propriedade económica do veículo, sendo a propriedade jurídica do mesmo preservada pela instituição de crédito financiadora com uma mera função de garantia, e sendo, em conformidade, o veículo exclusivamente detido pelo locatário financeiro (…)”.

 

3.36.      Assim, conclui a Requerente que “(…) o sujeito passivo do imposto era exclusivamente o locatário financeiro (…)”.

 

Fundamentação quanto a IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente

 

3.37.      Quanto a esta questão, refere a Requerente que “o último caso mencionado (…) refere-se a liquidação de IUC relativa a um veículo adquirido pela Requerente posteriormente à data de vencimento do imposto”, ou seja, sendo “o imposto (…) exigível ao proprietário (ou outros detentores do veículo equiparáveis) no primeiro dia do período de tributação do veículo”, “(…) resulta que na data de vencimento do imposto, a Reclamante ainda não era a proprietária (…) pelo que o sujeito passivo deverá ser o anterior proprietário, ou outro detentor equiparável existente em data anterior à venda (…)”.

 

3.38.      Em resumo, “a Requerente conclui que as liquidações objecto de pedido de pronúncia arbitral não lhe devem ser imputadas sendo, como tal, ilegais”.

 

4.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

QUESTÃO PRÉVIA

 

3.1.        A Requerida, na resposta apresentada, começou por suscitar uma questão prévia relativa “à falta de junção das liquidações atinentes ao (…) pedido (…)”.

 

3.2.        Com efeito, segundo a Requerida, “não obstante a Requerente juntar Tabela Anexa no qual se encontram elencados os números das liquidações e o número do procedimento de reclamação graciosa, não se encontram juntas ao (…) processo nem as liquidações de IUC, nem a decisão do procedimento de reclamação graciosa” pelo que “a Requerente incumpriu o (…) normativo legal, não tendo procedido à identificação dos actos tributários, cuja legalidade vem sindicar”.

 

3.3.        Assim, defende a Requerida que “o presente pedido de pronúncia arbitral é no mínimo irregular, por clara e manifesta violação do disposto na alínea b), do nº 2, do Art.º 10º do RJAT, não tendo a Requerente junto aos autos os actos tributários respeitantes às liquidações de IUC, cuja legalidade pretende sindicar neste Tribunal Arbitral”, “(…) encontrando-se agora precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior” .

 

3.4.        Neste contexto, “a resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral pela entidade Requerida encontra-se balizada somente pelos outros documentos juntos pela Requerente”, pelo que a Requerida “reserva-se no direito de em caso de a Requerente juntar actos de liquidação de IUC relativamente a viaturas que não constam nos presentes documentos, de em prazo posterior (…) vir a apreciar e a exercer contraditório relativamente a esses factos”.

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

3.5.        Neste âmbito, a Requerida defendeu-se por impugnação quanto aos fundamentos apresentados pela Requerente:

 

3.5.1.     “(…) actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador (…)”;

3.5.2.     “(…) actos relativos a viaturas com contrato de leasing vigente à data do facto gerador (…)”;

3.5.3.     “(…) IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente (…)”.

 

Dos actos relativos a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador

 

3.6.        Quanto a estes, segundo a Requerida, “as alegações da Requerente não podem de todo proceder, porquanto faz uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente errada” porquanto “o entendimento propugnado (…) incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adoção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC”.

 

Dos actos relativos a viaturas com contrato de Leasing vigente à data do facto gerador

 

3.7.        Neste âmbito, segundo a Requerida, “a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao facto do artigo 3º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo (i.e., a ilisão da presunção) depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC (…)”.

 

3.8.        Ora, para a Requerida, “nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis com as matrículas

…-… -… (…),…-…-… (…),…-…-…(…) e …-…-… (…)”, ”(…) pelo que necessariamente terá de improceder a pretendida ilisão do artigo 3º aqui em causa”.

 

4.9.        Assim, conclui a Requerida que “(…) não tendo a Requerente dado cumprimento àquela obrigação, forçoso é concluir que aquela é o sujeito passivo do imposto”, reiterando ainda que “a lei determina prazos para a junção dos documentos destinados a fazer prova (…) que (…) deverão ser apresentados com o articulado onde se aleguem os factos correspondentes”, pelo que “após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida (…) a apresentação ulterior de prova documental”.

 

4.10.      Assim, para a Requerida, dado que a Requerente “(…) não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19º do CIUC (…) decaem os argumentos invocados pela Requerente”.

 

 

Quanto ao IUC anterior à retoma do veículo pela Requerente

 

4.11.      Segundo a Requerida, “no âmbito deste capítulo vem a Requerente alegar a ilegalidade da liquidação de IUC (…) referente ao veículo com a matrícula

…-… -…”, mas para aquela “não assiste razão à Requerente (…)” porquanto da documentação anexada “(…) não se extrai a existência de reservas de propriedade a favor da Requerente para o ano tributário em causa”, não tendo a Requerente demonstrado “(…) que tal facto (…) se mantinha registado a seu favor no registo automóvel, ónus que se lhe impunha”.

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

4.12.      A este respeito, alega a Requerida que “o primeiro equívoco subjacente à interpretação defendida pela Requerente prende-se com uma enviesada leitura da letra da lei” dado que esta estabelece que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…) em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal”, defendendo assim o afastamento da consagração de presunção por parte do legislador.

 

4.13.      Assim, defende a Requerida que “em face desta redacção não é manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente (…) tratando-se, sim, de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção (…) foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel” , pelo que, para a Requerida, “o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal (…)”.

 

Da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime

 

4.14.      Entende a Requerida que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (…) geram o nascimento da obrigação de imposto (…)” sendo que este se “considera exigível no primeiro dia do período de tributação (…)”.

 

4.15.      Ou seja, “o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo”.

 

4.16.      Assim, “na falta de tal registo (…) será o proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois a Requerida (…) não terá que proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos (…) pelo que a não atualização do registo será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo deste Imposto”.

 

4.17.      Prossegue a Requerida argumentando que, “a aceitar-se a posição defendida pela Requerente (…) a Requerida teria de proceder à liquidação de IUC relativamente a esse outrem identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente liquidado o IUC (…)”.

 

4.18.      “Por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse outrem, este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou (…) locação financeira (…) com um outro terceiro, mas que este também não registou (…)”, “(…) e assim sucessivamente (…)”, “colocando (…) em causa o prazo de caducidade do imposto” e, por isso, no entender da Requerida, “não pode de todo acompanhar-se tal leitura”.

 

Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei

 

4.19.      Neste sentido, alega a Requerida que “(…) o novo regime de tributação do IUC veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública”.

 

4.20.      E citando o teor dos debates parlamentares  em torno da aprovação do Decreto-Lei

nº 20/2008, de 31 de Janeiro, resulta inequívoco para a Requerida que “o IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos”, tendo aquele diploma atacado “(…) de frente os problemas que precisavam de ser resolvidos” dado que havia “(…) muitos veículos que não estavam registados em nome do real proprietário (…)”.

 

4.21.      Assim, segundo a Requerida, “resulta claro que os atos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei”, na medida em que à luz do disposto na legislação aplicável, “era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC”.

 

Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção

 

4.22.      Nesta matéria, entende a Requerida que sendo “a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC (…) todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.

 

4.23.      “Todavia (…) aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência (…), importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão”.

 

4.24.      Com efeito, para a Requerida “as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”.

 

4.25.      E acrescenta a Requerida que “as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram o ponto de meras facturas unilateralmente emitidas pela Requerente poderem substituir o requerimento de registo automóvel (…)”.

 

4.26.      Por outro lado, tendo em consideração que “as facturas não constituem contratos de compra e venda” e, apresentando “(…) no seu descritivo menções distintas”, entende a Requerida que “mostrando-se as facturas desconformes (…) então forçoso é concluir que tais documentos jamais podem beneficiar da presunção de verdade (…)” pelo que conclui que “a Requerente não logrou provar a pretensa transmissão dos veículos aqui em causa (…)”.

 

Da interpretação desconforme à Constituição

 

4.27.      Neste âmbito, entende a Requerida que “a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade”.

 

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios e da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

4.28.      A este respeito, alega a Requerida que “o registo automóvel constitui a pedra angular de todo o edifício em que assenta o IUC”, mas “a competência para o registo automóvel não se encontra na esfera da Requerida, mas sim atribuída a várias entidades exteriores (…) a quem cabe transmitir à Requerida as alterações que se venham a verificar quanto à propriedade dos veículos automóveis”.

 

4.29.      Em resumo, alega a Requerida que “o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida (…)” pelo que “não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel (…) forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível”, levando “(…) a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita (…)”.

 

4.30.      “Logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” pelo que, consequentemente, “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral (…)”.

 

4.31.      Para a Requerida, “o mesmo raciocínio se aplica relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente”, porquanto “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios (…)”.

 

4.32.      Nestes termos, conclui a Requerida a resposta apresentada no sentido que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, (..) absolvendo-se (…) a Requerida do pedido”.

 

5.            QUESTÃO PRÉVIA A DECIDIR

 

Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

4.1.        Preliminarmente à apreciação do pedido, foi verificado por este Tribunal, a título oficioso, se poderia eventualmente proceder alguma excepção, com as consequências daí decorrentes, tendo sido identificada uma excepção dilatória associada à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, a qual, a proceder, obstará ao conhecimento do mérito do referido pedido.

 

4.2.        Em consequência, importará, por isso, conhecer previamente da mesma.

 

4.3.        A Requerente, em cumprimento do disposto na alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, peticiona no seu pedido de pronúncia arbitral “(…) a constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas (…) por violação do disposto no art. 3º do Código do IUC quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 5.305,75 Euros, correspondente a 5.164,87 Euros de imposto pago indevidamente e 140,88 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante (…)”.

 

4.4.        O objecto do pedido são, portanto, as liquidações de IUC acima referidas e identificadas no processo.

 

4.5.        Neste âmbito, o pedido formulado reconhece e é absolutamente consentâneo com essa evidência - a Requerente peticiona que o Tribunal se digne apreciar a legalidade dos actos de liquidação oficiosa de IUC identificados no processo.

 

4.6.        Com efeito, nos termos do pedido de constituição do Tribunal Arbitral em análise, o objecto imediato do processo deveria ser o indeferimento da reclamação graciosa

nº …2014… (identificada pela Requerente no artigo 2º do pedido arbitral), indeferida por despacho notificado a 3 de Dezembro de 2014 (conforme é mencionado pela Requerente no artigo 3º do pedido arbitral e processo administrativo junto pela Requerida).

 

4.7.        Não obstante, do teor do pedido formulado e acima transcrito (vide ponto 4.3., supra), verifica-se que os actos tributários sindicados (e que são de facto objecto do pedido de pronúncia arbitral), não são o de indeferimento da reclamação graciosa acima referido (vide ponto anterior) mas sim, como refere a Requerente, os actos de liquidação de IUC identificados na Tabela anexa ao pedido arbitral.

 

4.8.        Nos termos do disposto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, pretendendo a Requerente reagir dos actos de liquidação oficiosa, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral deveria ter sido apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário, em conformidade com o disposto no artigo 102º, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

4.9.        Ora, das notas de liquidação [cujas cópias foram anexadas ao processo, através de requerimento, apresentado pela Requerente, datado de 19 de Junho de 2015 ) que a seguir se identificam (e se dão como provadas)], constam como datas limite de pagamento do IUC os dias 24 e 27 de Junho de 2014, como a seguir se identificam:

 

MATRÍCULA       Nº LIQUIDAÇÃO               ANO IUC              IUC         JUROS COMPENSATÓRIOS          TOTAL   DATA LIMITE PARA PAGAMENTO

…-…-...  2013 … 2013       728,00   37,90     765,90   27-06-2014

                2014…   2014       735,00   8,86       743,86  

…-…-...  2013 … 2013       32,00     1,64       33,64     24-06-2014

…-…-...  2014…   2014       35,41     0,40       35,81     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       32,00     0,32       32,36     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       351,06   4,00       355,06   26-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       17,47     0,90       18,37     24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       32,00     1,67       33,67     27-06-2014

                2014 … 2014       32,00     0,39       32,39    

…-…-...  2013 … 2013       857,00   44,61     901,61   27-06-2014

                2014 … 2014       866,00   10,44     876,44  

…-…-...  2014 … 2014       167,43   1,91       169,34   24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       54,76     2,85       57,61     27-06-2014

                2014 … 2014       55,31     0,67       55,98    

…-…-...  2013…   2013       35,06     1,83       36,89     27-06-2014

                2014 … 2014       35,41     0,43       35,84    

…-…-...  2013 … 2013       35,06     1,83       36,89     27-06-2014

                2014 … 2014       41,72     0,50       42,22    

…-…-...  2013 … 2013       124,44   6,48       130,92   27-06-2014

                2014 … 2014       135,76   1,64       137,40  

…-…-...  2014 … 2014       52,00     0,59       52,59     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       141,47   1,61       143,08   24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       160,27   1,83       162,10   24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       54,76     2,81       57,57     24-06-2014

…-…-...  2013 … 2013       17,47     0,90       18,37     24-06-2014

…-…-...  2014 … 2014       336,01   3,83       339,84   24-06-2014

 

4.10.      Tendo a Requerente apresentado o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em 3 de Fevereiro de 2015 (e considerando o vertido nos pontos anteriores), verifica-se que, nesta data, havia já sido ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação, em sede arbitral, dos referidos actos de liquidação de IUC, pelo que aquele pedido é intempestivo e este Tribunal não pode dele conhecer.

 

4.11.      Com efeito, sendo este prazo de caducidade peremptório e de conhecimento oficioso [determinando, o seu decurso, a extinção do direito de praticar o acto, conforme disposto no nº 3 do artigo 145º do Código de Processo Civil (CPC)], tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação directa dos actos liquidação de imposto (ou seja, o prazo de impugnação dos actos primários), a tempestividade do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso dos actos de liquidação onde tivesse sido prolatada decisão a indeferir (total ou parcialmente), as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um acto de segundo grau).

 

 

4.12.      Neste âmbito, é pacífico na doutrina e na jurisprudência arbitral do CAAD que apesar do artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT fazer referência explícita à competência dos Tribunais Arbitrais para declararem a ilegalidade de actos de liquidação, essa competência se estenderá também aos actos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade dos actos primários (como é o caso, nomeadamente, de um acto de indeferimento de reclamação graciosa).

 

4.13.      Nestes termos, tendo sido ultrapassado o prazo para uma impugnação directa da liquidação de IUC, abria-se à Requerente a via de impugnar o acto de indeferimento da reclamação graciosa (a que alude no artigo 3º do seu pedido arbitral), ou seja, suscitar a apreciação da legalidade das liquidações de IUC na dependência da interposição e decisão desfavorável de um meio de defesa gracioso.

 

4.14.      Assim, se é inequívoco que a Requerente ao identificar e formular o seu pedido arbitral não fez qualquer referência à impugnação do acto de indeferimento da reclamação graciosa acima identificado (vide pontos 4.3. e 4.6., supra), também é certo que o âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal está limitado pelo âmbito do pedido.

 

4.15.      Com efeito, o acesso ao direito não é ilimitado nem incondicional pelo que, de acordo com as normas legais que o disciplinam, a Requerente tinha um meio adequado para garantir a sua pretensão (impugnar o acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada), sem que com isso fosse contrariada qualquer disposição constitucional, designadamente as que garantem o princípio do acesso aos tribunais para a tutela de direitos [cf. artigos 20º, nº 1 e 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP)] ou o princípio da protecção da confiança (artigo 2º da CRP), nem tão-pouco o disposto no artigo 9º do Código Civil.

 

4.16.      Contudo, a Requerente não o fez no pedido de pronúncia arbitral apresentado e, por isso, não tendo sido pedida a apreciação da legalidade do acto de segundo grau (o do indeferimento da reclamação graciosa apresentada), não existe o apoio que poderia defender a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de este Tribunal Arbitral apreciar o mesmo relativamente aos actos de liquidação que a Requerente pretende sindicar.

 

4.17.      Estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido (e não o podendo, como é óbvio exceder ) fica este Tribunal impedido de apreciar e declarar o que quer que seja relativamente ao pedido dado que o mesmo é, face ao acima exposto, intempestivo.

 

4.18.      Em suma, resultando clara e inequivocamente do pedido de pronúncia arbitral, a impugnação directa dos actos tributários acima referidos (vide ponto 4.9., supra), deve o pedido formulado (conducente à anulação dos actos de liquidação) ser declarado improcedente, por intempestivo, porquanto a caducidade do direito à acção consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 576º do CPC [ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT e alíneas a) e e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT] devendo, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância (nos termos do disposto na alínea e), do nº 1, do artigo 278º do CPC, aplicável ex vi alíneas a ) e e) do nº 1, do artigo 29º do RJAT).

 

5.            DECISÃO

 

5.1.        De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

5.2.        Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a Parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC).

 

5.3.        Nestes termos, pelos fundamentos expostos no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

5.3.1.     Julgar procedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;

5.3.2.     Em consequência, julgar improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida;

5.3.3.     E, condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 5.305,75.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Julho de 2015

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira